Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1136/13.3TYVNG-E.P1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
DIREITO POTESTATIVO
PODER-DEVER
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / ÓRGÃOS DA INSOLVÊNCIA / ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA / FUNÇÕES E SEU EXERCÍCIO / EFEITOS SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO / PRINCÍPIO GERAL QUANTO A NEGÓCIOS AINDA NÃO CUMPRIDOS / PLANO DE INSOLVÊNCIA / EXECUÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA E SEUS EFEITOS / INCUMPRIMENTO.
Doutrina:
-Ana Prata, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª edição;
-Carvalho Fernandes, João Labareda, Efeitos Substantivos Privados Da Declaração De Insolvência, Colectânea De Estudos Sobre Insolvência, p. 190;
-Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Volume I, Coimbra, 2006, p. 341;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Volume I, Tomo I, 3.ª edição;
-Oliveira Ascensão, Insolvência: Efeitos Sobre Os Negócios Em Curso, ROA 65 (2005), p. 281 e 312;
-Pestana de Vasconcelos, Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, Cadernos de Direito Privado, n.º33 Janeiro/Março 2011;
-Pestana de Vasconcelos, O Novo Regime Insolvencial Da Compra e Venda, Revista da Faculdade de Direito Da Universidade do Porto, Ano III 2006, 533 e 548.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 55.º, N.º 2, 102.º, N.º 1, 217.º E 218.º.
ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL, APROVADO PELA LEI 22/2013, DE 26 DE FEVEREIRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-02-2011, RELATOR AZEVEDO RAMOS, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-03-2014, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2014;
- DE 05-07-2016, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I O Administrador da insolvência é o órgão privilegiado de gestão e liquidação da massa insolvente, sendo competente para a realização de todos os actos que lhe são cometidos quer pelo seu Estatuto, cfr Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro), quer pela Lei em geral, como resulta do artigo 2º daquele diploma.

II Estão compreendidas nessas funções, entre outras devidamente prevenidas na Lei insolvencial, as relativas ao destino dos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente, vg cumprimento e/ou recusa de cumprimento de contratos.

III Neste conspecto, preceitua o disposto no artigo 102º, nº1 do CIRE que «[e]m qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento, nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.».

IV Este normativo faz atribuir ao AI o poder de conformar ou de reconformar as relações contratuais existentes, através do exercício da faculdade de executar o cumprimento do contrato, caso a massa insolvente esteja em condições de o fazer, transmitindo a coisa vendida e exigindo o preço, ou o remanescente, ou, poderá ainda recusar o cumprimento, com as consequências indemnizatórias daí advenientes, sendo certo que o aludido poder tem de ter em conta os interesses da massa, já que o AI deve orientar a sua conduta por forma a maximizar a satisfação dos interesses dos credores

V Integrando o escolho, entre o cumprimento e o não cumprimento de um contrato promessa celebrado pela Insolvente, o cumprimento de um dever pelo AI e, pautando-se a sua actuação por princípios de maximização da massa, tendo em atenção a satisfação dos interesses dos credores, a faculdade que lhe concedida pela norma não poderá configurar um direito potestativo, pois este caracteriza-se por o seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando efeitos na esfera jurídica de outrem independentemente da vontade deste, traduzindo um poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica, nela fazendo produzir efeitos jurídicos.

VI A exercitação por parte do AI, da opção de cumprimento ou não cumprimento dos contratos que lhe confere o artigo 102º, nº1 do CIRE não está dependente da sua vontade exclusiva, mas antes se encontra vinculada aos superiores interesses da massa insolvente, os quais deverão ser ponderados antes da tomada de qualquer decisão, veja-se em abono desta asserção o que dispõe o nº4 daquele mesmo normativo ao penalizar aquele considerando que «A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais pela massa insolvente for manifestamente improvável.», de onde se poder extrair que se estará, igualmente, perante um comportamento abusivo quando a recusa de cumprimento acarretar para a massa insolvente um prejuízo considerável.

VII A declaração efectuada em sede de contestação por parte da massa insolvente de que não irá cumprir o contrato promessa havido com os Autores, não depende de qualquer acto pessoal do AI, sujeito à concordância da comissão de credores, pelo que a actuação levada a cabo pelo mandatário judicial encontra-se legalmente legitimada ao abrigo e no âmbito dos poderes gerais de representação que lhe foram conferidos por aquele, posto que se estava, como está, perante um caso em que o mesmo não poderia exercer pessoalmente as competências do seu cargo por haver, obrigatoriamente, lugar ao patrocínio judiciário, cfr nº2 do artigo 55º do CIRE, de onde se poder dizer que o AI substabeleceu as suas atribuições legais, vg o seu poder de declarar aqui, de forma inequivoca, não ir cumprir o acordado por força do disposto no artigo 102º, nº1 do CIRE, sendo que a recusa de cumprimento nem sequer exige forma expressa, aplicando-se-lhe o disposto nos artigos 217º e 218º, no que tange à manifestação da declaração negocial.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I A e T, intentaram, por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de SOCIEDADE, LDA, a presente acção de verificação ulterior de créditos contra a MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE, LDA, OS CREDORES DA INSOLVENTE e a própria INSOLVENTE, pedindo que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda com troca celebrado no dia 09 de Outubro de 2008, entre os aqui autores e a insolvente, sendo a massa insolvente condenada a pagar aos autores a quantia de €330.000,00 a título de restituição em dobro do montante prestado a título de sinal, sempre acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, reconhecendo-se aos autores o direito de retenção sobre o prédio urbano, destinado a habitação, constituído por uma habitação unifamiliar tipo T4 designada pela letra C, constituída por cave e R/C, 1º andar e aproveitamento do vão da cobertura que faz parte integrante do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, situado na … para garantia do seu crédito de € 330.000,00 e, bem assim, dos respectivos juros; caso assim não se entenda pedem que seja reconhecido e verificado como privilegiado o valor do sinal em singelo de 165.000,00 euros e respectivos juros de mora desde a citação.

Para tanto alegaram, em suma, que, por contrato promessa de compra e venda com troca celebrado no dia 09 de Outubro de 2008, a Insolvente prometeu vender, livre de quaisquer ónus, encargos, coisas e pessoas, aos aqui autores, que por sua vez prometeram comprar, o prédio referido, sendo que na cláusula segunda desse contrato, os autores declaram que são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra G,…. à qual os contratantes atribuem o valor de € 245.000,00.

Nesse contrato promessa, as partes convencionaram como preço para a compra e venda com troca do referido prédio urbano, a quantia de € 365.000,00.

Na data do contrato os autores pagaram à insolvente a título de sinal a quantia de €120.000,00, da qual lhes foi dada quitação, e pagaram a quantia de €45.000,00 no dia 19 de Dezembro de 2008, tudo no total de 165.000,00 euros.

A restante quantia de € 200.000 seria paga ou através do produto da venda do imóvel dos autores, ou caso até 31/12/2010, os reclamantes não a tivessem vendido, permutariam esse imóvel com a fracção C, pelo valor de 200.0000 euros.

Mais alegaram que os autores passaram a residir com a sua família a dita fracção, titulando os contratos e pagando os consumos de água e luz referentes ao dito imóvel, tendo ainda instalados no sobredito imóvel, mobílias, objectos e outros seus pertences, estacionando viaturas, posse essa do conhecimento de todos, à vista de todas as pessoas e sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta e consecutiva e a partir dessa data ficaram os autores contratualmente responsáveis “pelo pagamento das mais variadas despesas, tais como água, luz, gás, condomínio, telefone, entre outras”, obrigações que os autores têm cumprido até ao presente momento.

Acontece que a insolvente não celebrou o contrato prometido no prazo estabelecido no contrato promessa, ou seja, até 31-10-2010 e, não obstante os autores tivessem regularmente contactado com a insolvente durante o período de tempo entre a data contratual de 9 de Outubro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010 no sentido de se marcar a data para celebração do contrato prometido, aquela sempre contrapôs com dificuldades financeiras de momento, dificuldades essas, que tinham a ver com a falta de liquidez da insolvente para fazer face ao distrate da hipoteca que recaía sobre a fracção C.

Mais alegaram que, em 10/04/2012, enviaram uma carta registada com AR, marcando a escritura de permuta para o dia 27 de Abril de 2011, pelas 16 horas no Cartório Notarial da Exma. Senhora Dra. D, não tendo a insolvente comparecido, nem dado qualquer justificação.

Alegaram, por fim, a razões de ordem diversa, as quais constando dos autos, determinaram a total impossibilidade de celebração da escritura de compra e venda prometida, sendo que tal impossibilidade é única e exclusivamente imputável à insolvente.

Face ao acabado de referir, tiveram que instaurar por apenso ao processo … a correr termos na instância central do …, em que é exequente o credor N, Lda., reclamação de créditos, sendo que a insolvente, ora executada naqueles autos, tendo sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artº.869 nº.2 CPC (versão anterior a 2013), nada veio a dizer, pelo que, tendo decorrido o prazo legal previsto, formou-se titulo executivo contra esta, tudo conforme douto despacho.

Também instauraram acção de processo ordinário que correu termos sob o nº. … 2ª. Vara mista, peticionando a resolução do contrato promessa e restituição do sinal em dobro, a qual por sentença transitada em julgado foi declarada a inutilidade superveniente da lide pela formação de título no processo ….

A Massa Insolvente deduziu contestação peticionando a improcedência da presente acção ou, caso assim não se entenda, que seja reconhecido o crédito correspondente ao valor do sinal em singelo, classificando-se esse crédito como comum.

Para tanto alegou, em síntese, que os pedidos formulados nas alíneas a) e b) são inadmissíveis nos termos do presente apenso visto que se os autores pretendem agora a declaração de resolução do contrato-promessa de compra e venda e se até à presente data existia uma eventual mora terá o administrador da insolvência que optar pela execução ou recusa do contrato, encontrando-se o mesmo suspenso até à prolação de decisão sobre a recusa ou o seu cumprimento, manifestando já a intenção do Sr. Administrador da insolvência de não cumprir o contrato.

Ora, essa opção do Sr. Administrador da insolvência não determina como consequência a obrigação do pagamento do sinal em dobro, não existindo qualquer incumprimento da insolvente.

Acresce que ao contrato em causa não foi conferida qualquer eficácia real, não tendo sido registada qualquer posse que não se encontra titulada, não tendo sido pago o respectivo imposto pela alegada transmissão e, assim, inexiste qualquer direito de retenção.

Por último, alega que era do conhecimento dos autores as dificuldades pelas quais passava a insolvente, pelo que o alegado contrato foi outorgado para diminuir a satisfação dos credores preferentes – a Caixa Geral de Depósitos, SA, pelo que nem a insolvente queria prometer vender, nem os autores pretendiam comprar nas condições declaradas pelo que o contrato é manifestamente nulo porque simulado.

A Caixa Geral de Depósitos, SA também contestou, por excepção e por impugnação. Em sede de defesa indirecta, arguiu a excepção de caducidade alegando que a presente acção foi interposta muito para além do prazo previsto no art.º 146.º, n.º 2, do CIRE, contradizendo, no mais, a factualidade alegada pelos Autores.

No despacho saneador julgou-se, além do mais,  improcedente a excepção de caducidade invocada pela Caixa geral de Depósitos, SA.

Foi produzida sentença onde se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu-se aos Autores, A e T, um direito de crédito sobre a insolvente no valor de €330.000,00 (trezenos e trinta mil euros) correspondente ao valor do sinal em dobro, reconhecendo-se ainda que esse direito de crédito está garantido por direito de retenção sobre o prédio urbano, destinado a habitação, constituído por uma habitação unifamiliar tipo T4 designada pela letra C, constituída por cave e R/C, 1º andar e aproveitamento do vão da cobertura que faz parte integrante do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, denominado situado na …

Inconformadas com o teor desta decisão dela vieram recorrer a Caixa Geral de Depósitos S.A. e a Massa Insolvente da Sociedade, Lda, tendo a Apelação sido julgada improcedente e confirmada a sentença recorrida.

Irresignada com tal desfecho veio a Ré Massa Insolvente da Sociedade Construções,Lda recorrer de Revista excepcional, apresentando as seguintes conclusões:

- O presente recurso limita-se à questão de ter, ou não, o Sr. Administrador de insolvência potestivamente optado por recusar o cumprimento do contrato definitivo com as ínsitas consequências;

- Com interesse para o thema decidendum atente-se aqui, por mera economia processual, aos factos supra transcritos na motivação (J a P) para todos os devidos efeitos legais e assim, o douto Acórdão recorrido, não conheceu, a questão principal suscitada sendo nula, por omissão de pronúncia e carecendo de fundamentação; porque o que estava em causa, na sua essencialidade, era saber se existia ou não uma opção emitida pelo Administrador de insolvência nos termos do disposto no artigo 102.º do CIRE? E a existir (que não existe) se é, ou não, válida?

Sem prejuízo,

- O tribunal a quo, assenta a sua decisão em uma premissa que é falsa; ou seja: a alegada recusa do cumprimento do contrato de promessa por parte do administrador de insolvência, quando essa recusa nunca ocorreu e em consequência deste erro, viola de forma crassa as normas estabelecidas que adiante conjunta e sumariamente identifica; associa o facto da Massa Insolvente ser representada pelo Administrador da Insolvência com advogado constituído, que ao correr da pena, alegadamente, obriga o senhor administrador e o processo, sem que para isso o primeiro seja parte nos autos, consultado, ou, o segundo tenha um mandato valido, ou ainda, tenha sido nomeado pelo tribunal, ou, tenha poderes para o efeito;

- Nada, mas mesmo nada, poderia estar mais errado! Afetando-se a segurança jurídica, o que importa corrigir para uma melhor aplicação do direito, face à relevância social que se encontra beliscada.

Ora,

- Administrador é nomeado pelo Juiz, de entre os Administradores de Insolvência inscritos na lista oficial. E o seu regime legal encontra-se previsto nos artigos 52.° a 65.° do CIRE;

- Nos termos do seu estatuto, o administrador da insolvência deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se um servidor da Justiça e do Direito, e como tal, mostrar-se digno de honra e das responsabilidades que lhe são inerentes. No exercício das suas funções, deve por isso manter sempre a maior independência e isenção, não prosseguindo quaisquer objectivos diversos dos inerentes ao exercício da sua actividade (artigo 16.° n.° 1 e 2 do Estatuto). Tendo, face ao exposto, o Sr Administrador funções pessoais muito próprias e insuscetíveis de delegação;

- A verificarem-se os três pressupostos para a aplicação do artigo 102.º do CIRE a um negócio, com a declaração da insolvência o cumprimento fica suspenso até que o Sr. Administrador da Insolvência opte pela execução ou recusar o cumprimento;

- Todavia, nunca o Sr. Administrador de insolvência foi interpelado para cumprir ou não o negócio, nos termos do disposto no artigo 102.º do CIRE, nem o mesmo ocorreu tacitamente;

- Visto que, o presente processo foi extraído dos autos de verificação ulterior de créditos, tendo como partes, de acordo com o disposto no artigo 146.º do CIRE, a massa insolvente, os credores e o devedor e assim, o Sr. Administrador de insolvência não é parte nestes autos. E não se pode concluir, como erradamente foi feito, que por este representar a massa, que optou por não cumprir o negócio, porque faltam todos os prossupostos essências, a saber:

- A opção do administrador é um poder, dever, potestativo e pessoal; Esta decisão tem que ser tomada pelo próprio, só poderia ser substabelecida em outro Administrador, nunca em advogado, sem poderes especiais, nem mandato para o efeito, atente-se ao disposto no número 2 do artigo 55.9 do CIRE;

Mesmo que assim não fosse,

- Por uma questão de segurança jurídica, para se poder aproveitar o declarado na contestação pelo Advogado signatário, teria o Administrador de insolvência que ratificar o acto. Ora, não tendo o Advogado poderes especiais de representação, nem o mandato o alcançar, nem qualificação, para no caso especifico decidir e vincular o Administrador, o ato é ineficaz em relação a este de acordo como disposto no artigo 268.º do Cód. Civil;

Acresce ainda,

- Atento ao disposto no artigo 55.º n.º 8 do CIRE "o administrador da insolvência dispõe de poderes para confessar, desistir ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes". Assim, ainda que o Administrador tivesse optado pelo não pelo cumprimento do alegado negócio em curso, nunca foi a comissão de credores notificada para se pronunciar sobre a questão em apreço nos autos e assim emitir a sua concordância, ou não. Sendo que, no caso, constitui um acto de administração extraordinária; tal decisão sempre afetaria a massa insolvente, pelo que, por aplicação do art. 812º, nº6, do CIRE, sendo este ato também por essa via ineficaz;

- No caso concreto, entendeu-se que o Sr. Administrador da Insolvência emitiu uma declaração, mas ele não a emitiu, não a ratificou e de qualquer forma não a poderia emitir sem vir acompanhada de declaração de concordância da Comissão de Credores, visto que, a decisão de optar pelo cumprimento ou não do negócio, com a consequência de ato desfavorável, pode ser entendida como ato de especial relevo para o processo de insolvência (art. l61º do CIRE). "Na qualificação de um acto como de especial relevo atende-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa."

- Face a esta norma, numa ação contra a Massa, a potencial oneração ou insatisfação dos direitos dos credores já reconhecidos, decorrente da decisão do Sr. Administrador (de atos desfavoráveis), reafirma a exigência do consentimento da Comissão. A norma diz ainda, se não existir a Comissão, o ato depende do consentimento da assembleia de credores.

- E assim sendo, como é, inexiste a decisão (de não cumprimento) tomada pelo Exmo. Administrador de Insolvência, fora ou dentro deste processo, sendo falsa, nesta parte a decisão recorrida, que deverá ser anulada, com as ínsitas consequências legais.

- O que assume particular relevância quando o cumprir ou não o contrato radica num poder potestativo conferido pela lei insolvencial.

- Atente-se ainda, que toda a jurisprudência de forma uniforme e unanime atribui a competência exclusiva ao Sr. Administrador de Insolvência, atente-se por exemplo ao douto acórdão fundamento em oposição, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 14/06/2011, cuja certidão se junta em anexo.

- Por outro lado, olvida, com o devido respeito, o Digno Tribunal "a quo" que a jurisprudência uniformizada, apesar de poder ser aplicada a processos pendentes, apenas deverá ser aplicada a situações semelhantes à do processo em que tal Acórdão foi proferido, o que não é o caso, indo muito além do thema decidendum.

Por último,

- Na justa ponderação de interesses, que demanda o regime do processo de insolvência, nomeadamente o artigo 102.º do CIRE, a estatuição de que a declaração prestada por o advogado sobre a alegada intenção do Administrador de insolvência, em não cumprir o negócio, é valida, implicando uma indemnização no montante de 330.00,00 Euros, com direito de retenção, sem que o administrador seja ouvido, nem a comissão de credores, ao contrário do que alude o artigo 102º e o artigo 161.º ambos do CIRE, mostra-se desadequada, irrazoável, arbitrária e ilegal, contende com a extensão e o alcance do conteúdo do direito fundamental de acesso aos tribunais que se encontra consagrado no art. 20.º da Constituição, pelo que é inconstitucional.

- Inconstitucionalidade da interpretação da norma (102.º do CIRE) que desde já se invoca para todos os devidos efeitos legais.

- Face ao exposto, o douto acórdão foi proferido assentando a sua decisão e parca fundamentação numa premissa falsa, sendo ela a recusa do cumprimento do contrato de promessa por parte do administrador de insolvência, quando essa recusa nunca ocorreu e a considerar-se que ocorreu é a mesma ineficaz;

- Aplicando, assim, de forma errada a norma e em consequência viola, crassamente, as normas substantivas estabelecidas nos artigos 52.º, n.º 2; 55.º, n.º 8; 81.º, n.º 6; 161.º; 172.º, n.º 1; 102.º n.º 1 todos do CIRE, bem como as dispostas nos artigos 268.º, 410.º, 436.º, 442.º n.º 2, 755.º n.º 1 alínea f), 801.º e 808.º todos do Código Civil; os artigos 154.º e 615.º do Cód. Proc. Civil e ainda o artigo 20.º da CRP.

Não foram apresentadas contra alegações.

II Põe-se como questão a resolver no presente recurso, admitido como Revista excepcional por estar em causa um interesse de particular relevância, a de saber de ter, ou não, o AI optado por recusar o cumprimento do contrato definitivo com as ínsitas consequências, radica no exercício de um poder potestativo conferido pela Lei insolvencial e se o seu exercício tem de traduzir um acto pessoal daquele.

As instâncias declararam como assente a seguinte factualidade:

a) Por sentença de 11/9/2014 foi declarada a insolvência de “Sociedade, Lda.” tendo a mesma transitado em julgado em 3/11/2014.

b) Os autores outorgaram com a insolvente, em 9/10/2008, o contrato denominado “Contrato-promessa de compra e venda com troca” cuja cópia se encontra junta a fls. 9/10 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

c) Na data da outorga desse contrato os autores pagaram à insolvente, a título de sinal, a quantia de €120.000,00.

d) No dia 19/12/2008 os autores pagaram à insolvente, a título de reforço de sinal, a quantia de €45.000,00.

e) Os autores passaram a residir com a sua família no imóvel prometido vender, pagando a água, luz, gás e condomínio.

                              

Insurge-se a Recorrente contra o Aresto sob impugnação, porquanto na sua tese, o segundo grau assentou a sua decisão numa premissa que é falsa ou seja, na existência de uma alegada recusa do cumprimento do contrato de promessa por parte do administrador de insolvência, quando essa recusa nunca ocorreu, pois associou o facto da Massa Insolvente ser representada pelo Administrador da Insolvência com advogado constituído o qual, alegadamente, obriga o senhor administrador e o processo, sem que para isso o primeiro seja parte nos autos, consultado, ou, o segundo tenha um mandato válido, ou ainda, tenha sido nomeado pelo tribunal, ou, tenha poderes para o efeito, acrescendo a circunstância de que para se poder aproveitar o declarado na contestação pelo Advogado signatário, teria o Administrador de insolvência que ratificar o acto, sendo o mesmo ineficaz em relação a este nos termos do artigo 268º do CCivil, pois o Advogado não tem poderes especiais de representação para no caso especifico decidir e vincular o Administrador.

Vejamos então.

O processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nºs1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que forem apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo.

Porque se trata de um procedimento de natureza mista, quer dizer, por um lado contem uma faceta declarativa que visa a apreciação e decisão sobre a verificação dos pressupostos tendentes à declaração do estado insolvencial, por outro, uma faceta executiva conducente à liquidação do património do devedor, com o fito de dar pagamento aos credores, necessário se torna a existência de um outro órgão coadjuvante do Tribunal, cuja função primacial será a de presidir à organização de todas as fases procedimentais com vista à satisfação dos credores.

O Administrador da insolvência surge assim como o órgão privilegiado de gestão e liquidação da massa insolvente, sendo competente para a realização de todos os actos que lhe são cometidos quer pelo seu Estatuto (cfr Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro), que pela Lei em geral, como resulta do artigo 2º daquele estatuto.

Como órgão coadjuvante do Tribunal, o Administrador é nomeado pelo Juiz do processo, embora esta nomeação possa ser precedida de indicação do devedor e/ou da comissão de credores quando a haja, como decorre do artigo 52º do CIRE, preferindo na nomeação a efectuar o Administrador judicial provisório em funções à data da declaração de insolvência.

Competem a este órgão diversas funções ao longo da tramitação do processo de insolvência, nomeadamente, assumir o controlo da massa insolvente, proceder à sua administração e liquidação e, por fim, repartir pelos credores o produto final.

Estão compreendidas nessas funções, entre outras devidamente prevenidas na Lei insolvencial, as relativas ao destino dos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente, vg cumprimento e/ou recusa de cumprimento de contratos.

Neste conspecto, preceitua o disposto no artigo 102º, nº1 do CIRE que «[e]m qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento, nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.».

Este normativo faz atribuir ao AI o poder de conformar ou de reconformar as relações contratuais existentes, através do exercício da faculdade de executar o cumprimento do contrato, caso a massa insolvente esteja em condições de o fazer, transmitindo a coisa vendida e exigindo o preço, ou o remanescente, ou, poderá ainda recusar o cumprimento, com as consequências indemnizatórias daí advenientes, sendo certo que o aludido poder tem de ter em conta os interesses da massa, já que o AI deve orientar a sua conduta por forma a maximizar a satisfação dos interesses dos credores, cfr a propósito dos efeitos da insolvência sobre os negócios em curso, Oliveira Ascensão, Insolvência: Efeitos Sobre Os Negócios Em Curso, in ROA 65 (2005), 281/312; Pestana de Vasconcelos, in O Novo Regime Insolvencial Da Compra e Venda, in Revista da Faculdade de Direito Da Universidade do Porto, Ano III 2006, 533/548.

Em conformidade com o disposto no artigo 12º, nº1 do Estatuto “o administrador de insolvência deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes”.

Neste normativo, estão enunciadas de um modo genérico as regras básicas de comportamento funcional do administrador, as quais passam pelo dever de actuar com independência e isenção, estando-lhe vedada a prática de qualquer acto que, para seu beneficio ou de terceiro, possa por em crise, quer a recuperação do devedor, quer a sua liquidação, devendo orientar a sua conduta por forma a maximizar a satisfação dos interesses dos credores, nº2 daquele artigo 12º, impondo-se-lhe, prima facie uma obrigação de providenciar pela recuperação da empresa.

Espera-se, assim, do administrador, uma actuação diligente no exercício das suas funções, pautada por um critério semelhante ao do bonus pater famílias, apanágio do direito obrigacional, mormente em sede de responsabilidade civil, muito embora, no caso, tal conceito nos apareça reforçado, atentas as específicas funções cometidas àquele, porque em sentido normativo a diligência que lhe é imposta equivale ao grau de esforço exigível, não ao homem médio, mas ao gestor médio (criterioso e ordenado), para determinar e executar a conduta que integra o cumprimento de um dever.

Integrando o escolho, entre o cumprimento e o não cumprimento de um contrato promessa celebrado pela Insolvente, o cumprimento de um dever pelo AI pautando-se a sua actuação por princípios de maximização da massa, tendo em atenção a satisfação dos interesses dos credores, a faculdade que lhe concedida pela norma não poderá configurar um direito potestativo, pois este caracteriza-se por o seu titular o exercer por sua vontade exclusiva, desencadeando efeitos na esfera jurídica de outrem independentemente da vontade deste, traduzindo um poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica, nela fazendo produzir efeitos jurídicos, cfr Ana Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª edição; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. I, Tomo I, 3.ª edição.

Ora, a exercitação por parte do AI, da opção de cumprimento ou não cumprimento dos contratos que lhe confere o artigo 102º, nº1 do CIRE não está dependente da sua vontade exclusiva, mas antes se encontra vinculada aos superiores interesses da massa insolvente, os quais deverão ser ponderados antes da tomada de qualquer decisão, veja-se em abono desta asserção o que dispõe o nº4 daquele mesmo normativo ao penalizar aquele considerando que «A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais pela massa insolvente for manifestamente improvável.», de onde se poder extrair que se estará, igualmente, perante um comportamento abusivo quando a recusa de cumprimento acarretar para a massa insolvente um prejuízo considerável.

Podemos assim concluir que o cumprimento ou não cumprimento de um contrato por banda do AI, em sede de negócios em curso, configurará o exercício de um poder/dever enquadrado no âmbito das respectivas atribuições.

Prosseguindo.

 

No caso sujeito, estamos face a um contrato promessa de compra e venda de um imóvel havido entre os Autores/Recorridos, enquanto promitentes compradores, e a Insolvente na qualidade de promitente vendedora, acordo esse havido seis anos antes da declaração da insolvência, como deflui da materialidade assente.

O contrato promessa existente entre os Autores e a Insolvente, declarada que foi a insolvência, suspendeu-se, o que significa que houve um congelamento na produção dos seus efeitos, o que se traduziu, por banda da Insolvente, promitente compradora, de se lhe poder imputar um eventual incumprimento culposo, configurando uma situação de justificação legal de não cumprimento, que, contudo, não se poderá eternizar, daí a Lei prevenir a possibilidade da contraparte poder fixar um prazo razoável ao AI, para cumprir o acordado, entendendo-se que se o não fizer, o cumprimento do contrato é recusado, artigo 102º, nº2 do CIRE.

Porém, os Autores não usaram deste expediente legal, que nem sequer é obrigatório, não tendo qualquer paralelismo com a interpelação admonitória consignada no artigo 808º, nº1 do CCivil, tendo optado pela instauração da presente acção para resolução do negócio.

Decorre dos autos, maxime, da contestação apresentada pela Recorrida, que houve por banda desta uma manifestação de não cumprimento do acordo havido, o qual se encontrava suspenso, para todos os efeitos, desde a data de declaração da insolvência ocorrida em 11 de Setembro de 2014, pois foram alegadas as seguintes proposições naquela peça processual sic):

«[4.]     Se os AA. pretendem agora a declaração de resolução do contrato promessa de compra e venda, datado de 9 de Outubro de 2008 e se até à presente data existia uma eventual mora por parte da devedora então, terá o administrador judicial (doravante identificado abreviadamente por AJ) que optar pela execução ou recusa do contrato, nos termos do disposto no artigo 120.º do CIRE.

5.           Ora, teve o AJ conhecimento do contrato promessa, encontrando-se nos termos da lei o contrato suspenso até à prolação da decisão sobre a recusa ou o seu cumprimento.

6.           Que nesta sede, não deverá, nem pode ser conhecido, pese embora desde já manifestar a intenção do não cumprimento do negócio.

7.           Sendo que, esta opção - ora tomada - não determina (nem pode determinar) como consequência, a obrigação do pagamento do alegado sinal em dobro.

8.            Não existe, qualquer incumprimento da devedora,

9.            Mas sim uma tomada de posição do AJ, com as consequência determinadas na própria legislação especial - CIRE.

10.         Ou seja, mais precisamente, a opção do AJ pelo não cumprimento não se traduz num facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar.

11.          Assim sendo, os AA. apenas têm direito a serem reintegrados no valor do sinal prestado, visto que não foi alegado, ou está provado, que mostre que há uma diferença positiva a seu favor entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da recusa do cumprimento do contrato.».

Não obstante a declaração assim efectuada em sede de contestação que originou a assunção pelas instâncias do óbvio, isto é, que o AI não tinha qualquer intenção de cumprir o contrato prometido, recusando o cumprimento, portanto, pretende agora a Insolvente, representada pelo respectivo AI, fazer operar a seu favor o preceituado nos artigos 268º do CCivil e/ou 55º, nº8 do CIRE.

Quid inde?

Dispõe o artigo 81º do CIRE, integrado no título respeitante aos efeitos da declaração de insolvência, no seu nº1, o seguinte «[a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.», acrescentando o seu nº4, no que à problemática em questão concerne que «O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.», o que faz traduzir, desde logo, que uma vez declarada a insolvência o insolvente fica desde logo despojado dos seus poderes de actuar sobre o acervo patrimonial correspondente à massa, operando-se a transferência desses poderes para o administrador da insolvência, enquanto órgão de concretização da finalidade concursal, sem esquecer o plano processual exterior à insolvência, mormente a transferência da representação judiciária do insolvente para o administrador, «[O] suprimento das limitações dos poderes de que o devedor é privado faz-se por via de representação, segundo o regime dos nºs 3 a 5 [do artigo 81º do CIRE]. Por força do nº 4, a representação do devedor cabe ao administrador da insolvência, sendo nele definida em termos genéricos que exigem alguns comentários. Em verdade, diz este preceito que o administrador representa o devedor «para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessam à insolvência». Esta fórmula tem um alcance que vai muito para além do que o suprimento das limitações dos poderes do insolvente exige. Por isso, o próprio legislador sentiu necessidade de, logo no número seguinte, esclarecer – e bem – que a representação não se refere a actos através dos quais o devedor intervém no próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos, a menos que a lei o determine. Noutro plano, no exercício da representação, o administrador da insolvência pode ter poderes mais amplos do que aqueles de que o devedor é privado. Assim resulta do nº 3. Estão aqui em causa limitações do poder de disposição impostas ao devedor, por razões alheias à insolvência, que tenham por fonte uma decisão judicial ou administrativa, mas também a própria lei, quando impostas apenas em favor de pessoas determinadas. […]. A explicação deste regime é fácil de fazer. Para além de assim se agilizar a actuação do administrador na satisfação do interesse dos credores, dá-se a circunstância de a intervenção de um terceiro – o administrador – afastar, na normalidade dos casos, os riscos envolvidos na prática do acto pela pessoa em função da qual a limitação é estabelecida – o devedor.», apud Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, Coimbra, 2006, p. 341.

A representação da insolvente aqui nos autos apenas foi possível através da concessão de mandato judiciário por parte do AI, enquanto representante da Insolvente nos termos consignados naquele supra mencionado normativo, ao Ilustre Advogado que patrocina a Insolvente, uma vez que estamos em sede de patrocínio judiciário obrigatório.

Dispõe o artigo 268º, nº1, do CCivil que «O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.».

Por seu lado elucida-nos o artigo 55º, nº8 do CIRE que “O administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes”.

Com a chamada a terreiro destes dois ínsitos legais, pretende a Insolvente afastar a operância da recusa da celebração do contrato, manifestada em sede de contestação.

Falece-lhe a razão, contudo.

O mandatário judicial que aqui representa a Recorrente, munido de uma procuração judicial para o efeito emitida pelo AI enquanto legal representante daquela, tinha plenos poderes para intervir no processo e proferir as declarações prestadas em sede de contestação, nomeadamente a de que a sua constituinte não iria cumprir o contrato e se assim era, como foi, as instâncias consideraram tal dado como adquirido, daí retirando as devidas ilações, o que poderiam fazer, já que o incumprimento do contrato não equivalia, por um lado, à celebração do mesmo, sendo que neste caso necessário se tornaria existir uma procuração com poderes especiais para o efeito, nem consubstanciou um dos actos equivalentes a confissão desistência ou transacção, aludidos no artigo 55º, nº8 do CIRE, que demandassem a audição prévia da comissão de credores acompanhada da intervenção pessoal do próprio AI, como pretende a Recorrente, cfr Carvalho Fernandes, João Labareda, Efeitos Substantivos Privados Da Declaração De Insolvência, in Colectânea De Estudos Sobre Insolvência, 190.

Tratou-se, tão só, da tomada de posição concernente ao pedido de resolução do contrato promessa formulado pelos Autores, que a Lei não faz depender de qualquer acto pessoal do AI, dependente da concordância da comissão de credores, tratando-se antes de uma actuação levada a cabo pelo mandatário judicial ao abrigo e no âmbito dos poderes gerais de representação que lhe foram conferidos por aquele, posto que se estava, como está, perante um caso em que o mesmo não poderia exercer pessoalmente as competências do seu cargo por haver, obrigatoriamente, lugar ao patrocínio judiciário, cfr nº2 do artigo 55º do CIRE, de onde se poder dizer que o AI substabeleceu as suas atribuições legais, vg o seu poder de declarar aqui, de forma inequivoca, não ir cumprir o acordado por força do disposto no artigo 102º, nº1 do CIRE, sendo que a recusa de cumprimento nem sequer exige forma expressa, aplicando-se-lhe o disposto nos artigos 217º e 218º, no que tange à manifestação da declaração negocial, cfr Ac do STJ de 22 de Fevereiro de 2011 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.

Não se vislumbra qualquer inconstucionalidade na interpretação normativa efectuada ao preceituado no artigo 102º do CIRE como alvitrado pela Recorrente, mormente em violação do preceituado no artigo 20º da CRPortuguesa, por violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

Improcedem, pois, por aqui, as conclusões.

Sempre se acrescenta, ex abundanti e ex adverso do que defende a Recorrente, que nunca se poderia qualificar aquela declaração de não cumprimento do contrato promessa como acto de especial relevo nos termos e para os efeitos da aplicação do disposto no artigo 161º do CIRE, já que se não tratava, como não se trata, de uma situação que envolvesse a venda ou alienação efectiva de um bem da empresa, pois o que está em causa é precisamente a não concretização negocial que se quer ver declarada.

Podemos assim concluir, tal como se fez no Aresto impugnado que «[o] incumprimento do contrato-promessa por parte do administrador da insolvência se deve enquadrar no regime do art.º 442º, nº2 do Código Civil. Tudo porque tendo o administrador da insolvência recusado o cumprimento do contrato-promessa, tal comportamento legitima que que se atribua à própria insolvente, em termos de “imputabilidade reflexa”, o incumprimento do mesmo contrato.», sendo certo que tendo havido a tradição do imóvel para os Autores, aqui Recorridos, onde passaram a residir com a sua família, enquadrando-se assim no conceito de consumidores, têm os mesmos o direito de retenção tal como lhes foi reconhecido, cfr quanto a este ponto e à interpretação do AUJ 4/2014 de 20 de Março de 2014 o Ac STJ de 5 de Julho de 2016 da aqui Relatora no qual intervém como primeiro Adjunto o aqui primeiro Adjunto, in www.dgsi.pt; Pestana de Vasconcelos, Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência, Cadernos de Direito Privado, nº33 Janeiro/Março 2011.

É óbvio que o apelo feito ao AUJ em sede de fundamentação de direito da problemática em análise se justifica plenamente, face à abordagem do direito de retenção nele efectuada, bem como da atribuição de tal direito ao promitente comprador consumidor, independentemente da análise do conceito de consumidor não ser abrangida pelo seu segmento uniformizador.

Improcedem, assim, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão sob recurso.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 17 de Abril de 2018

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho