Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
322/08.2TARGR.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
CRIMINALIDADE VIOLENTA
CÔNJUGE
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
PENA ÚNICA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO
COMPRESSÃO
Data do Acordão: 03/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I -Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ, em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para o Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos.
II - Actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.
III - O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.
IV - Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.
V -Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão.
VI - E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta.
VII - Esta solução quanto a irrecorribilidade não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP pela 4.ª revisão constitucional – LC 1/97, de 20-09.
VIII - O acórdão da Relação, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.
IX - O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
X -O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.
XI - A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o STJ aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo TC, que decidiu não a julgar inconstitucional, pelo Ac. 645/09 de 15-12-2009, Proc. n.º 846/2009 - 2.ª.
XII - Assim, sendo as referidas penas confirmadas inferiores a 8 anos de prisão, não é admissível recurso quanto à sindicância das mesmas penas, o qual se restringirá, pois, a conhecer da pena do homicídio qualificado e da pena do concurso.
XIII - Nos termos do art. 374.º, n.º 3, al. a), do CPP, a sentença termina pelo dispositivo que contém as disposições legais aplicáveis. Se, o acórdão não observou este ditame adjectivo, no que respeita ao crime de homicídio qualificado, pois no dispositivo indica apenas o artigo 132.º do CP, olhando-se apenas ao dispositivo, fica sem se saber se o arguido terá sido condenado por crime de homicídio qualificado, típico ou atípico, este p. p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do CP (nesta acepção a simples referência ao artigo 132.º, sem mais, assume necessariamente contornos de desnecessária ambiguidade, obscuridade e falta de clareza, a justificar diversas dimensões interpretativas do decidido, o que não é salutar, pois o que se espera é que a decisão, como declaração receptícia ou recipienda, seja clara e transparente e imediatamente apreensível o seu sentido, sendo necessário recuar para o texto do acórdão para tentar perceber o que ocorreu.
XIV - Como refere Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 45, citando Teresa Serra, Homicídio qualificado, no caso de concurso de elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena. Diz esta Autora, a págs. 101 a 102, que não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso entre a verificação de diversos exemplos-padrão, por o preceito não conter verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do homicídio. E avança: “Daí que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos – padrão. Aqui, quando muito, poderá verificar-se a ocorrência do efeito de indício numa medida ainda mais intensa, mas nunca considerar-se como uma questão de concurso.
XV - A questão da violência intrafamiliar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II - Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família - elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984), especificou o conceito de violência física no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cf. BMJ n.º 335, págs. 5-22).
XVI - O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo a incriminação a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana – art. 24.º da CRP – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.
XVII - O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.
XVIII - A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição. A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição. Como expende Figueiredo Dias, O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
XIX - O homicídio qualificado integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, na “definição” do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, tendo no caso presente sido cometido mediante o recurso a arma de fogo e com a comparticipação de duas outras pessoas, com prévio rapto da vítima, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral.
XX - A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
XXI - No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
XXII - Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.
XXIII - Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, RPCC, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.
XXIV - A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
XXV - Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.
XXVI - Em suma, a pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos algo excessiva a pena aplicada, pelo que há que alterá-la, mostrando-se, pois, necessária intervenção correctiva do STJ no sentido de fazer incidir um maior factor de compressão.
Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 322/08.2TARGR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, integrante do Círculo Judicial de Ponta Delgada, Região Autónoma dos Açores, foram submetidos a julgamento os arguidos:

1. - AA, nascido em … de Abril de …, viúvo, pescador, natural de …, Ribeira Grande, residente na Rua de …, n.º …, Rabo de Peixe, Concelho da Ribeira Grande, preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 9 de Outubro de 2008 (cfr. fls. 2861 e 2862), e actualmente no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus (fls. 2853/4);

2. - BB, nascido em …, solteiro, pintor de construção civil, natural de …, Ponta Delgada, residente na Rua …, n.º .., …, concelho de Ponta Delgada;

3. - CC, nascido em …, casado, pintor de automóveis, natural de …, Ponta Delgada, residente na …, n.º .., …., em …;

4. - DD, nascido em …, solteiro, pedreiro desempregado, natural da …, Ribeira Grande, residente no …, n.º …, …;

5. - EE, nascida em …, viúva, doméstica, natural de …, Ribeira Grande, residente na Rua …, n.º …, …; e,

6. - FF, nascido em …, …, carpinteiro, natural de …, Concelho de Ponta Delgada, residente na Rua …, n.º .., …, ….

Era imputada a cada um dos arguidos a autoria de crimes de sequestro agravado, p. e p. no artigo 158.°, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, e, com excepção do arguido FF, também um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos artigos 131.º e 132.°, n.º s 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, e ao arguido AA ainda um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152.°, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal e quatro crimes de ameaças agravadas, p. e p. nos artigos 153.°, n.º 1 e 155.°, n.º 1, do mesmo Código, em concurso efectivo.

GG, HH e II, menores, representados pelo Ministério Público, deduziram contra AA, CC, BB, DD e EE, pedido de indemnização civil, por danos não patrimoniais sofridos, decorrentes da morte da sua mãe, causada por aqueles.           

Por acórdão do Tribunal Colectivo de Ponta Delgada, de 2 de Março de 2010, constante de fls. 2640 a 2699, do 12.º volume, foi deliberado:

a) Absolver a arguida EE da prática dos crimes de homicídio qualificado e de sequestro agravado de que vinha acusada.

b) Condenar o arguido AA como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto nos artigos 131.° e 132.° (Sic), em concurso efectivo com um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158.°, n.º s 1 e 2, alínea b); um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.°, n.º 1, alínea a); e dois crimes de ameaça agravados (sendo um deles na forma continuada), previstos nos artigos 153.°, n.° 1 e 155.°, n.° 1, alínea a), todos do Código Penal, respectivamente, nas penas de vinte e um anos de prisão; quatro anos de prisão; dois anos e oito meses de prisão; um ano de prisão; e um ano de prisão.

Operando o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 24 (vinte e quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

c) Condenar o arguido BB, como autor de um crime de sequestro, previsto no artigo 158.°, n.º 1 do C. Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova, na condição de o arguido consentir em integrar um programa de acompanhamento na desabituação de consumo de substâncias estupefacientes, com realização de testes periódicos de controlo.

d) Condenar o arguido CC como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto nos artigos 131.° e 132.° (Sic), em concurso efectivo com um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158.°, n.°s 1 e 2, alínea b), respectivamente, nas penas de quinze anos de prisão; e de dois anos e três meses de prisão.

       Operando o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de dezasseis anos de prisão.

e) Condenar o arguido DD como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto nos artigos 131.º e 132.º (Sic), na pena de treze anos de prisão.

f) Condenar o arguido FF como autor de um crime de sequestro agravado, previsto no artigo 158.°, n.°s 1 e 2, alínea b), na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova, na condição de o arguido consentir em integrar um programa de desabituação de consumo de substâncias estupefacientes, com realização de testes periódicos de controlo.

g) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido civil formulado por GG, HH e II contra os demandados AA, CC e DD e, em consequência, condená-los solidariamente a pagar a cada um dos demandantes a quantia de oitenta mil euros, a título de danos não patrimoniais por aqueles causados e por estes sofridos.

h) Absolver os demandados BB e EE dos pedidos cíveis que contra eles foram formulados pelos demandantes.                                            

Inconformados com o acórdão condenatório de Ponta Delgada, os arguidos AA e DD interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-10-2010, constante de fls. 2885 a 2950, foi negado provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão impugnada.

Então, o arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 2960 a 2969, e em original, de fls. 2970 a 2979, que remata com a seguinte única conclusão:

O presente recurso vem interposto do acórdão proferido em 21 de Outubro de 2010, por via do qual o Tribunal da Relação de Lisboa, se decidiu pela confirmação da medida da pena aplicada ao arguido, ora, recorrente, na consequência da sua condenação em 1.° instância como de um crime de homicídio qualificado, previsto nos arts. 131.° e 132°, em concurso efectivo com um crime de sequestro agravado, previsto no art. 158.°, n.° l e 2, al. b), um crime de violência doméstica, previsto no art. 158.°, n.° 1 , al. a): e dois crimes de ameaça agravados (sendo um deles na forma continuada), previstos nos artigos 153.°, n.° l e 155.°, n.° l al. a), todos do Código Penal, respectivamente nas penas de vinte e um anos de prisão: quatro anos de prisão; dois anos e oito meses de prisão; um ano de prisão: e um ano de prisão. Na verdade e salvaguardado o devido respeito, a (SIC) ora recorrente com tão severa condenação não se pode conformar. Aliás, neste particular cumpre afirmar que para a (SIC) ora recorrente, a presente condenação que ora se impugna é, salvo melhor opinião, excessiva.

Termos em que, procedendo os argumentos invocados se considere por alterada a medida da pena, diminuindo-se a mesma.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu, conforme consta de fls. 2989 a 2992, concluindo que deve ser mantido o acórdão recorrido, pelas razões seguintes:

1- A lei foi aplicada e a prova foi valorada em conformidade com os poderes de cognição do Tribunal da Relação.

2 - As penas, parcelares e única, foram graduadas de acordo com a gravidade dos crimes e das necessidades de prevenção e de ressocialização.

3 - O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser confirmado nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso do arguido. 

O recurso foi admitido por despacho de fls. 2994.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, de fls. 3005 a 3007, dizendo que o recurso deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.

E especifica: Atento o que se acha exposto no ponto IV, entendemos e somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido AA deve ser rejeitado por ser manifestamente improcedente (cf. art. 420 n° l al. a) do CPP), pois temos as considerações de um estado de alma de convicção pessoal quanto à medida da pena, na motivação e nas conclusões do recorrente, quando esta e estas deveriam conter uma esboçada concretização dos pontos concretos em que o Tribunal da Relação de Lisboa, errara na determinação da pena parcelar, quanto à pena parcelar aplicada quanto ao crime de homicídio qualificado e quanto à pena única aplicada.

            Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo o recorrente silenciado.
           

           Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.          

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
   

          Questões a decidir

          Atento o teor da conclusão única apresentada pelo recorrente, que traduz de forma condensada as razões de sua divergência com a decisão impugnada, a questão central suscitada pelo impugnante e a debater e decidir no presente recurso é a respeitante à medida da pena de prisão aplicada, pugnando no sentido da sua redução. 
Em causa estarão apenas a pena parcelar cominada pelo homicídio qualificado e a pena única, não se conhecendo das demais, atentas as medidas concretas aplicadas, por se verificar uma situação de dupla conforme, prevista no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, como se demonstrará infra.

Assim sendo, serão de reapreciar duas questões, a saber:
 

           Questão I - Medida da pena parcelar do homicídio qualificado – redução?
           Questão II - Medida da pena única – redução ?

Oficiosamente, colocar-se-á a questão prévia da amplitude do recurso, versando-se a (ir)recorribilidade quanto às penas parcelares aplicadas pelos demais crimes, todas em medida inferior a oito anos de prisão e que foram confirmadas pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

Factos Provados

Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

Optou-se por transcrever em formato reduzido a enumeração dos factos provados respeitantes em exclusivo às condições pessoais relativas aos co-arguidos não recorrentes, por corresponder a tipo de informação, que no concreto, se mostra anóJJ neste recurso.

Eis os factos dados por provados.

AA e JJ casaram um com o outro no dia 26 de Março de 1996.

Tiveram em conjunto 3 filhos: GG, nascido …; HH, nascida …; e II, nascido ….

Desde o início do casamento que as discussões entre o casal eram frequentes, sobretudo devido ao facto de o arguido AA ser muito ciumento. Muitas vezes essas discussões terminavam com o arguido a desferir murros, pontapés e puxões de cabelos na sua companheira, bem assim como a chamá-la «puta», «cabra» e outros epítetos do mesmo género. Estas condutas mantiveram-se mesmo depois de cessar a coabitação, em sequência da separação determinada pela ofendida JJ.

Com efeito, em sequência e no culminar daquele relacionamento conjugal conturbado, no dia 5 de Junho de 2008, JJ decidiu separar-se do seu marido e saiu de casa, indo com os seus filhos residir para a casa dos seus pais.

O arguido, contudo, nunca aceitou aquela separação, passando desde então a perseguir e a vigiar a vida da ofendida, chegando mesmo a abordá-la em várias ocasiões e locais. Interpelava também todos os indivíduos do sexo masculino que por qualquer motivo com ela contactassem.

Para efectivar aquela vigilância o arguido AA contava com a colaboração de alguns amigos seus, como os arguidos CC, DD e FF, os quais em diversas ocasiões o acompanharam e também efectuaram, por si próprios, vigilância dos movimentos e contactos de JJ, de que depois davam conta ao AA.

O arguido AA retribuía-lhes os aludidos serviços fornecendo-lhes heroína e cocaína para consumirem.

No dia 23/6/2008 JJ acordou encontrar-se com o seu marido AA junto do supermercado de …. Com medo do que aquele pudesse fazer-lhe fez-se acompanhar da sua mãe e da sua amiga KK. Nesse encontro, na sequência da conversa, o arguido AA dirigindo-se-lhe, disse: «se não voltares para casa com os rapazes (filhos) até às 5:00 horas, eu vou atrás ti (...) e vou matar-te; comprei uma espingarda».

JJ ficou assustada e para se proteger escolheu dar entrada na casa de acolhimento de vítimas da Associação Novo Dia.

Em meados de Julho de 2008 os arguidos AA e FF deslocaram-se a casa de LL, na …  n.° …, no …, freguesia de …, concelho de Ponta Delgada, a quem o primeiro comprou uma espingarda caçadeira da marca Remington com o n.° …, com coronha em madeira, cor castanha clara, com um cano de cor preta, com um carregador que admitia três cartuchos, pela quantia 1 350,00€.

Em finais de Julho de 2008 o arguido AA contactou MM, indivíduo repatriado dos EUA, toxicodependente e conhecido por ser uma pessoa violenta, a quem solicitou que matasse NN, por se ter convencido que este era um amante da JJ. Para tanto ofereceu a MM 25 000,00€.

Querendo apoderar-se do dinheiro que lhe era oferecido, MM disse-lhe que aceitava a proposta.

Em sequência disso, fazendo-se acompanhar de MM, o arguido AA deslocou-se a um estabelecimento de venda de artigos de caça e pesca, situado perto do mercado municipal da Graça, na cidade de Ponta Delgada, e ali adquiriu uma caixa com 25 cartuchos de caçadeira de calibre 12, da marca MELIOR.

MM desapareceu com o dinheiro. Mas entretanto foi informar a polícia judiciária, bem assim como o pai de NN do plano que AA tinha de matar aquele jovem.

AA continuava a vigiar e por vezes a interpelar JJ na rua. Num dia, no início de Agosto de 2008, cerca das 6:00 horas, junto às escolas de Rabo de Peixe, estando JJ na companhia da sua irmã OO, AA aproximou-se das mesmas e apontou-lhes uma pistola de cor preta, dirigindo à sua mulher a seguinte expressão: «dá-me o telemóvel puta, senão mato-te ... entra neste carro porque quero falar contigo. Quem era o indivíduo que te deu boleia?» Após lhe ser dada a identidade do indivíduo afastou-se.

Na sequência das vigilâncias que AA e seus referidos amigos faziam à vida, movimentações e contactos de JJ, aquele veio a saber que esta tinha encontros amorosos com PP, os quais decorriam no parque de estacionamento do parque florestal denominado …, na freguesia da …, concelho de Ponta Delgada.

Por isso, em diversas ocasiões, AA abordou aquele PP, a quem repetidamente pediu satisfações, pretendendo ter a certeza da informação que havia obtido. Este negou sempre.

Numa dessas ocasiões, no dia 4 Agosto de 2008, cerca das 9:00 horas, AA, que se fazia acompanhar de CC e FF, na viatura do primeiro, abordaram PP, quando este se preparava para ir trabalhar.

Mais uma vez AA disse a PP que pretendia falar com ele, solicitando-lhe que o acompanhasse a um local mais calmo para conversarem.

Vendo-se sem alternativa PP acedeu a acompanhá-los, mas recusou entrar no veículo de AA, no qual se encontravam CC e FF, dispondo-se a levar a sua própria viatura.

AA sentou-se, então, na viatura de PP, um Toyota Yaris de matrícula ..., no lugar do passageiro, e disse ao CC e FF para que os seguissem.

AA ordenou a PP que seguisse até junto do estaleiro da empresa de construção civil …., na …, no concelho da Ribeira Grande.

Ali chegados saíram todos das viaturas e AA começou a interrogar PP, mais uma vez acerca das suas relações com JJ, pretendendo que este confessasse ser seu amante, o que ele sempre negou.

A determinada altura AA quis obrigar PP a entrar na mata e, como este recusasse, o arguido FF retirou uma pistola que tinha escondida na barriga, por debaixo da camisola, e entregou-a a AA, o qual, com ela, deferiu uma pancada na cabeça de PP.

Nessa ocasião, este, em pânico, encetou uma fuga, estrada fora, pedindo ajuda às viaturas que passavam, sem que alguma parasse. Entretanto CC, que se manteve sempre junto da viatura de AA, saltou para o volante e em marcha-a-trás veio a cortar o caminho ao fugitivo.

Na continuação do interrogatório PP veio a indicar outra pessoa como sendo quem manteria encontros amorosos com JJ, tendo de ir indicar o local onde tal indivíduo trabalhava. Em sequência disso, cerca das 12:00 horas, os arguidos deixaram-no em paz, permitindo-lhe que abandonasse aquele local.

Em todo este acontecimento, mas sobretudo depois de estar na …, PP viu manietada a sua liberdade de locomoção, uma vez que se viu impedido, por todos os referidos arguidos, de se ir embora. Temeu pela sua integridade física e depois também pela sua vida.

O arguido AA interpelou PP em outras ocasiões posteriores, quase sempre junto da casa deste, na vila de …. No início de Setembro de 2008, procurou-o e abordou-o junto da igreja do Rosário, no concelho de Lagoa, exibindo-lhe dessa vez uma cartucheira com espingarda no seu interior. PP passou a temer pela sua vida, receando que o arguido consumasse o que de aquele modo lhe anunciou, fechando-se em casa e tendo por isso perdido o seu emprego.

No dia 10 de Setembro de 2008, JJ seguia pela rua com a sua vizinha e amiga QQ, nas Calhetas, freguesia de Rabo de Peixe, indo ambas procurar trabalho. Foram interpeladas pelo arguido AA, que ali surgiu na sua viatura. Ele saiu da viatura e depois de dirigir algumas palavras a JJ, começou a desferir socos e pontapés sobre a mesma, ao mesmo tempo que lhe dizia que iria acabar com a vida dela. QQ interpôs-se como pode para proteger a sua amiga, mas não conseguiu evitar as agressões, vindo aquela a sofrer um traumatismo cefálico e torácico, causadores de fortes dores, que implicaram um dia para se curar.

Ao ter conhecimento da marcação da audiência de julgamento no processo de divórcio, entretanto encetado por JJ, para final de Outubro de 2008, as perseguições e pressões do arguido AA sobre a sua mulher, intensificaram-se.

Durante o mês de Setembro de 2008, arguido AA abordou por duas vezes OO, irmã de JJ, quando esta circulava a pé na Alameda 25 de Abril, em Rabo de Peixe, a quem disse que na igreja não cabia um só caixão, mas dois ou três, querendo significar que também ela estava marcada para morrer.

O arguido AA foi sedimentando a ideia e depois o plano de matar a sua mulher. Com esse objectivo, no dia 1 de Outubro de 2008, voltou a abordar MM, o que fez com a ajuda de CC. Este acompanhava-o quase sempre para todo o lado e servia de motorista, porque AA não é titular de carta de condução. Ofereceu a MM 5 000,00€ para que este matasse JJ.

Mais uma vez para deitar a mão ao dinheiro que lhe era oferecido MM disse aceitar o que lhe era encomendado. Participou com AA e CC na escolha da hora e local onde apanhariam a JJ, tendo-se deslocado ao parque de estacionamento do supermercado .... da Ribeira Grande, para estudarem bem o espaço. Mas depois foi à polícia judiciária contar o plano que havia para eliminar aquela pessoa e, para não ser encontrado pelo AA, foi para a Povoação, onde esteve durante vários dias, até a polícia judiciária ali o ir buscar.

Na noite de 3 de Outubro, mesmo sem a participação de MM o arguido AA resolveu levar por diante o seu plano, que integralmente partilhou com CC e pelo seu primo DD, os quais manifestaram a intenção de o ajudar a executá-lo.

O plano consistia em apanhar a JJ no momento em que esta, na manhã seguinte, se apresentasse no .... da Ribeira Grande, onde trabalhava, levá-la para o Pinhal da Paz, onde ela tinha encontros amorosos com os seus amantes e ali matá-la a tiro, com a espingarda que AA já havia adquirido.

Para iludirem suspeitas sobre si próprios era necessário que a viatura de AA se mantivesse junto à porta da casa de JJ (onde costuma estar, pois que durante a vida conjugal era ela a sua condutora habitual), sendo necessário arranjar outra. Por isso resolveram recrutar BB, com quem por vezes consumiam cocaína e que costumava andar com uma viatura da mulher dele.

Deixaram o Toyota Yaris de AA na rua onde morava JJ e, apeados, foram a casa de BB, nos ..., a quem convidaram para ir consumir cocaína com eles.

Saíram então todos, no Fiat Punto, cinzento, com matrícula ... da mulher de BB.

Como BB não tinha carta de condução foi CC quem passou a conduzir aquela viatura, seguindo BB no lugar da frente ao lado do passageiro.

Durante a noite consumiram cocaína várias vezes, fornecida por AA, e em momento não concretamente apurado AA, CC e DD disseram ao BB que o primeiro queria conversar com a sua mulher, com vista a reatarem a vida conjugal. Mas como ela se recusava a falar com ele, era necessário levá-la para um sítio sossegado onde eles pudessem conversar calmamente. Estavam a pensar apanhá-la à entrada para o emprego, na manhã do dia seguinte, no … Ribeira Grande. BB aceitou.

Nas deambulações dessa noite, pelas 2:00 horas da manhã, AA, CC, DD e BB, encontraram RR, que vinha de uma festa. AA envolveu-se numa discussão com aquele, a que se seguiram uns murros e pontapés que sobre ele desferiu.

Pelas 7:00 horas da manhã foram reabastecer a viatura com 5,00€ de gasolina, o que fizeram na estação de serviço da Galp, na Ribeira Seca, concelho da Ribeira Grande. E depois seguiram em direcção ao supermercado … da Ribeira Grande.

Pelas 7:40 horas, quando JJ descia em direcção à porta de serviço do referido supermercado, pararam a viatura junto daquela entrada, deixando o motor do veículo em funcionamento.

A dada altura o arguido AA saiu da viatura a correr e tentou fazer com que JJ entrasse no carro. Mas esta resistiu esbracejando e gritando por socorro. Conseguiu mesmo fugir para um edifício em construção que ali estava próximo, gritando por socorro aos operários que ali já se encontravam, a quem pediu que chamassem a polícia. Mas o arguido AA conseguiu alcançá-la e solicitou ajuda aos seus companheiros que se encontravam no interior do veículo. Saíram então os arguidos CC e DD. Os três agarraram JJ pelos pés e pelas mãos e levaram-na à força para o banco traseiro da referida viatura.

Os aludidos operários, apanhados de surpresa e atónitos perante os acontecimentos, não esboçaram qualquer reacção.

O veículo seguiu de imediato em direcção ao Pinhal da Paz, na Fajã de Cima. E ali chegados saíram todos da viatura.

Dando por finda a participação que lhe havia sido pedida, o arguido BB passou para o volante do Fiat Punto e foi-se embora, deixando todos os demais junto ao portão de acesso ao aludido parque florestal.

Logo a seguir, AA, CC e DD transportaram JJ, contra a vontade dela, para um local situado na Canada que circunda o parque florestal Pinhal da Paz, a umas dezenas de metros do portão principal de entrada.

AA tirou à JJ o telemóvel dela, para nele poder ver com quem é que ela conversava e trocava mensagens, e depois acabou por ficou com esse objecto em seu poder. AA não sabia, por si próprio, consultar o telemóvel, contando para isso com a colaboração de CC.

De seguida, de modo não concretamente apurado, mas em conjugação de esforços e intentos com os arguidos CC e DD, o arguido AA, munido da espingarda caçadeira que tinha adquirido a LL, devidamente municiada, efectuou dois disparos a curta distância, em direcção ao corpo de JJ.

Um desses disparos atingiu-a na cabeça, destruindo-lhe os ossos da parte esquerda do crânio-temporal e quase todo o parietal numa extensão de 15 centímetros por 9 centímetros, destruindo ainda os maxilares e ossos do nariz; e o outro atingiu-a nos membros superiores, causando-lhe uma equimose na face posterior do terço inferior do braço esquerdo, 9 centímetros acima do cotovelo respectivo, medindo 6 centímetros de diâmetro, uma outra com 5 centímetros de diâmetro e outra no bordo medial do punho esquerdo, com 3 centímetros por 2,5 centímetros.

A direcção do tiro fatal, que atingiu a região da cabeça, foi ligeiramente de cima para baixo, da esquerda para a direita e da frente (e um pouco para esquerda) para trás.

No local ficaram dois cartuchos e buchas da marca NYelior, de calibre 12.

Depois de verificarem que a vítima se encontrava morta os arguidos AA, CC e DD abandonaram o local e regressaram a Rabo de Peixe, tendo todos retomado a sua vida como se nada se houvesse passado.

Dias depois, a 8 de Outubro de 2008, pelas 11:30 horas, junto à esquadra da Policia de Segurança Pública, em Rabo de Peixe, OO, irmã de JJ, abordou o arguido AA a quem perguntou se ele sabia onde se encontrava a sua irmã. Este respondeu-lhe dizendo-lhe que ela iria ser «caçada» como a irmã dela havia sido e que na ermida cabiam dois ou três caixões.

Com a sua conduta relativamente a PP os arguidos AA, CC e FF quiseram e conseguiram limitar a sua liberdade de movimentos, confinando-o ao espaço que lhe delimitaram durante cerca de três horas, apesar de saberem que essa sua actuação era proibida.

O arguido AA quis intimidar PP, para que este temesse pela sua vida, bem sabendo que isso lhe é proibido.

Com a sua conduta relativamente a OO o arguido AA quis igualmente que a mesma receasse que ele a matasse, apesar de saber que tal era proibido por lei.

Com a sua actuação nos dias precedentes ao dia 4 de Outubro de 2008 e na manhã deste dia, os arguidos AA, CC e DD quiseram tirar a vida a JJ, sabendo todos que ela era mulher do primeiro deles e que aquela sua conduta era proibida por lei.

Provou-se ainda (do pedido civil):

o conhecimento que os filhos de JJ e AA tiveram da morte da sua mãe, às mãos do seu pai e outros, de forma violenta, causou-lhes um profundo desgosto e é causa de sofrimento que perdura e perdurará por muito tempo.

Mais se provou que:

O arguido AA tem 35 anos, era casado com a vítima JJ e tem 3 filhos (que o são também da vítima), com 12, 11 e 7 anos de idade (estão provisoriamente a cargo da avó materna). Frequentou a escola na idade própria mas não conseguiu ir além do 2.° ano de escolaridade, que abandonou definitivamente com 13 ou 14 anos de idade. Não sabe ler nem escrever. Tem a profissão de pescador, que começou a exercer logo que deixou os estudos. Por vezes também trabalha como pedreiro. Mas a sua assiduidade laboral é irregular como irregulares eram os seus proventos do trabalho. Casou com JJ quando tinha 22 anos de idade. Durante cerca de um ano e meio viveram na casa dos sogros do arguido. Depois o casal comprou uma casa, onde viveram durante 12 anos. Construíram posteriormente uma nova casa, para onde se mudaram em 2007, a qual entretanto venderam com o intuito de apurar dinheiro nessa venda que lhes permitisse fazer outra e ainda ficar com algum pecúlio. Entretanto mudaram-se para casa dos pais do arguido, mas não chegaram a fazer qualquer nova casa. O arguido é consumidor de cocaína. É referenciado na comunidade como sendo indivíduo com temperamento difícil, conflituoso e agressivo. Manifesta dificuldades de descentração e de análise crítica. Foi detido no âmbito deste processo no dia 9/10/2008 e encontra-se em prisão preventiva desde 10/10/2008. Já foi anteriormente condenado, em 2007 e em 2008, por condução sem carta, em penas de multa; e em 2007, por ofensa à integridade física, foi dispensado de pena.

O arguido BB tem 23 anos de idade, é solteiro mas viveu durante algum tempo em união de facto com uma companheira. Tem a profissão de pintor da construção civil. Frequentou a escola na idade própria, num percurso marcado pelo absentismo e ausência de motivação. Concluiu o 5.° ano de escolaridade, mas tem dificuldades ao nível da leitura e da escrita. Ainda na adolescência iniciou-se no consumo de heroína, substância da qual se tornou dependente. Encetou tratamento com metadona mas desistiu. Foi detido no dia 11 de Outubro de 2008 e encontra-se preso preventivamente, por este processo, desde o dia 13 de Outubro do mesmo ano. Antes disso encontrava-se desempregado há cerca de um mês. Já foi anteriormente condenado, em 2005, por furto, em pena de multa; no mesmo ano de 2005, por furtos, furto de uso de veículo, dano, condução sem carta e falsificações de documento praticados em 2004, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão; em 2006, por furto qualificado praticado em 2004, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e em 2009, por condução sem carta, cometido em 2008, foi condenado em pena de multa. É indivíduo com fracas competências pessoais e sociais e tem dificuldades em projectar o futuro.

O arguido CC tem 26 anos de idade, é casado, mas encontra-se separado da sua companheira. Tem a profissão de pintor de automóveis. Frequentou a escola na idade própria, num percurso marcado pelo absentismo e reduzido empenho nos estudos. Concluiu o 8.° ano de escolaridade, abandonando os estudos com 16 anos de idade. Ingressou no mercado de trabalho, tendo trabalhado para várias entidades patronais. Com 20 anos de idade ficou efectivo numa empresa, de onde veio a ser despedido em meados de 2007, por razão de falta de assiduidade, decorrente esta da sua dependência de estupefacientes, nos quais se iniciou ainda na adolescência. Encetou tratamento em 2006, mas cerca de um ano depois foi expulso do programa por retoma dos consumos. Tudo isso veio a determinar a ruptura conjugal, retornando o arguido ao agregado de origem. Indivíduo com capacidades introspectivas e de autocrítica, evidencia contudo algumas dificuldades de descentração. Foi detido no dia 9/10/2008 e encontra-se preso preventivamente, por este processo, desde o dia 10 de Outubro de 2008. Não regista antecedentes criminais.

O arguido DD tem 30 anos de idade, é casado e tem três filhos, com 12, 8 e 6 anos de idade. É primo do arguido AA. Frequentou a escola na idade própria mas não conseguiu ir além do 1.0 ano de escolaridade, que abandonou definitivamente com 12 anos de idade. O percurso escolar foi pautado pelas dificuldades de adaptação ao meio e elevado desinteresse. Não sabe ler nem escrever. Trabalhou primeiro como camponês, na lavoura e depois como ajudante de pedreiro. Casou com 20 anos de idade. Durante algum tempo viveu com a sua mulher em casa dos seus pais e depois arrendaram uma casa, que não conseguiram manter por razão de falta de recursos económicos. O vínculo laboral precário facilitou períodos de não ocupação, o que facilitou a sua queda no consumo e depois na dependência de substâncias estupefacientes. É referenciado na comunidade como sendo indivíduo de difícil trato, conflituoso e agressivo. Manifesta dificuldades de descentração e de análise crítica. Já foi julgado e condenado várias vezes desde 1999 até 2004, por injúria, dano, resistência a funcionário, ofensa à integridade física, furto, receptação, roubo e condução sem carta, tendo cumprido penas de prisão e havia saído em liberdade em Maio de 2006. Foi detido no âmbito deste processo no dia 9/10/2008 e encontra-se em prisão preventiva desde 10/ 10/2008.

A arguida EE tem 54 anos de idade, é viúva e mãe do arguido AA. Tem o 4.° ano de escolaridade. Tem 12 filhos, residindo com ela os 4 mais novos, com 21, 18, 14 e 10 anos de idade.

É esta arguida quem funciona na família como referência, orientando e supervisionando a vida dos filhos. Revela capacidade de descentração e raciocínio crítico. Não regista antecedentes criminais.

O arguido FF tem 35 anos de idade e é solteiro. Frequentou a escola até à idade de 11 anos, tendo completado a 3ª classe. Com 17 anos de idade saiu de casa dos seus pais e pouco depois passou a viver com uma companheira. Tem estado associado ao consumo de substâncias estupefacientes e isso tem-no impelido para a prática de sucessivos crimes contra o património, registando um extenso cadastro com mais de 20 condenações, que começam em 1993 por furto e dano, até 2008 por condução sem carta. Fez tratamento de desintoxicação. Já cumpriu penas de prisão e encontra-se neste momento em liberdade, a viver com os seus progenitores e a trabalhar como carpinteiro, sendo o único elemento economicamente activo do agregado. Tem-se mantido abstinente no que concerne ao consumo de substâncias estupefacientes.

Questão Prévia

Da amplitude do recurso - (Ir)recorribilidade quanto às penas parcelares aplicadas em medida inferior a oito anos de prisão e confirmadas pelo Tribunal da Relação

(Restrição da cognoscibilidade à pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado e à pena conjunta)

 

             O recorrente coloca a questão da impugnação das medidas das penas em relação a todas as penas, parcelares e única, embora não o faça de forma correcta, como de resto assinalou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, mas em termos que se entendem como pretendendo uma sindicância global a este nível.

       Tal pretensão, porém, não colhe.  

        Vejamos porquê.

       É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

      No que importa ao caso presente rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º e que estabelece que:

       “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

       b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.

       Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

       A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal:

       «1 – Não é admissível recurso:

       (…)

       f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

(Os preceitos em causa têm-se mantido inalterados nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto).

       Como resulta dos autos, as penas parcelares aplicadas ao recorrente são inferiores a 8 anos de prisão nos casos dos crimes de:

sequestro agravado – 4 anos de prisão;  

violência doméstica – 2 anos e 8 meses de prisão;

e de dois crimes de ameaças agravadas, um deles continuado – 1 ano de prisão por cada.

A mais elevada pena aplicada verifica-se quanto ao crime de homicídio qualificado - 21 anos de prisão - sendo a pena conjunta aplicada de 24 anos e 6 meses de prisão.

             A alteração legislativa de 2007 tem um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos.

            Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.

    Já anteriormente, porém, à luz da precedente redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no acórdão n.º 64/2006, de 24-01-2006, processo n.º 707/2005, publicado in DR, II Série, de 19-05-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 e ss.), que decidiu, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12-11-2004, da 3.ª secção, com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/05, de 15-11-2005, publicado in DR, II Série, de 23-05-2006, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”.   

             Face à redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, actualmente em vigor, atenta a identidade – total – de decisão nas instâncias sobre esta questão de direito, as penas aplicadas ao recorrente, pelos crimes de sequestro, de violência doméstica e de ameaças agravadas, é indubitável que não é admissível o recurso do arguido na parte respeitante à impugnabilidade das penas nesse sector.

            Acerca da nova formulação legal introduzida em 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor, aliás, um não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir.  

            No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.

    Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”.

    Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei.

    Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.
           Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª - A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância.
Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias, a “dupla conforme” partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada).

Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08-5.ª, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

Explicita-se aí: Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única).

O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.

Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à alínea f) do n.º 1 do art. 400,º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”.

No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª, refere-se: Considerando as datas dos veredictos da 1ª e 2ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2008, será de observar a nova redacção conferida à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos.
Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª - No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite.
           Como se retira dos acórdãos de 07-05-2008, processo n.º 294/08, de 10-07-2008, processo n.º 2146/08, de 03-09-2008, processo n.º 2192/08, de 10-09-2008, processo n.º 2506/08, de 04-02-2009, processo n.º 4134/08, de 04-03-2009, processo n.º 160/09, de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188; e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos da 3.ª Secção e com o mesmo relator, com a revisão do CPP deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções».
           Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão.
E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta. (Quanto a este último aspecto, cfr. acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1-3.ª.).
Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e de pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e de pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das penas aplicadas pelos sete crimes em equação; de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1-3.ª e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª, proferido pelo mesmo relator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1-3.ª; do mesmo relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª, onde se considera que a decisão de tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1; de 18-03-2010, processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 851/09.8PFAR.E1.S1-3.ª.

No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, citando os supra referidos acórdãos de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª; de 12-11-09, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª e de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª, consigna-se que: 

 I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível  recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (“dupla conforme”) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes.

E assim, conheceu o acórdão apenas da medida da pena única de 9 anos de prisão, num contexto em que o arguido foi condenado por três crimes de abuso sexual de criança, com as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 5 anos de prisão e de 7 anos de prisão, e na pena única de 9 anos de prisão, tudo confirmado pelo tribunal da Relação.

E mais recentemente, podem ver-se os acórdãos; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1 - 3.ª e 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª  e de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRDD-3.

Esta solução quanto a irrecorribilidade não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da CRP pela 4.ª Revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.

O acórdão da Relação de Lisboa, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.

O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

  O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional nº 44/05, de 26-01-2006, processo n.º 954/05, publicado in Diário da República, II Série, de 13-02-2006, seguindo o acórdão nº 49/2003, proferido no processo n.º 81/2002 (3.ª secção), publicado in DR, II Série, de 16-04-2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”, no mesmo sentido se pronunciando, entre vários outros, o acórdão nº 390/2004, de 02-06-2004, processo n.º 651/03 (2.ª Secção), publicado in DR, II Série, de 07-07-2004; acórdão n.º 2/2006, de 03-01-2006, in DR, II Série, de 13-02-2006 (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); acórdão nº 64/2006, de 24-01-2006, processo n.º 707/2005, publicado in DR, II Série, de 19-05-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes; acórdão nº 140/2006, de 21-02-2006, publicado no DR, II Série, de 22-05-2006.

A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o STJ aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional - acórdão n.º 645/09, de 15-12-2009, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção.


Em suma, o regime resultante da nova redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

Conclui-se que, sendo as referidas penas confirmadas inferiores a 8 anos de prisão, não é admissível recurso quanto à sindicância das mesmas penas, o qual se restringirá, pois, a conhecer da pena do homicídio qualificado e da pena do concurso.

As penas parcelares aplicadas pelos crimes de sequestro, violência doméstica e ameaças agravadas manter-se-ão, pois, por não ser admissível o recurso quanto às mesmas, sem embargo de, em sede de elaboração da pena conjunta, poderem vir a sofrer um maior grau de compressão do que foi considerado nas instâncias, o que é coisa diversa.

Conclui-se assim pela inadmissibilidade do recurso, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no que respeita às referidas penas parcelares.    

            O presente recurso é assim de rejeitar, no que respeita à pretensão de reapreciação das citadas penas parcelares - artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

Questão I - Medida da pena do homicídio qualificado

Antes de avançarmos, no que respeita à fixação da pena parcelar pelo crime de homicídio qualificado, há que dizer que o Colectivo de Ponta Delgada prescindiu, de forma incorrecta, de no dispositivo fornecer, de forma clara e expressa, e com o imprescindível e expectável rigor, a indicação do preceito incriminador aplicado, de modo a conferir a desejável transparência das decisões condenatórias e a necessária possibilidade de imediata apreensão, por parte do leitor do texto, do que foi deliberado.

Expliquemo-nos.

Nos termos do artigo 374.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, a sentença termina pelo dispositivo que contém as disposições legais aplicáveis.  

Na verdade, o acórdão não observou este ditame adjectivo, no que respeita ao homicídio qualificado, pois no dispositivo indica apenas o artigo 132.º do Código Penal e olhando-se apenas ao dispositivo, fica sem se saber se o arguido terá sido condenado por crime de homicídio qualificado, típico ou atípico, este p. p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal (nesta acepção a simples referência ao artigo 132.º, sem mais, assume necessariamente contornos de desnecessária ambiguidade, obscuridade e falta de clareza, a justificar diversas dimensões interpretativas do decidido, o que não é salutar, pois o que se espera é que a decisão, como declaração receptícia ou recipienda, seja clara e transparente e imediatamente apreensível o seu sentido.

          É necessário recuar para o texto do acórdão para tentar perceber o que ocorreu e para, a final, ver que o arguido terá sido condenado pela prática de homicídio qualificado, nos termos do artigo 132.º, n.º 2, alíneas b) e j), do Código Penal, como se colhe de outras passagens do acórdão, maxime, a fls. 2671, 2676 e 2677, mas já na abordagem da medida da pena, a fls. 2687, menciona-se apenas a alínea b).

         Certo haverá que ter que a conduta do arguido ora recorrente foi subsumida no tipo legal do homicídio qualificado, nos termos do artigo 132.º, mas - entenda-se - por verificação de dois exemplos padrão, a saber, o da relação conjugal do agente com a vítima - alínea b) - e da frieza de ânimo, previsto na alínea j).

         Esta indefinição patente no dispositivo poderia conter alguns embaraços ao nível do entendimento do decidido pelo Colectivo de Ponta Delgada, como o de saber (ou de tentar perceber), no que tange às condutas homicidas dos co-autores condenados, se também o terão sido igualmente pela relação conjugal, pela qualidade de cônjuge marido, estado civil apenas detido obviamente pelo ora recorrente, uma vez que na circunstância, no dispositivo, se atém igualmente ao artigo 132.º, sem mais.
         Na verdade, parece ter havido um tratamento indiferenciado de todos os arguidos, não sendo a respectiva situação perante a vítima e as suas motivações exactamente idênticas ou mesmo semelhantes.
        Note-se que em relação aos arguidos CC e DD, a fls. 2685, conclui-se ter-se por verificada a alínea a) – o que se deverá certamente a mero lapso de escrita -, para depois, respectivamente, a fls. 2691 e 2692, se referir a alínea b), sem nada se dizer quanto à igualmente imputada circunstância prevista na alínea j), mas antes explica-se ser de estender “para efeitos de ilicitude na comparticipação a qualidade de cônjuge que aquele (o arguido AA) tinha (artigo 28.º)”. 
        No caso, a qualificação pela alínea b) não abarcaria a conduta dos demais arguidos, que rigorosamente nada tinham a ver com a vítima, sendo apenas amigos do co-arguido, não sendo comunicável tal circunstância.
        Estando em causa a qualificação, ressalta o facto de o Colectivo de Ponta Delgada, na consideração da mesma, ter conferido tratamento absolutamente igualitário aos três arguidos, como se estivesse face a situações idênticas, semelhantes, ou paralelas, quando as razões presentes para um não se preenchiam nos restantes.
        Nesse quadro como ultrapassar o disposto no artigo 29.º do Código Penal que estabelece que “cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes”?
         O problema é suscitado pela concorrência de circunstâncias ou elementos que se não verificam em simultâneo relativamente aos vários comparticipantes. 
        Como expende Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense, págs. 44/5, a contribuição de cada um dos agentes para o facto tem de ser valorada autonomamente, enquanto fundamentadora ou não de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente respectivo; tornando-se o homicídio em qualificado por força de circunstâncias (elementos dos exemplos-padrão e das situações substancialmente análogas) que relevam pela via do tipo de culpa, todas as situações se sujeitam ao regime do artigo 29.º do Código Penal, sendo então perfeitamente possível relativamente ao mesmo facto que um co-autor seja punido por homicídio qualificado, outro por homicídio simples, como por outro lado, que um comparticipante seja punido como autor de homicídio qualificado, outro como cúmplice de homicídio simples.
        Como se pode ver ainda do mesmo Autor, agora em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais - A doutrina geral do crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 848, é discutida a questão relativa ao regime de comunicabilidade das circunstâncias como pressuposto da medida da ilicitude e da culpa.
         Explicita o Autor que “Os problemas que aqui se podem suscitar parecem todavia resolvidos expressamente (e de forma clara) pelos artigos 28.º e 29.º, relativamente à totalidade das formas de comparticipação em termos que parecem redutíveis à tese seguinte: são comunicáveis todas as qualidades ou relações especiais do arguido que sirvam para fundamentar ou para graduar a ilicitude, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora; são pelo contrário (absolutamente) incomunicáveis tais qualidades ou relações se elas servirem para fundamentar ou para graduar a culpa”.
        As circunstâncias - exemplos padrão - enunciadas nas alíneas do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, que estão concebidas como concretizações de modos de revelação de um tipo de culpa agravado, são elementos constitutivos de um tipo orientador (revelação de especial censurabilidade ou perversidade do agente) em que se revela uma imagem global do facto agravado correspondente a um especial conteúdo da culpa – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, Tomo I, págs. 26/7.
          
         Neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal de Justiça de forma uniforme, mantendo uma interpretação do tipo do artigo 132.º como sendo baseado estritamente na culpa mais grave, revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto do agente revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento.
         O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 11-05-1983, BMJ n.º 327, pág. 458, pronunciou-se sobre o então novo tipo de ilícito, dizendo tratar-se de “homicídio qualificado, cujo tipo abarca uma série de casos que no Código de 1886 eram incriminadas autonomamente, como por exemplo, o parricídio, o infanticídio, o envenenamento…”, salientando então o seguinte:

1 - “As circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 132.º não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa e, consequentemente, não são de funcionamento automático (Actas das sessões da Comissão Revisora, BMJ, 286, pág. 21).

2 - A enumeração dessas circunstâncias é meramente exemplificativa: outras circunstâncias (não indicadas) são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade e perversidade do agente”.

               É entendimento sedimentado deste Supremo Tribunal o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa – vejam-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 08-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 258 (os factos apontados no n.º 2 não são elementos constitutivos de um homicídio especial, circunstância modificativa do tipo fundamental; são apenas o indício, confirmável ou não, de uma intensa culpa); de 08-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 267; de 24-10-1984, BMJ n.º 340, pág. 235; de 20-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 248; de 07-05-1986, BMJ n.º 357, pág. 211; de 26-11-1986, BMJ, n.º 361, pág. 283; de 25-06-1987, BMJ n.º 368, pág. 340; de 26-04-1989, BMJ n.º 386, pág. 237; de 19-04-1990, BMJ n.º 396, pág. 253; de 06-06-1990, BMJ n.º 398, págs. 264 e 269; de 20-12-1990, processo n.º 41848; de 03-04-1991, Colectânea de Jurisprudência 1991, tomo 2, pág. 15; de 16 e 18-10-1991, BMJ n.º 410, págs. 341 e 367; de 12-12-1991, processo 42640; de 06-05-1992, processo n.º 43109; de 13-01-1993, BMJ n.º 423, pág. 222; de 04-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 360 e CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 186; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 23-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 304; de 17-02-1994, BMJ n.º 434, pág. 292; de 17-03-1994, BMJ, n.º 435, pág. 518; de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 222; de 25-06-97, processo n.º 1253/96; de 16-12-1997, processo n.º 102/98; de 02-07-98, processo n.º 37/98; de 15-04-1998, BMJ n.º 476, pág. 238; de 17-03-1999, processo n.º 420/98-3.ª; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 168 e CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234 (os exemplos regra, como elementos da culpa, implicam ainda um exame global dos factos de modo a chegar (ou não) à conclusão da especial censurabilidade ou perversidade); de 15-12-1999, processo n.º 946/99-3.ª; de 11-05-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 188; de 13-12-2000, CJSTJ 2000, tomo 3, pág. 241; de 10-01-2001, processo n.º 3221/00-3.ª; de 30-05-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 215; de 15-05-2002, processo n.º 1214/02-3.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5.ª; de 20-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 195; de 04-05-2005, processo n.º 652/05-3.ª; de 13-07-2005, processo n.º 1833/05-5.ª (em caso em que o arguido mantinha uma relação amorosa com a vítima entrecortada por alguns desentendimentos e ciúmes de ambas as partes); e processo n.º 1843/05-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 251; de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173; de 07-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 229; de 30-03-2006, processo n.º 783/06-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 229; de 21-06-2006, processo n.º 1559706-3.ª; de 18-10-2006, processo n.º 2679/06-3.ª; de 05-09-2007, processo n.º 2430/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 16-09-2008, processo n.º 2491/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3379/08 – 3.ª; de 12-11-2008, processo n.º 2826/08-3.ª; de 26-11-2008, processo n.º 3706/08-3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3703/08 - 3.ª; de 18-02-2009, processo n.º 3775/08-5.ª; de 27-05-2009, processo n.º 58/07.1PRLSB.S1-3.ª; de 25-02-2010, processo n.º 108/08.4PEPDL.L1.S1-5.ª; de 03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.C1.S1-3.ª; de 27-05-210, processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1-3.ª; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª; de 16-12-2010, processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1-3.ª.


           Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 132, em anotação ao artigo 29.º, citando Actas do Código Penal, Eduardo Correia, 1965, consigna: “A culpa dos comparticipantes é avaliada autonomamente, quer no que respeita às causas de exclusão da culpa quer à imputação de circunstâncias agravantes ou atenuantes da culpa”. (Idem, na 2.ª edição actualizada da mesma obra, de 2010, a págs. 153).
         E mais adiante, a págs. 354, anotação 31, diz: “Em face da natureza de tipo de culpa do homicídio qualificado, cada comparticipante neste homicídio é punido de acordo com as circunstâncias qualificativas que se verifiquem em relação a ele, nos termos do artigo 29.º”. (idem, na referida 2.ª edição actualizada, de 2010, a págs. 406, na anotação 31).
           Para Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição, Quid Juris, 2008, págs. 89/90, por força do art. 29.º do Código Penal cada comparticipante é punido pela sua culpa, assim, se um deles revela especial censurabilidade ou perversidade, esse facto em nada releva para a responsabilidade do outro. (…) O facto de um dos comparticipantes, seja ele autor ou participante, actuar com culpa agravada e ver o seu acto inserido no tipo de crime de homicídio qualificado, não implica que o outro, ou outros, também o sejam. A actuação de cada um é valorada autonomamente (…) a culpa, de acordo com o art.º 29.º deve ser analisada individualmente, o que faz com que a culpa se caracterize como um juízo individualizado, pessoal e intransmissível.   
         Como refere Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, AAFDL, 2007, pág. 31, estando-se perante um especial tipo de culpa “cada comparticipante tem de experimentar afectivamente a motivação especialmente censurável”.

         Como se disse no acórdão de 27-05-2009, processo n.º 484/09, sendo características da culpa a sua pessoalidade e intransmissibilidade, a culpas diferentes corresponderão penas diferentes, atento o princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP – o qual tanto é respeitado tratando por igual situações iguais como tratando diferentemente situações diferentes.

         Segundo o acórdão de 27-05-2009, processo n.º 58/07.1PRLSB.S1-3.ª, será relativamente à actuação e à manifestação funcional da contribuição de cada co-autor que deve ser verificada, no sentido e imposição do artigo 29.º do Código Penal, a concorrência de circunstâncias.

         O exemplo da alínea b), como circunstância pessoal especial (neste sentido Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, Os Homicídios, AAFDL, 2008, págs. 96/9), já não concorre na actuação dos restantes co-arguidos, pois cada agente é punível de acordo com o tipo dotado de circunstâncias de culpa que preencheu.

         Concluindo: Os demais comparticipantes em cujas pessoas faltavam alguns dos elementos exigidos pelo tipo de culpa presentes na pessoa do recorrente teriam de considerar-se como extranei, outsiders
         

            Voltando à medida da pena do homicídio qualificado

A moldura abstracta penal cabível ao crime de homicídio qualificado é de prisão de 12 a 25 anos.

Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

 No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.

A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).    

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

            Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

            Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

            Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

            O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

            Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

            Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

            Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale  de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social”  - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

            A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de  09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.

Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

         O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

         O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

        Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».

          Revertendo ao caso concreto.

  Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e teve em vista os parâmetros legais a observar, o que foi homologado pelo Tribunal recorrido.

Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena, discorreu o acórdão recorrido, de fls. 2946 a 2949, nos termos que seguem, aliás, acompanhando de muito perto o explanado (a fls. 2687/8), no acórdão do Colectivo de Ponta Delgada:

« 6. Quanto à medida da pena.

Como se refere no Ac. STJ de 29/1/97, CJ-STJ 97, 1, 204, «aquela finalidade de prevenção geral positiva ou de integração é, pois, a finalidade primordial a prosseguir, pelo que a prevenção especial positiva nunca pode pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. Por sua vez, porém, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, também nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do agente, que o princípio da culpa, justamente, salvaguarda (nulla poene sine culpa); logo, a pena nunca pode exceder a medida da culpa ou o máximo que a culpa do agente consente, independentemente de, assim, e em concreto, ser ou não possível atingir o grau óptimo da protecção dos bens jurídicos. Desta forma, o espaço de resposta às necessidades de reintegração social do agente vem a situar-se entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa».

Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

Na motivação do recurso apresentado, limita-se o recorrente AA a afirmar que a pena infligida é desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama e o recorrente DD a defender que a aplicação de uma pena de 13 anos parece exagerada e desproporcional ao caso sub júdice.

É, porém, manifestamente inglória a pretensão dos recorrentes.

Sem dúvida que é elevado o grau da ilicitude dos factos praticados face ao circunstancialismo que os rodeou, nomeadamente os meios empregues (armas de fogo).

Agiram com dolo directo e, portanto, com grau de culpa elevado, com maior intensidade relativamente ao arguido AA face à vontade de ver sofrer, a persistência na vontade de praticar os crimes, a preparação que lhes votou e o carácter ritual como executou o conjugicídio, escolhendo para tanto o local onde a sua mulher se encontrava com os seus amantes, relevam como circunstâncias agravantes.

E, se bem que o tribunal tenha ponderado na determinação concreta da pena a aplicar, quanto ao arguido AA, ao seu percurso de vida, ao contexto cultural em que se encontra inserido (sociedade rural, patriarcal e machista) e às suas condições pessoais, nomeadamente à ligeira oligofrenia de que padece (com um QI total de 67), bem como às características da sua personalidade e, quanto ao arguido DD, ao quadro degradado da sua toxicodependência, à circunstância de ser primo do arguido AA e querer agradar-lhe (até porque ele lhe fornecia a cocaína que consumia) e, apesar de tudo, ter tido uma intervenção de última e um papel relativamente secundário nos acontecimentos, o certo é que o conjunto do circunstancialismo agravativo sobreleva de modo expressivo, o conjunto do circunstancialismo atenuativo que se apresenta bastante ténue, ao contrário do que pretendem os recorrentes.

Assim, ponderando a factualidade apurada, sem perder de vista o bem jurídico ofendido nos crimes da natureza do dos autos, face à actuação dos arguidos, reveladora de manifesto desprezo e insensibilidade pelos valores da liberdade e direito à vida da pessoa humana, somos de parecer que as penas parcelares, bem como a pena única encontrada para punir a conduta de cada um dos recorrentes se mostram equilibradas, justas, proporcionais e razoáveis e não deixam ficar comprometida a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas».

      Vejamos se no caso em reapreciação é de manter, ou reduzir, como pretende o recorrente, a pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado, sendo que face ao que foi já dito nas instâncias, pouco mais se adiantará.

     Todavia, há que assinalar que o nosso caso assume alguma especificidade (não no sentido, com foros de assunção de regionalismo e fundamento na invocada especificidade regional, da realidade arquipelágica), atendendo a que a qualificação do homicídio assenta na verificação de dois exemplos-padrão – como vimos, pese embora a opacidade, leia-se ausência de transparência, do dispositivo, o recorrente foi condenado por homicídio qualificado, por se terem por presentes os factos - índice previstos nas alíneas b) e j) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal.

     Concorrem, pois, dois exemplos-padrão, e para além destes, presentes estão outros factos, que eventualmente o poderiam ser.

     Como refere Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 45, citando Teresa Serra, Homicídio qualificado, no caso de concurso de elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena.    

     Diz esta Autora, a págs. 101/2, que não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso entre a verificação de diversos exemplos-padrão, por o preceito não conter verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do homicídio.

        E avança: “Daí que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos–padrão. Aqui, quando muito, poderá verificar-se a ocorrência do efeito de indício numa medida ainda mais intensa, mas nunca considerar-se como uma questão de concurso.    

    Mais correcta será, contudo, a eleição de uma das circunstâncias como decisiva para a determinação da moldura penal aplicável, enquanto a outra será tomada em consideração, como agravante, na fixação da medida concreta da pena».     

     Num outro plano, a juzante, a fazer actuar mesmo que se esteja perante uma única qualificativa, há que ter em conta o princípio da proibição da dupla valoração da culpa nestes casos, impedindo que esta actue como factor de ponderação da medida de pena, uma vez que já foi considerada na própria qualificação do crime.

         De acordo com o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, na determinação concreta da pena, não devem ser tomadas em consideração as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime.

         De acordo com Figueiredo Dias, As Consequência Jurídicas do Crime, § 314, pág. 234, “não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo de ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”; por outras palavras, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime não devem ser tomadas em consideração na medida da pena; ou seja, os factos que consubstanciam um crime de homicídio qualificado não podem ser novamente valorados na quantificação da culpa para efeitos da medida da pena.

     Teresa Serra, na obra citada, a págs. 103/4, especifica a propósito da proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do tipo de crime na determinação da medida concreta da pena, prevista no n.º 2 do artigo 71.º, dizendo: “Nestes termos, é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual”. E explica: “ A fundamentação desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da moldura penal e, desse modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a possam voltar a influenciar”.

     A proibição tem uma natureza “logicamente inimpugnável”, dizendo que “a proibição do duplo aproveitamento constitui uma verdade jurídico-penal banal e um princípio cuja violação é considerado um erro crasso”.

       Como refere o acórdão de 25-02-2010, processo n.º 108/08.4PEPDL.L1.S1-5.ª, as circunstâncias que serviram para a qualificação do crime (de homicídio) não podem ser novamente consideradas na graduação da pena.           

            Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal - definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

Muito embora o arguido tenha sido condenado de forma autónoma por força de condutas anteriores por crime de violência doméstica, não pode deixar de entender-se este vector como importante na análise da nova agravativa da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º.  

No caso presente tudo se passa num contexto de relação conjugal deteriorada, com saída da mulher de casa com os filhos, a caminho de um anunciado divórcio, ideia que o arguido não suportava e de um anterior subjacente clima e vivência de violência doméstica, pelo qual, aliás, foi condenado.

Para uma melhor percepção do bem jurídico que está subjacente à criação do novo Leitbild introduzido em 2007, não se pode dissociar a análise da temática ora em causa da questão da violência familiar.
A consagração da importância da relação conjugal e “associadas”, como referimos nos acórdãos de 02 de Abril de 2008, proferido no processo n.º 4730/07, no acórdão de 21 de Janeiro de 2009, proferido no processo n.º 2387/08 e de 16 de Dezembro de 2010, no processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1, versando casos de homicídio de cônjuge mulher (cfr. ainda, com interesse para o tema, o acórdão de 02-07-2008, proferido no processo n.º 3861/07, versando maus tratos conjugais), justifica-se como corolário da evolução legislativa no tratamento destas matérias, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), violência familiar e os maus tratos familiares, como, mais especificamente, decorre de várias iniciativas da Assembleia da República, e de diversos diplomas legais, da forma que de seguida se expõe.
 
Importará ver a evolução legislativa, no sentido da recente inclusão/consagração, nos exemplos - regra, da chamada defesa contra a violência doméstica.
 
A questão da violência intra - familiar foi abordada no Conselho da Europa que no Anexo II - Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família - elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984), especificou o conceito de violência física no seio da família, excluindo a violência sexual, como «Qualquer acto ou omissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade» (cfr. BMJ n.º 335, págs. 5-22).

No plano do direito interno, na consecução destes objectivos de política criminal, temos a considerar os seguintes diplomas legais:

- Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto - Garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência.
- Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro (alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23-03, e n.º 136/99, de 28-08, e Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22-03), aprovando o regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos, entretanto, revogado pela Lei n.º 104/2009.

- Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22-02, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15-02), que regulamentou o anterior.  
 - Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 25 de Março, in DR, I-A, n.º 87, de 14-04-1999, proclamando a necessidade de regulamentação da legislação que garante a protecção às mulheres vítimas de violência.
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 27 de Maio, publicada no DR, Série I-B, n.º 137, de 15 de Junho de 1999, aprovando o I Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
- Lei n.º 107/99, de 03 de Agosto - Cria a rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência. (Regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19-12 e revogada pela Lei n.º 112/2009, de 16-09).
- Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal, entretanto revogada pela Lei n.º 104/2009.

- A alteração ao Código Penal, com a nova redacção dada ao artigo 152.º, e ao Código de Processo Penal, com a reformulação da redacção dos artigos 281.º e 282.º, operada pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio.
- I Relatório Intercalar de Acompanhamento do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, elaborado pela Comissão de Peritos para o acompanhamento da execução de tal plano, em Maio de 2000, definindo violência doméstica como «Qualquer conduta ou omissão que inflija, reiteradamente, sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio), a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico ou que, não habitando, seja cônjuge ou companheiro ou ex-cônjuge ou ex-companheiro, bem como ascendentes ou descendentes» - cfr. “Violência Doméstica”, Seminário realizado em Lisboa, em 16 de Junho de 2000, promovido pela Procuradoria - Geral da República e pelo Ministério para a Igualdade.

- Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de Dezembro, regulamentando a Lei n.º 107/99, cria a rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência. (Revogado pela Lei n.º 112/2009, de 16-09).
- Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, definindo medidas de protecção para as situações de união de facto.
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2003, publicada no Diário da República, Série I-B, n.º 154, de 07-07-2003, aprovando o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica, e definindo a violência doméstica.
- Resolução da Assembleia da República n.º 17/2007, de 12-04-2007, publicada no Diário da República - I Série, n.º 81, de 26-04-07, pronunciando-se sobre a iniciativa “Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres”.
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 06-06-2007, aprovando o III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010) – DR, I Série, n.º 119, de 22-06-2007.
- Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2007, de 06-06-2007, aprovando o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2010) - DR, I Série, n.º 119, de 22-06-2007.

- Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto – publicada no DR, I Série, n.º 168, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 - que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio – DR, I Série, n.º 99 - que aprova a Lei Quadro da Política Criminal, proclamando como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, alínea a) e 4.º, alínea a) e respectivo Anexo, onde se explicita que o período abrangido vai de 1 de Setembro de 2007 a 1 de Setembro de 2009.

- Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho, publicada no DR, 1.ª Série, n.º 138, entrada em vigor em 1 de Setembro de 2009 - que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio – DR, I Série, n.º 99 - que aprova a Lei Quadro da Política Criminal, proclamando igualmente como objectivo específico prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, incluindo a violência doméstica e os maus tratos, englobando os casos de violência doméstica e de maus tratos entre os crimes de prevenção prioritária e de investigação prioritária, como resulta dos artigos 2.º, alínea a), 3.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, alínea a) e respectivo Anexo, que delimita com precisão o período temporal abarcado, compreendido entre 1 de Setembro de 2009 e 31 de Agosto de 2011.

- Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro – Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, revogando a Lei n.º 129/99, de 20-08 e o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/10.

- Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, estabelecendo o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, revogando a Lei n.º 107/99, de 03-08, e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19-12.

- Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de Abril, Suplemento n.º 79, aprovando o modelo de documento comprovativo da atribuição do estatuto de vítima, previsto no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, estabelecendo os direitos e deveres que aquele estatuto importa.   

- Decreto-lei n.º 120/2010, de 27 de Outubro - Regula a constituição, o funcionamento e o exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, alterando o Decreto-Lei n.º 206/2006, de 27-10, e revogando o Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22-02, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/99, de 15-02).

- Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, publicado no Diário da República, I Série, de 18-01-2011, n.º 12, que aprova o IV Plano Nacional para a Igualdade – Género, Cidadania e não Discriminação, 2011-2013.

De relevar a autonomização da «Área estratégica n.º 9 - Violência de Género», onde depois de se afirmar que “a violência de género é um obstáculo à concretização dos objectivos da igualdade, desenvolvimento e paz e viola, dificulta ou anula o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” e de se acentuar que “a violência de género está associada a estereótipos, assimetrias de poder e representações sociais  que condicionam atitudes e identidades de masculinidade e feminilidade e conduzem à reprodução das desigualdades. Está relacionada com as desigualdades de género e intimamente ligada aos processos de socialização”, se conclui que “Importa apostar no desenvolvimento de políticas e medidas que combatam a violência de género em todas as suas dimensões, promovendo a eliminação dos estereótipos de género e uma cultura de não violência”.

Mas não deixa de anotar-se que “Este domínio exige uma particular articulação entre este Plano, o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica e o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos”.

  
No contexto, há que anotar que Portugal assinou em 6 de Março de 1997 a Convenção Europeia Relativa à Indemnização das Vítimas de Crimes Violentos, a qual de acordo com o Aviso n.º 148/97, publicado in DR, I Série – A, n.º 108, de 10-05-1997, entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 1998, sendo que pelo Aviso n.º 135/2001, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 301, de 31 de Dezembro, foi tornado público que, contrariamente a tal Aviso,  entraria em vigor em 1 de Dezembro de 2001.

Analisando a conduta do recorrente.

No caso presente é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido.

O grau de culpa é muito acentuado, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, como pela insistência revelada, com o segundo tiro.

                 No nosso caso, para além de duas qualificativas, concorrem outras circunstâncias que poderiam configurar exemplos padrão e que não funcionaram como tal; o homicídio não foi qualificado pelo facto de ter sido praticado juntamente com mais duas pessoas, ou com utilização de meio particularmente perigoso ou traduzir-se na prática de crime de perigo comum, conforme exemplo padrão da alínea h), e também porque o arguido não foi condenado por crime de detenção ilegal de arma. (Actualmente o crime cometido com arma é inclusive punido mais severamente, como decorre do artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06-05, entrado em vigor em 5 de Junho de 2009).

  O modo de execução, elemento agravativo a ter em conta nos termos do artigo 71.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, foi gravoso, tendo o arguido actuado com mais duas pessoas, com a ajuda das quais, para além do condutor do veículo, conseguiu meter a vítima dentro do carro e transportá-la para o Pinhal da Paz, privando-a da sua liberdade e do direito de locomoção, agindo, na fase final, com superioridade em razão do uso de arma de fogo, direccionando os disparos, o primeiro para uma zona vital - a cabeça – atingindo-a de forma brutal e cirurgicamente/absolutamente destruidora e de seguida, atingindo o braço esquerdo, sendo de se anotar a presença do factor surpresa na sua actuação para com a vítima, naquela manhã, quando esta, pacatamente, se dirigia para o emprego, para mais um dia de trabalho.

A actuação do arguido foi extremamente censurável.

Ao tirar a vida a sua mulher, para além da perda da vida daquela, e exactamente em resultado dessa definitiva privação, o comportamento desviante do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais, com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade de outrém, dos filhos menores, que ficaram privados de sua Mãe, deixando-os na orfandade, quando contavam dez, nove e seis anos de idade.

Foram muito graves e de efeitos certamente perniciosos, obviamente, não quantificáveis para já, as consequências do crime para os filhos ainda menores do arguido e vítima.

Com a sua conduta o arguido fez extinguir o direito daqueles menores a terem uma mãe – a sua Mãe. 

São intensas as necessidades de prevenção geral.

Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância.

O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo a incriminação a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - Parte I, Título II, Direitos, liberdades e garantias, Capítulo I, Direitos, liberdades e garantias pessoais - artigo 24.º da Constituição da República – estando-se  face à mais forte tutela penal, sendo  a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.

Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.         

         O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.

          Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.

A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.

Rui Abrunhosa Gonçalves, in Agressores conjugais: Investigar, avaliar e intervir na outra face da violência conjugal, RPCC, Ano 14, n.º 4, Outubro - Dezembro 2004,   págs. 546 e 556,  dizia-nos, então: As estatísticas criminais continuam a evidenciar uma forte percentagem de homicídios conjugais. (Elza) Pais, refere-se a uma taxa de 15% em relação à totalidade dos homicídios em Portugal, mas no levantamento mais recente sobre os crimes cometidos no âmbito da violência doméstica para o ano de 2003, (Ana Paula) Alão encontra uma percentagem de 32% de homicídios em 878 casos (em 31-12-2003) em acompanhamento pelo Instituto de Reinserção Social nesse ano.

Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.

(Os números resultam de um inquérito interno lançado por aquele Instituto com o objectivo de caracterizar a população a seu cargo que cometeu crimes no âmbito da violência doméstica, obtendo uma panorâmica do universo de agressores).

A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.

Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.     

           Versando a forte necessidade de prevenção geral nestes casos, no acórdão do STJ, de 17-03-1994, BMJ n.º 435, pág. 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente.

E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo 1583/07-3.ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes. 

Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.

Como foi referido no acórdão de 03-10-2007, processo n.º 2791/07-3.ª, versando caso de uxoricídio, em que o arguido foi condenado por homicídio simples, a valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Como acentua o acórdão de 26-03-2008, processo n.º 292/08-3.ª, versando situação em que o arguido tirou a vida à sua companheira de muitos anos, as exigências de prevenção geral são particularmente fortes, inserindo-se os factos no fenómeno denominado “violência doméstica”, aliás na sua vertente mais condenável, a do homicídio, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente, os limites da culpa.   

Noutra perspectiva, o homicídio qualificado integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, na “definição” do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal, tendo no caso presente sido cometido mediante o recurso a arma de fogo e com a comparticipação de duas outras pessoas, com prévio rapto da vítima, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral. 

No que toca a prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana, e pela persistência dominante na formulação do desígnio criminoso, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.

 No que toca a antecedentes criminais do recorrente, regista-se apenas a prática de dois crimes de condução intitulada, por que o recorrente foi condenado em penas de multa, e um outro crime de ofensas corporais, de que foi dispensado de pena.          

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

           E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

            Teremos a considerar ainda as atenuantes já assinaladas, com relevo para a vivência e as condições pessoais do arguido expressas nos factos provados.

Por último, ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a especificidade do caso sujeito.

E na sequência, haverá que equacionar a necessidade ou desnecessidade de intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.  

A este propósito, dir-se-á que a necessidade de adequação da pena às concretas circunstâncias do caso não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência. 

Nesse sentido passar-se-á a alinhar alguns acórdãos mais recentes deste Supremo Tribunal de Justiça, em que estavam em causa homicídios qualificados - típicos ou atípicos - e mais especificamente, casos de qualificação determinados pela presença do exemplo padrão da alínea b), ou antes da expressa consagração legislativa dessa relação especial, noutros exemplos semelhantes.

Na maioria das vezes, os recursos foram interpostos pelo arguido condenado, anotando-se infra as penas aplicadas e quando é caso disso, factores com relevância no caso concreto, como a idade dos arguidos jovens.

09-01-2008, processo n.º4465/07-3.ª – 18 anos (reduzida de 1 ano)

16-01-2008, processo n.º 4637/07-3.ª – 17 anos (Arguido jovem - reduzida de um 1 ano)

05-03-2008, processo n.º 210/08 - 3.ª, in CJSTJ2008, tomo 1, pág. 243 – (Homicídio qualificado atípico) - 15 anos

05-03-2008, processo n.º 114/08 – 3.ª (Arguido com 18 anos) - 17 anos

27-03-2008, processo n.º 815/08 – 5.ª - 17 anos   

17-04-2008, processo n.º 677/08-3.ª – 20 anos de prisão, sendo ordenado internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena

17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª – (Arguido com 19 anos) – 18 anos para homicídio consumado e para homicídio tentado - 12 anos; pena única: 21 anos

12-11-08, processo n.º 2826/08-3.ª – 20 anos (reduzida de 2 anos)

26-11-2008, processo n.º 3706/08-3.ª – 16 anos

21-01-2009, processo n.º 4030/08-3.ª – 18 anos

11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª – 20 anos

18-02-2009, processo n.º 165/09-3.ª – 19 anos

18-02-2009, processo n.º 100/09-3.ª – (Arguido com 17 anos) – 18 anos 

12-03-2009, processo n.º 237/09-5.ª – (Arguido A - 18 anos; Arguido B - 17 anos)  

19-03-2009, processo n.º 3773/08-5.ª – (Arguido com 18 anos) – 15 anos

19-03-2009, processo n.º 164/09- 5.ª – (Regime jovem) – 11 anos e 6 meses

29-04-2009, processo n.º 6/08.1PXLSB.S1-3.ª – (Arguido com 20 anos) – 16 anos

13-07-2009, processo n.º 59/07.0GCVPA.S1- 5.ª – 13 anos

17-12-2009, processo n.º 187/08.4GISNT.L1.S1-5.ª – (Regime jovem) – 12 anos

03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.S1-3.ª – 17 anos

18-03-2010, processo n.º 1374/07.8PCBR.C2.S1-5.ª – em que o arguido de 23 anos esfaqueou a ex-namorada, considerando a integração dos factos no crime de homicídio qualificado atípico, p. p. pelo artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal, foi o arguido condenado na pena de 16 anos.

27-05-2010, processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1-3.ª – 17 anos

09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFaAR.E1.S1 - 5.ª – 17 anos

09-09-2010, processo n.º 30/08.4PEHRT.S1-5.ª – 19 anos

23-09-2010, processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1-5.ª – 16 anos

02-02-2011, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2-3.ª – 18 anos

17-02-2011, processo n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª – 15 anos

17-02-2011, processo n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª – 19 anos

23-02-2011, processo n.º 241/08.2GAMTR.P1.S1-3.ª – 20 anos 

Seguem-se exemplos de casos cabíveis na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, na versão actual, em que a vítima é definida em função do tipo da especial relação com o agressor, ou situações análogas à da referida alínea, até porque alguns dos casos apontados são anteriores àquela inovação:

19-04-2006, processo n.º 671/06 -3.ª – (Uxoricídio) – 21 anos

29-03-2007, processo n.º 647/07-5.ª, in CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 238, com um voto de vencido - Caso de homicídio qualificado atípico de companheira (comunhão de vida durante 25 anos, com um filho), com recurso do Ministério Público, e confirmando o decidido na 1.ª instância, alterado pela Relação do Porto – 15 anos  e 6 meses de prisão 

13-02-2008, processo n.º 4729/07-3.ª – (Ex-companheira) – 21 anos

26-03-2008, processo n.º 292/08-3.ª – (Ex-companheira) – 20 anos

02-04-2008, processo n.º 4730/07-3.ª – (Uxoricídio) – 18 anos

21-05-2008, processo 1224/08-5.ª – (Uxoricídio) – 17 anos (em concurso com homicídio de sogra – 12 anos)

19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª – (União de facto) – redução de 21 para 19 anos, com voto vencido no sentido da manutenção.

21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª – (Uxoricídio atípico) – 16 anos 

19-03-2009, processo n.º 315/09-3.ª – (Uxoricídio) – 18 anos  

29-04-2009, processo n.º 434/07.0PAMAI.S1-3.ª – (Ex-companheira - regime jovem) – 16 anos

27-05-2009, processo n.º 58/07 1PRLSB.S1-3.ª – Conjugicídio (marido) – 21 anos

17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.ª – (Uxoricídio) – 14 anos  

21-10-2009, processo n.º 589/08.6PBVLG.S1-3.ª – (Ex-companheira) – 18 anos 

25-02-2010, processo n.º 108/08.4PDL.L1.S1-5.ª – (Uxoricídio) – 20 anos

07-04-2010, processo n.º 202/08.1GBPSR.E1.S1-3.ª – (União de facto) – 17 anos

05-05-2010, processo n.º 90/08.8GCCNT.C1.S1 – 3.ª – (União de facto) – 16 anos

19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3.ª – (União de facto) – 20 anos

27-05-2010, processo n.º 517/08.9JACBR.C1.S1-5.ª – (Ex-mulher) – 18 anos

16-12-2010, processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1-3.ª – (Uxoricídio) – 15 anos.

Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, tendo sido respeitados os parâmetros legais, cremos que será de manter a pena aplicada pelo homicídio qualificado, que atenta a moldura penal abstracta a ter em conta, de 12 a 25 anos de prisão, não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrido, não se justificando intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, no que toca à pena parcelar fixada pelo homicídio qualificado.   

Da medida da pena conjunta

Neste segmento o Colectivo de Ponta Delgada, em registo homologado pela Relação de Lisboa, após citar o artigo 77.º do Código Penal, diz apenas o seguinte: «Assim, ponderando a gravidade e circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados (nomeadamente a sua proximidade temporal) e à personalidade do arguido, evidenciada nos mesmos, numa moldura abstracta de vinte e um anos a vinte e nove anos e oito meses de prisão, deverá a pena única fixar-se em vinte e quatro anos e seis meses de prisão».

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a penalidade, a moldura abstracta do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O que significa que no caso presente, face à ora decidida manutenção da pena aplicada pelo homicídio qualificado e às insindicáveis penas dos restantes crimes, a moldura penal do concurso é de 21 anos a 29 anos e 8 meses de prisão.

A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

     Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
            Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


            Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.
           
            A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.
           
            Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

                Como referimos, i. a., nos acórdãos de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, de 10-11-2010, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1 e de 02-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
            Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor ou inclinação para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.

     No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

            Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

          E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
            A inobservância da especial fundamentação determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e/ou c), e n.º 2, do CPP.

            Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo nº 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, relatado pelo ora relator, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.
            Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.


            Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004,  03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181; de 06-02-2008, processos n.º s 129/08-3.ª e 3991/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/07-3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 - 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª ; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª.
             

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

            Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.
            Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica  em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade  relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.
            Com interesse, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.          

             Como referimos no acórdão de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1 “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação conjunta daqueles dois factores.   
            Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.  
            Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes, em espaço temporal curto”.

            Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8.SOLSB-A.S1, 5.ª Secção, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.  
            Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-09, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).
            A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.
            Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.


                No nosso caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os cinco crimes cometidos pelo recorrente, sendo a violência doméstica e o homicídio qualificado tendo por sujeito passivo a mulher do agente, o sequestro agravado na pessoa de PP, tido por suposto amante da vítima, o qual foi igualmente sujeito a ameaças, dirigindo-se as outras ameaças à irmã da vítima, todos eles, com excepção da violência doméstica, praticados em curto período temporal, entre 4 de Agosto e 4 de Outubro de 2008, sendo que o imputado crime de sequestro agravado na pessoa da vítima não foi considerado autonomamente, mas antes “integrado no homicídio”, como crime-meio, como factor instrumental da prática do homicídio, enquanto acção dirigida ao cometimento do homicídio.
Como se referiu, a utilização de caçadeira não foi integrada em nenhum dos exemplos – padrão possíveis, como o de prática de crime de perigo comum e utilização de meio perigoso, já que contemplados no caso apenas os das alíneas b) e j), mas há que atender a reflexão sobre os meios empregados.
A violência doméstica desenvolveu-se ao longo de período assinalável, encadeando-se, bem como o sequestro de PP e as ameaças a pessoas diversas da vítima – o referido PP e a irmã da vítima mortal - , com a prática do sequestro (não autonomizado) da vítima e do homicídio qualificado.
            As circunstâncias do caso apresentam um acentuado grau de ilicitude global, manifestado no número, na natureza e gravidade dos crimes praticados, na variedade de bens jurídicos violados, e sobretudo, na persistência quanto ao homicídio.

            No entanto, a facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados e mesmo concatenada com as condenações anteriores, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondeu, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, restando a expressão de uma pluriocasionalidade procurada pelo arguido.
            Ressalta no concreto que todos os factos praticados estão na génese da perpetração do crime final, assumindo ao fim e ao cabo, todos eles, contornos de “acessoriedade”, reportados ao desiderato do resultado final, confluindo todos eles, convergindo todas as actuações no sentido de alcançar a eliminação física da mulher, que pretendia o divórcio, ideia que o recorrente não suportava nem admitia.
           Num outro plano, há que ter em conta de novo, nesta fase, o princípio da proibição de dupla valoração, supra mencionado a propósito da determinação da pena concreta pelo crime de homicídio qualificado, impedindo que funcione na determinação da pena conjunta circunstância já presente na determinação da pena parcelar.

          Em discussão a questão de saber se pode ou não haver um duplo aproveitamento na mensuração da pena parcelar e depois na pena conjunta.
          Como diz Figueiredo Dias, Comentário já citado, § 422, pág. 292, a doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta. Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto verdadeiramente não o será, consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles; nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.
Neste sentido, citando o referido Autor, pronunciou-se o acórdão de 27-05-2009, processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1-3.ª, e concretizando a ressalva ali exposta, veja-se o acórdão de 23-09-2009, processo n.º 210/05.4GEPNF.S2-5.ª Secção.
Outras concretizações deste entendimento podem ver-se nos acórdãos de:
14-10-2009, processo n.º 328/07.9GFVFX.L1.S1-3.ª: dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.  
17-12-2009, processo n.º 2956/07.3TDLSB.S2-5.ª: vem o STJ entendendo, numa corrente cada vez mais alargada, que na escolha da pena conjunta não podem ser atendidos os factores que já foram considerados na determinação da pena parcelar, pois, se tal fosse feito, haveria uma violação do princípio da proibição de «dupla valoração».
11-02-2010, processo n.º 1610/08.3PBSTB.S1-5.ª: há que ter em linha de conta que o princípio da proibição da dupla valoração, impede que se considerem novamente, como factores agravantes ou atenuantes, as circunstâncias que já anteriormente desempenharam essa função na fixação das penas parcelares.

Em toda a acção levada a cabo pelo recorrente é patente a tenacidade, ou quase obsessão, na formulação da resolução criminosa, a persistência na sua concretização, a aquisição de arma, a contratação, por duas vezes, de terceiro, que eliminasse a mulher, a obsessiva constância no almejar do desiderato criminoso, a renovação constante do propósito criminoso, a continuada afirmação da necessidade de obtenção da solução final, isto é, in casu, da solução a conseguir, a final, que nunca esmoreceu, jamais se esbateu, ou conheceu escolhos de sucumbência, antes os contornando, se afirmando, e reafirmando num crescendo, de passo em passo, sem olhar atrás, definitivo, irreversível, com um desiderato bem planeado, presente, e até final sempre querido, cinzelado pelo protagonista da acção, em tons bem adversos para a figura principal da vítima, cujo desaparecimento físico se impunha, no termo final do planeamento da peça em composição e em curso.
Como num outro caso que nos coube relatar da mesma Comarca (em 29-10-2008, no processo n.º 1309/08), se bem que com contornos bem diversos, aqui uma vez mais poderá invocar-se a obra do Nobel de Literatura de 1998, pois estamos face a uma outra “Crónica de uma morte anunciada”.
            Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido, afigurando-se-nos algo excessiva a pena aplicada, pelo que há que alterá-la, mostrando-se, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de fazer incidir um maior factor de compressão.

Como tem sido entendido – i. a., acórdão de 06-03-2008, processo n.º 2428/07-5.ª - para garantir a proporcionalidade das penas há que fazer intervir um factor de compressão que deverá ser tanto maior quanto a pena mais se aproxime do limite máximo de 25 anos.

De acordo com o acórdão de 27-03-2008, processo n.º 815/08-5.ª, versando caso de homicídio qualificado, atentos os vários cenários possíveis, a nível de singularidade ou pluralidade de circunstâncias especialmente censuráveis, e mesmo da intensidade de cada uma das circunstâncias qualificativas poder ser maior ou menor, defende-se que o julgador deve ser muito exigente quando opta por uma pena máxima ou próxima da máxima, pois o princípio da igualdade está intimamente ligado ao da justiça relativa e, portanto, há que reservar tais penas para os casos excepcionais de rara violência.

E assim sendo, tudo ponderado, fixa-se a pena conjunta em 23 anos de prisão.

Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, no que respeita à sindicância das penas parcelares aplicadas pelos crimes de sequestro, violência doméstica e ameaças agravadas, e no mais, julgar o recurso parcialmente procedente, confirmando-se a pena parcelar imposta pelo homicídio qualificado e alterando-se a pena conjunta, que se reduz e ora se fixa em 23 (vinte e três) anos de prisão.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 3, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (sendo os dois últimos na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (rectificada pela Declaração de rectificação n.º 22/2009, de 24-04, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27-08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252) e pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04), uma vez que de acordo com o artigo 27.º daquela Lei, o novo regime de custas processuais só é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009 e o presente processo teve início em 6 de Outubro de 2008), e nos termos dos artigos 74.º e 87.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código das Custas Judiciais, com taxa de justiça de 4 unidades de conta.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 24 de Março de 2011

Raul Borges (Relator)

Henriques Gaspar