Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10776/15.5T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
CONCLUSÕES
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS DE ALEGAR E FORMULAR CONCLUSÕES / DESPACHO SOBRE O REQUERIMENTO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 116;
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª Edição, p. 49 e 149;
- Carla Câmara, Recursos em processo civil: regime dos pressupostos após a reforma de 2007, Revista do CEJ, 2.º semestre, 2009, Número 12, p. 239;
- Rui Pinto, O Recurso Civil, Uma Teoria Geral, 2017, p. 57.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.º 3 E 641.º, N.º 2, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 09-05-2015, PROCESSO N.º 818/07.3TBAMD.L1.S1;
- DE 05-07-2018, PROCESSO N.º 131/16.5T8MAI-A.P1.S1;
- DE 27-11-2018, RELATOR JÚLIO GOMES, TODOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 15-02-2013.


Sumário :
I - A reprodução da motivação nas conclusões do recurso não equivale à falta de conclusões, fundamento de indeferimento do recurso – art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC.

II - Neste caso, impõe-se prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões, no sentido de lhes conferir maior concisão – art. 639.º, n.º 3, do CPC.
Decisão Texto Integral:


            PROC. N.º 10776/15.5T8PRT.P1. S1
            REL. 65[1]

                                                                      
*

      ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

A Massa Insolvente da sociedade “AA, Lda.”, propôs acção sob a forma de processo comum contra BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 440.976,68 €, acrescida de juros desde a data de instauração da acção até efectivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegou factos praticados pelo Réu, lesivos dos interesses da sociedade em causa, de que era sócio e gerente, com violação do disposto nos artigos 35º, 78º, 213º e 523º do Código das Sociedades Comerciais.
                                                                                 
Na contestação, o Réu pediu a improcedência da acção.

Realizou-se o julgamento e foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente acção e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 315.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal de 4% até efectivo pagamento, perfazendo os vencidos, em 30 de Abril de 2015, a quantia de 125.033,00 €.
                                                                                 
Não se conformando com o assim decidido, interpôs o Réu recurso de apelação.
No entanto, a Relação do Porto, por acórdão de 13.07.2018, rejeitou o recurso por falta de conclusões.

Recorre o Réu, agora, para o STJ, rematando as alegações de revista da seguinte forma:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que rejeitou o recurso de apelação apresentado pelo recorrente, com fundamento no artigo 641º, n.º 2, do CPC.
2. Entendeu aquele Tribunal da Relação que as conclusões apresentadas pelo recorrente constituíam reprodução da motivação integrante de tal recurso e, por tal motivo, considerou haver falta de conclusões.
3. Tal interpretação viola, de forma evidente e grosseira, a lei processual aplicável e bem assim os mais elementares princípios do acesso ao Direito, do contraditório e da cooperação.
4. As conclusões apresentadas no aludido recurso encontram-se formuladas de acordo com os preceitos normativos aplicáveis, pelo que o recurso em causa deveria ter sido admitido e conhecido pelo Tribunal da Relação.
5. As conclusões em causa são claras e inteligíveis, correspondendo a uma versão mais sintética do segmento da motivação apresentado.
6. De resto, apesar de as conclusões terem, necessariamente, a mesma estrutura, o recorrente eliminou as partes que considerou não serem essenciais ao conhecimento do recurso, bem como alterou e sintetizou as ideias constantes da motivação.
7. O que se reflecte, desde logo, no facto de a motivação ocupar 29 páginas e meia e conter 82 parágrafos e as conclusões ocuparem 13 páginas e meia e constarem de 54 parágrafos.
8. Tratando-se de um recurso da matéria de facto, revelava-se essencial a inclusão de parte dos excertos dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
9. O recorrente eliminou e reduziu tais excertos aos essenciais à percepção das questões colocadas ao tribunal e das respostas que o recorrente considera terem resultado do julgamento efectuado.
10. As conclusões definem e delimitam o âmbito do recurso, não se bastando por uma impugnação e discordância vaga e generalizada da decisão recorrida.
11. Impunha-se a admissão e o conhecimento do recurso apresentado, porquanto as conclusões vertidas são claras, perceptíveis e inteligíveis, nomeadamente no seguimento da unânime jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça existente sobre a matéria.
12. Caso assim o Tribunal da Relação não entendesse – como não entendeu – sempre se imporia a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, ao abrigo do artigo 639º, n.º 3, do CPC, bem como do artigo 3º, n.º 3, o que, igualmente, não sucedeu.
13. Dispõe tal artigo que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de 5 dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada”.
14. Nos termos da própria definição de ‘conclusões complexas’ defendida pelo Tribunal da Relação no acórdão em crise – extensas e prolixas –, impunha-se a notificação do recorrente para proceder ao seu aperfeiçoamento.
15. Ademais, não podem tais conclusões, por motivos óbvios e evidentes, ser consideradas ausência de apresentação de conclusões, já que consubstanciam em si, necessariamente, conclusões, no termo literal do conceito para os efeitos da lei.
16. Pelo que, padecendo as conclusões de qualquer deficiência ou irregularidade, sempre se impunha a notificação do recorrente para o seu aperfeiçoamento.
17. Conforme, de resto, é posição unânime deste Supremo Tribunal de Justiça.
18. Impõe-se a revogação do acórdão proferido e, em consequência, a remessa dos presentes autos ao Tribunal da Relação para que este conheça o recurso apresentado, ou, caso assim se não entenda, profira despacho que convide o recorrente a apresentar novas conclusões, ou a aperfeiçoar as apresentadas, em 5 dias, o que expressamente se requer.

Não houve contra-alegações.

                                                           *

Sendo o recurso balizado pelas conclusões do recorrente, a única questão a conhecer é a de saber se a apelação não devia ter sido rejeitada por falta de conclusões.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS 

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

A) Por sentença datada de 10 de Janeiro de 2013, transitada em julgado em 31 de Janeiro de 2013, a sociedade “AA, Lda.”, foi declarada insolvente.

B)        O Réu era, à data da insolvência e desde 31 de Dezembro de 1985, sócio gerente da referida sociedade, juntamente com a sua mulher CC, com quem era casado em comunhão de adquiridos.

C)        O Réu detinha uma quota de 150.000,00 € e a sua mulher uma quota de  100.000,00 €, sendo o capital social de 250.000,00 € e obrigando-se a sociedade com a assinatura de qualquer um deles.

D)       Na sequência da declaração de insolvência da sociedade “AA, Lda.”, foi nomeado administrador da insolvência DD.

E)        A “EE, Lda.”, realizou obras num prédio sito na Rua …l, … a …, ..., o qual está registado em nome do Réu e das suas filhas.

F)         Entre 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2015 foram feitos pagamentos pela sociedade “AA, Lda.”, sem suporte documental, de 50.000,00 € cada, em 31 de Janeiro de 2005, 28 de Fevereiro de 2005 e 31 de Março de 2005, e um de 15.700,00 € em 30 de Abril de 2005, num total de 165.700,00 €, que se destinaram a pagar as obras referidas em E).

G)       Em 2004, a ora insolvente sociedade “AA, Lda.”, apresentava resultados transitados acumulados negativos de 45.606,29 € e, em 2005, atingiu resultados de exercício negativos de 108.409,57 € …

H)       … Tendo as dívidas totais aos credores aumentado de 922.994,40 €, em 2004, para 1.234.844,66 €, em 2005.

I)         A ora insolvente sociedade “AA, Lda.”, quer no balancete geral de 31 de Dezembro de 2012, quer nas contas apresentadas pelo Técnico Oficial de Contas e pela gerência em 31 de Dezembro de 2005, não dispunha de qualquer imóvel no imobilizado nem obras em curso.

J)         Da contabilidade da ora insolvente resulta que foi movimentada na Conta da Caixa, em 31 de Maio de 2005, a saída de dinheiro, através de transferência, no montante de 150.000,00 €, saída de dinheiro essa que foi registada como contrapartida da conta Prestações Suplementares – J. Figueiredo, anulando-se dessa forma o saldo existente nessa conta, o qual passou a ser zero…

K)        … Tal operação reduziu os capitais próprios ou a situação líquida da ora insolvente a 103.276,98 €, equivalentes a 41% do capital da “AA, Lda.”, com as reservas legais a cifrarem-se em 6.286,06 €.

L)        Após a efectivação das obras referidas em E), a “AA, Lda.”, passou a exercer a sua actividade nesse prédio, não pagando renda.

M)       Pela apresentação 173 de 7 de Setembro de 2009 mostra-se registada na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade “FF, Lda.”, dos quais são sócios o réu e as suas duas filhas, tendo sede na mesma morada onde foram efectuadas as obras referidas em E).

            O DIREITO

O recurso é um acto processual postulativo, porquanto a sua eficácia está dependente de um juízo de procedência sobre o pedido de revogação de uma determinada decisão judicial[2]. Esse pedido baseia-se numa argumentação jurídica orientada no sentido de contrariar as razões adoptadas na decisão impugnada, sendo obrigatoriamente sintetizada na parte final das alegações de recurso, numa fórmula que se deseja clara e que identifique, de forma criteriosa e objectiva, os fundamentos constantes do corpo das alegações. O cumprimento deste ónus por parte do recorrente é muito importante, não só para o tribunal de recurso, que fica devidamente esclarecido quanto à matéria sobre que terá de pronunciar-se, mas também para a viabilização do exercício do contraditório pela parte contrária.
Infelizmente, são muitíssimo frequentes as situações em que esse ónus, a cargo do recorrente, é incumprido ou deficientemente cumprido.
            O caso dos autos é, como veremos, um bom exemplo do que acabámos de dizer.

Em reacção à decisão da 1ª instância, o Réu apresentou recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, estendendo as alegações do recurso de apelação por 29 páginas (fls. 329 a 358) e reservando 15 páginas para as 54 conclusões (fls. 358 a 372).
Na parte final das alegações escreveu as seguintes conclusões:  
1. Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu julgar a acção “parcialmente procedente e condeno[ar] o réu a pagar à autora a quantia de 315.000,00 euros acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4% até efectivo pagamento, perfazendo os vencidos em 30.04.2015 a quantia de 125.033,00 euros”.
2. A matéria de facto foi incorrectamente julgada, pois que considerou o Tribunal a quo não provados factos que resultaram provados, tendo havido uma errada apreciação e valoração da prova.
3. O Tribunal a quo não deu como provado, nomeadamente o acordo existente entre a AA e o Réu de que, como contrapartida do pagamento das obras do imóvel em causa por parte da AA, esta ficaria dispensada do pagamento de qualquer renda.
4. Bem como ignorou os seguintes factos, instrumentais daqueloutro, e que se impunha, fossem considerados provados:
a) o pagamento de renda, por parte da AA, antes da mudança de instalações;
b) a necessidade imperiosa de mudança de instalações, por imposição do Grupo GG;
c) a necessidade de pagamento de uma renda não inferior a €: 1.500,00, caso a AA optasse por arrendar outro local que cumprisse as imposições da GG;
d) a perda de Clientela, depois da realização das obras, sem responsabilidade imputável à AA, e que comprometeu a situação financeira da sociedade (e não a decisão de realização e pagamento das obras, por parte da AA);
5. Interpretando, ainda, o Tribunal a quo praeter legem a retirada dos €: 150.000,00 por parte do Réu.
6. E concluindo, assim, e desfasadamente da realidade, que o Apelante actuou culposamente, em prejuízo da sociedade e, consequentemente, dos credores desta, o que não se concebe nem se concede!
7. Entende o Apelante que deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
1) Do acordo celebrado entre a AA e o Réu de que, como contrapartida do pagamento das obras do imóvel em causa por parte da AA, esta ficaria dispensada do pagamento de qualquer renda.
2) Do pagamento de renda, por parte da AA, antes da mudança de instalações,
3) Da absoluta necessidade de mudança de instalações e cumprimento das exigências impostas pela GG e
 4) Do pagamento de uma renda mensal não inferior a €: 1.500,00, caso a AA optasse por arrendar outro local que cumprisse as imposições da GG.
8. Na verdade, considerou o Tribunal a quo provado que a AA custeou as obras de adaptação do imóvel do Réu (Facto Provado F) e que aquela mudou de instalações em 2005, após a realização de obras de adaptação do imóvel, tendo deixado de pagar renda (Facto Provado L).
9. Não tendo-erradamente-considerado provados os factos supra indicados, sendo que os mesmos resultaram provados da prova produzida!
10. Foi confirmado por todos os ex-trabalhadores da AA que esta pagava uma renda ao proprietário das anteriores instalações, sendo o próprio Senhorio quem se deslocava às instalações da AA para receber a renda.
11. Não se concebendo, que sendo o depoimento dos 3 trabalhadores coincidentes nesta matéria-e credíveis, de acordo com a sentença-não tenha o Tribunal a quo valorado convenientemente este particular ponto: LF.(10-10-2017 15:39:10)–Ex-trabalhador da AA, manipulador de peixe. (07:14)
JUIZ - O Sr. Dr. também não perguntou isto, mas é relevante, o Sr. Dr. sabe quem é que, o Sr. sabe quem é que, de quem era o primeiro prédio onde trabalhavam? (…) A quem é que pertencia aquilo?
TESTEMUNHA LF – Eu parece-me a mim que o Sr. que ia lá receber o aluguer… chamavam-lhe o Sr. HH, agora quem é, não sei.
JUIZ - O Sr. HH ia lá receber a renda?
TESTEMUNHA LF – Sim.
JUIZ - Faz ideia de quanto é que era a renda?
TESTEMUNHA LF – Não, não, isso…
II (11-10-2017 14:10:20) – Contabilista
1ª Gravação (10:37)
ADVOGADA RÉU - Agora diga-me uma coisa, (…) Diga-me uma coisa, no armazém onde estavam antes pagavam renda?
TESTEMUNHA ML - Pagávamos sim, tinha o senhorio.
ADVOGADA RÉU - Quem era o senhorio? Tem ideia?
TESTEMUNHA ML - Hã, como é que ele se chamava? Ele era JJ, não sei se era JJ. Era um senhor de ... e que tem na ria do sul, tem vários edifícios.
ADVOGADA RÉU - Foi dito aqui um nome e eu vou-lhe perguntar se este nome lhe diz alguma coisa.
Sr. HH diz-lhe alguma coisa não?
TESTEMUNHA ML - Senhor?
ADVOGADA RÉU - HH.
TESTEMUNHA ML - Não, não me diz nada. HH.
ADVOGADA RÉU - Não lhe diz nada. Pronto. Mas seria um senhor que ía lá receber a renda, não? O senhor ía lá receber a renda?
TESTEMUNHA ML - Era o senhorio mesmo.
ADVOGADA RÉU - Era o senhorio que ia lá?
TESTEMUNHA ML – Era, sim.
(11:52)
ADVOGADA RÉU – Pronto, e era a D.ª KK que lhe dava o dinheiro, como é que era paga a renda?
TESTEMUNHA ML - A renda era paga por cheque.
ADVOGADA RÉU - Por cheque. Quem é que entregava o cheque?
TESTEMUNHA ML - Era o Sr. BB.
ADVOGADA RÉU - O Sr. BB e a D.ª KK viu esses cheques? Não tem dúvida que havia recibos de rendas?
TESTEMUNHA ML - Não, não, por amor de deus. Não tenho dúvida nenhuma.
ADVOGADA RÉU - Havia recibos de rendas?
TESTEMUNHA ML - Aliás, todos anos era feito uma declaração de retenção do, do IVA não é?
ADVOGADA RÉU - Sim, ok. O arrendamento estava sujeito a IVA.
TESTEMUNHA ML - Exacto. Estava, estava.
ADVOGADA RÉU - Tudo isso estava direitinho. E havia, contabilisticamente, havia recibos de renda?
TESTEMUNHA ML - Exacto.
ADVOGADA RÉU - E na contabilidade estava retratado a renda?
TESTEMUNHA ML - Sim, sim.
(14:53)
ADVOGADA RÉU - Ok. A Sra. tem alguma ideia ou recorda-se qual era o valor da renda que pagavam nesse primeiro armazém?
TESTEMUNHA ML - Eu creio que eram mais de 100 euros mas não era muito mais…
ADVOGADA RÉU - 100€?
TESTEMUNHA ML - Não tenho ideia muito bem, Sra. Dra., sinceramente. Não tenho ideia mas sei que era à volta disso, porque ainda foi, ainda era pago em escudos e depois foi...
ADVOGADA RÉU - Ok
TESTEMUNHA ML - Era a volta disso.
ADVOGADA RÉU - 100 euros, então pense em escudos, qual é que seria o valor da renda. Consegue ter mais preciso?
TESTEMUNHA ML - Não consigo Dra. tenho pena, mas não consigo.
ADVOGADA RÉU - Ok
TESTEMUNHA ML - A minha cabeça não dá para tanto.
ADVOGADA RÉU - Sim senhora
TESTEMUNHA ML - Já vai há muito tempo…
(46:33)
ADVOGADO M.I. - Depois, outra coisa, hã, isso começou por dizer o prédio antigo pagava renda, uma renda à volta de 100€
TESTEMUNHA ML - Isso não posso, não estou bem certa do valor…
ADVOGADO M.I. - Mas era um valor que rondava…
TESTEMUNHA ML – Era, era, era.
ADVOGADO M.I. - Hã, esses pagamentos, o pagamento da renda, costumavam ser contabilizados, estão espelhados na contabilidade ou não?
TESTEMUNHA ML - É evidente que sim, em rendas.
LL (11-10-2017 15:28:56)–Ex-Trabalhador da AA (manipulador de peixe) (05:36)
ADVOGADA RÉU – Sim, Senhora. E queria-lhe perguntar, não sei se posso, o Sr. tem ideia se as instalações anteriores, essas que ficaram depois de arrumos, essas não eram do Sr. BB, nem eram da AA?
TESTEMUNHA JP - Não. Era alugado.
ADVOGADA RÉU – Era alugado. Sabe a quem?
TESTEMUNHA JP - Eu conheço a pessoa. Mora, mora em ... da Palmeira, eu conheço a pessoa.
Agora o nome dele, HH ou HH, parece que era assim uma coisa. Eu conheço a pessoa, sei que era alugado.
ADVOGADA RÉU – Sabe que é o senhorio. Sabe que havia um valor de renda que era pago a ele?
Ele ia lá?
TESTEMUNHA JP - Sei que havia um valor, mas não sei qual. Sabia que ele ia lá.
ADVOGADA RÉU – Certo, ele ia lá receber?
TESTEMUNHA JP - Ele ia lá receber com frequência.
12. Resultando, assim à evidência, que, apesar de não ter ficado provado o valor da renda mensal, a AA efectuava o pagamento de uma renda mensal ao proprietário do imóvel arrendado.
13. Impondo-se a valoração de tal facto e a sua consideração como provado.
14. Impõe-se igualmente compreender, e valorar, a razão que originou a mudança de instalações da AA.
15. Ficou demonstrado que a mudança de instalações se deveu unicamente ao facto de o Grupo GG ter exigido o cumprimento de determinados requisitos, nomeadamente de higienização, para manter o fornecimento de pescado para os seus hipermercados.
16. Sendo que tais requisitos não eram de possível cumprimento nas instalações que a AA se encontrava a ocupar, nomeadamente pela altura e dimensão do edifício.
II (11-10-2017 14:10:20)–Contabilista
1ª Gravação (06:58)
ADVOGADA RÉU - Pronto. Eh… a AA mudou de instalações?
TESTEMUNHA ML - Sim, mudou de instalações por imposição da firma GG.
ADVOGADA RÉU - Certo.
TESTEMUNHA ML - Hã, eles exigiram-nos umas determinadas regras para, para continuarem a ser clientes da AA, portanto queriam que os camiões entrassem dentro do armazém para fazerem a…
ADVOGADA RÉU - E no outro armazém não era possível?
TESTEMUNHA ML - Não, não era possível porque era pequeno e não tinha como…
ADVOGADA RÉU - E não era possível fazer obras de adaptação nesse mesmo armazém para isso?
TESTEMUNHA ML - Não, não era. Não era, nem o senhorio consentia com certeza.
(18:44)
ADVOGADA RÉU - E a Sra. sabe-nos dizer que obras é que foram feitas lá?
TESTEMUNHA ML - Olha as obras, realmente, as obras foram, só ficou a fachada, porque interiormente foi todo modificado. Foi feito em cima as instalações para o escritório, tem o escritório e tem uma sala que era para, para reuniões, tem uma casa de banho, em cima, no, no primeiro andar.
E em baixo foi feito um gabinetezinho para estar o chefe de armazém e a instalação para a máquina de gelo e as câmaras e foi tudo com azulejos, porque era isso que eles, que a GG queria. Queria tudo com as paredes todas com azulejos para serem facilmente laváveis.
ADVOGADA RÉU - Isso para ser mais higiénico.
TESTEMUNHA ML – Exacto, para a higienização.
(…) ADVOGADA RÉU - Tem noção do tempo que as obras duraram?
TESTEMUNHA ML - Não tenho noção, Sra. Dra.
(…) ADVOGADA RÉU - Foi mais de um mês?
TESTEMUNHA ML - Ai foi, então para fazer tudo aquilo! As paredes foram todas rebocadas e todas postas com azulejo e o chão também. Ah e também em baixo foram feitas casas de banho e vestiários porque era isso o exigido pelo, pelo, GG, lavatórios com pedal para não, para não mexerem no peixe.
(55:43)
ADVOGADA RÉU – (…) Nas novas instalações de que valor de rendas poderíamos estar a falar? Ou seja, a Sra. já me disse que o armazém era maior, estava completamente renovado, cumprindo as regras de higienização.
TESTEMUNHA ML - Exacto, na altura quando a, quando o GG fez as exigências, eu lembro-me que o Sr. BB foi à doca pesca saber, porque na doca pesca tem armazéns que, que alugam. E a renda, a renda naquela altura, eles queria por um armazém €1.500,00. (…) Com as condições que a GG pretendia era isso que a doca pesca estava a pedir.
II (11-10-2017 15:22:34) – Contabilista
2ª Gravação (02:33)
JUIZ - E então qual foi a intenção do Sr. BB em fazer as obras se a sociedade já estava assim tão mal? Ainda foram obras de montante significativo. Qual foi a intenção dele?
TESTEMUNHA ML - Pois mas isso tudo, como eu já expliquei, foi exigência do GG e afinal não resultou nada, porque passado pouco tempo eles deixaram também…
17. Resulta à evidência que a AA, para manter a sua actividade, e o fornecimento dos seus grandes clientes, necessitava imperiosamente de mudar de instalações e garantir o cumprimento daquelas exigências.
18. Sendo que, antes da realização das obras aqui em causa, o Réu, em nome da AA, tentou arrendar um espaço que cumprisse aquelas exigências e permitisse a laboração da AA e a manutenção da clientela, tendo-se apercebido de que tais arrendamentos ascendiam a valor mensal nunca inferior a €: €: 1.500,00:
II (11-10-2017 14:10:20) – Contabilista
1ª Gravação (55:43)
ADVOGADA RÉU – D.ª KK (…) Nas novas instalações de que valor de rendas poderíamos estar a falar? Ou seja, a Sra. já me disse que o armazém era maior, estava completamente renovado, cumprindo as regras de higienização.
TESTEMUNHA ML - Exacto, na altura quando a, quando o GG fez as exigências, eu lembro-me que o Sr. BB foi à doca pesca saber, porque na doca pesca tem armazéns que, que alugam. E a renda, a renda naquela altura, eles queria por um armazém €1.500,00.
ADVOGADA RÉU – Já naquela altura?
TESTEMUNHA ML - Já naquela altura.
ADVOGADA RÉU – Em 2004, 2005?
TESTEMUNHA ML - Sim. Com as condições que a GG pretendia era isso que a doca pesca estava a pedir.
ADVOGADA RÉU – Ok. Pode ter sido por isso que o Sr. BB decidiu fazer as tais obras, o investimento nas obras.
TESTEMUNHA ML - Para não pagar aquela renda, não é?
ADVOGADA RÉU – Ok. Foi a senhora que averiguou esse valor de renda, foi a senhora? Ou foi o Sr. BB que averiguou e falou consigo, como é que foi?
TESTEMUNHA ML - Foi o Sr. BB que foi lá e depois veio comentar comigo.
ADVOGADA RÉU – E disse-lhe isso. A Sra. sabe isso?
TESTEMUNHA ML - Exactamente.
ADVOGADA RÉU – E que o próprio lhe disse.
TESTEMUNHA ML - Sei porque o Sr. BB, porque na altura nós reunimos com os representantes da GG para, para pôr as coisas como eles queriam e depois o Sr.
BB foi à doca pesca e ele disse, ele veio e comentou comigo “Sabe quanto é que eles queriam de renda pelo armazém? Ele veio e disse…
19. Impondo-se, assim, igualmente, a sua valoração.
20. Entende ainda o Réu que resultou provada a existência de acordo entre a AA e o Réu de que, por conta das obras pagas pela AA, esta ficaria dispensada do pagamento da renda devida pela ocupação de um imóvel que não lhe pertencia, como nunca lhe pertenceu:
II (11-10-2017 14:10:20) – Contabilista
1ª Gravação (12:30)
ADVOGADA RÉU - Diga-me uma coisa, depois destas obras que foram feitas e da AA ter passado a ocupar o outro armazém, eu pergunto-lhe, e disse-me já, não foi paga nenhuma renda ao Sr. BB? Isso não tem duvida nenhuma?
TESTEMUNHA ML - Não, não, isso não, nunca foi paga nenhuma renda.
ADVOGADA RÉU - Sabe se o não pagamento da renda foi um acordo pela realização das obras?
Sabe se o objectivo do Sr. BB era este, isto foi falado consigo?
TESTEMUNHA ML - Quer dizer, isso eu sei que era uma coisa discutida entre os sócios. Eu não tinha poder nenhum com eles, só quando era necessário alguma coisa da minha parte.
ADVOGADA RÉU - Claro, claro mas tem… a ideia era essa? A AA pagava as obras e não pagava renda?
TESTEMUNHA ML - Eu penso que sim, que era essa a ideia. Porque foi assim, foi assim que aconteceu, não é?
(36:46)
ADVOGADA RÉU - Certo, olhe diga-me uma coisa, D.ª KK, aqui a Sra. explicou as obras que foram feitas e por quem e disse aqui, eu vou ler o que diz no email “O imóvel pertencia ao Sr. BB a quem a AA nunca pagou renda”. A Sra. também explicou esta questão que havia, a AA faz as obras, mas não paga renda ao Sr. BB, era isto, é isto?
TESTEMUNHA ML - Exactamente.
21. É usual a realização de obras de adaptação dos locados ser da responsabilidade dos Arrendatários, sendo, em contrapartida, atribuída a carência do pagamento de rendas!
22. Muito se estranha que, neste caso concreto, atenta a relação próxima entre a sociedade e o Réu, e o benefício que resultaria, para a sociedade e para o próprio Réu, o pagamento mensal de uma quantia (que poderia ser de cerca de €: 1.500,00), não tenha sido dado como provado tal acordo.
23. A opção do Réu seria entre: - arrendar um espaço cujo valor de renda, à data de 2004/2005 ascendia a €: 1.500,00 (o que num prazo que se veio a verificar de 7 anos, mas que, expectavelmente, seria ainda superior, e sem prejuízo de qualquer aumento de renda, sempre ascenderia ao valor de €: 126.000,00) ;
- efectuar obras (num valor de cerca de €: 150.000,00) num local e beneficiar do não pagamento de renda mensal durante todo o funcionamento da empresa (e que, tendo sido de 7 anos, era expectável até que tal funcionamento fosse assegurado durante mais tempo).
24. Até porque, e ao contrário do que o Tribunal a quo pretende fazer crer, apoiando-se no depoimento do TOC Dr. MM, que começou por referir que a empresa naquela data de 2005 já estaria “tecnicamente falida”, a verdade é que, depois de confrontado com os documentos, esclareceu que, na realidade, em 2004/2005 a empresa não tinha uma situação tão má, encontrando-se até a cumprir ratios para candidatura a apoios e subsídios externos, aos quais não teria certamente acesso, em caso de “falência técnica”!!:
MM(10-10-2017 15:48:34) – TOC da AA
(44:33)
JUIZ - O Sr. Dr. disse que aquilo em 2005, que a empresa estava tecnicamente falida.
TESTEMUNHA DP - Sr. Dr. eu agora aí emendo. Eu tinha ideia que a situação era pior. Mas olhando agora para os números eu verifiquei que não era, não era tanto assim. Estava difícil. É que foi o que eu disse à Sra. Dra., olhando aqui para este documento, reavivei a memória e foi para cumprir ratios de possíveis projectos de financiamento.
25. À data de 2004 / 2005, quando a decisão de realização das obras foi tomada, não era previsível, expectável ou conjecturável o desfecho da AA.
26. O Apelante não pode aceitar que a decisão de realização / pagamento das obras em causa tenha sido danosa, sequer que, na data em que a mesma teve de ser tomada, o fosse.
27. Sopesando os valores de renda que sempre teria de despender entre 2005 e 2013 (data da declaração de insolvência), em montante não inferior a €: 126.000,00, a verdade é que nunca estaríamos a falar de um prejuízo aos credores (ou à massa) superior a €: 30.000,00!!
28. Carece de sentido a condenação do Réu na restituição à massa do valor de €: 165.700,00, já que a AA beneficiou da realização das obras, e bem assim da dispensa do pagamento da renda mensal, que sempre se imporia!
29. Impondo-se seja dado como provado o aludido acordo de não pagamento da renda, com o pagamento das obras, o que se requer!
30. Bem como a revogação da sentença na parte em que condena na restituição à massa insolvente da quantia de €: 165.700,00 referente às obras pagas, o que igualmente se requer.
31. Considerou o Tribunal a quo que o Réu praticou actos de gestão danosa da sociedade AA, o que não se concebe, nem se concede!
32. Relativamente à decisão da realização das obras (por contrapartida do não pagamento de qualquer renda), o Apelante reitera tudo quanto dito ficou: não foi a decisão de realização e pagamento das obras, mediante a contrapartida do não pagamento da renda, e quando tal era absolutamente essencial à manutenção da actividade, que arruinou esta sociedade.
33. De resto, e não estando perante um cenário de “falência técnica”, como o Tribunal a quo pretendeu fazer crer, a decisão tomada não foi ruinosa ou danosa.
34. A não realização das obras implicaria o encerramento imediato, e precipitado, de uma empresa que movimentava milhões de euros por ano.
35. A opção de arrendar um local com uma renda mensal de €: 1.500,00, não alteraria, sequer, de forma substancial, a situação financeira da Empresa.
36. Considerou ainda o Tribunal a quo ruinosa e danosa a actuação do Réu, ora Apelante, consubstanciada no levantamento da quantia de €: 150.000,00, cujo montante havia sido por si injectado a título de prestações suplementares.
37. Apesar da classificação efectuada exclusivamente pelo TOC Dr. MM, a verdade é que a Empresa tratou sempre este valor como “suprimentos”.
38. Foi a própria Sra. D. KK, contabilista quem, de resto, de forma assumida, sempre tratou tal injecção de capital como suprimentos, tendo permitido o levantamento daquele montante, sem o preenchimento dos pressupostos legais.
II (11-10-2017 14:10:20) – Contabilista
1ª Gravação (09:35)
ADVOGADA RÉU - Pronto, deixe-me perguntar-lhe isto e se calhar vamos ter de olhar para documentos. O Sr. BB… tem noção de que valores estamos a falar? Valores…
TESTEMUNHA ML - 150 mil acho eu.
(…) ADVOGADA RÉU - A Sra. tem ideia, se de alguma forma esse valor foi injectado na empresa esse valor?
TESTEMUNHA ML - Foi injectado
(…) ADVOGADA RÉU - Sabe a que título?
TESTEMUNHA ML - Suprimentos, só poderia ser.
ADVOGADA RÉU - Se eu lhe disser que foi a título de prestações suplementares ?
TESTEMUNHA ML - É a mesma coisa. Suprimentos.
ADVOGADA RÉU - É a mesma coisa como?
TESTEMUNHA ML - Suprimentos é uma das contas de prestações suplementares.
ADVOGADA RÉU - Mas o tratamento não é diferente contabilisticamente?
TESTEMUNHA ML - Não, não, é igual!
ADVOGADA RÉU - Contabilisticamente?
TESTEMUNHA ML - O lançamento é da mesma maneira.
ADVOGADA RÉU - No fundo, é sempre um empréstimo.
TESTEMUNHA ML - Exactamente. É sempre um empréstimo.
ADVOGADA RÉU - Há sempre uma entrega de um valor.
TESTEMUNHA ML - É sempre um Empréstimo do sócio à empresa.
ADVOGADA RÉU - É sempre uma entrega do sócio à empresa e que entrega fica credor desse montante perante a empresa.
TESTEMUNHA ML - Exacto.
39. Apenas por achar o Réu estar perante um empréstimo / suprimentos à AA, procedeu ao seu levantamento.
40. Não se tratando de uma actuação danosa e ruinosa do Apelante.
41. Sempre e em qualquer dos casos, tratou-se de uma injecção de capital efectuada pelo Réu, ora Apelante, cuja retirada, na verdade, e conforme admitiu o próprio TOC, Dr. MM, não alterou em nada a situação real da Empresa:
MM(10-10-2017 15:48:34) – TOC da AA
(32:28)
ADVOGADA RÉU - Se o Sr. Dr. conseguir analisar o documento 10, que deve estar aí na sua mão, neste documento, é folhas 45 Sr. Dr. Neste documento na coluna de 2004, nós vemos estas prestações suplementares. Ou seja, a injecção do valor, 150 mil, já estava em 2004.
TESTEMUNHA DP - Sim, sim.
(…) ADVOGADA RÉU - Pronto, o Sr. Dr. diz que o dinheiro entrou e voltou a sair, o Sr. Dr. até disse “isto anulou”. Portanto, nós daqui, nós não podemos dizer o Sr. BB não se apropriou de €:150.000,00 da empresa?
TESTEMUNHA DP - Não, não, não. Isso afianço.
ADVOGADA RÉU - Ele apropriou-se de €:150.000,00 que ele injectou lá.
TESTEMUNHA DP - Exactamente.
ADVOGADA RÉU - Podemos depois discutir, acessoriamente outras questões, mas aquele dinheiro foi o que ele injectou. Corresponde integralmente ao valor.
TESTEMUNHA DP - Exactamente. (…) Ele injectou. Ele pediu um empréstimo, eu isso lembro-me, por que foi…
(…) ADVOGADA RÉU - Se ele injectou aquele dinheiro e na realidade ele pode ir lá buscá-lo, porque ele injectou-o, seja a título de suprimentos, seja a título de prestações suplementares. A situação real da empresa era sem aqueles 150 mil, ou seja, isto não afectou a situação real da empresa, porque os 150 só melhoravam porque ele os pôs lá.
TESTEMUNHA DP - Pois, o objectivo de entrar, da injecção do dinheiro era melhorar a empresa financeiramente.
ADVOGADA RÉU - Certo.
TESTEMUNHA DP - Para a empresa estar apta.
ADVOGADA RÉU - Certo. E pode não ter melhorado porque ele os retirou. O que eu lhe pergunto é:
TESTEMUNHA DP - Voltou outra vez ao ponto de partida.
ADVOGADA RÉU - Sr. Dr. ele piorou? E se ele nunca os lá tivesse posto? Ele piorou a situação?
Percebe aquilo que eu lhe estou aqui a dizer?
TESTEMUNHA DP - Não. Exacto. Aí ele anulou.
ADVOGADA RÉU - Anulou a melhoria que podia ter feito.
TESTEMUNHA DP - Exactamente. Ele apenas desfez aquilo que tinha feito.
ADVOGADA RÉU - Ele não piorou em nada na situação da AA.
TESTEMUNHA DP - Não, não piorou.
ADVOGADA RÉU - Com esta operação não piorou.
TESTEMUNHA DP - Não, não.
42. Assim é que, a situação real da AA corresponde à realidade financeira sem aqueles €: 150.000,00, não se concebendo que tal retirada tenha consubstanciado um acto de gestão danosa e um prejuízo aos credores daquele montante!
43. O Apelante desconhece os conceitos contabilísticos, tendo actuado de acordo com as informações prestadas pela contabilista da Empresa, D. KK, que sempre lhe transmitiu que não haveria qualquer impedimento ao levantamento daquele valor, por entender tratar-se de suprimentos.
44. Em momento algum, o Apelante agiu com dolo ou com intuito de prejudicar a sociedade, sequer os seus credores.
45. Sendo que, não é esta a instância adequada a discutir a qualificação dos actos praticados pelo gerente da sociedade insolvente, existindo acção judicial especial para o efeito, não tendo o Senhor Administrador lançado mão de tal acção!
46. Impondo-se a revogação da sentença proferida, impondo-se a consideração como Provados dos seguintes Factos supra elencados.
47. E, após correcta valoração da prova produzida e dos conceitos jurídicos envolvidos, impõe-se a absolvição do Apelante, o que aqui se requer.
48. Condenou ainda o Tribunal a quo o ora Apelante no pagamento dos juros vencidos e vincendos, referindo na sentença que os juros vencidos 31.05.2005 até 30.04.2015 ascendiam a €: 125.033,00, resultando à evidência que condena o Réu no pagamento de juros prescritos!
49. Nos termos do disposto no art. 310º, al. d) do C.C., prescrevem em 5 anos os juros moratórios, convencionais ou legais.
50. O ora Apelante foi citado em 06.05.2015, pelo que apenas lhe poderão ser imputados os juros de mora vencidos a partir de 07.05.2010, o que-e em caso de condenação-aqui expressamente se requer!
51. É que, o Tribunal a quo, descurando tal preceito normativo-sendo, de resto, tal prescrição, do conhecimento oficioso —, condenou o Réu, ora Apelante, em montantes que este não pode aceitar!
52. Razão pela qual se invoca expressamente a prescrição dos juros, impondo-se, também neste ponto, a revogação da sentença, considerando-se prescritos todos os juros de mora vencidos antes de 07.05.2010!
53. Atento tudo quanto vem de ser exposto, impõe-se a prolação de nova decisão que, desde logo, considere provados:
A) o acordo celebrado entre a AA e o Réu de que, como contrapartida do pagamento das obras do imóvel em causa por parte da AA, esta ficaria dispensada do pagamento de qualquer renda;
B) o pagamento de renda, por parte da AA, antes da mudança de instalações,
C) a absoluta necessidade de mudança de instalações e cumprimento das exigências impostas pela GG, e
D) o pagamento de uma renda mensal não inferior a €: 1.500,00, caso a AA optasse por arrendar outro local que cumprisse as imposições da GG;
54. E, consequentemente, e após correcta valoração da prova efectivamente produzida, julgue a acção em causa totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, absolva o Réu dos pedidos formulados pela Autora, o que expressamente se requer.
           
            O acórdão recorrido entendeu que estas asserções finais não constituem conclusões e rejeitou o recurso, dizendo, designadamente:
“No caso em apreço, como se evidencia do confronto entre a motivação constante do corpo das suas alegações de recurso com a parte em que apelida de ‘conclusões’, o Réu apelante reproduz, ipsis verbis (com ligeiras nuances relativas ao início de algumas frases e cortes de 4 ou cinco parágrafos) o que foi afirmado, quer na referida introdução, quer no corpo das alegações, mantendo, inclusivamente os referidos excertos dos depoimentos das testemunhas, limitando-se a introduzir uma ordenação numérica nos parágrafos.
Esta segunda parte das suas alegações, que a apelante apelida de ‘conclusões’ é assim obtida mediante um mero ‘copy/paste’, enumerado, do até aí alegado.
Evidentemente que o critério delimitador entre a existência, ou não, de conclusões passará mais pela substância do que pela forma. 
Como assim, casos haverá em que, não obstante não exista uma verdadeira separação entre a motivação e a sintetização das pretensões, acaba por conter, em termos substancias, as referidas conclusões.
Nestas situações, ainda que o apelante, formalmente não denomine tal sintetização de ‘conclusões’, tal omissão não prejudicará a inteligibilidade do recurso, entendendo-se que, apesar de tal falha formal, o objectivo visado pela exigência das conclusões se mostra cumprido.
(…)
Mas também, para que se considere verificada a existência de conclusões, não será suficiente que o apelante nas suas alegações de recurso utilize a palavra ‘conclusões’, sendo ainda necessário que a mesma seja seguida de algo que, de algum modo, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas (ainda que deficientes, obscuras ou complexas).
Ora, a referida reprodução integral do que está vertido no corpo das suas alegações de recurso, não pode ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.
Do que se trata aqui não é de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso.
No caso em apreço, tal esforço é absolutamente inexistente, uma vez que o apelante nem sequer se deu ao trabalho de apagar a parte da sua motivação em que reproduz os excertos do depoimento de cada uma das testemunhas que invoca em favor da sua discordância com o decidido.
Como se afirma no Acórdão do TRL de 15-02-2013, a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação. 
E não se argumente que nestes casos se justificava o convite ao aperfeiçoamento.
É certo que o despacho de aperfeiçoamento traduz um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil português. Mas esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente um rigor e auto-responsabilidade por parte deste.
Todavia, nesta situação tal convite não encontra justificação, já que, quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal ‘copy/paste’: o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente na nossa lei adjectiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade.
Mas se não há lugar a qualquer esforço de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
Como tem sido, de resto, sobejamente evidenciado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais às partes e em que a li prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, não afasta a liberdade de conformação do legislador na compatível com a imposição de ónus processuais às partes”.

As normas do processo civil a que convém atender para a resolução da questão colocada na revista são as dos artigos 639º e 641º.
Na primeira, respeitante ao ónus de alegar e formular conclusões, os nºs 1 e 3 desse artigo 639º dispõem o seguinte:
1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. (…)
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-tas, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada”.
Na segunda, referente ao despacho sobre o requerimento de interposição de recurso, dispõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 641º que o requerimento é indeferido quando:
Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.

O acórdão recorrido entendeu que a rejeição do recurso se impunha, à luz desta última disposição legal, fazendo equivaler à falta de conclusões a reprodução da motivação na área do articulado destinada às ‘conclusões’, através da técnica de copy/paste.

Parece-nos, salvo o devido respeito, que esta decisão não pode manter-se.

A consequência fatal da rejeição do recurso deve ser reservada para casos em que seja manifesta a ausência dos requisitos ou condições da recorribilidade da decisão.
A falta de conclusões inscreve-se no lote dos casos em que tal consequência é possível.
De facto, na reforma de 2007[3] o legislador inscreveu a falta de conclusões como uma das causas de rejeição imediata do recurso. Até então, essa omissão podia ser suprida pelo recorrente que respondesse ao despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do n.º 4 do artigo 690º.
Amâncio Ferreira foi um dos precursores dessa alteração legislativa, batendo-          -se pela eliminação do convite prévio[4]:
“Actualmente não há razão nenhuma para o convite prévio, porquanto os mandatários das partes não desconhecem que têm de formular conclusões, face à antiguidade da norma que o impõe, provindo do CPC39.
Em nome da celeridade da justiça, deve o legislador na melhor oportunidade determinar que a falta absoluta das conclusões implica como consequência imediata o não conhecimento do recurso”.
Foi o que veio a suceder com o aditamento do artigo 685º-C do CPC de 1961, a que corresponde o artigo 641º, n.º 2, alínea b) do actual CPC, que o acórdão recorrido aplicou.
No entanto, é bom notar que a rejeição do recurso aí prevista só pode ser ditada quando a falta de conclusões seja absoluta, total.
Abrantes Geraldes escreve sobre o assunto[5]:
“Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são ‘ineptas’, determinando a rejeição do recurso (641º, n.º 2, al.b)), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação”.
            São patentes, na transcrição das conclusões acima feita, a errada técnica de síntese e a dificuldade do recorrente em cumprir satisfatoriamente o encargo imposto no n.º 1 do artigo 639º do CPC, nem sequer tendo observado o cuidado de eliminar das conclusões as transcrições dos depoimentos das testemunhas invocados na apelação para impugnar a decisão da matéria de facto. O uso do procedimento de copy/paste para transpor para a área das conclusões, mediante mera reprodução, boa parte do arrazoado do corpo das alegações, constitui bastas vezes, como no presente caso, uma forma fácil de os recorrentes se eximirem à obrigação legal de sintetizarem os fundamentos por que pedem a revogação da decisão.
            Não obstante, não nos parece correcta a afirmação do acórdão recorrido de que tal prática corresponda à falta de conclusões, uma vez que o recorrente não deixou de estabelecer, em termos formais, uma diferenciação entre a motivação do recurso e as respetivas conclusões.
            Estamos, antes, na presença de uma situação em que as conclusões se apresentam complexas[6], mostrando-se necessário abrir uma oportunidade para que a parte interessada as remodele no sentido de uma maior concisão, conforme determina o n.º 3 do artigo 639º.
            Sendo este manifestamente o caso, há que dar cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do artigo 639º, tal como tem vindo a ser decidido neste STJ em situações idênticas[7].

                                                           *

III. DECISÃO

Em conformidade, no provimento da revista, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de que seja proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639º do CPC.

                                                           *

Sem custas.

                                                           *


LISBOA, 19 de Dezembro de 2018

Henrique Araújo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Catarina Serra
             
 
_____________
[1] Relator:       Henrique Araújo
  Adjuntas:    Maria Olinda Garcia
                        Catarina Serra
[2] Rui Pinto, “O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, 2017, página 57.
[3] DL 303/2007, de 24 de Agosto.
[4] “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, página 149.
[5] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, página 116.
[6] As conclusões são complexas quando não sejam sintéticas, isto é quando sejam prolixas ou consistam na mera repetição de argumentos sem interesse e já antes apresentados na motivação – cfr. Carla Câmara, “Recursos em processo civil: regime dos pressupostos após a reforma de 2007”, em Revista do CEJ, 2º semestre 2009, número 12, página 239, nota 111.
[7] Tem sido este, consistentemente, o entendimento do STJ, como nos dão conta, entre outros, os acórdãos de 09.05.2015, no processo n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1 e de 05.07.2018, no processo n.º 131/16.5T8MAI-A.P1.S1, ambos relatados pelo Ex.º Conselheiro Abrantes Geraldes, e também o recentíssimo acórdão de 27.11.2018, relatado pelo Ex.º Conselheiro Júlio Gomes, todos consultáveis em www.dgsi.pt.