Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | IMPEDIMENTO PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | ||
Data do Acordão: | 06/07/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / IMPEDIMENTOS, RECUSAS E ESCUSAS. | ||
Doutrina: | -Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292; -Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668; -José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português (1997), II, 41/42; -Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 40.º E 43.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 13-02-1998, PROCESSO N.º 877/97; - DE 12-05-2004, PROCESSO N.º 257/04; - DE 16-06-2004, PROCESSO N.º 721/04; - DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 114/08; - DE 14-05-2009, PROCESSO N.º 628/07. 8SSLSB-D.S1; - DE 18-11-2009, PROCESSO N.º 702/08. 3GDGDM. P1.S1; - DE 23-02-2011, PROCESSO N.º 429/03. 2PALGS.S1; - DE 02-03-2014, PROCESSO N.º 1031/10.8SFLSB.L1.S1; - DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 402/13. 2PBBGC.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 186/98, IN DR, I-A, DE 98.03.20; - ACÓRDÃO N.º 29/99, DE 13 DE JANEIRO DE 1999, IN DR, II, DE 03.10.03. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 10-07-1996, IN CJ, XXI, IV, 62. | ||
Sumário : | I - No caso vertente, a questão que vem colocada é de eventual impedimento, sendo o fundamento invocado o de o juiz visado haver tido intervenção em fase anterior do processo, concretamente ter participado em decisão proferida em recurso que manteve decisão que reexaminou os pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva à qual o arguido se encontra submetido. II - Tal intervenção não constitui motivo legal de impedimento, isto é, não configura situação enquadrável na previsão do art. 40.º, do CPP. A decisão de recurso em que o juiz visado participou limitou-se ao reexame dos pressupostos de prisão preventiva, sendo certo que, como o STJ tem vindo a decidir, o reexame dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva não tem a densidade qualitativa da decisão que aplica a própria medida. III - Toda e qualquer intervenção de um juiz, em fase anterior de um processo penal, diversa das intervenções a que se refere o art. 40.º, do CPP, não constitui ex lege impedimento, podendo apenas, nos termos do art. 43.º, n.º 2, do CPP, constituir fundamento de recusa, pelo que dúvidas não restam de que bem andou o tribunal a quo ao afastar o pedido de declaração de impedimento apresentado pelo arguido. IV - Analisando os factos verifica-se estarmos perante um concurso de dois crimes contra as pessoas (homicídio qualificado tentado e violência doméstica), através dos quais se tutela a vida e a integridade física, bens de primordial valor, crimes cuja gravidade se situa em patamar muito elevado. Pese embora a primariedade do arguido e as demais circunstâncias atenuantes de que beneficia, entre elas de destacando as aptidões e atributos que revelou enquanto agente da PSP, a verdade é que os factos integrantes dos crimes em concurso mostram que o arguido é portador de uma agressividade fora do comum, que não controla, razão pela qual não merece qualquer censura a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão fixada pelo tribunal da relação. | ||
Decisão Texto Integral: |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1160/15.1PAPTM.E1, da ... Secção Criminal (...) – Instância Central de ..., Comarca de ..., o arguido AA, com os sinais dos autos, foi condenado na pena conjunta de 9 anos e 10 meses de prisão pela autoria material, em concurso aparente, de um crime de homicídio qualificado tentado e de um crime de violência doméstica, previstos e puníveis pelos artigos 14º, n.º 1, 152º, n.ºs 1, alínea b) e 2, 14º, n.º 3, 22º, 23º, 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, cuja pena foi fixada em 8 anos de prisão, bem como pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave agravada pelo resultado, previsto e punível pelos artigos 14º, n.º 3, 144º, alínea b) e 145º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código Penal, sancionado com 4 anos de prisão[1]. Mais foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB pelo período de 5 anos, bem como na proibição de uso e porte de armas por igual período de tempo. Na parcial procedência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Évora, foi reduzida para 7 anos de prisão a pena respeitante ao concurso aparente dos crimes de homicídio qualificado tentado e de violência doméstica e para 8 anos e 6 meses de prisão a pena conjunta. O arguido interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal. É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[2]: I - O Tribunal “a quo" ao aplicar em cúmulo jurídico a pena de 8 (anos) e 6 (seis) meses de prisão efectiva ao arguido violou o princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, descurando o fim das penas.
II - O Tribunal “a quo" não atendeu à previsão dos artigos 40º e 71º todos do CP.
III - A determinação da medida concreta da pena há-de efectuar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral positiva (protecção dos bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade).
IV - As circunstâncias a que se há-de atender para tal são não só as enumeradas no nº 2 do artigo 71º do CP, mas também todas as que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
V- A pena mostra-se desadequada por não espelhar a culpa do arguido e não ter em conta as necessidades e exigências de prevenção.
VI - O ressarcimento dos ofendidos nas despesas hospitalares decorrentes das lesões infligidas, o arrependimento do arguido, o reconhecimento da censurabilidade das suas condutas, sendo primário, bem como as condições pessoais do arguido referidas no relatório social e o seu meio familiar não foram devidamente ponderadas na decisão recorrida daí que se entenda que a pena deva ser atenuada.
VII - As finalidades da aplicação de uma pena residem principalmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
VIII - Não só a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, mas também podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial e de socialização.
IX - Assim, a medida da pena deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente, só desta maneira se alcançará uma eficácia óptima dos bens jurídicos.
X - As circunstâncias agravantes e atenuantes conduzem-nos, seguramente, a uma pena muito inferior em cúmulo jurídico aos 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo em conta que apesar do grau de ilicitude, a culpa do arguido, atendendo ao modo de execução das suas condutas com dolo eventual é diminuta, devendo a pena a aplicar ao arguido em cúmulo jurídico ser fixada nos 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, reservando penas superiores para situações onde o arguido tenha actuado com dolo directo e reincidência.
XI - Para que haja um tratamento igualitário para casos idênticos, salvaguardando a especificidade dos diversos casos, compete ao Supremo Tribunal de Justiça as funções de uniformização de critérios da medida pena.
XII - Tendo em conta tudo o que atrás foi explanado, não tendo o Tribunal “a quo" considerado, na determinação da medida da pena, as circunstâncias previstas nos artigos 40º, 71º todos do Código Penal, foram violadas as disposições legais vertidas nestes artigos.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1ª – O arguido não contesta as penas parcelares que lhe foram aplicadas, mas apenas a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, 2ª – A qual considera excessiva por “… violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, mostrando-se desadequada por não espelhar a culpa do arguido, descurando o fim das penas”, entendendo ser adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão. 3ª - A moldura penal resultante da aplicação das penas parcelares é compreendida entre os 7 e os 11 anos de prisão. 4ª – Porque abaixo do meio da respetiva moldura, e atendendo aos critérios de prevenção geral e especial, à gravidade dos factos praticados, à elevada ilicitude dos mesmos, a pena concretamente aplicada mostra-se bem adequada e proporcional às condutas praticadas pelo arguido. 5ª – Pelo exposto, mantendo-se integralmente o decidido pelo Tribunal a quo se fará inteira
Prolatado o acórdão impugnado o arguido requereu, nos termos do artigo 41º, n.º 2, do Código de Processo Penal, fosse declarado impedido o juiz desembargador adjunto ..., com o fundamento de que o mesmo participou na decisão de recurso anteriormente interposto atinente à medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada e, consequentemente, arguiu a nulidade do acórdão recorrido. O Tribunal da Relação proferiu decisão de indeferimento, da qual o arguido entendeu interpor recurso, sendo do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada:
I. No âmbito dos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o n.º 1160/15.1PAPTM, do Juízo Central Criminal - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi o ora Requerente, condenado além do mais, como autor material na pena única de 9 (nove) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática, de um crime de violência doméstica, por Acórdão proferido em 23 de Junho de 2016.
II. Inconformado com tal decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., tendo os autos sido distribuídos à Secção criminal 1ª Subsecção do T.R.E., foi realizada conferência, tendo sido proferido acórdão datado de 15/12/2016, e os Mmºs Juízes Desembargadores aí acordado julgar parcialmente procedente o recurso que havia sido interposto pelo ora Requerente e, em consequência, condenar o arguido como autor material de um crime de violência doméstica, na pena de 7 (sete) anos de prisão; condenar o arguido como autor material de um crime de ofensa á integridade física grave qualificada, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; operar o cúmulo jurídico das penas parcelares em concurso aplicadas ao arguido e condená-lo na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
III. Por requerimento datado de 22/12/2016 veio o ora recorrente arguir a nulidade do douto acórdão proferido, invocando o impedimento decorrente da intervenção do Venerando Juiz Desembargador, CC, por ter tido intervenção anterior no Acórdão proferido em 12/08/2016, que negou provimento e que manteve a decisão recorrida que determinou a sujeição do arguido à medida de coacção anteriormente decretada prisão preventiva.
IV. Por Acórdão datado de 07 de Fevereiro de 2017, vieram os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, julgar totalmente improcedente a arguida nulidade do acórdão proferido em 15/12/2016, decorrente do impedimento do subscritor do mesmo, Venerando Juiz Desembargador, ..., nos termos do artigo 40º alinea a) e d) do C.P.P.
V. No âmbito dos presentes autos, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado no dia 24.08.2015, foi o ora recorrente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
VI. Inconformado com esta decisão de manutenção da decretada medida de coacção de prisão preventiva, veio recorrer em 21/04/2016.
VII. Os autos foram distribuídos à Secção criminal 1ª Subsecção do T.R.E, tendo sido proferido acórdão de 12/08/2016 proferido no recurso nº 1160/15.1PAPTM-B.El, em que os Senhores Juízes Desembargadores decidiram "negar provimento ao recurso interposto pejo arguido, e consequentemente, manter a decisão recorrida que determinou a manutenção da sua sujeição à anteriormente decretada medida de coação prisão preventiva".
VIII. Nesse recurso também interveio o Senhor Juiz Desembargador ....
IX. Nesse acórdão (12/08/2016) são analisados detalhadamente os indícios documentados, referentes ao arguido, designadamente, o conhecimento integral da acusação deduzida, o indeferimento da abertura de instrução, o valor dos documentos constantes de fls. 78 a 83, e toda a prova cantante dos autos.
X. O que vale por dizer que o Senhor Desembargador cuja recusa se pede, formulou, naquele recurso, um juízo autónomo e fundamentado sobre a existência de índicios suficientes para não alterar a medida de coacção que tinha sido aplicada ao arguido.
XI. Não se pretende com o que se diz afrontar ou colocar em crise, seja de que forma for, a idoneidade ou seriedade do Exmo. Juíz Desembargador em causa. Contudo, e como ser humano que é, tendo-se já pronunciado sobre o mérito do recurso interposto da medida de coacção, como se disse, já formou a sua convicção sobre aquele.
XII. Nos termos do artigo 43.º do Código de Processo Penal:
"1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º"
XIII. A recusa que se pretende ver deferida não se prende com qualquer traço subjectivo por parte venerando desembargador, uma vez que não há quaisquer indícios de interesses pessoais na causa.
XIV. Contudo, dir-se-á que a imparcialidade do senhor desembargador (essencial para o julgador de qualquer processo), in casu, falha o teste objectivo - que passa por determinar se o comportamento do (s) juiz (es), apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a respectiva imparcialidade.
XV. Ora, como decorre dos princípios da experiência comum, não será possível ao Exmo. Juíz Desembargador eliminar da memória todo o exercício mental e análise critica efectuada e-nos quais necessariamente assentou a convicção que formou unanimemente e que deixou expressa no dito acórdão proferido em 12 de Agosto de 2016.
XVI. Mais, diga-se que tal imparcialidade é uma exigência específica de uma decisão justa, despida de quaisquer pré-conceitos ou pré-juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afectadas pela decisão.
XVII. O enquadramento e fundamentação do Acórdão agora posto em crise é diferente do que aqui se discute, na medida em que o que está em causa é o conhecimento anterior e a perspectiva configurada acerca da conduta de determinada parte que foi criada no espírito do julgador num outro momento (ou situação) processual.
XVIII. É que importa notar, de acordo com a posição que se já adiantou, o Senhor Juíz, cuja recusa se pede, teve uma intervenção anterior de fundo sobre a matéria em apreciação que não se confinou a um universo formal e esporádico, mas antes se revelou detalhada e autónoma num juízo que não se limitou a apreciar a manutenção dos pressupostos de uma medida de coacção.
XIX. Na verdade, não se limitou a confirmar a medida aplicada sem proceder a uma análise crítica, autónoma, nem a discutir a legalidade da medida, já que não se trata, tal como entendeu, de forma errónea, o tribunal recorrido, de uma decisão em que se procede ao reexame dos pressupostos das medidas de coacção.
XX. O que permite, dentro do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 98-01-13, proc. n.º 8 77/97 citado por Leal-Henriques e Simas Santos, CPP Anotado, I volume), que se considere que esta intervenção do Senhor Juíz Desembargador ..., no anterior recurso no mesmo processo criminal, se rodeou de circunstâncias susceptíveis de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, por forma a poder fundar um pedido de recusa pelo arguido, à luz do art. 43.º do CPP, conjugado com o disposto no art. 40.º alíneas a) e d), do mesmo diploma.
XXI. De forma a criar um paralelo quanto à salvaguarda da imparcialidade objectiva, resulta do regime dos impedimentos, nomeadamente na alínea d) do artigo 40.º do C.P.P., que está impedido de intervir em julgamento o juiz que tiver "Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objecto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior"
XXII. A norma transcrita, como resulta da respectiva epígrafe "impedimento por participação em processo", tem em vista garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integração da função jurisdicional, face a intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, considera como razão impeditiva de futura intervenção.
XXIII. Tendo em conta todas as causas de impedimento taxativamente previstas na lei (alíneas a) a e) do artigo 40º), e de acordo com a análise conjunta dos artigos 40º e 43º, n.º 2 do CPP, sendo que neste último se alude expressamente à intervenção do juiz em fases anteriores do mesmo processo fora do artigo 40º do CPP, certo é constituir elemento comum de todas elas a intervenção anterior do juiz no processo, ou seja, a intervenção em fase anterior do processo.
XXIV. No caso vertente, estamos, precisamente, como vimos, perante situação em que o Venerando Desembargador teve intervenção em fase anterior do processo, sendo certo que ocorre motivo susceptível de colocar em causa a sua imparcialidade.
XXV. No caso sujeito, é deveras evidente que a intervenção do Venerando Juíz Desembargador resultou prejuízo para a justiça da decisão do processo, nos termos do artigo 41º, nº3 do CPP.
XXVI. A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição da República Portuguesa (art. 32.°, n.º 9 "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior").
XXVII. A possibilidade de ocorrência, em concreto, de efeitos perversos desse princípio, levou à necessidade de os acautelar através de mecanismos que garantam a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.° da CRP), quer como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.
XXVIII. Na dimensão que aqui releva, verifica-se claramente a lesão do princípio constitucional do juiz natural, na medida em que deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.
XXIX. Assim, impõe-se a conclusão de que de que por violação do disposto nos artigos, 32º, n.ºs 1, 2 e 9, 203º e 204º, da Constituição da República Portuguesa e 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é inconstitucional o artigo 40º, alínea a) e d), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que o juiz que tenha participado em acórdão que conheceu da medida de coacção do mérito da causa, não fica impedido na prolação de novo acórdão destinado a conhecer do mérito da causa.
XXX. O Acórdão em crise violou ou fez errada interpretação do artigo 40º do Código de Processo Penal, dos artigos, 32º, nºs 1, 2 e 9, 203º e 204º, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Na contra-motivação o Ministério Público conclui:
1ª – O arguido recorre do douto acórdão em que foi decidido julgar totalmente improcedente a nulidade arguida pelo recorrente, resultante de um pretenso impedimento do Senhor Juiz Desembargador ... por este ter intervindo no acórdão proferido em 12 de Agosto de 2016 em que foi deliberado negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter a decisão recorrida que determinou a medida de coação de prisão preventiva. 2ª – O artigo 432º do Código de Processo Penal prevê os casos em que é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 3ª – Manifestamente não é o objeto do presente recurso, 4ª- Pelo que o mesmo deverá ser liminarmente rejeitado, por inadmissibilidade legal.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
O arguido AA vem recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em 15.12./2016 pelo Tribunal da Relação de Évora que concedeu provimento parcial ao recurso que havia interposto do acórdão condenatório da 1ª instância, reduzindo uma pena parcelar para 7 anos de prisão e em cúmulo foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses, sendo mantido tudo o mais do acórdão recorrido. Entretanto também recorreu do acórdão que apreciou/decidiu a arguição da nulidade que havia invocado sobre o mesmo acórdão do tribunal da relação. O arguido/recorrente havia sido condenado na 1ª instância pela autoria de dois crimes que foram apreciados no recurso: - um crime de violência doméstica (arts. 14º nºs 1 e 2, 152º nºs 1 b) e 2, 22º, 23º, 131º e 132º nºs 1 e 2 b) do CP) na pena de 8 anos de prisão; - um crime de ofensa corporal à integridade física grave qualificada (arts. 14º nº 3, 144º b) e 145º nºs 1 c) e 2 do CP) na pena de 4 anos; Em cúmulo havia sido fixada na pena única de 9 anos e 10 meses de prisão e penas acessórias de proibição de contacto com a vítima (art. 157º nºs 4 e 5 do CP) e proibição de uso e porte de arma (art. 152º) pelo período de 5 anos as duas penas acessórias. O arguido em recurso viu alterada a pena parcelar do crime de violência doméstica e consequentemente a pena única, ficando condenado: a 4 anos de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, que foi mantida; a 7 anos de prisão pelo crime de violência doméstica. Em cúmulo passou a ficar condenado a 8 anos e 6 meses de prisão. Questão prévia: 1 – O arguido/recorrente depois de ter sido notificado do acórdão do Tribunal da Relação de ... que apreciou e decidiu o seu recurso do acórdão condenatório, além de ter recorrido desta decisão condenatória, previamente, arguiu a sua nulidade devido à intervenção de um dos senhores desembargadores, que estaria impedido de o fazer, por ter intervindo em recurso referente à manutenção da aplicação da medida de coacção do arguido, nos termos do art. 40º als. d) e a) do CPP. O Tribunal da Relação de ... apreciou e decidiu esta arguição de nulidade, tendo julgado totalmente improcedente a arguida nulidade. 1.1 Embora o requerido tenha requerido a declaração de impedimento do juiz Desembargador ... e consequentemente a nulidade do acórdão condenatório proferido, este pedido/requerimento começou por ser interposto fora do prazo p. no art. 44º do CPP. É que “a lei pressupõe que até estes momentos do processo (conferência, no tribunal da relação) os interessados estão já na disponibilidade de todos os elementos que lhes permitam a percepção sobre a existência de motivo «sério e grave» que possa gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz” (Cons. Henriques Gaspar, comentário ao art. 44º do CPP, Comentado de 2014). A partir do momento, em que o arguido foi notificado de elementos processuais ocorridos no Tribunal da Relação de ... ficou com a disponibilidade de saber a quem estava distribuído o recurso e quem o constituiu. Por isso o requerimento de declaração de impedimento deve/tem de ser apresentado no prazo de 10 dias (art. 105º 1 do CPP) a contar do conhecimento do sujeito requerente do facto que fundamenta o pedido (Ac. do STJ de 07.01.2010, p. 4028/08, 5ª sec. in CPP Comentado, fls. 171). 1.2. Mas ainda que seja possível apreciar o recurso interposto da decisão posterior ao acórdão condenatório proferido em recurso, não nos parece que possa ser concedido provimento à pretensão do arguido AA. A actual redacção da al. d) do art. 40º (alterado pela lei 20/2013) veio esclarecer algumas dúvidas que a anterior redacção criava em decisões de recurso. Hoje os fundamentos de impedimento, instrumentais de garantia da imparcialidade objectiva, só tem sentido quando a decisão de recurso anterior em que o juiz tenha participado, tenha conhecido do mérito da causa, ou, … tenha conhecido do objecto do processo; as decisões anteriores, tomadas em recurso, sobre questões interlocutórias ou incidentais, ou sobre nulidades, não atingem o grau de comprometimento com sentido de decisão relativamente ao objecto do processo (idem CPP anotado, de 2014, fls. 133). Segundo nos parece, se não foi considerado que o pedido foi efectuado fora do prazo (arts. 44º e 103 nº 1 do CPP) então também o recurso interposto por este motivo deverá ser julgado improcedente. 2. O arguido recorrente AA viu a pena parcelar mais grave diminuída de 8 anos de prisão para 7 anos de prisão e consequentemente também a pena única foi alterada para 8 anos e 6 meses de prisão. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e nas conclusões que delimitam o recurso genericamente impugne a pena única que lhe foi aplicada, mas os fundamentos que apresenta só versam a(s) pena(s) parcelar(es) – art. 71º do CP. No entanto acaba por defender que a pena única deverá ser fixada em 7 anos e 6 meses de prisão, por ser mais adequada e justa. O MP, através do sr. Procurador-Geral-Adjunto, defendeu a manutenção da pena única que o acórdão recorrido aplicou. 3. O acórdão do Tribunal da Relação de ... é recorrível apenas quanto à pena única aplicada que é superior a 8 anos de prisão – 8 anos e 6 meses de prisão – pena esta resultante do recurso dos crimes de violência doméstica (7 anos de prisão) e ofensa corporal à integridade física qualificada (4 anos de prisão). No cúmulo jurídico, segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ a medida da pena tem uma própria especificidade, porque a moldura penal é mais abrangente e a fundamentação é especial (art. 77º, nº 1 do CPP) porque vai além dos pressupostos previstos para as penas parcelares (art. 71º do CP). E como na medida da pena única têm de ser considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, segundo a parte final do já referido nº 1 do art. 77º do CP, poder-se-á acompanhar Figueiredo Dias (in Direito Penal Por., as Consequências Jurídicas do Crime). A pena única tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, que poderão funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso. E como esta pena única, como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das suas penas, mas da dimensão global do comportamento delituoso de cada arguido, haverá que ser considerado e ponderado o conjunto dos factos e a personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias). A tendência e/ou a pluriocasionalidade serão preponderantes para estabelecer o efeito na medida da pena única bem como o comportamento futuro do arguido. Estes princípios deverão servir de base na ponderação da pena única do arguido que por ela recorre. 3.1. Como o arguido AA passou a ficar condenado em cúmulo resultante do concurso dos dois crimes pelos quais foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, esta pena nos termos do art. 77º, nº 2 do CP foi/tem de ser encontrada entre os 7 anos (pena máxima pelo crime de violência doméstica) e os 11 anos (soma daquela pena de prisão com os 4 anos de prisão). O argumento apresentado pelo arguido/recorrente nomeadamente a reparação de uma das consequências do crime, o seu comportamento anterior, o arrependimento e o auto reconhecimento da censurabilidade da sua conduta, foram já tidos em conta, para a pena de prisão pelo crime de violência doméstica ser fixada em 7 anos de prisão. Nos termos do art. 77º, nº 1 do CP, como já atrás referimos e o tribunal recorrido considerou, para fixar a pena única é que terão de ser considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido. E só através da actual “responsabilização” ao reconhecer que a sua conduta foi altamente censurável é que poderia/poderá levar a baixar ligeiramente a pena de 8 anos e 6 meses de prisão para 8 anos de prisão, embora a que foi aplicada não se mostra desigual, pois cada caso é um caso. Assim e por tudo parece-nos que o arguido AA no seu primeiro recurso não deverá obter provimento e por isso vê-lo rejeitado (arts. 44º, 105º 1 e 420º do CPP); e quanto ao recurso interposto sobre a medida da pena única, só muito eventualmente poderia obter provimento parcial, embora possa também ser rejeitado por manifesta improcedência (art. 420º 1 do CPP);
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
* Questão que cumpre conhecer em primeiro lugar, já que prévia, é a relativa ao pedido de declaração de impedimento do juiz desembargador .... É do seguinte teor a decisão proferida pelo tribunal a quo na sequência daquele pedido de declaração de impedimento:
1- O arguido e recorrente arguido AA, veio agora arguir a nulidade do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de ..., (constante de fls. 1419 a 1490), destes autos, datado de 15/12/2016, onde se deliberou, nomeadamente, "julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência reduzir a pena parcelar, aplicada ao arguido pelo crime praticado na pessoa da ofendida BB, a sete anos de prisão e em cúmulo na pena única de oito anos e seis mesas de prisão, mantendo-se no mais o douto acórdão recorrido." Invocando, para tanto e em suma, que o mesmo padece de nulidade decorrente do impedimento do subscrito r do mesmo, Juiz Desembargador ..., por ter tido intervenção anterior no Acórdão proferido a 12 de Agosto de 2016 que deliberou negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, e em consequência em manter a decisão recorrida que determinara "a manutenção da sua sujeição à anteriormente decretada medida de prisão preventiva", nos termos do disposto nos artigos 40º alíneas d) e a) e 41º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal e pretendendo ainda que, uma vez declarada a nulidade os presentes autos sejam redistribuídos.
O Exm.º Procurador Geral Adjunto teve vista dos autos e emitiu douto parecer no sentido de ser indeferido o pedido do requerente de declaração de nulidade do acórdão por impedimento do Exm.º Sr. Desembargador ..., em suma, por não se verificar o impedimento constante da alínea d) do artigo 40º do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos foi realizada a conferência.
2- Cumpre agora apreciar e decidir: Tem razão o recorrente quando invoca que o Exm.º Desembargador subscritor, como adjunto do acórdão proferido a 15/12/2016, nos presentes autos, que deliberou, como consta da respectiva decisão (transcrição parcial), "julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência reduzir a pena parcelar, aplicada ao arguido pelo crime praticado na pessoa da ofendida Flávia, a sete anos de prisão e em cúmulo na pena única de oito anos e seis mesas de prisão, mantendo-se no mais o douto acórdão recorrido" e bem assim quando refere que o mesmo Desembargador subscrevera ainda o acórdão proferido a 12/08/2016, que deliberou negar provimento ao recurso interposto pelo mesmo, negando provimento e mantendo a decisão recorrida que determinara "a manutenção da sua sujeição à anteriormente decretada medida de prisão preventiva". Contudo, já não se lhe pode dar razão quando invoca que esta sua intervenção anterior o impedia de ter intervenção no acórdão final proferido a 15/12/2016, deliberação, esta, que conheceu do mérito da causa, por ter formado (antes, aquando da deliberação anterior) um juízo de culpa sobre as exigências de prevenção susceptível de comprometer a sua independência e imparcialidade, violadora da independência dos Tribunais, consagrada no artigo 203º da Constituição da República Portuguesa. É certo que, a citada norma constitucional, consagra o princípio da Independência, segundo o qual "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei". No caso presente, a intervenção do Exm.º Sr. Desembargador no acórdão final proferido, não fere tal princípio, em nosso entender, por não se vislumbrar que a mesma tenha violado qualquer norma legal. Mesmo vistas as disposições legais invocadas pelo ora arguente detecta-se que as mesmas não se mostram violadas ou sequer beliscadas. Face a que o invocado artigo 40º dispõe que (transcrição): "Impedimento por participação em processo Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta." Visto o determinado neste preceito legal que visa garantir a efectiva independência do tribunal, indicando para tanto as situações em que se verifica o impedimento do juiz para intervir em novo julgamento, resulta que delas não consta a situação verificada nos presentes autos. Não só porque a mesma não cabe na alínea c) (o que o ora arguente também não invoca), face a que se entende por julgamento anterior, ou seja, a audiência e a sentença, como resulta da própria sistematização do Código de Processo Penal, mas também porque a mesma não se mostra abrangida pelas alíneas invocadas pelo arguente, uma vez que, face ao determinado na alínea d) deste preceito legal, o impedimento só surge na fase de recurso quando o Juiz tenha participado em "decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. " Sendo que nenhuma dessas situações se verifica, claramente, no caso presente, mesmo atentando à parte que se reporta à participação do Juiz em decisão de recurso "a que se refere a alínea ar do mesmo preceito legal. ou seja, que recaia sobe. a "aplicação" de medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º. Apenas se reportando esta alínea à decisão de aplicação da medida e já não à de verificação, apenas, da manutenção dos seus pressupostos, por inalterados, não cabendo nesta apreciar da aplicação da medida, mas apenas verificar se existe qualquer alteração ou não aos pressupostos que a determinaram. Face a que, nos presentes autos a decisão de recurso em que o Exm.º Desembargador participou anteriormente visava tão só a apreciação da "manutenção dos pressupostos" que determinaram a aplicação da prisão preventiva, ou seja, verificar tão só se os mesmos se mantinham ou não alterados e já não apreciar da razoabilidade ou adequação da medida inicialmente imposta, perante os indícios constantes dos autos. Inexistindo manifestamente, na tomada de tal deliberação qualquer condução dos julgadores a juízos ou entendimentos, mesmo que prévios, sobre a culpabilidade do arguido, susceptíveis de, ainda assim, por qualquer forma, ferirem a sua objectividade ou isenção. Não estando a situação de participação de Juiz Desembargador verificada no caso presente prevista como motivo de impedimento no citado artigo 40º, por não envolver a mesma uma participação, considerada e bem, pelo legislador tão intensamente forte, susceptível de abalar a sua objectividade ou isenção não se mostram afectados, em nosso entender, os princípios constitucionais, mesmo o da imparcialidade do tribunal, a que se reporta o arguente. Do exposto resulta, ainda que, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 41º do mesmo Código, face a que logo no seu nº 1 se determina que este só tem aplicação nos casos previstos "nos artigos anteriores", que como já vimos não se verifica no caso presente. Nestes termos, forçoso é concluir-se que no caso presente, não é susceptível de verificar-se a nulidade a que se reporta o nº 3 do mesmo preceito legal, segundo o qual os "actos praticados por juiz impedido são nulos", face a que como já referido não se detecta, no caso presente, qualquer fundamento legal de impedimento. Pelo exposto, não se pode dar razão ao arguente, uma vez que o acórdão, por nós proferido, nos presentes autos não padece da invocada nulidade
3 - Decisão: Nestes termos e pelo exposto acordam os Juízes desta Secção Criminal em julgar totalmente improcedente a arguida nulidade.
Decidindo, dir-se-á. Sob a epígrafe Impedimentos, Recusas e Escusas, o Código de Processo Penal[3] estabelece as situações em que o julgador deve declinar a sua intervenção e as partes podem requer o seu afastamento. Trata-se de institutos que visam a salvaguarda da imparcialidade do juiz, o direito de todo o cidadão a um tribunal independente e justo. Enquanto o instituto dos impedimentos abrange situações concretas que, por si só, automaticamente, constituem motivo de afastamento do juiz[4], afastamento que deve ser assumido pelo mesmo e por ele imediatamente declarado no processo[5] – artigos 39º a 41º –, o instituto das recusas e escusas tem por referência situação genericamente definida[6] que, gerando suspeição sobre a imparcialidade do juiz, é susceptível de conduzir ao seu afastamento mediante pedido dirigido pelo próprio ao tribunal competente (escusa), ou através de requerimento deduzido pelo Ministério Público, arguido, assistente ou partes civis (recusa) – artigo 43º. Como se consignou no acórdão da Relação de Coimbra acabado de citar, enquanto o impedimento afecta sempre a imparcialidade e a independência do juiz, a suspeição pode ou não afectar essa imparcialidade e essa independência. Tal diversidade conduziu a que o legislador optasse por técnicas diferentes no que concerne à previsão dos impedimentos e das suspeições, tendo quanto aos primeiros optado pela sua enumeração (taxativa)[7], enquanto que relativamente às segundas optou pela consagração de uma fórmula ampla, abrangente de todos os motivos que sejam “adequados” a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz. No caso vertente a questão que vem colocada é de eventual impedimento, sendo o fundamento invocado o de o juiz visado haver tido intervenção em fase anterior do processo, concretamente ter participado em decisão proferida em recurso que manteve decisão que reexaminou os pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva a quo o arguido se encontra submetido. Em matéria de impedimento por participação em processo, estabelece o artigo 40º: «Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200º a 202º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão anterior que tenha conhecido, a final, do objecto do processo, de decisão instrutória ou decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior; e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta»[8]. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 1998, proferido no Processo n.º 877/97, citando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que conta para efeitos do disposto no artigo 40º é a extensão e a natureza das medidas tomadas pelo juiz antes do processo[9], sendo que o simples facto de o juiz ter tomado decisões antes do processo não pode justificar, em si, apreensões quanto à sua imparcialidade, a qual se presume, razão pela qual as dúvidas sobre a imparcialidade do juiz (no plano objectivo) apenas se poderão suscitar formalmente quando o juiz desempenhe no processo funções ou pratique actos próprios da competência de outro órgão ou tenha tido intervenção no processo numa outra qualidade, sendo que não integra qualquer destas hipóteses o caso de o juiz exercer no processo uma função puramente judiciária, integrada tanto processualmente como institucionalmente na mesma fase para qual o sistema de processo penal lhe atribui competência. Assim sendo, a imparcialidade, tendo em vista a participação anterior do juiz no processo, só estará em causa, constituindo impedimento, quando das respectivas intervenções resulte preconceito, juízo ou convicção prévios em relação à matéria a decidir. Tais intervenções, de acordo com a nossa lei adjectiva penal, são apenas as previstas no artigo 40º. Analisando a decisão em que interveio o juiz visado, verificamos que a sua intervenção não constitui motivo legal de impedimento, isto é, não configura situação enquadrável na previsão do artigo 40º. Com efeito, a decisão do recurso em que participou limitou-se ao reexame dos pressupostos de prisão preventiva, sendo certo que, como este Supremo Tribunal já decidiu no acórdão de 14 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 628/07. 8SSLSB-D.S1, o reexame dos pressupostos de aplicação da medida de coacção mais gravosa não tem a densidade qualitativa da decisão que aplica a medida; o juiz que procede ao reexame não estabelece o silogismo judiciário entre os indícios existentes e a medida aplicável mas limita-se a verificar se tal silogismo se elabora da mesma foram ou se, em face do preexistente, existiu algum elemento factual superveniente que leva à sua alteração, o que justifica a opção do legislador de afastar do campo de aplicação do artigo 40º do CPP o caso de reexame, atendendo a que uma menor intensidade qualitativa da intervenção não coloca em causa a imparcialidade do juiz do julgamento. Deste modo, sendo certo que toda e qualquer intervenção de um juiz em fase anterior de um processo penal, diversa das intervenções a que se refere o artigo 40º, não constitui ex lege, impedimento, podendo apenas, nos termos do artigo 43º, n.º 2, constituir fundamento de recusa, com o regime processual previsto no artigo 44º (só pode ser requerida, no caso de recurso, até ao início da conferência), sendo processada nos termos do artigo 45º, dúvidas não restam de que bem andou o tribunal a quo ao afastar o pedido de declaração de impedimento apresentado pelo arguido. * Conhecida a questão prévia cumpre apreciar o recurso da decisão final, o qual se circunscreve à medida da pena conjunta, que o arguido Bruno Alves considera excessiva, pugnando pela sua redução para 7 anos e 6 meses de prisão. Consignado se deixa que este Supremo Tribunal apenas se irá pronunciar sobre a medida da pena conjunta, visto que relativamente à medida das penas parcelares, bem como no que concerne a todas as demais eventuais questões atinentes aos crimes em concurso, incluindo a da sua qualificação jurídica, impedido está de o fazer, face ao caso julgado formado. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: * A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas impostas e a soma de todas elas, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre um mínimo de 7 anos de prisão e o máximo de 11 anos. Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[10]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto. Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[11], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[12], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. Posição também defendida por Figueiredo Dias[13], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta. Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[14], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[15]. Por outro lado, ter-se-á de ter presente que toda e qualquer pena de prisão só é legalmente admissível quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, quando se revele consentânea com a culpa do agente e não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido, visto que só assim se conformará com o princípio constitucional da proporcionalidade. Analisando os factos verifica-se estarmos perante um concurso de dois crimes contra as pessoas, através dos quais se tutela a vida e a integridade física, bens de primordial valor, crimes cuja gravidade se situa, obviamente, em patamar muito elevado, gravidade que se reflecte, aliás, nas penas singulares impostas. Pese embora a primariedade do arguido Bruno Alves e as demais circunstâncias atenuantes de que beneficia, entre elas se destacando as aptidões e atributos que revelou enquanto agente da Polícia de Segurança Pública (as quais lhe valeram uma notação de Muito Bom em avaliação ordinária, uma condecoração por comportamento exemplar e um louvor pelo seu comportamento zeloso, disciplina e lealdade) e o seu bom relacionamento com os seus camaradas, para além da fragilidade emocional de que era portador à data dos factos, decorrente do falecimento de uma irmã, a verdade é que os factos integrantes dos crimes em concurso mostram que o arguido é portador de uma agressividade fora do comum, que não controla, o que ficou bem patenteado nas duas vezes que premiu o gatilho da sua arma de serviço, apontando-a à pessoa da ofendida BB bem como na utilização subsequente de um faca e de um garfo, com os quais atingiu aquela por várias vezes em diversas partes do corpo, razão pela qual não nos merece qualquer censura a pena conjunta de 8 anos e 6 meses de prisão fixada pelo Tribunal da Relação, pena que se situa no patamar mínimo compatível com a culpa revelada, atento o quantum das penas singulares. * Termos em que se acorda confirmar a decisão do Tribunal da Relação que indeferiu o pedido de declaração de impedimento do juiz desembargador ... bem como o acórdão condenatório. Custas pelo recorrente, fixando-se em 6 UC a taxa de justiça. * --------------
[10] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto. |