Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4288/16.7T8FNC.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONDOMÍNIO
CONSUMIDOR
DEFEITO DA OBRA
GARANTIA DA OBRA
PRAZO
PARTES COMUNS
EMPREITEIRO
VENDEDOR
CADUCIDADE
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DE EMPREITADA
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA / DEFEITOS DA OBRA / PROPRIEDADE HORIZONTAL / DIREITOS E ENCARGOS DOS CONDÓMINOS.
Doutrina:
- João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2015;
- Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo. Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, (dissertação de doutoramento), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011, p. 22 ; Manual de direito do consumo, Livraria Almedina, Coimbra, 2013, p. 13-14;
- Karl Larenz, Manfred Wolf, Jörg Neuner, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, p. 142;
- Reinhard Bork, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 4.ª ed, Mohr Siebeck, Tübingen, 2016, p. 72 e 73.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1225.º E 1420.º.
VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, APROVADO PELO DL N.º 67/2003, DE 8 DE ABRIL: - ARTIGO 5.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-05-2016, PROCESSO N.º 721/12.5TCFUN.L1.S1;
- DE 11-07-2019, PROCESSO N.º 739/13.0TVLSB.L1.S1;
- DE 17-10-2019, PROCESSO N.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1.
Sumário :
I. — O condomínio deve ser considerado como um consumidor desde que uma das fracções seja destinada a uso privado.

II. — A relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de consumo desde que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores.

III. — Em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo de garantia do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio.

IV. — Em relação aos defeitos das partes próprias, das fracções autónomas, o prazo deverá contar-se a partir da entrega da coisa ao primeiro adquirente — ao primeiro comprador / consumidor — de cada uma das fracções.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. Condomínio do Edificio AA propõs a presente acção declarativa de condenação contra BB - Construções, S.A., e CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda, pedindo:

I. — a condenação solidária das Rés a efectuarem, em prazo razoável, as correcções dos defeitos do Edifício AA; 

II. — a condenação solidária das Rés a pagar a quantia de de 1.403,00 euros (mil quatrocentos e três euros), correspondente ao custo de um relatório elaborado, a pedido do Autor, por um Engenheiro Civil, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.


2. As Rés contestaram, defendendo-se por impugnação e por execpção.


 3. A Ré CC — Empreendimentos Imobiliários, Lda., defendeu-se por impugnação e por excepção, invocando a sua ilegitimidade.


 4. A Ré BB - Construções, S.A., defendeu-se por impugnação e por excepção, invocando a caducidade do direito do Autor Condomínio do Edifício AA.


5. O Autor Condomínio do Edificio AA pronunciou-se sobre as excepções deduzidas, sustentando: que a Ré CC — Empreendimentos Imobiliários, Lda., é parte legítima; que o prazo de caducidade só se iniciou na data em que o prédio foi entregue à administração; que o condomínio, composto apenas por proprietários titulares de fracções destinadas a habitação, deve ser tido como consumidor; e que a Ré BB - Construções, S.A., reconheceu a existência dos defeitos em Abril de 2016.


6. Em resultado da declaração de insolvência, a Ré CC — Empreendimentos Imobiliários, Lda. foi absolvida da instância por inutilidade superveniente da lide.


7. A 1.ª instância decidiu julgar improcedente a presente acção declarativa de condenação, com processo comum por procedência da excepção de caducidade invocada, e, em consequência absolveu a Ré BB - Construções, S.A., do pedido.


8. Inconformado, o Autor Condomínio do Edificio AA interpôs recurso de apelação.


9. A Ré BB - Construções, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


10. O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.


11. Inconformado, o Autor Condomínio do Edificio AA interpôs recurso de revista.


12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1. — O douto Acórdão da Relação de Lisboa confirmou a decisão da primeira instância.

2. — Acontece, porém, que a matéria em causa reveste elevada importância jurídica, social e económica.

3. — Razão pela qual o Condomínio Recorrente entende que o cabal esclarecimento da mesma justifica o presente Recurso de Revista extraordinário – Recurso Excepcional de Revista.

4. — O início da contagem do prazo de caducidade da garantia por defeitos de obra, isto é, a exacta determinação do seu início nas zonas comuns em imóveis de longa duração constituídos em propriedade horizontal, implica uma necessária clarificação para uma melhor aplicação do direito.

5. — Na verdade, o caso em apreço é, simultâneamente, paradigmático e de enorme relevância socio-económica na medida em que, no presente, a sociedade portuguesa vive um período de pós construção e vendas massificadas de fracções pertencentes a prédios em propriedade horizontal, com os inerentes problemas da falta de qualidade/adequação dos materiais e deficiência na execução que, depois, se vieram a revelar.

6. — Estando, por isso, em causa, entre outros, os princípios da segurança jurídica e da confiança dos consumidores.

7. — Estranho é que na Sentença de 1ª Instância, à qual aderiu a Relação na íntegra, se tenha referido, expressamente, que no caso dos imóveis constituídos em propriedade horizontal têm sido propugnados diversos entendimentos mas a posição a que a jurisprudência tem aderido em sentido maioritário é a de que o dies a quo para a contagem do prazo de denúncia dos defeitos só pode ser o do momento da constituição da administração do condomínio, pois só aquela pode exercer os direitos do condomínio depois de este existir formalmente, com a eleição dos respectivos órgãos.

8. — Para sustentar a referida posição foi transcrita uma passagem da obra de Cura Mariano bem como referenciados diversos Acórdãos nesse sentido.

9. — Contudo, após isto, desta posição que é a também sufragada pelo ora Condomínio Recorrente, verificou-se um “salto de raciocínio” cuja lógica que o suporta não poderá, de forma nenhuma, prevalecer, já que se refere que este entendimento, o do início do prazo coincidir com a constituição do condomínio, apenas tem sido sufragado quando o vendedor e o construtor do imóvel são a mesma entidade e que dado que a ora Recorrida não actuou na dupla qualidade de construtora e vendedora do imóvel, não lhe pode ser oposta tal posição.

10. — Aos olhos do Condomínio esta teoria não tem qualquer cabimento.

11. — O facto da construtora e da vendedora não corresponderem à mesma entidade, em nada altera o entendimento relativo ao início da contagem do prazo para estes espaços comuns em imóveis constituídos em propriedade horizontal que deverá corresponder à data da constituição do condomínio.

12. — Até porque tem sido entendimento também maioritário que esta constituição só é tida em consideração quando autónoma face a influências tanto do construtor como do vendedor.

13. — Na modesta opinião do ora Condomínio, a posição defendida pelo Tribunal da Relação do Porto – que serviu de base para a posição do Tribunal a quo e depois do Tribunal da Relação de Lisboa – é completamente avessa a todos os posicionamentos tomados sobre esta mesma matéria até aos dias de hoje.

14. — Lançando, agora sim, um sentimento de insegurança na aplicação do direito, com as necessárias consequências económicas e sociais.

15. — Referir como refere a Sentença de primeira instância, subscrita pelo Acordão da Relação de Lisboa, que “o prazo de caducidade está relacionado com o momento da verificação da obra pelo dono da obra, circunstância que só a este cabe, mas que depois se repercutirá relativamente a terceiros adquirentes” – vide página 17 do Acórdão – é uma clara contradição com o assumido nessa mesma Sentença no sentido de que, nas zonas comuns, o prazo de garantia se inicia com a constituição do Condomínio.

16. — Nesta mesma senda, é igualmente uma clara contradição a posição do Tribunal da Relação de Lisboa quando refere que “quanto ao empreiteiro, mero construtor da obra, o prazo de caducidade relativa à eliminação de defeitos não pode estar a aguardar pela efectiva constituição do condomínio e pela eleição do repectivo administrador, correndo desde a data da entrega da obra ao respectivo dono (situação diversa será aquela em que o construtor e o vendedor são a mesma entidade, caso em que este entrega as fracções aos respectivos compradores e as partes comuns ao condomínio, o onde se justifica a ponderação do momento em que é efectuada a transmissão da administração).” – vide página 18 do Acórdão.

17— Quando a doutrina e a jurisprudência entenderam, pelos diversos motivos já conhecidos, que o dies a quo para o início da contagem da caducidade do direito relativo ao conhecimento e denúncia de defeitos de construção em zonas comuns de imóveis de longa duração em propriedade horizontal se iniciava com a criação/eleição dos órgãos de condomínio que, desde aí, passassem a exercer os seus direitos com autonomia, não fizeram, nunca, depender tal regime das entidades construtora e vendedora.

18. — Aliás, em abono da verdade, ainda que o construtor e o vendedor sejam uma única e mesma entidade, e ainda que esta proceda à venda de diversas fracções logo que o edifício se encontre terminado, no que diz respeito às zonas comuns, sempre terá de ficar dependente da constituição do condomínio.

19. — Querendo isto dizer que ainda que o construtor seja também vendedor, correrão sempre prazos distintos: uns para as fracções desde a entrega das mesmas a cada um dos adquirentes e outro para as zonas comuns a partir da constituição do Condomínio.

20. — O Tribunal a quo e o Tribunal da Relação, com todo o respeito, não analisaram nem aplicaram bem a matéria de direito já que confundiram diversas matérias que, apesar de confluírem entre si, são autónomas e diversas.

21. — É a entrega provisória da obra ou, porque se trata de zonas comuns num prédio constituído em propriedade horizontal, a constituição do Condomínio?

22. — Repete-se até à exaustão que no caso vertente não temos uma fracção ou prédio, passível de transmissão de propriedade entre a vendedora e o terceiro adquirente, podendo este último – se o prazo ainda o permitir – exercer os seus direitos logo que efectivada a referenciada transmissão, mas antes uma zona comum que apenas passa a ter os seus adquirentes em posição de exercer os seus direitos aquando da constituição do Condomínio.

23. — Este é um aspecto crucial de toda a construção teórica do processo.

24. — Porque quase tudo o que é dito na Sentença e no Acórdão estaria muito bem se quiséssemos aplicar tal matéria a um simples prédio urbano ou mesmo fracção pertencente a um prédio constituído em propriedade horizontal – por contraponto às zonas comuns de um prédio em propriedade horizontal.

25. — Daí que o Condomínio Recorrente entenda que a seguinte passagem está muito bem: “A cessão de créditos não tem, nem pode ter, a virtualidade de alterar para mais o crédito que é cedido nem o conteúdo dos direitos associados a esse crédito, Ora, é isto mesmo que se passa no caso dos terceiros adquirentes de imóveis destinados a longa duração (…)”,mas já não está nada bem a parte que continua e refere “(…) e, por maioria de razão das administrações de condomínios desses imóveis, relativamente às partes comuns, no caso de imóveis construídos em regime de empreitada por alguém distinto do vendedor do imóvel.”

26. — O argumento “por maioria de razão” é, aos olhos do ora Condomínio, um “não argumento”.

27. — O argumentário expendido pelo Tribunal de Primeira Instância e depois pela Relação de Lisboa no presente processo não faz sentido e constitui um total contrassenso.

28. — Mesmo o citado Cura Mariano, quando utilizadas as suas posições para justificar a decisão do ora processo, é completamente “adulterado”; adulterado no sentido em que apesar dos excertos retirados da sua obra corresponderem fielmente às posições nela constantes, o seu encadeamento foi totalmente deturpado.

29. — Cura Mariano defende, efectivamente, que nos casos dos imóveis de longa duração, no seu entendimento, se deverá considerar que estamos perante uma cessão de créditos resultantes da responsabilidade civil, imposta por lei”

30. — Acontece, porém, que também é claro ao referir que as zonas comuns em prédios constituídos em propriedade horizontal fogem à regra geral, constituindo um desvio ao padrão.

31. — No caso ora em análise, o Recorrente entende que a noção de constituição de condomínio corresponde à entrega das zonas comuns do prédio por parte do vendedor a uma organização dotada de órgãos próprios, independentes e autónomos relativamente a ele.

32. — Sufragando, por completo, a posição defendida por Cura Mariano e melhor discriminada no texto das alegações, bem como em toda a jurisprudência citada.

33. — Ora, entende, por isso e nomeadamente face à matéria dada como provada que, no caso em apreço, tal só sucedeu com a eleição da sociedade DD – Gestão de Condomínios, Lda, em 28 de Fevereiro de 2013.

34. — Se assim se entender, isto é, que o prazo do início da garantia só se iniciou em 28 de Fevereiro de 2013 – porque só aí passou a existir uma estrutura independente da construtora e vendedora –, o conhecimento, a denúncia e o intentar da acção/ citação da ré ocorreram dentro do prazo de 5 anos.

35. — Não se verificando qualquer dúvida quanto à não procedência da caducidade dos direitos do Condomínio.

36. — No entendimento do recorrente, face à prova existente no processo, em particular a ficha técnica e o registo predial de todas as fracções juntos e, por isso, à factualidade considerada comoprovada, à matéria em análise é aplicável o disposto no Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de Maio – artigos 1ºA, 5º, nº. 1 e 5ºA, nº. 2 – porque os proprietários das fracções pertencentes ao imóvel em causa são, na sua esmagadora maioria, consumidores e, caso assim não se entenda, sempre sem conceder, o disposto nos artigos 1225º e seguintes do Código Civil.

37. — Por fim, a referir que, nos termos do disposto no artigo 8º, nº. 3 do Código Civil, há a preservar um tratamento igualitário entre casos análogos.

38. — E, nessa decorrência, é de assinalar que o Acórdão da Relação de Lisboa de que ora se recorre se encontra em contradição com outro, já transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça – o Acórdão de 721/12.5TCFUN.L1.S1 de 31/5/2016 – no domínio da mesma legislação e questão fundamental de direito, já que este último entendeu que num caso em que existiam duas sociedades, uma construtora e outra vendedora, e, por isso, comum pedido de condenação solidária das sociedades rés, no que diz respeito às zonas comuns de um imóvel de longa duração constituído em propriedade horizontal, o prazo de garantia por defeitos de obra tem o seu início na data da constituição do Condomínio – Docs. nºs. 1 e 2 (Cópia Simples e Certidão do Acórdão);

39. — O Condomínio do Edificio AA desconhece a existência de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência em conformidade com o Acórdão da Relação de Lisboa de que ora recorre.

40. — Face ao exposto, o Tribunal da Relação fez uma má aplicação da matéria de direito, violando a lei substantiva bem como a lei de processo, em particular relativamente aos artigos 5º, nº. 1 e 5ºA, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de Maio e, caso assim não se entenda, o que não se concede, os artigos 916º e 1225º do Código Civil bem como o previsto no aludido artigo 8º, nº. 3 deste mesmo Código – artigo 674º, nº. 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.


13. A Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu a revista como excepcional, com fundamento na alínea a) do n.º 1.


14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:


I. — se o Condomínio do Edificio AA deve considerar-se como consumidor para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio; 

II. — se, em relação ao empreiteiro, deve contar-se o prazo de garantia:  (i) a partir da entrega do edifício pelo empreiteiro BB - Construções, S.A.. ao dono da obra / vendedor CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda., (ii) a partir da entrega das fracções ao dono da obra / vendedor CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda., aos condóminos, ou  (iii) a partir da constituição da administração do Condomínio do Edifício AA.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


      OS FACTOS


 15. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:


1. A ré "BB - Construções, S.A." é uma sociedade que tem por objecto social a construção civil e obras públicas, empreitadas ou empreendimentos, compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim (artigo 1° da petição inicial).

2. A sociedade "CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda." é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a compra de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, desenvolvimento de projectos de construção civil de obras particulares para venda (artigo 2° da petição inicial).

3. No âmbito da sua actividade comercial, a "CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda." adquiriu um prédio para construção e nele, na qualidade de dona da obra, mandou edificar o "Edifício AA", localizado à Estrada …, n°. …, …, freguesia …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número 5..5/20…19 (artigo 3° da petição inicial).

4. A empreiteira da obra foi a "BB - Construções, S.A." (artigo 4° da petição inicial).

5. E a ré "CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda." procedeu à comercialização das respectivas fracções (artigo 5° da petição inicial).

6. O imóvel é constituído por blocos funcionalmente ligados entre si através de uma única entrada particular, com 84 fracções, todas destinadas à habitação (artigo 7° da petição inicial).

7. Com data de 28 de Fevereiro de 2013, foi lavrada a acta n.° 1 correspondente à reunião da assembleia de condóminos do edifício denominado AA, sito à Estrada …, freguesia .., concelho de … onde foram deliberados diversos assuntos, entre os quais, a constituição e eleição da administração do condomínio, tendo sido eleita para o efeito a empresa DD - Gestão de Condomínios, Lda., sociedade comercial por quotas, com o objecto social, entre outros, de administração e gestão de condomínios, tendo como sócios EE e FF, com início de funções a 1 de Março de 2013 (artigos 8° e 9° da petição inicial).

8. A administração do Condomínio do Edificio AA requereu a um engenheiro civil a realização de um relatório de todas as anomalias de construção existentes no prédio, vindo a ser elaborado, com data de 26 de Fevereiro de 2016, o relatório que consta de fls. 150 a 176 e 181 a 210 p.p., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 12° da petição inicial).

9. O edifício denominado AA apresenta as seguintes anomalias:


— Fissuração em paredes exteriores no lado Oeste — Blocos Al e A2;

— Patologias em paredes exteriores no lado Oeste — Blocos Al e A2 causadas pela presença de água sob capilaridade, devido a falta de impermeabilização da ligação pavimento-parede;

— Fissuração em paredes exteriores no lado Sul — Blocos Al e A2;

— Patologias em paredes exteriores no lado Sul — Blocos Al e A2, causadas pela presença de água sob capilaridade, devido a falta de impermeabilização da ligação pavimento-parede;

— Manchas localizadas próximo das juntas de revestimentos cerâmicos no lado Sul —Blocos Al e A2;

— Fissuração em paredes exteriores no lado Norte — Blocos Al e A2;

— Patologias em paredes exteriores no lado Norte — Blocos Al e A2, causadas pela presença de água sob capilaridade, devido a falta de impermeabilização da caleira existente;

— Fissuração em paredes exteriores no lado Este — Blocos A2 e A3;

— Oxidação de tubagens na varanda no lado Este — Blocos A2 e A3;

— Fissuração em paredes exteriores no lado Sul — Blocos A2 e A3;

— Manchas localizadas próximo das juntas de revestimentos cerâmicos no lado Sul — Blocos A2 e A3;

— Fissuração no revestimento em paredes exteriores no lado Norte — Blocos A2 e A3;

— Patologias em paredes exteriores no lado Norte — Blocos A2 e A3, causadas pela presença de água sob capilaridade, devido a falta de impermeabilização da caleira existente;

— Fissuração no revestimento das paredes exteriores no lado Este — Blocos 131 e B2;

— Fissuração no revestimento das paredes exteriores no lado Norte — Blocos B1 e B2;

— Oxidação de portas de armários do gás no lado Norte — Blocos B1 e B2;

— Fissuração no revestimento das paredes exteriores no lado Este — Blocos B1 e B2;

— Fissuração no revestimento das paredes exteriores no lado Norte — Blocos B1 e B2;

— Infiltração de águas pelo paramento, que danifica o revestimento das paredes exteriores e a tinta na zona da piscina;

— Fissuração no revestimento das paredes na zona da piscina;

— Infiltração de águas pelo paramento, que danifica o revestimento das paredes exteriores e a tinta na zona da piscina;

— Fissuração no revestimento das paredes exteriores, muros, degraus e muretes na escada exterior do Bloco A1;

— Revestimento degradado das paredes exteriores, muros, degraus e muretes na escada exterior do Bloco Al;

— Oxidação em guardas metálicas na escada exterior do Bloco Al;

— Descolagem de rodapés na escada exterior do Bloco Al;

— Revestimento danificado em paredes exteriores, muros, degraus e muretes na escada exterior do Bloco A3;

— Revestimento danificado em paredes exteriores, muros, degraus e muretes na escada exterior do Bloco A3, causado pela presença de água (humidade por capilaridade);

— Oxidação em guardas metálicas na escada exterior do Bloco A3;

Blocos Al e A2

— Fissuração em paredes interiores de circulações horizontais comuns exteriores;

— Fissuração em tectos de circulações horizontais comuns exteriores, na ligação das placas em gesso cartonado, tipo Pladur;

— Oxidação de portas corta-fogo em contacto com o exterior;

— Oxidação de aros de iluminação de tecto nas circulações horizontais exteriores;

— Oxidação de portas de armários do gás nas circulações horizontais exteriores; Fissuração em paredes interiores de escadarias, no rés-do-chão;

— Degradação da ligação de guarda a paredes em escadarias, apenas na ligação do último piso;

— Fissuração na parede do rés-do-chão interior de circulação horizontal comum;

Blocos A2 e A3

— Fissuração em paredes interiores de circulações horizontais comuns exteriores, apenas no último piso;

— Fissuração em tectos de circulações horizontais comuns exteriores, na ligação das placas em gesso cartonado, tipo Pladur;

— Oxidação nos aros das portas corta-fogo em contacto com o exterior;

— Oxidação dos aros de iluminação de tecto nas circulações horizontais exteriores;

— Oxidação de portas de armários do gás nas circulações horizontais exteriores;

Blocos B1 e B2

— Fissuração em paredes interiores de circulações horizontais comuns;

— Humidades em paredes interiores de circulações horizontais comuns, no piso O;

— Oxidação dos aros de iluminação de tecto nas circulações horizontais;

— Fissuração em paredes interiores de escadarias;

— Humidades no patamar intermédio das escadas entre o Piso O e o Piso 1;

GARAGEM — BLOCO Al

— Fissuração em paredes de garagem;

— Ralos de pavimentos danificados pelos pneus dos veículos, por o material em PVC não ser apropriado para o local;

— Fissuração de pavimento da garagem;

GARAGEM - BLOCO A2

— Fissura na ligação pilar — parede de alvenaria;

— Ralos de pavimentos danificados pelos pneus dos veículos, por o material em PVC não ser apropriado para o local;

— Fissuração de pavimento da garagem;

GARAGEM — BLOCO A3

— Fissura na parede da casa do lixo;

— Fissuração de pavimento da garagem;

— Fissuração em paredes de garagem;

— Fissuração de pavimento da garagem;

— Humidades em paredes na garagem;

GARAGEM — BLOCOS B1 E B2

— Fissuração em paredes de garagem;

— Ralos de pavimentos danificados (artigos 15° e 17° da petição inicial).


10. Para a reparação das anomalias enunciadas é necessário um prazo de três meses (artigo 19° da petição inicial).

11. Com data de 19 de Abril de 2016, foi lavrada a acta n.° 7 correspondente à reunião da assembleia de condóminos do edifício denominado AA, sito à Estrada …, freguesia …, concelho de … onde foram deliberados diversos assuntos, entre os quais, sob o ponto 5° da ordem de trabalhos, e na sequência de ter sido dado a conhecer aos condóminos o levantamento técnico dos defeitos e anomalias de construção nas áreas comuns do edifício vertidos no relatório de Fevereiro de 2016, que consta de fls. 150 a 176 e 181 a 210 p.p., aqueles deliberaram, por unanimidade, mandatar a administração para agir em conformidade, isto é, para intentar a competente acção judicial contra o promotor e o construtor, exigindo a correcção e eliminação dos defeitos enunciados no relatório técnico, bem como o ressarcimento do valor despendido com o referido relatório (artigo 22° da petição inicial).

12. Com a elaboração do relatório referido em 8. o autor despendeu o montante de € 1 403,00 (mil quatrocentos e três euros) (artigo 23° da petição inicial).

13. Com data de 2 de Junho de 2007, foi celebrado entre GG, Lda. e BB - Construções, S. A. o contrato de empreitada que consta de fls. 230 a 237 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais mediante o qual a primeira, enquanto proprietária dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial de … sob os números 1187, 1186, 1183, 1184 e 2326, localizados na freguesia …, concelho de …, adjudicou à segunda a construção de três edificações designadas por Bloco A, Bloco B e Bloco C, destinados a habitação, incluindo escavação, estacionamentos, pavimentação de acessos automóveis, rede eléctrica e respectivos candeeiros, incluindo as ligações de águas pluviais, rede de águas domésticas e preparação das zonas ajardinadas para plantação, de acordo com o projecto de arquitectura aprovado (artigo 29° da contestação).

14. Com data de 14 de Julho de 2010 foi lavrado auto de vistoria e de recepção provisória que consta de fls. 238 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais no qual se consignou que os trabalhos relativos ao contrato de empreitada referido em 13. se encontravam realizados, procedendo-se a vistoria para verificação do cumprimento de todas as obrigações legalmente impostas e contratualmente assumidas pela empreiteira, com vista à sua recepção provisória, mais se referindo que no decurso da vistoria se verificou que a obra estava apta a ser recebida e, bem assim, a existência de trabalhos a realizar, conforme lista anexa que consta de fls. 278 verso a 281, que aqui se dá por reproduzida, declarando a dona da obra proceder à recepção provisória da obra (artigo 30° da contestação).

15. Com a entrega da obra, a 14 de Julho de 2010, a ré BB - Construções, SA fez constituir a favor da sociedade CC — Empreendimentos Imobiliários, Lda. uma garantia bancária no valor de € 443 465,99, válida até 13 de Julho de 2015, emitida pelo Banco HH, S.A., que visava assegurar o cumprimento por aquela das obrigações decorrentes da sua responsabilidade pela reparação de anomalias ou defeitos ocultos existentes na construção do edifício AA (artigos 31° e 32° da contestação).

15. A ré BB - Construções, SA, de 2010 a 2015, realizou trabalhos de reparações e correcções, em diversas fracções do edifício AA, com limpeza, designadamente, de ralos de varandas, corredores e reparação de algumas microfissuras exteriores que estivessem a interferir com uma determinada fracção (artigo 37° da contestação).


 16. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:


— No início do ano de 2016, alguns condóminos do Edifício solicitaram à administração a averiguação de algumas situações que poderiam constituir defeitos nas zonas comuns (artigo 11° da petição inicial);

— O edifício apresenta as seguintes anomalias:


Humidades no revestimento das paredes exteriores no lado Sul — Blocos A2 e A3;

Humidades em paredes exteriores no lado Norte — Blocos B1 e B3;

— Degradação da impermeabilização da cobertura do corpo da entrada no lado Norte — Blocos B1 e B2;

— Humidades em paredes exteriores no lado Sul — Blocos B1 e B2;

— Fissuração em paredes exteriores na zona da piscina;

— Fissuração em tectos de circulações horizontais comuns interiores;

— Fissuração em paredes interiores de escadarias;

— Humidades em paredes interiores de escadarias;

— Fissuração em paredes interiores de circulações horizontais comuns interiores;

— Fissuração em tectos de circulações horizontais comuns interiores;

— Humidades em paredes de circulações horizontais comuns interiores;

— Fissuração em vigas;

— Fissuração em junta de dilatação;

— Humidades em tectos na garagem (artigo 15° da petição inicial);


— As anomalias identificadas, no momento da compra e venda, encontravam-se ocultas e imperceptíveis (artigo 16° da petição inicial);

— Na sequência da identificação dos defeitos constantes no relatório, uns dias antes da realização da assembleia de 19 de Abril de 2016, ou seja, a meados do mês de Abril, a administração de condomínio contactou a sociedade BB - Construções, na pessoa de II, que referiu não haver problema, no sentido da administração e dos condóminos não se preocuparem porque no fim do prazo da garantia iriam proceder a todas as correcções (artigo 20° da petição inicial);

— Sem prévia denúncia do autor, da CC, Lda. ou dos condóminos do edifício AA (artigo 37° da contestação, parte final);

— Foi a CC, Lda. que escolheu os materiais e níveis de acabamento do Edifício AA, tendo a ré BB -Construções, SA cumprido as instruções por ela fornecidas, quer no início do projecto, quer ao longo da execução da obra (artigo 69° da contestação);

— A degradação ou descolagem de materiais, em alguns casos, será devida a falta de limpeza (artigo 75° da contestação);

— A existência de fracções autónomas fechadas impede a circulação do ar no edifício e conduz à criação de condensação (artigo 76° da contestação).

 

O DIREITO


 17. A primeira questão consiste em averiguar se o Condomínio do Edificio AA deve considerar-se consumidor para efeitos do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho e do art. 1.º-B do do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.


 18. O art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho contém uma definição de consumidor de alcance geral.

  O n.º 1 define como consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” e o n.º 2 esclarece que, entre os profissionais, — que entre as pessoas que exercem com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, — estão as pessoas colectivas públicas, incluindo as regiões autónomas e as autarquias locais, as empresas de capitais públicos, ou de capitais detidos maioritariamente pelo Estado, e as empresas concessionárias de serviços públicos.

 O art. 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, remete para a definição de consumidor do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho:

"Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por […]  consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho"


 19. Ora a palavra “aquele” ou as palavras “todo aquele” devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio [1], pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor. Será porventura necessário que todas as fracções do condomínio sejam destinadas a um uso privado, não profissional? Será necessário que a maioria das fracções autónomas seja destinada a um uso não profissional [2], ou será suficiente que uma minoria das fracções autónomas o seja? Será porventura suficiente que uma das fracções autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, para que todo o condomínio seja qualificado como consumidor [3]?

  Em rigor deve distinguir-se a hipótese de que o direito do consumo não se aplique nunca ao condomínio (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício nunca seria uma compra de bens de consumo); a hipótese de que o direito do consumo só se aplique desde que todas as fracções sejam destinadas a uso privado; a hipótese é a de que o direito consumo só se aplica desde que a maioria das fracções seja destinada a uso privado; e a hipótese de que o direito do consumo se aplica desde que uma das fracções seja destinada a uso privado (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício seria sempre uma compra de bens de consumo, desde que pelo menos uma das fracções fosse destinada à habitação) [4].

   Entre as quatro hipóteses deve dar-se preferência à quarta, pela razão seguinte: O art. 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Os negócios jurídicos — p. ex., os contratos de compra e venda ou de empreitada — relacionados com as partes comuns do edifício deveriam ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor.


“[O] condomínio poder[ia] representar os interesses relativos a essas partes em representação do (ou dos) condómino(s)” [5].


 Em regra, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor.


  20. O problema está em que o conceito de consumidor é um conceito relacional.

 Cada consumidor é, necessariamente, contraparte de um profissional; encontra-se numa situação típica de inferioridade face a um profissional; e cada comerciante, empresário ou profissional é, necessariamente, contraparte de um consumidor — encontra-se numa situação típica de superioridade face a um consumidor. Reinhard Bork põe o caso de uma forma impressiva — para que uma pessoa possa ser qualificada como um consumidor é decisivo que esteja em relação com um profissional e para que uma pessoa possa ser qualificada como um profisssional (para efeitos do direito do consumo) é decisivo que esteja em relação com um consumidor [6].

 Em relação ao vendedor — à CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda. — não poderá haver dúvida de que o Condomínio do Edificio AA é um consumidor. Em relação ao empreiteiro — à BB - Construções, S.A.. —, sim [7].  Entre o empreiteiro — BB - Construções, S.A.. — e os condóminos, não há nenhuma relação contratual. Em todo o caso, o acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 — enuncia o critério de que a relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de consumo desde que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores:

 “justifica[]-se que, dentro do espírito do regime de especial protecção ao consumidor, no confronto com empresas que se dedicam à actividade lucrativa de promoção de edifícios, com experiência técnica e negocial na área do contrato de empreitada, […] possa o Autor/Condomínio […], enquanto terceiro adquirente, deitar mão das normas especiais de garantia, e, nos prazos consignados, exercitar o direito a que, sem encargos, sejam eliminados os defeitos, por meio de reparação ou de substituição […]”.


 21. O critério aplica-se ao caso sub judice — a relação entre o Autor Condomínio do Edificio AAe a Ré BB - Construções, S.A., será uma relação jurídica de consumo.

    Entre as consequências da qualificação está, p. ex., a de que se aplica a presunção de que os defeitos do edifício dados como provados pelas instâncias [8] são contemporâneos da entrega [9].


 22. A segunda questão consiste em averiguar se, em relação ao empreiteiro, deve contar-se o prazo de garantia: (i) a partir da entrega do edifício pelo empreiteiro BB - Construções, S.A. ao dono da obra / vendedor CC - Empreendimentos Imobiliários, Lda., (ii) a partir da entrega das fracções ao dono da obra / vendedor CC — Empreendimentos Imobiliários, Lda., aos condóminos, ou (iii) a partir da constituição da administração do Condomínio do Edifício AA.


 23. Quando o empreiteiro seja simultaneamente vendedor das fracções autónomas, há uma jurisprudência constante e firme do Supremo Tribunal de Justiça no sentido que o prazo de garantia dos defeitos deve contar-se a partir da constituição da administração do condomínio [10].

   Como se diz no acórdão do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —,


I – Aos contratos de empreitada de consumo aplica-se, para obter a reparação, eliminação ou substituição dos defeitos da obra, a legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) e só subsidiariamente o Código Civil.

II - A entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o dies a quo a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.


 24. Quando o empreiteiro não seja simultaneamente vendedor do edifício, ou das fracções autónomas do edifício, não há uma jurisprudência tão constante e tão firme.

  O art. 1225.º, n.º 1, do Código Civil e o art. 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, determinam que os terceiros adquirentes têm o direito de exigir do empreiteiro a reparação da obra.

  O art. 1225.º do Código Civil determina que, “se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e […] a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.

    O art. 1.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, determina que o regime da venda de bens de consumo deve aplicar-se, com as necessárias adaptações, à empreitada de bens de consumo, o art. 4.º, n.º 1, determina que “[e]m caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que [a conformidade] seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” e o art. 4.º, n.º 6, esclarece que “[o]s direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”.


 25. O acórdão recorrido considera exclusivamente o art. 1225.º do Código Civil, para dizer que o art. 1225.º não dá, não pode dar, aos terceiros adquirentes (ao condomínio ou aos condóminos) mais direitos do que aqueles que o vendedor, como dono da obra, tinha em relação ao empreiteiro e, em consequência, não dá, não pode dar, aos terceiros adquirentes um prazo de garantia superior àquele que o vendedor, como dono da obra, tinha em relação ao empreiteiro.

  O prazo de garantia dos terceiros adquirentes deveria começar a contar-se da data em que começa a contar-se o prazo de garantia do vendedor, ou seja, da data da entrega da obra ao vendedor: 


“… aquele prazo não se renova após cada transmissão de propriedade, nem o início da sua contagem se altera quer se trate de prédio constituído em propriedade horizontal, ou não, quer os defeitos se verifiquem nas fracções ou nas partes comuns”.


  26. O caso é em substância semelhante àqueles que foram apreciados e decididos pelos acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 — e de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1: a obra tinha sido entregue pelo empreiteiro ao dono da obra / vendedor e pelo vendedor aos condóminos / consumidores.

   Em consonância com os acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016 e de 17 de Outubro de 2019, deve entender-se que: I. — em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio; II. — em relação aos defeitos das partes próprias, das fracções autónomas, o prazo deverá contar-se a partir da entrega da coisa ao primeiro adquirente — ao primeiro comprador / consumidor — de cada uma das fracções.


 27. Em primeiro lugar, a aplicação do prazo de garantia do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, a contar da entrega da coisa ao condomínio ou aos condóminos, é a regra que se harmoniza de forma mais imediata com a qualificação das relações entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, como relações de consumo.


 28. Em segundo lugar, a regra de que o prazo de garantia começa a contar-se a partir da entrega do edifício ao condomínio, ou da entrega de cada uma das fracções comuns a cada um dos condóminos, é aquela que se harmoniza de forma mais imediata com a regra de que a responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra / vendedor é uma responsabilidade solidária [11].

  O Supremo Tribunal tem considerado que o empreiteiro responde, por ter dado causa aos danos [12], e o dono da obra / vendedor responde, tão-só, para garantir a indemnização dos compradores [13] — a responsabilidade do empreiteiro desempenha a função principal e a responsabilidade do dono da obra / vendedor uma função acessória ou complementar.

    Ora a construção da obrigação de indemnizar do dono da obra / vendedor como garantia da obrigação de indemnizar do empreiteiro, — a construção da responsabilidade do dono da obra / vendedor como garantia da responsabilidade do empreiteiro, — depõe em favor de que o prazo de garantia comece a correr em simultâneo para o empreiteiro e para o dono da obra / vendedor.

    A tese de que, em relação ao empreiteiro, o prazo de garantia começa a correr a partir da entrega da coisa ao dono da obra / vendedor e de que, em relação ao dono da obra / vendedor, o prazo de garantia começa a correr a partir da entrega da coisa ao condomínio ou aos condóminos teria como consequência que o dono da obra / vendedor responderia, para garantir a indemnização dos compradores, ainda que o empreiteiro não respondesse. Ou seja: — o dono da obra / vendedor responderia, e responderia em definitivo, por danos a que não deu causa. — A tese de que, em relação ao empreiteiro e ao dono da obra / vendedor, o prazo de garantia começa a correr em simultâneo, a partir da entrega da coisa ao condomínio, ou aos condóminos, essa, teria como consequência que o dono da obra só responderia desde que o empreiteiro respondesse.


  O resultado só pode ser reforçado pela constatação de que, no acórdão de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —, o Supremo Tribunal de Justiça considerou (i) que a responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra / vendedor era uma responsabilidade solidária e (i) que o prazo de caducidade da responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra começava a contar-se da entrega da entrega da coisa ao condomínio e de que, no acórdão de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 —, o Supremo Tribunal de Justiça declarou, expressamente, que “a responsabilidade da Ré / [empreiteiro], por cumprimento defeituoso, desde que seja previamente feita a denúncia do defeito […] e tempestivamente exercidos os direitos a que aludem os arts. 1221.º a 1223.º do Código Civil […] —- e, quanto à empreitada de consumo, o disposto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio”.


  29. A regra de que o prazo de garantia começa a contar-se a partir da entrega do edifício ao condomínio, ou da entrega de cada uma das fracções comuns a cada um dos condóminos, não é de forma nenhuma desproporcionada ou excessivamente oneroso para o empreiteiro.

   Entre as condições da aplicação dos prazos dos arts. 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, está a de que a relação entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, deve qualificar-se como relação de consumo e entre as condições da qualificação da relação entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, como relação de consumo está o de que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores [14].


 30. A administração do Condomínio do Edificio AA constituiu-se em 28 de Fevereiro de 2013 [15]; como os defeitos tenham sido denunciados ao empreiteiro, pelo menos, em 2016 [16], e o empreiteiro não tenha feito a prova de que o prazo para a denúncia dos defeitos houvesse decorrido [17], a acção deve considerar-se proposta dentro dos prazos dos arts. 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

   Em primeiro lugar, a Ré BB - Construções, S.A., deverá efectuar, em prazo razoável, a correcção das anomalias ou dos defeitos do Edifício AA.

   Em concreto deverá determinar-se aquilo que é, ou não, um prazo razoável para a correcção das anomalias ou dos defeitos do edifício atendendo ao facto provado sob o n.º 10 [18].

  Em segundo lugar, como o exercício do direito à correcção dos defeitos não exclui o direito à indemnização, nos termos gerais [19], a Ré BB - Construções, S.A., deverá indemnizar o Autor Condomínio do Edificio AA das despesas com a elaboração do relatório de engenharia [20].


 III. — DECISÃO


  Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e condena-se a Ré BB - Construções, S.A.:

   I. — a efectuar, em prazo razoável, as correcções dos defeitos do Edifício AA descritos nos factos provados;

   II. — a pagar ao Autor Condomínio do Edificio AA a quantia de 1.403,00 euros (mil quatrocentos e três euros), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.

 

Custas pela Recorrida BB - Construções, S.A..


Lisboa, 10 de Dezembro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo dos Santos Geraldes

________

[1] Cf. designadamente [Karl Larenz /] Manfred Wolf / Jörg Neuner, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, cit., pág. 142; Reinhard Bork, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 4.ª ed, Mohr Siebeck, Tübingen, 2016, pág. 73 (nota n.º 32).
[2] Como sugere, p. ex., João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 5.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2015 — a qualidade de consumidor da maioria das pessoas que o condomínio representa — só deveria considerar-se como consumidor desde que a maioria das fracções tivesse um destino não profissional (p. ex., a habitação).
[3] Como sugere p. ex., Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo. Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, (dissertação de doutoramento), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011, pág. 22 (nota n.º 38]. O condomínio “deve[ria] ser considerado consumidor sempre que, numa perspectiva objectiva, o bem ou serviço p[udesse] ser considerado um bem ou serviço de consumo para uma das pessoas que o condomínio representa”.
[4] Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, Livraria Almedina, Coimbra, 2013, págs. 13-14.
[5] Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, cit., págs. 13-14.
[6] Reinhard Bork, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, cit., págs. 72-73.
[7] Como se diz no acórdão do 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 —: “Reconhecendo-se não ter existido qualquer empreitada celebrada entre o Autor/Condomínio […] e a Ré […]. os reclamados direitos dos condóminos […] relativamente às respectivas partes comuns […], não decorrem de uma aplicação directa do regime do contrato de empreitada, pois que […] os condóminos haverão de ser tidos como terceiros adquirentes relativamente ao empreiteiro […]”.
[8] Cf. facto provado sob o n.º 9.
[9] Cf. art. 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril: “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”.
[10] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 6 de Junho de 2002 — processo n.º 02B1285 —, de 1 de Junho de 2010 — processo n.º 4854/03.0TBGDM.P1.S1 —, de 29 de Junho de 2010 — processo n.º 12677/03.0TBOER.L1.S1 —, de 29 de Novembro de 2011 — processo n.º 121/07.TBALM.L1.S1 —, de 15 de Novembro de 2012 — processo n.º 25106/10.4T2SNT.L1.S1 —, de 6 de Junho de 2013 — processo n.º 8473/07.4TBCSC.L1.S1 — e de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1.
[11] Cf. acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 — e de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1.
[12] Cf. acórdão do STJ de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1: “os danos a ressarcir são resultantes apenas da actuação [do empreiteiro]”.
[13] Cf. acórdão do STJ de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1: a responsabilidade do empreiteiro é, “por razões tidas como relevantes pelo legislador, estendida a outrem [ao promotor imobiliário/vendedor]”.
[14] Cf. acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1.
[15] Cf. facto provado sob o n.º 7.
[16] Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —, “[a] denúncia pode ser dispensada no caso de o adquirente detectar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a ação no prazo de um ano a partir desse conhecimento, pois, então, a citação para a ação funcionará como denúncia”.
[17] Cf. arts. 342.º, n.º 2, e 343.º, n.º 2, do Código Civil.
[18] Cf. facto provado sob o n.º 10: “Para a reparação das anomalias enunciadas é necessário um prazo de três meses”.
[19] Cf. art. 1223.º do Código Civil, em ligação com os arts. 798.º e 799.º do Código Civil e com o art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Junho, na redacção do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
[20] Cf. factos provados sob os n.ºs 8 e 12.