Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7883/18.6T8CBR.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA propôs contra o Banco BIC Português, S.A. ação onde pede a condenação deste a pagar-lhe €50.000,00 correspondente ao reembolso do capital inicialmente investido acrescido de juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento referentes a 8/11/2015 e a 8/5/2016 no valor de €785,28, e juros moratórios vencido no valor de €4.909,59 à taxa legal de 4% desde a data em que o capital deveria ter sido reembolsado seja 9/5/2016, mais juros vincendos a igual taxa até efetivo e integral pagamento e €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Articulou, com utilidade, que: Em Abril de 2006 a Autora deslocou-se à agência bancária sita no ... em ... do então Banco Português de Negócios e subscreveu uma obrigação com o valor nominal de 50 mil euros que respeitava a obrigações subordinadas a 10 anos da SLN 2006, produto que consistia em obrigações subordinadas ao portador sob a forma escritural, com o valor nominal de 50 mil euros em que o mínimo de subscrição era de uma obrigação com prazo de maturidade a 10 anos e reembolso a 9/5/2016; Aquando da subscrição a Autora foi informada pelo gerente da agência em questão, de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual a Autora jamais teria adquirido o produto em questão, a par de que a remuneração do capital proporcionava juros a serem pagos semestralmente, sendo que o boletim de subscrição dado a assinara à Autora encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então BPN, indicando a sua designação comercial e sede social, criando na Autora, a expectativa que estava a subscrever um produto do próprio banco, ora réu, e não de uma entidade externa, constando do boletim que as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN, todavia, não obstante a Autora ser uma pessoa de conhecimento médio, não tem conhecimentos específicos nem particulares quanto aos produtos bancários comercializados pela banca, desconhecendo as suas especificidades e considerações, confiando nas sugestões do seu gestor de conta, de que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração, fazendo Ré crer aos seus clientes, o que conseguiu com a Autora, que o reembolso de capital era absolutamente garantido sendo que mais tarde veio a negar essa informação; no momento da subscrição do produto de investimento pela Autora a entidade emitente das obrigações era a SLN mas após a crise económica instalado sobre o BPN e que levou à sua nacionalização a SLN foi extinta e os seu nome a imagem foram alteradas para Galilei SGPS S.A. que em 21/8/2015 se apresentou a PER, tendo posteriormente sido declarada insolvente, tendo a Autora sido citada para efeitos de reclamação  dos  seus créditos, tendo nesse momento a informação de que o investimento financeiro que havia realizado não se encontrava aplicado no banco, ora réu, mas sim numa entidade terceira, e nada mais foi pago a título de juros à Autora; a atuação do Réu impediu a Autora de usar o seu dinheiro como bem entendesse colocando-a num constante estado de preocupações com o receio de não reaver ou de não saber quando ia  reaver o seu dinheiro andando permanentemente em stress dente e sem alegria de viver.

2. Regularmente citado, contestou o Réu/Banco, o qual, para além de excecionar a incompetência relativa do Tribunal de Coimbra, onde a ação foi proposta, a par da prescrição, impugnou os factos alegados pela demandante.

3. Em resposta, pugna o Autora pela improcedência das exceções invocadas, concluindo pela procedência da demanda.

4. Foi apreciada a deduzida exceção de incompetência, tendo-se concluído pela remessa dos autos aos Juízos Centrais Cíveis de Lisboa.

5. Com dispensa da audiência prévia foi proferido despacho saneador onde se relegou o conhecimento da exceção da prescrição para final, outrossim, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

6. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a exceção de prescrição invocada e a ação parcialmente procedente pedido totalmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu a reembolsar a Autora do capital inicialmente investido de €50.000,00, condenando o Réu ainda a pagar à Autora, juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento, referentes a 8/11/2015 e a 8/5/2016 no valor de €785,28, os juros moratórios vencidos no valor total de €4.909,59 e os vincendos desde a citação até integral pagamento e ainda €3.000,00 a titulo de compensação por danos não patrimoniais.

7. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Banco/Réu, tendo a Relação proferido acórdão que confirmou o sentenciado em 1ª Instância.

8. Novamente inconformado o Recorrente/Réu/Banco BIC Português, S.A. interpôs recurso de revista excecional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveriam ter sido informado à Autora, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consiste no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.

16. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

17. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

18. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garanta de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

19. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos finanveiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

20. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

21. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

22. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

23. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

24. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

25. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

26. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

27. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

28. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

29. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pela Autora, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

30. Acresce que a Autora tinha formação na área financeira e o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

31. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

32. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

33. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.

34. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.

35. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2006 por todos encarados como puramente teórico e académico...

36. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal...

37. Diga-se ainda que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.

38. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

39. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

40. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

41. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

42. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

43. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

44. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

45. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

46. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

47. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

48. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

49. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

50. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

51. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

52. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

53. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

54. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao Autor e o acto de subscrição.

55. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

56. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

57. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

58. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

59. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

60. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o Autor é este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

61. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo tipico ou não do acordo contratual entre as partes.

62. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

63. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

64. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

65. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

66. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

67. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

68. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

69. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

70. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

71. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

72. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

73. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

74. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

75. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

76. E nada disto foi feito!

77. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.

78. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

79. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

80. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo ... JUSTIÇA!

9. A Recorrida/Autora/AA apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

“1. A matéria objeto do presente recurso não suscita qualquer dúvida ou obscuridade juridicamente controversa ou de relevância socialmente determinante.

2. A Doutrina e Jurisprudência mobilizada tanto pelo douto Tribunal da Relação como pela 1ª instância não padecem de qualquer necessidade de nova mobilização e discussão pelo Supremo Tribunal.

3. Nem estamos perante uma questão que extravasa a esfera jurídica das partes e que tenha impacto significativo na comunidade jurídica e a confiança dos concidadãos nos Tribunais e administração da Justiça.

4. Não se vislumbrando que se encontrem preenchidos os requisitos necessários para a admissão do presente recurso.

5. Razão pelo quão o mesmo não deverá ser admitido.

Sem prescindir,

6. no caso sub judice, a informação falsa prestada à Recorrido de que o banco intermediário assegurava o reembolso do capital investido pressupõe uma violação das regras mais elementares da atividade do intermediário financeiro e demonstra a irresponsabilidade do banco Recorrente, e dos seus agentes responsáveis pela transmissão dessa informação e da desconsideração dos interesses do cliente, pois constitui um fator indutor de uma confiança artificial no investimento proposto pelo agente do recorrente e realizado pelo investidor.

7. É por isso evidente que o banco não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe é imposto, pelo que é forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, sendo por isso inaplicável o invocado prazo prescricional previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.

8. Acresce que o dever de informação rigorosa e precisa quando contrata com os seus clientes é um dever de conduta fundamental para o banco, e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, se exige às partes que atuem de boa-fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227.º, n.º 1 do CC, logo nos preliminares ou na formação do contrato, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exata e de cabal esclarecimento.

9. A Recorrida só adquiriu a obrigação emitida pela SLN, porque o banco informou de que se tratava de um produto seguro, com retorno assegurado, que, ele próprio assegurava.

10. Atento o que acima se deixou dito, existe responsabilidade do banco porque nos preliminares do contrato informou os autores de que estava garantido o retorno, quando assim não sucedeu, decorrendo a sua responsabilização do disposto no artigo 227.º do CC, bem como porque ao celebrar o contrato, persistiu na mesma informação ou conselho, violando os ditames da boa-fé negocial, nos moldes estabelecidos no artigo 762.º do CC.

11. Consequentemente, é o Recorrente responsável pelos prejuízos que o Recorrido sofreu na sua esfera patrimonial decorrentes da sua conduta lesiva.

12. Por não existir qualquer demonstração idónea que possa sustentar opinião diversa da formulada no Acórdão recorrido, terá o presente recurso de revista, necessariamente, que improceder.

Nestes termos e nos melhores de Direito, o Recorrido está convicto de que os Sábios Conselheiros, apreciando objetivamente o presente recurso, subsumindo-o nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de:

a) o rejeita por falta de verificação dos pressupostos legais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo do artigo 672º do CPC,

ou caso assim não se entenda,

b) julgá-lo totalmente improcedente, por não provado.

Assim se fazendo JUSTIÇA!

10. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

11. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

12. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.) já transitaram em julgado.

13. Foram dispensados os vistos.

14. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

1. Em abril de 2006, a Autora, titular da conta à ordem número ...01, deslocou-se à agência bancária, sita no ..., em ..., do Réu (então denominado Banco Português de Negócios - BPN) e subscreveu uma obrigação com o valor nominal de € 50 000,00;

2. O BPN era um banco privado português, que atuava no sector da banca de investimentos, tendo vindo a ser alvo de nacionalização pelo Estado Português no ano de2008, e posteriormente sido vendido ao aqui Réu, que o incorporou em todos os seus direitos e obrigações;

3. A subscrição realizada pela Autora era respeitante a "Obrigações Subordinadas a 10 anos da SLN 2006";

4. O aludido produto financeiro consistia em obrigações subordinadas ao portador, sob a forma escriturai, com o valor nominal de € 50 000,00, em que o mínimo de subscrição era de uma obrigação;

5. O prazo de maturidade do produto era de 10 (dez) anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 9 de maio de 2016;

6. A remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5 %, os nove cupões semestrais seguintes à remuneração da euribor a seis meses acrescida de 1,15 % e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com euribor a seis meses acrescida de 1,50 %;

7.    No campo destinado à "ordem de subscrição", constante do boletim de subscrição, é informado à Autora que "as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (...)" (cfr. fls. 8v);

8.    No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como "argumentário de venda", que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração;

9.    No momento de subscrição do produto de investimento pela Autora, a entidade emitente das obrigações era a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alterados para Galilei SGPS, S.A., com 89,17 % dos votos a favor, 1,81 % de votos desfavoráveis e 9,13 % de abstenções;

10.  A Galilei SGPS, S.A., em 21 de agosto de 2015, apresentou-se a processo especial de revitalização (PER), cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.4T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Central ... - 1." Secção do Comércio (Juiz ...), bem como, já posteriormente, a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do Processo n.º 23449/15.0T8LSB do mesmo Juiz ... da l.ª Secção do Comércio da Comarca ...;

11.  Desde 8 de maio de 2015, nada mais foi pago à Autora a título de juros;

12.  Não obstante a Autora ser uma pessoa de conhecimento médio (contabilista certificada), faltam-lhe conhecimentos específicos quanto aos produtos comercializados pela banca, desconhecendo as suas particularidades/considerações, e confiando, seguindo por isso mesmo, as sugestões do seu gestor de conta;

13.  Aquando da subscrição do produto financeiro, a Autora foi informada por BB, à data gerente da agência bancária do ..., em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual a Autora jamais teria adquirido o produto em questão;

14.  O boletim de subscrição dado a assinar à Autora encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então "BPN", indicando a sua designação comercial e sede social, criando naquela a expetativa, determinante para a decisão como investidora, de estar a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora Réu, e não de uma entidade terceira;

15.  Todas as ordens de emissão da obrigação subordinada (ora em litígio) foram dadas a conhecer à Autora pelo gestor de cliente identificado sob o número de funcionário 6002490;

16.  Através do documento mencionado no ponto 8 supra (“argumentário de venda”) pretendia o Réu fazer crer nos seus clientes, o que conseguiu com a convicção gerada na Autora nesse sentido, que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que, mais tarde, veio a negar tal informação;

17.  Só posteriormente, em data não concretamente apurada, a Autora se esclareceu de que o investimento financeiro realizado não se encontrava aplicado no banco ora Réu, mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN;

1 8. Por carta registada com aviso de receção de 23 de março de 2016, recebida no dia 28 seguinte, a Autora instou a Galilei SGPS, S.A., com vista ao pagamento voluntário;

19.  Até hoje, nem o capita! investido nem os juros foram reembolsados à Autora;

20.  A atuação do ora Réu impediu a Autora de usar o seu dinheiro como bem lhe aprouvesse, colocando-a, ainda, num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando recuperaria o seu dinheiro;

21.  Em decorrência do exposto, a Autora passou a viver nesse permanente estado de preocupação e ansiedade, descontente por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho e sem perspetivas de futuro:

22.  A presente ação judicial foi instaurada no dia 19 de outubro de 2018 c o banco Réu foi citado para os seus termos em 23 de outubro de 2018 (cfr. talão postal de fls. 21)”.


Factos não provados

I.   A situação do ponto 17 supra ocorreu no âmbito do PER (reclamação de créditos);

II.   Em decorrência da atuação do ora Réu, a Autora chegou a adoecer;

III.  Aquando da subscrição do produto, a Autora foi informada, para além dos seus outros elementos, de que o reembolso antecipado apenas era possível a partir do 5.° ano e de que poderia endossá-lo unilateralmente a um terceiro interessado (até ao 5.° ano); IV. (...) Tal como foi informada de que o mesmo produto havia sido emitido pela sociedade detentora do banco Réu (BPN) e que o reembolso antecipado só era possível por iniciativa da sociedade emitente e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, não mereceu censura, mantendo-se inalterada), confirmando a decisão proferida em 1ª Instância condenou o Banco, Réu a reembolsar a Autora do capital inicialmente investido de €50.000,00, outrossim, a pagar juros remuneratórios dos cupões vencidos e em incumprimento, referentes a 8/11/2015 e a 8/5/2016 no valor de €785,28, os juros moratórios vencidos no valor total de €4.909,59 e os vincendos desde a citação até integral pagamento, e ainda €3.000,00 a titulo de compensação por danos não patrimoniais.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo. Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre a Autora/AA e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto à Autora, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2018.

O dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos relevantes, adquiridos processualmente.

1. Em abril de 2006, a Autora, titular da conta à ordem número ...01, deslocou-se à agência bancária, sita no ..., em ..., do Réu (então denominado Banco Português de Negócios - BPN) e subscreveu uma obrigação com o valor nominal de € 50 000,00;

2. O BPN era um banco privado português, que atuava no sector da banca de investimentos, tendo vindo a ser alvo de nacionalização pelo Estado Português no ano de2008, e posteriormente sido vendido ao aqui Réu, que o incorporou em todos os seus direitos e obrigações;

3. A subscrição realizada pela Autora era respeitante a "Obrigações Subordinadas a 10 anos da SLN 2006";

4. O aludido produto financeiro consistia em obrigações subordinadas ao portador, sob a forma escriturai, com o valor nominal de € 50 000,00, em que o mínimo de subscrição era de uma obrigação;

5. O prazo de maturidade do produto era de 10 (dez) anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 9 de maio de 2016;

6. A remuneração do capital investido proporcionava juros a serem pagos semestral e postecipadamente aos investidores, consistindo a primeira remuneração semestral em 4,5 %, os nove cupões semestrais seguintes à remuneração da euribor a seis meses acrescida de 1,15 % e os restantes semestres seriam remunerados de acordo com euribor a seis meses acrescida de 1,50 %;

7.    No campo destinado à "ordem de subscrição", constante do boletim de subscrição, é informado à Autora que "as obrigações subscritas serão creditadas na respetiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN (...)" (cfr. fls. 8v);

8.    No documento de suporte de venda do referido produto financeiro, distribuído aos colaboradores para a comercialização e colocação destas obrigações aos investidores é mencionado, como “argumentário de venda”, que o produto tem capital garantido e elevadas taxas de remuneração;

9.    No momento de subscrição do produto de investimento pela Autora, a entidade emitente das obrigações era a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, mas após a crise económica instalada sobre o BPN, e que levou à sua nacionalização, a SLN foi extinta, em assembleia geral, e o seu nome e imagem foram alterados para Galilei SGPS, S.A., com 89,17 % dos votos a favor, 1,81 % de votos desfavoráveis e 9,13 % de abstenções;

10.  A Galilei SGPS, S.A., em 21 de agosto de 2015, apresentou-se a processo especial de revitalização (PER), cujo processo correu termos judiciais sob o n.º 22922/15.4T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Instância Central ... - 1." Secção do Comércio (Juiz ...), bem como, já posteriormente, a referida sociedade foi declarada insolvente, no âmbito do Processo n.º 23449/15.0T8LSB do mesmo Juiz ... da l.ª Secção do Comércio da Comarca ...;

11.  Desde 8 de maio de 2015, nada mais foi pago à Autora a título de juros;

12.  Não obstante a Autora ser uma pessoa de conhecimento médio (contabilista certificada), faltam-lhe conhecimentos específicos quanto aos produtos comercializados pela banca, desconhecendo as suas particularidades/considerações, e confiando, seguindo por isso mesmo, as sugestões do seu gestor de conta;

13.  Aquando da subscrição do produto financeiro, a Autora foi informada por BB, à data gerente da agência bancária do ..., em ..., de que o reembolso do capital era garantido, característica sem a qual a Autora jamais teria adquirido o produto em questão;

14.  O boletim de subscrição dado a assinar à Autora encontrava-se emitido em papel timbrado e certificado do então "BPN", indicando a sua designação comercial e sede social, criando naquela a expetativa, determinante para a decisão como investidora, de estar a subscrever um produto financeiro do próprio banco, ora Réu, e não de uma entidade terceira;

15.  Todas as ordens de emissão da obrigação subordinada (ora em litígio) foram dadas a conhecer à Autora pelo gestor de cliente identificado sob o número de funcionário 6002490;

16.  Através do documento mencionado no ponto 8 supra (“argumentário de venda”) pretendia o Réu fazer crer nos seus clientes, o que conseguiu com a convicção gerada na Autora nesse sentido, que o reembolso do capital era absolutamente garantido, sendo que, mais tarde, veio a negar tal informação;

17.  Só posteriormente, em data não concretamente apurada, a Autora se esclareceu de que o investimento financeiro realizado não se encontrava aplicado no banco ora Réu, mas sim numa entidade terceira que pertencia ao grupo empresarial SLN;

18. Por carta registada com aviso de receção de 23 de março de 2016, recebida no dia 28 seguinte, a Autora instou a Galilei SGPS, S.A., com vista ao pagamento voluntário;

19.  Até hoje, nem o capita! investido nem os juros foram reembolsados à Autora;

20.  A atuação do ora Réu impediu a Autora de usar o seu dinheiro como bem lhe aprouvesse, colocando-a, ainda, num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando recuperaria o seu dinheiro;

21.  Em decorrência do exposto, a Autora passou a viver nesse permanente estado de preocupação e ansiedade, descontente por se ver desapossada das economias de uma vida inteira de trabalho e sem perspetivas de futuro”.

Daqui resulta ser a Autora, titular de uma obrigação subordinada, na qual foram aplicadas as suas poupanças e sem estar devidamente esclarecida acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidora, avessa ao risco, sendo que o investimento se deveu à confiança que a Autora tinha nos funcionários da agência do BPN, com os quais a Autora lidava, sendo que se à Autora tivesse sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhe tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, a Autora não o teriam adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que a Autora não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencida de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu, um produto sem risco, com reembolso garantido.

Esta declaração, para com esta Autora, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante a Autora, sua cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro.

É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos da Autora, enquanto investidora e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo da sua cliente, aqui Autora, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se a Autora, acaso tivesse sido informada das características do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procedeu, se não o teria efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pela Autora, necessário se torna que esta demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado à Autora, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, a Autora não teria investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que a Autora não teria tomado a decisão de subscrever o produto financeiro se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que a Autora não teria tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra da obrigação subordinada) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pela Autora.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes