Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1333/11.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
ERRO DE DIAGNÓSTICO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 496.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4/3/08, PROFERIDO NO PROC. N.º 08A183, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário : 1. Age com culpa o médico anátomo-patologista que diagnostica erradamente, por deficiente interpretação dos exames realizados, doença oncológica ao lesado, omitindo e silenciando as dúvidas que resultavam razoavelmente da interpretação do resultado objectivo desses exames e não procurando supri-las através da realização de outros possíveis exames complementares ou da obtenção de outras opiniões credenciadas - determinando tal violação do dever diligência a sujeição do lesado a intervenção cirúrgica (geradora , em maior ou menor grau, de problemas colaterais severos) desnecessária e desproporcional face ao tipo de patologia que realmente o afectava, violando-se desta forma o direito do paciente de optar livre e esclarecidamente pela realização ou não realização da intervenção cirúrgica  que afectou  o seu direito à  saúde e integridade física .

2. Tendo o autor, à data com 55 anos de idade, sofrido, em decorrência da acção da ré, forte abalo psíquico pelo errado diagnóstico de doença oncológica, que se manteve durante cerca de dois meses, e grande sofrimento físico, e tendo ficado, na sequência da prostatectomia radical a que foi submetido, com sequelas permanentes ao nível da sua capacidade sexual, não merece censura a decisão da Relação em fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais no montante de €100.000.00.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB e marido CC pedindo a sua condenação no pagamento ao A.:

- a título de danos patrimoniais da quantia de € 2.525,00;

- a título de danos não patrimoniais da quantia de €400.000,00;

- dos honorários do mandatário constituído no montante de €20.000,00;

- dos montantes que venha a despender em taxa de justiça e encargos do processo, sendo a taxa no montante já de €1.530,00;

- a pagar todas as quantias peticionadas acrescidas de juros vencidos desde a citação à taxa legal até integral pagamento, bem corno das custas de processo.

Alegou, em síntese, que após consulta, realizada em Junho de 2010, foi-lhe recomendada a realização de uma biopsia prostática que foi examinada pela 1ª R., tendo esta concluído pela existência de "adenocarcinoma Score 7 de Gleason (4+3) em 70% da amostra"; que, face a este diagnóstico, os especialistas por si consultados foram de opinião que deveria ser sujeito a prostactomia radical, tendo sido realizada esta operação em 22/06/2010; remetida a peça prostática para exame anátomo patológico, concluiu-se pela existência de hiperplasia nodular benigna, não tendo encontrado qualquer vestígio de cancro nesta peça; que a biópsia prostática é o único método que garante o diagnóstico de cancro e que o diagnóstico erróneo, feito pela 1ª R., determinou a operação a que o A. se sujeitou e que não era necessária; que sofreu danos patrimoniais, com os custos da intervenção cirúrgica e danos não patrimoniais decorrentes das cicatrizes, das dores, angústia e profundo abalo psicológico por si sofrido ao ser informado que sofria de cancro; e que o 2º R., é casado com a 1ª R., beneficiando o agregado familiar das remunerações por esta auferidas

A 1ª R. contestou, impugnando a existência de culpa na análise das amostras colhidas:

Na verdade, quando processou as amostras do A., teve algumas dúvidas sobre se se trataria de adenocarcinoma, dado ter verificado tratar-se de uma atipia celular e distorção das glândulas que a levou a pensar tratar-se de neoplasia do lobo esquerdo; que, face a estas dúvidas, realizou outro exame designado por imonocitoquímica, cujo resultado não foi completamente conclusivo, pelo que o interpretou como tratando-se de adenocarcinoma, uma vez que, na primeira observação, já tinha verificado a existência de atipia celular e distorção das formas nas glândulas, o que reforçou a sua conclusão de que se tratava de neoplasia; que a atrofia existente mimetizou a neoplasia e que este tipo de diagnóstico é qualificado como pitfall pela comunidade científica, tendo uma ocorrência de cerca de 1%; que realizou todos os exames que podia efectuar, tendo agido como todo o cuidado, saber e diligência que lhe eram exigidos pelas boas artes médicas;

e que é excessivo o valor dos danos peticionados pelo A., estando este actualmente bem de saúde.

Após realização da audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.

2. Inconformado, apelou o A., impugnando, desde logo, o decidido quanto a alguns pontos da matéria de facto. Após ter julgado parcialmente procedente tal impugnação, alterando a resposta dada a um dos pontos da base instrutória, a Relação, no acórdão recorrido, julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogando, em parte, a sentença recorrida, condenou os réus a pagarem ao autor:

- a quantia de dois mil quinhentos e vinte e cinco euros (€2.525,00), a título de ressarcimento dos danos patrimoniais;

- a quantia de cem mil euros (€100.000,00), a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais;

- os juros de mora incidentes sobre essas quantias desde a citação dos réus e até integral pagamento, à taxa legal, a qual é actualmente do valor de 4%;

A decisão do pleito assentou na seguinte matéria de facto:

1 - O A. nasceu em 17/09/54 - Al. A).

2 - Em 15/12/06, o A. foi examinado pelo Dr. DD, médico urologista, para efeitos de análise dos valores do Antígeno Prostático Específico ou PSA - Al. B).

3 - O PSA acusou um valor de 4ng/ml tendo a contra análise indicado um valor de 2,5 ng/ml -Al. C).

4 - A ecografia então realizada revelou a existência de hiperplasia benigna da próstata, com 26gr., acompanhada de quisto do utrículo prostático com 9 mm de diâmetro - Al. D).

5 - 0 PSA é urna enzima (glicoproteína) com algumas características de marcador tumoral ideal, sendo utilizado para diagnóstico, monitorização e controlo da evolução do carcinoma da próstata (ou cancro da próstata) - Al. E).

6 - Actualmente é recomendada a estratificação do valor de PSA por idade, nos termos seguintes:

Valores de PSA (ng/mL)                     Idade

0 — 2,5 ng/mL                              40 — 49 anos

0 — 3,5 ng/mL                              50-59 anos

0 4,5 ng/mL                              60 -69 anos

0 — 6,5 ng/mL                              > 70 anos - Al. F).

7 - Em 28 de Maio de 2010, o Autor foi novamente examinado pelo Dr. DD, tendo o PSA acusado um valor de 6,90 ng/m - Al. G).

8 - A ecografia realizada revelou a existência de Hiperplasia Benigna da Próstata, agora com 32 gr - Al. H).

9 - Em 11 de Junho de 2010, foi feita nova análise do PSA do Autor, resultando o valor de 6,70 ng/ml -Al. I).

10 – O psa é uma das proteínas de secreção exocrina produzida pela próstata; é um enzima também chamada seminogelina, que tem corno função dissolver o coágulo seminal que se forma em consequência das secreções da próstata com as das vesículas seminais. Uma pequena percentagem entra na circulação sanguínea e pode ser doseada - Al. AO.

11 - Em todas as doenças prostáticas aparece uma maior quantidade de PSA no sangue, sendo o carcinoma a doença que provoca a maior subida mantida desta proteína, tornando-a no melhor marcador tumoral - AL. AP).

12 - A variação do PSA está directamente relacionada com o volume do tumor, sendo um meio complementar de diagnóstico que permite avaliar a actividade tumoral - AL. AQ).

13 - A variação do PSA poderá estar relacionada com outras doenças da próstata, sendo a aferição do diagnóstico de carcinoma feito através de outro exame designado por biopsia da próstata -AL. AR).

14 - A Biopsia prostática é o único método que garante a certeza do diagnóstico de cancro da próstata - resposta ao quesito Io.

15 - A biopsia permite colher, com uma agulha conduzida ecograficamente, pequenos cilindros de tecido prostático posteriormente analisados histologicamente, de forma a determinar a característica das células do eventual tumor - Al. K).

16 - Os filamentos do tecido da próstata devem ser identificados de acordo com os locais de onde foram retirados para que, em caso de se detectar um tumor cancerosos, seja possível determinar a sua localização - Al. L).

17 - A seguir, cada filamento é colocado em parafina líquida, a qual, depois de solidificada, constitui um bloco no qual está integrado o filamento - AL.M).

18 - Este bloco é, em seguida, cortado em "fatias" de microns de espessura as quais são colocadas em lâminas para observação ao microscópio – AL. N).

19 - As mais recentes técnicas permitem retirar dezenas de lâminas para observação ao microscópio - AL. O).

20 - De acordo com as melhores regras de arte, além dos cilindros de tecido prostático recolhidos

serem identificados, deverá, no caso de diagnóstico positivo, indicar-se quais os cilindros atingidos e qual a percentagem de tecido afectado - AL. P).

21 - Quando é encontrado cancro, a intervenção cirúrgica é a única solução recomendável se o cancro estiver confinado à próstata – AL. Q).

22 - A intervenção cirúrgica designa-se "prostatectomia radical" - AL. R).

23 – Neste caso, os gânglios são examinados em análise extemporânea, durante a operação,  por um  médico anátomo-patologista que se encontra na sala de operações ou junto a esta - Al. S).

24 - Se os gânglios não estão atingidos, procede-se ao seccionamento da uretra, retirando-se a parte envolvida pela próstata, sendo também retiradas as duas vesículas seminais e os nervos erectores de um ou dos dois lados - Al. T).

25 - Quase sempre esta intervenção dá origem a impotência e com frequência, a incontinência urinária-AL. U).

26 - Para despiste dos resultados obtidos, o Dr. DD recomendou ao Autor a realização de uma biopsia prostática - AL. J).

27 - Em consequência da biópsia prostática foram entregues à R. em 14/06/10 o material biológico recolhido para que a 1a R., Médica Anátomo-Patologista, os processasse para análise - AL V).


28 - A R. procedeu à análise do material biológico recolhido na biopsia prostática, de acordo com os métodos e mecanismos exarados neste tipo de exame - resposta ao quesito 3°.

29 - Quando a R. procedeu ao exame do material biológico resultante desta biopsia prostática verificou tratar-se de uma atipia celular e distorção das glândulas - resposta ao quesito 4o.
30 - O que a levou a pensar tratar-se de neoplasia do lobo esquerdo - resposta ao quesito 5o.

31 -Tendo, no entanto dúvidas, sobre se trataria de adenocarcinoma -resposta ao quesito 6o.


32 - Face a estas dúvidas, a R. efectuou outro exame, designado por imunocitoquímica, normalmente usado para ajudar no diagnóstico diferencial - resposta ao quesito 7°.

33 - Este exame não foi também completamente conclusivo - resposta ao queisto 8o.


34 - Pelo que a R. interpretou os resultados no sentido de que se tratava de adenocarcinoma, uma vez que na primeira observação efectuada com Hematoxilina Eozina, já tinha verificado a existência de atipia celular e distorção das formas nas glândulas - resposta ao quesito 9o.

35 - A R. efectuou exames com hematoxilina-eozina (HE) e com citoqueratina de alto peso molecular para determinar se no caso em apreço se estaria perante um adenocarcinoma- resposta ao quesito 10o (facto alterado pela Relação).

36 - Estando o conhecimento empírico incluído também nos critérios de diagnóstico usados -resposta ao quesito 11 °.

37 - A R. aquando da realização deste exame desconhecia todo o historial clínico do A. -resposta ao quesito 12°

38 - Bem como o resultado dos exames médicos efectuados anteriormente - resposta ao quesito 13°.


39 - Após exame pela 1 a Ré, esta subscreveu relatório com data de 22/06/2010, no qual mencionou o seguinte:

"EXAME ANÁTOMO PATOLÓGICO:

"LE (El, E2 e E3) - Fragmentos (7) filiformes de tecido prostático com Adenocarcicoma Score 7 de Gleason (4+3) em 70% da amostra"

LD (Dl, D2 e D3) - Fragmentos (6) filiformes de tecido prostático sem tecido de neoplasia maligna." - AL. W).

40 - O Autor consultou o Dr. EE, especialista neste tipo de patologia, que foi de opinião que o Autor deveria ser sujeito a uma "prostatectomia radical" - AL. X).

41 - De idêntica opinião foi o Dr. DD - AL. Y).

42 - A decisão de intervenção do A. pelo Dr. DD, referida nas alíneas Y) a AA), tiveram por base o relatório elaborado pela 1a R - resposta ao quesito 2°.

43 - A operação foi marcada para o dia 22 de Julho de 2010, no Hospital …, em Lisboa, tendo sido realizada "prostatectomia radical laparoscópica com Robot da Vinci" - AL. Z).

44 - A operação foi feita pelo próprio Dr. DD e pela sua equipa - AL. AA).

45 - A intervenção cirúrgica decorreu sem incidentes, pelo que o Autor após alta do Hospital … foi convalescer para sua casa - AL. AB).

46 - 0 Autor manteve-se algaliado desde a intervenção cirúrgica até 30/07/2010, sofrendo dores e incómodos - AL. AC).

47 - Após a cirurgia, o Dr. FF, Médico Anátomo-Patologista, examinou a peça operatória retirada durante a intervenção a que o A. foi sujeito - AL. AD).


48 - Na sequência da análise efectuada, o Dr. FF elaborou relatório datado de 26/08/10, nos seguintes termos:

"Descrição Macroscópica:

"Próstata": peça operatória de prostatectomia radical cuja glândula tem 33 grs e tem a superfície lisa e regular que não inclui os feixes vasculo-nervosos bilateralmente. Em secção identifica-se expansão moderada da zona transicional com aspecto habitual das hiperplasias nodulares benignas não se observando macroscopicamente quaisquer alterações valorizáveis na zona periférica. Vesícula seminais e diferentes sem aspectos particulares. "Diagnóstico" "Foi incluída a totalidade da peça. Observa-se hiperplasia nodular benigna da zona transacional condicionando atrofia com hiperplasia post-atrófica da zona periférica com aspecto focal pseudotumoral. Há inflamação associada. Vesículas seminais e deferentes sem alterações." - AL: AE).

49 – A hiperplasia nodular benigna da zona transicional condicionando atrofia com hiperplasia post-atrófica da zona periférica com aspecto focal pseudotumoral, não é tratada com recurso a prostatectomia radical - AL. AF).

50 - Pelo Dr. FF foi efectuado exame de Revisão de Lâminas referentes a Biopsia Prostática do A., em sextante coradas por H-E e uma de imunocitoquímica com 34BetaE12, em 06/01/2011, tendo este emitido o seguinte relatório:

"Os achados observados correlacionados com os observados na peça de prostatectomia radical levam-nos a concluir pela inexistência de tumor. No entanto realçamos que se observam focalmente pequenas glândulas isoladas suspeitas nas lâminas de biopsia que podiam ser consideradas atípicas e que em resultado do estudo imunocítoquimicoefectuado são passíveis de terem sido interpretadas como correspondendo a um processo neoplásico.

A lâmina de imuno com o marcador mais utilizado para destrinçar entre tumor e não-tumor, a citoqueratina de alto peso molecular 903 (MAB34BETAE12) devido ao facto de nalgumas glândulas não identificar claramente a camada de células basais nomeadamente naquelas isoladas e suspeitas por oposição ao que se verifica claramente no tecido de teste de próstata normal presente na lâmina poderá ter conduzido à interpretação de Adenocarcinoma da Próstata.

Em face do exposto e em avaliação à posteriori em face do conhecimento dos achados da peça de prostatectomia o diagnóstico terá de ser "post-atrophichyperplasia". Este diagnóstico é um "pitfall" diferencial difícil em biópsias e que no presente caso, ao invés do que é habitual, o estudo imunocítoquimico efectuado geralmente para ajudar no diagnóstico diferencial levou a um diagnóstico erróneo de Carcinoma da Próstata dada a diferença de imunomarcação presente entre o fragmento do tecido de teste e o referente à biopsia." -AL. AS).

51 - No caso em apreço, verificou-se que a atrofia existente mimetizou a neoplasia - resposta ao quesito 14°.

52 - Das lesões que mimetizam o Adenocarcinoma a atrofia parcial é a mais comum - resposta ao quesito 15o.

53 - Tendo ainda o segundo exame efectuado pela R., conduzido a um diagnóstico erróneo de Carcinoma da Próstata - resposta ao quesito 16o.

54 - Sendo este tipo de diagnóstico qualificado de "pitfall" (dificuldade não facilmente apreensível) pela comunidade científica - resposta ao quesito 17°.

55 - Os "pitfall" neste tipo de exames têm uma taxa de ocorrência de cerca de 1% - resposta ao quesito 18o.

56 - Podendo ocorrer mesmo com o cumprimento de todos os critérios de diagnóstico — resposta ao quesito 19°

57 - Na consulta efectuada em 30/07/2010, o Dr. DD verificou que o A. "tem micção normal com boa interrupção do jacto." - AL. AT).

58 - Na consulta de 06/09/2010, registou que "Continência completa. Erecções a -+ 70%" situação que se confirmou na consulta de 06/11/2010 com "Erecções 60-70%" - AL. AU).

59 - 0 A. com a intervenção cirúrgica suportou as seguintes despesas: -35,00 € -Consulta de Anestesiologia; -2.400,00 € -Kit de cirurgia robótica;

- duas diárias de acompanhante nos dias 23 e 24/07-€ 45,00 cada - AL. AG).. 43-A operação foi marcada para o dia 22 de Julho de 2010, no Hospital ..., em Lisboa, tendo sido realizada "prostatectomia radical laparoscópica com Robot da Vinci" - AL. Z).

44-A operação foi feita pelo próprio Dr. DD e pela sua equipa - AL. AA).


45-A intervenção cirúrgica decorreu sem incidentes, pelo que o Autor após alta do Hospital da Luz foi convalescer para sua casa - AL. AB).

46-0 Autor manteve-se algaliado desde a intervenção cirúrgica até 30/07/2010, sofrendo dores e incómodos - AL. AC).

57 - Após a cirurgia, o Dr. FF, Médico Anátomo-Patologista, examinou a peça operatória retirada durante a intervenção a que o A. foi sujeito - AL. AD).


48 - Na sequência da análise efectuada, o Dr. FF elaborou relatório datado de 26/08/10, nos seguintes termos:

"Descrição Macroscópica:

"Próstata": peça operatória de prostatectomia radical cuja glândula tem 33 grs e tem a superfície lisa e regular que não inclui os feixes vasculo-nervosos bilateralmente. Em secção identifica-se expansão moderada da zona transicional com aspecto habitual das hiperplasias nodulares benignas não se observando macroscopicamente quaisquer alterações valorizáveis na zona periférica. Vesícula seminais e diferentes sem aspectos particulares. "Diagnóstico" "Foi incluída a totalidade da peça. Observa-se hiperplasia nodular benigna da zona transacional condicionando atrofia com hiperplasia post-atrófica da zona periférica com aspecto focal pseudotumoral. Há inflamação associada. Vesículas seminais e deferentes sem alterações." - AL: AE).

49 – A hiperplasia nodular benigna da zona transicional condicionando atrofia com hiperplasia post-atrófica da zona periférica com aspecto focal pseudotumoral, não é tratada com recurso a prostatectomia radical - AL. AF).

50 - Pelo Dr. FF foi efectuado exame de Revisão de Lâminas referentes a Biopsia Prostática do A., em sextante coradas por H-E e uma de imunocitoquímica com 34BetaE12, em 06/01/2011, tendo este emitido o seguinte relatório:

"Os achados observados correlacionados com os observados na peça de prostatectomia radical levam-nos a concluir pela inexistência de tumor. No entanto realçamos que se observam focalmente pequenas glândulas isoladas suspeitas nas lâminas de biopsia que podiam ser consideradas atípicas e que em resultado do estudo imunocítoquimico efectuado são passíveis de terem sido interpretadas como correspondendo a um processo neoplásico.

A lâmina de imuno com o marcador mais utilizado para destrinçar entre tumor e não-tumor, a citoqueratina de alto peso molecular 903 (MAB34BETAE12) devido ao facto de nalgumas glândulas não identificar claramente a camada de células basais nomeadamente naquelas isoladas e suspeitas por oposição ao que se verifica claramente no tecido de teste de próstata normal presente na lâmina poderá ter conduzido à interpretação de Adenocarcinoma da Próstata.

Em face do exposto e em avaliação à posteriori em face do conhecimento dos achados da peça de prostatectomia o diagnóstico terá de ser "post-atrophichyperplasia". Este diagnóstico é um "pitfall" diferencial difícil em biópsias e que no presente caso, ao invés do que é habitual, o estudo imunocítoquimico efectuado geralmente para ajudar no diagnóstico diferencial levou a um diagnóstico erróneo de Carcinoma da Próstata dada a diferença de imunomarcação presente entre o fragmento do tecido de teste e o referente à biopsia." -AL. AS).

51 - No caso em apreço, verificou-se que a atrofia existente mimetizou a neoplasia - resposta ao quesito 14°.

52 - Das lesões que mimetizam o Adenocarcinoma a atrofia parcial é a mais comum - resposta ao quesito 15o.

53 - Tendo ainda o segundo exame efectuado pela R., conduzido a um diagnóstico erróneo de Carcinoma da Próstata - resposta ao quesito 16o.

54 - Sendo este tipo de diagnóstico qualificado de "pitfall" (dificuldade não facilmente apreensível) pela comunidade científica - resposta ao quesito 17°.

55 - Os "pitfall" neste tipo de exames têm uma taxa de ocorrência de cerca de 1% - resposta ao quesito 18o.

56 - Podendo ocorrer mesmo com o cumprimento de todos os critérios de diagnóstico — resposta ao quesito 19°

57 - Na consulta efectuada em 30/07/2010, o Dr. DD verificou que o A. "tem micção normal com boa interrupção do jacto." - AL. AT).

58 - Na consulta de 06/09/2010, registou que "Continência completa. Erecções a -+ 70%" situação que se confirmou na consulta de 06/11/2010 com "Erecções 60-70%" - AL. AU

59 - 0 A. com a intervenção cirúrgica suportou as seguintes despesas: -35,00 € -Consulta de Anestesiologia; -2.400,00 € -Kit de cirurgia robótica;

- duas diárias de acompanhante nos dias 23 e 24/07-€ 45,00 cada - AL. AG).

60 - 0 A. ficou com uma cicatriz e 5 buracos na zona que foi intervencionada -AL. AH).

61 - 0 Autor sofreu grandes dores no período pós operatório, durante vários dias - AL. AI). 62-0 A. desde que tomou conhecimento do diagnóstico de cancro da próstata até tomar conhecimento dos resultados do relatório referido em AC), viveu dias de angústia, sofrimento e sensação de  incapacidade perante a doença de que estava convencido que padecia - AL. AJ).

63 - Com consequências para o seu estado anímico e no do que os rodeiam, designadamente, mulher, filhos, amigos e colegas - AL. AK).

64 - 0 que acarretou para o Autor ainda maior preocupação por saber que causava desespero e sofrimento àqueles que o amam - AL. AL).

65 - 0 Autor, social e financeiramente, é uma pessoa bem sucedida na vida - AL. AM).

66 - A 1a Ré casou com o 2o R. CC, em 22/07/78 - AL. AN).

 67- A 1ª R. é remunerada pelos serviços que presta.

68 - E concorre com essa remuneração para as despesas do seu agregado familiar.

3. Passando ao enquadramento jurídico de tal factualiddade, o acórdão recorrido configura a obrigação assumida pela R., no âmbito do contrato de prestação de serviços médicos que celebrou, como traduzindo uma obrigação de resultado, afirmando nomeadamente:

Aplicando estas noções ao caso subjudice, a questão está em saber a que resultado a ré se obrigou para com o autor: se o meramente instrumental (análise do material biológico recolhido na biopsia prostática, mediante a adopção de um comportamento diligente, técnica e cientificamente correcto, conforme às legesartis), se o final (determinar se aquele material biológico tinha ou não células cancerígenas).

Na medicina, dada a elevada componente que a incerteza joga no êxito dos actos praticados pelo médico, as obrigações dos médicos são consideradas, em regra, como meras obrigações de meios. Assiste-se, no entanto, ao reconhecimento de um crescente número de áreas, em que, dada a menor influência de factores não controlados pelo profissional, a obrigação do médico é reconduzida à categoria das obrigações de resultado.

Assim, quando a componente aleatória se apresenta muito reduzida e a verificação do resultado altamente provável, poderá o mesmo constituir objecto (imediato) da obrigação assumida pelo médico, como acontece, nomeadamente, na realização de exames físicos ou biológicos (exames serológicos, análise ao sangue, por exemplo) - Rute Teixeira, ob. cit. pags. 97 a 101.

E no que tange à realização de exames do material recolhido na biopsia prostática? Apurou-se que a biopsia é o único método que garante a certeza do diagnóstico de cancro da próstata.

Esta permite colher, com uma agulha conduzida ecograficamente, pequenos cilindros de tecido prostático posteriormente analisados histologicamente, de forma a determinar a característica das células do eventual tumor.

O exame histológico tem, pois, por finalidade estabelecer um diagnóstico preciso que irá ajudar ou determinar o tipo do tratamento e a gravidade da doença (desde logo, se é ou não cancerígena).

Atenta a natureza e finalidade do acto médico em apreço, não pode deixar de se entender que a ré, ao contratar com o autor, se comprometeu a facultar-lhe um determinado resultado: detectar se os filamentos de tecido entregues para análise estavam, ou não, —[…], relatado pela Des. Rosa Maria Ribeiro Coelho, in CJ 2007, tomo IV, pags. 77 e segs..

Não se ignora que o diagnóstico histológico de cancro da próstata em amostras de biopsia é um dos desafios mais difíceis para os patologistas, desde logo por se basear na interpretação de imagens microscópicas, o que aponta para alguma subjectividade.

Porém, o resultado da análise da biopsia depende apenas da avaliação e interpretação dos dados presentes nas lâminas (amostras), observados ao microscópio, não desempenhando a álea um papel de relevo.

Tal requer apenas conhecimento, aprendizagem, experiência e evidência científica, o que pressupõe a observância de critérios científicos de diagnóstico.

O anátomo-patologista intervém municiado com um manancial de conhecimentos adquiridos e um caudal de experiências acumuladas.

Como entendeu o S.T.J. no Ac. de 4/03/2008 (relatado pelo Cons. Fonseca Ramos, in CJ-STJ 2008, tomo 1, pags.134 e segs., o qual recaiu sobre o caso apreciado no acórdão desta Relação supra citado):

"Com o devido respeito, entendemos que face ao avançado grau de especialização técnica dos exames laboratoriais, estando em causa a realização de um exame, de uma análise, a obrigação assumida pelo analista é uma obrigação de resultado, isto porque a margem de incerteza é praticamente nenhuma.

Mal estariam os pacientes se os resultados de análises, ou exames laboratoriais, obrigassem, apenas, os profissionais dessa especialidade a actuar com prudência, mas sem assegurarem um resultado; dito prosaicamente, concluiriam o exame e a sua obrigação estava cumprida se afirmassem ao doente - eis o resultado mas não sabemos se em função do que foi analisado padece ou não de doença.

(...)

E de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios -o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legisartis na execução do acto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente.

Mas especialidades há que visam não uma actuação directa sobre o corpo do doente, mas antes auxiliar na cura ou tentativa dela, como sejam os exames médicos realizados, por exemplo, nas áreas da bioquímica, radiologia e, sobretudo, nas análises clinicas.

Neste domínio é dificilmente aceitável que estejamos perante obrigações de meios.

Ora, prossegue o acórdão recorrido, o diagnóstico elaborado pela ré (existência de um adenocarcinoma da próstata) revelou-se absolutamente errado, pois que se veio a apurar, através do exame da peça operatória (próstata) retirada ao autor, que inexistia qualquer tumor.

O erro médico em que a ré incorreu determinou que o autor se tivesse submetido a uma intervenção cirúrgica, designada por "prostatectomia radical", com as consequências danosas que daí decorreram e que se mostram expressas na factualidade apurada. A falta de consecução do resultado devido, constitui em si um cumprimento defeituoso da prestação por parte da 1ª Ré.

Dado que, como vimos, entre o autor e a ré se estabeleceu uma relação contratual de prestação de serviços, aquele cumprimento defeituoso presume-se culposo – artº 799°, n.° 1, do C. Civil.

Atenta a presunção de culpa, cabia à ré provar que aplicou a diligência e aptidão que lhe era exigível, mas que, por razões que não podia prever ou não podia controlar, a finalidade pretendida se gorou, não tendo sido alcançada.

Para tanto, impunha-se que a mesma demonstrasse que na sua actuação observou as exigências da legesartis e os conhecimentos científicos então existentes, sendo o padrão de comportamento a considerar o de um bom profissional médico da categoria da ré (da sua especialidade e com o seu grau de experiência). No caso dos autos, o "pitfall" é uma falsa questão, que não tem aplicação ou razão de ser, uma vez que a questão controvertida nos autos se coloca num momento anterior, pois que em ambos os exames que realizou não chegou a nenhum resultado, porque a dificuldade e incerteza do resultado desde sempre se apresentou evidente;

-  Por conseguinte, a R. não provou a inexistência de culpa no incumprimento, ou cumprimento defeituoso da prestação a que estava obrigada;

-  Ao invés, provou-se que a R. optou por emitir relatório, mesmo não tendo certezas, e diagnosticou ao Recorrente adenocarcinoma, quando não tinha a certeza da sua verificação;
-  Um anatomo patologista médio devia e podia ter agido de outro modo pedindo segunda opinião, na análise das lâminas da biopsia e do resultado inconclusivo do exame de imunocitoquimica, e se necessário, emitir relatório inconclusivo, em caso de dúvida.

Vejamos.

Colocando-se a questão da culpa nas várias fases da actuação da ré, importa apreciar o percurso seguido pela mesma na realização do exame histológico, valorando o comportamento apurado desta, não só na individualidade de cada conduta, mas também como um elemento do todo procedimental em que se integra - vide Rute Teixeira, ob. cit. pag. 127.

Nesta sede, apurou-se que a ré realizou dois tipos de exame:

-  O 1º foi efectuado com Hematoxilina-Eozina (H-E): técnica de coloração de tecidos para permitir a sua observação ao microscópio;

-  O 2o, designado por imunocitoquimica, foi efectuado mediante recurso à citoqueratina de alto peso molecular 903, o qual permite mostrar a presença ou a ausência da camada de células basais nas glândulas suspeitas, ajudando a estabelecer o diagnóstico de benigno ou maligno.

Como referem Robbins&Cotran, Patologia - Bases Patológicas das Doenças, 7a edição, pag. 1098 (...) "uma característica que distingue entre glândulas prostáticas benignas e malignas é que as benignas contêm células basais que estão ausentes no câncer. Os patologistas têm explorado este achado usando vários marcadores imunoistológicos para marcar as células basais.

(...)

Estes marcadores, embora melhorem a precisão do diagnóstico do câncer da próstata, têm as suas limitações e devem ser usados juntamente com as secções coradas com HE de rotina ".

Significa isto que apenas o 1 o exame constitui um método obrigatório no diagnóstico do cancro da próstata e que permite concluir pela existência deste, servindo o segundo apenas para alicerçar uma determinada conclusão (método complementar/auxiliar e opcional), ou seja para ajudar no diagnóstico diferencial. Apurou-se que no exame realizado com Hematoxilina-Eozina a ré verificou a existência de atipia celular e distorção das formas nas glândulas, o que a levou a pensar tratar-se de neoplasia do lobo esquerdo.

Tendo, no entanto, dúvidas sobre se trataria de adenocarcinoma, a ré efectuou outro exame, designado por imunocitoquímica.

Certo é que no exame das lâminas coradas por H-E os anátoma-patalogistas analisam várias variáveis (os núcleos das células, as suas dimensões, a cor do citoplasma, o tamanho dos nucléolos, etc.) e observam vários critérios histológicos considerados essenciais na interpretação microscópica e no diagnóstico do adenocarcinoma da próstata.

Ora, a ré não alegou o teor das imagens microscópicas que observou nas lâminas e se as células suspeitas preenchiam os critérios científicos ou alguns deles para adenocarcinoma. tendo-se limitado a alegar o juízo de valor que então formulou (ter pensado, em face do exame com H-E, que se tratava de uma neoplasia do lobo esquerdo).

Não alegou também a ré factos donde fluísse que um anátomo-patologista.com a sua experiência e conhecimento, teria formulado o mesmo juízo ou, pelo menos, teria tido dúvidas que justificassem a realização do exame designado por imunocitoquímica

Não provou, pois, a ré ter sido diligente e cuidadosa na realização do 1o exame.

Não se ignora que no 2o exame a citoqueratina de alto peso molecular 903 não permitiu identificar claramente a camada de células basais nas células isoladas e suspeitas, por oposição ao que se verificava claramente no tecido de teste de próstata normal presente nalâmina. E que foi esse facto que conduziu a ré ao diagnóstico, erróneo, de adecarcinomapróstata, apesar deste 2o exame, designado por imunocitoquímico, não ter sido também completamente conclusivo.

Também se não ignora que este diagnóstico é um "pitfall" (dificuldade não facilmente apreensível) diferencial difícil em biópsias e que no presente caso, ao invés do que é habitual, o estudo imunocitoquímico efectuado geralmente para ajudar no diagnóstico diferencial levou a um diagnóstico erróneo de Carcinoma da Próstata.

Os "pitfall" neste tipo de exames têm uma taxa de ocorrência de cerca de 1%, podendo ocorrer mesmo com o cumprimento de todos os critérios de diagnóstico.

Sucede, porém, que, o 2° exame o qual é meramente complementar e não decisivo z não elimina um eventual erro de interpretação dos dados microscópicos presentes no exame, isto é, não neutraliza a (presumida)actuação reprovável da ré aguando Hggte mm^
E que, como vimos, a ré não alegou e, consequentemente, não provou que, ao interpretar as imagens microscópicas das lâminas de H-E (1o exame), o tivesse feito de acordo com os critérios procedimentais das legesartis e não obstante a sua diligência tivesse tido a necessidade da realização do 2o exame, que a conduziu ao pitfall.

Ademais, como nos dá conta a literatura médica (vide Rita de Cássia Alves Schumacher in http://www.lume,ufrgs, pags. 31/34), a ausência de camada de células basais no exame imunocitoquimico, não pode ser usado como critério único de diagnóstico para malignidade, desde logo por, mesmo em processos benignos, a visualização da camada de células basais no exame imuno-histoquímico poder ser difícil, tanto mais que muitas dessas lesões podem apresentar ausência daquelas células.

Por outra via, apurou-se que a próstata, após a sua retirada, apresentava a hiperpiasia nodular benigna na zona transacional condicionando atrofia com hiperpiasiapost-atrófíca da zona periférica com aspecto focal pseudotumoral.

Ora, como referem Robbins&Cotran, a hiperpiasia prostática benigna é caracterizada por hiperpiasia do estroma prostático e células epiteliais, resultando da formação de nódulos grandes, relativamente nítidos (ob. cit. pag. 1094), a qual não é considerada uma lesão pré-maligna (ob. cit. pag. 1096).

Assim, por si só, a distorção da forma nas glândulas não podia levar a ré, enquanto anátoma-patologista, a concluir, com certeza - entendida esta como a formulação de uma forte convicção - pela existência de cancro.

Ademais, não obstante ter ficado com dúvidas no 1oexame e do 2o não ser conclusivo (este é meramente complementar daquele), a ré não solicitou uma segunda opinião a outro anátomo-patologista antes de formular o seu diagnóstico, tendo, ao invés, elaborado relatório no qual diagnosticou a existência de cancro na próstata, sem expressar sequer quaisquer dúvidas (alertando dessa forma o autor para a obtenção de uma segunda opinião).

E, mais adiante, pronunciando-se sobre a matéria dos invocadas danos não patrimoniais, considerou a Relação que:

 Tendo o autor, à data com 55 anos de idade, em decorrência da acção da ré sofrido forte abalo psíquico, que se manteve durante cerca de dois meses, e grande sofrimento físico, e tendo ficado, na sequência da prostatectomia radical a que foi submetido, com sequelas permanentes ao nível da sua capacidade de ter erecções (apresentava em Novembro de 2010 erecções de 60-70%). entende-se equitativo fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais no montante de €100.000.00.

4. Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

A) A recorrente agiu com zelo e diligência e no cumprimento da leges artis, realizando todos os exames necessários e previstos para elaboração do relatório em que diagnosticou adenocarcinoma ao A.

B) A recorrente nos exames efectuados usou de todo o seu conhecimento e saber adquirido ao longo dos anos e de acordo com os critérios procedimentais das leges artis.

C) Apesar das dúvidas aquando da realização do 1º exame e de o 2º não ser conclusivo a 1ª R. não teve quaisquer dúvidas aquando da elaboração do diagnóstico, pelo que não solicitou uma segunda opinião.

D) O erro de diagnóstico da 1ª R. é um erro médico e por tal erro não poderá a mesma ser responsabilizada, quando confrontada com um caso de difícil diferenciação porque mimetiza o cancro, quando este erro pode ocorrer com a observância de todas as boas práticas.

E) Resulta dos autos que a 1ª R. apesar de ter diagnosticado ao A. um adenocarcinoma da próstata, não agiu com culpa pelo que não é responsável pelos danos decorrentes para o A. da prostactomia radical.

F) A indemnização de 100.000,00 € a título de danos não patrimoniais é excessiva, porque não equitativa, uma vez o A. é uma pessoa bem sucedida na vida a nível social e profissional e que à data dos factos tinha 55 anos de idade, foi submetido a uma prostectomia radical em 22.07.2010, que dois dias depois teve alta hospitalar, que esteve algaliado durante 8 dias, que ficou com uma cicatriz, desconhecendo-se o tamanho da mesma, e com 5 buracos, que em consequência da operação não ficou com problemas de incontinência, ao invés tem micção normal com boa interrupção do jacto e continência completa e erecções a 60%/70% e que após a operação a que foi sujeito, a sua vida não sofreu uma mudança radical quer a nível social, profissional ou familiar, numa situação semelhante mas em que as consequências foram manifestamente mais graves uma vez que o lesado não conseguia reter a urina, passando a usar fraldas; ficou a sofrer de disfunção eréctil, não consegue a erecção do pénis por forma a manter relações normais de cópula completa; ficou com uma cicatriz entre o umbigo e a púbis; ficou com dores no nervo dermofemural da perna direita; foi-lhe diagnosticado uma depressão; ficou uma pessoa azeda e insatisfeita com a vida; e que sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, e em que o modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo de consequências irreversíveis o valor da indemnização foi fixado em 224.459,05€, violando-se o disposto no artigo 496º, nº 3 do Código Civil.

O recorrido contra alegou, pugnando pela confirmação da decisão impugnada.

5. Na sua alegação, suscitam os recorrentes duas questões: a da inexistência de culpa pelo cometimento do erro de diagnóstico que determinou a sujeição do A. à desnecessária intervenção cirúrgica que gerou os danos invocados e o montante indemnizatório arbitrado a título de danos não patrimoniais, tido como excessivo.

Quanto à questão da culpa da recorrente no cometimento do erro de diagnóstico resultante da deficiente interpretação que fez dos dois exames que realizou – analisada naturalmente perante o quadro factual definitivamente fixado pela Relação – entende-se que nenhuma censura merece o sentido decisório constante do acórdão recorrido.

Na verdade, resultou provado que os resultados dos dois exames realizados pela R. para despistagem de possível patologia oncológica resultaram inconclusivos: a primeira biopsia efectuada deixou dúvidas na R. sobre se se trataria efectivamente de adenocarcinoma (ponto 31 da matéria de facto); para remover tais dúvidas, a R. efectuou outro exame, designado por imunocitoquímica, usado normalmente para ajudar no diagnóstico diferencial, o qual não foi também completamente conclusivo ( pontos 32 e 33 da matéria de facto).

Ora, perante tal acumulação de dúvidas possíveis acerca da natureza da patologia que afectava o A. – e da consequente necessidade e razoabilidade de ele se sujeitar à intervenção cirúrgica que acabou por realizar - a R. não recorreu a outros exames auxiliares ou complementares possíveis, nem pediu a opinião adicional de outros colegas na interpretação dos resultados não absolutamente concludentes dos dois exames que realizou( cfr. alteração determinada pela Relação no ponto 35 da matéria de facto) – optando antes por elaborar relatório clínico em que, com total omissão das dúvidas suscitadas acerca da concludência dos exames realizados, afirmava categoricamente, como conclusão segura do diagnóstico, que o A. padecia de adenocarcinoma em 70% da amostra ( ponto 39 da matéria de facto).

Ou seja: a R., com tal comportamento, efectivamente violador do dever de diligência que incide sobre um médico anátomo-patologista colocado nas circunstâncias concretas do caso dos autos, afectou o direito do A., como paciente, a optar livre e esclarecidamente pela realização ou não realização da intervenção cirúrgica a que se submeteu – delicada, invasiva e sempre geradora, em maior ou menor grau, de problemas colaterais severos ; na verdade, em consequência da afirmação cabal, constante do relatório clínico, de que os resultados dos exames efectuados conduziam a um diagnóstico de adenocarcinoma - omitindo e silenciando as dúvidas que resultavam razoavelmente da interpretação do resultado objectivo desses exames e não procurando supri-las através da realização de outros possíveis exames complementares ou da obtenção de outras opiniões credenciadas – o comportamento da R. acabou por determinar a sujeição do A. a intervenção cirúrgica desnecessária, desrazoável e desproporcional face ao tipo de patologia que realmente o afectava, geradora dos danos que se pretendem ver ressarcidos.

Consideram, por outro lado, os recorrentes excessiva a indemnização arbitrada ao A. como compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento culposo do contrato de prestação de serviços médicos celebrado com a R.

A problemática do cômputo da indemnização compensatória dos danos não patrimoniais invocados pelo lesado ( prejuízo sexual decorrente das sequelas da operação cirúrgica a que desnecessariamente se submeteu, em consequência do erro de diagnóstico e avaliação cometido, perturbação e sofrimento causados pelo errado diagnóstico de doença oncológica, sofrimentos e incómodos próprios do tipo de intervenção cirúrgica em causa) assenta decisivamente em juízos de equidade e envolve a ponderação adequada de toda a matéria de facto atrás elencada e descrita.

Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis .

No caso dos autos, é inquestionável que – por errada avaliação imputável à R.- o A. viu afectado o seu direito a uma livre e esclarecida decisão acerca dos tratamentos médicos adequados ao seu real estado de saúde, acabando por se submeter a uma intervenção cirúrgica desnecessária e desrazoável, face à natureza da patologia que efectivamente o afectava - vendo lesado o seu direito à saúde e integridade física, não só em consequência da efectivação da operação, mas também e essencialmente pelas sequelas que dela resultaram. Sofreu também um justificável abalo psíquico como consequência adequada do errado diagnóstico, ao ser-lhe apresentada como actual e efectiva uma patologia oncológica que, afinal, era inexistente.

Ora, perante este quadro geral, entende-se que não pode considerar-se inadequado ou desrazoável o montante indemnizatório de €100.000,00, atribuído a título de compensação de tais danos não patrimoniais, o qual reflecte adequadamente a gravidade da lesão sofrida e respectivas consequências danosas: e a circunstância de a intensidade dos danos ter sido, no caso dos autos, menor do que a verificada em situações análogas ou equiparáveis ( como sucede na que subjaz ao Ac. de 4/3/08, proferido pelo STJ no P. 08A183 ), justificadoras, aliás, do arbitramento de montantes indemnizatórios largamente superiores, não implica que deva ser reduzido o valor pecuniário arbitrado no acórdão recorrido, que inteiramente se confirma.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 26 de Junho de 2014

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor