Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS ARMA PROIBIDA COACÇÃO CONSENTIMENTO CÚMULO JURÍDICO GRAVIDEZ IMAGEM GLOBAL DO FACTO MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA | ||
Data do Acordão: | 05/22/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL. | ||
Doutrina: | - Bettiol, Sobre a Presunção legal, Escritos Jurídicos, 1996, I, 344. - Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, ed. Verbo, 1992, 252. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291; citado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 196. - Heloísa Pinto, A Sexualidade na Escola, Ed. Summus, S. Paulo, 1997, 46. - Iescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, 4.º ED, p. 668 e segs.. - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, p.283. - Tereza Beleza, citada in Comentário Conimbricense do Código Penal, TI, 541. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 31.º, N.º 1, D), 38.º, N.ºS 1, 2 E 3, 40.º, 42.º, 71.º, 73.º, N.º1, ALS. A) E B), 77.º, N.º 1 E 2, 154.º, N.ºS 1 E 2, E 155.º, N.º 1, AL. A), 171.º, N.ºS 1 E 2, 177.º, N.º 4. LEI Nº 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO, NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 17/2009, DE 06 DE MAIO; - ARTIGO 86.º, N.º 1, AL. D), COM REFERÊNCIA AOS ARTIGOS 2º, Nº 1, AL. E) E Z), 3º, N.º 1 E 2, AL. H), E 4º, Nº 1, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 06-10-2010, PROFERIDO NO P.º N.º 107/08.6GTBRG.S1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT | ||
Sumário : | I - Nos crimes de abuso sexual o bem jurídico protegido é a liberdade de autodeterminação sexual, lesada sempre que, à luz dos n.ºs 1 e 2 do art. 171.º do CP, o menor de 14 anos é vítima de acto sexual de relevo, que pode consistir, tipificadamente, em cópula, coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou de objectos.
II - O consentimento da vítima não possui virtualidade para eximir o agente da responsabilidade criminal, por a lei partir do pressuposto, próximo da constatação natural, que o menor, por regra, não possui o desenvolvimento psicológico suficiente para compreender as consequências, por vezes graves, deles emergentes, que podem prejudicar gravemente o desenvolvimento da sua personalidade física e psíquica, no aspecto do livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual. III - Dessa incapacidade natural resulta que o crime é concebido como de perigo abstracto resultante da presunção implicitamente inscrita na lei, juris et de jure, com razoável correcção, do prejuízo físico e psíquico, para a pessoa da criança, na sua dimensão integral, que os actos sexuais de relevo podem provocar. IV - A agravante da gravidez é imputável ao agente criminoso que manteve cópula sem uso de preservativo. V - A pena de conjunto repousa numa valoração da totalidade dos factos, que fornece a ilicitude global, sendo decisiva para essa avaliação a conexão e o tipo de conexão entre os factos e se eles representam, também, uma manifestação da personalidade, na vertente de uma mera pluriocasionalidade, de um trajecto de vida puramente ocasional e não enraizado, ou, ao invés, uma carreira criminosa, uma propensão que aquela ilicitude e culpa exacerba. VI - O arguido foi condenado na pena de 4 anos de prisão quanto a cada um dos 3 crimes de abuso sexual de criança do art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do CP, na pena de 6 anos de prisão quanto a 1 crime de abuso sexual de criança agravado dos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 4, do CP, na pena de 1 ano de prisão quanto a cada um dos 2 crimes de coacção, na forma tentada, dos arts. 154.º, n.ºs 1 e 2, e 155.º, n.º 1, al. a), do CP e na pena de 1 ano de prisão quanto a 1 crime de detenção de arma proibida do art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23-02. VII - O arguido agiu com o intuito de satisfação incontrolada dos apetites sexuais, não olhou à idade das ofendidas (ambas com 13 anos) e aplicou um clima de constrangimento posterior à consumação dos crimes de abuso sexual de criança, que envolveu violência física e psíquica sobre as ofendidas, com o propósito de reatar uma relação não desejada. VIII - Em face das sentidas necessidades de prevenção geral e especial, justifica-se a aplicação ao arguido, de 22 anos à data dos factos, da pena única de 9 anos de prisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foi submetido a julgamento no P.º n.º 93/09.5TAABT.E1, do Tribunal Judicial de Abrantes , AA , nascido a ... , vindo a final , a ser condenado : - na pena de prisão de 4 anos, quanto a cada um dos 3 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, sendo 2 cometidos na pessoa da ofendida BB e um na pessoa da ofendida CC ; - na pena de prisão de 6 anos, quanto ao crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, nº 4, do Código Penal, cometido na ofendida BB ; - prisão de 1 ano, quanto cada um dos 2 crimes de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. a), 23.º, 154.º, n.º 1 e 2 e 155.º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, praticados na pessoa da BB e CC - prisão de 1 ano, quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p nos termos dos artigos 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06 de Maio, com referência aos artigos 2º, nº 1, al. e) e z), 3º, n.º 1 e 2, al. h), e 4º, nº 1, do mesmo diploma legal. c) Condenar o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão, operando o cúmulo jurídico das penas supra impostas; O arguido , inconformado com o teor do decidido interpõs recurso para a Relação , que confirmou o acórdão de 1.ª instância , pelo que , ainda irresignado , recorreu para este STJ , apresentando as seguintes conclusões :
1ª Na determinação da medida da pena deve atender-se às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor ou contra o agente - n.° 2 do art. 71° do Código Penal. 2ª Depõe a favor do arguido, em matéria de crimes sexuais, a sua juventude, o comportamento da vítima, ainda que muito mais jovem, a motivação da sua actuação criminosa e as circunstâncias em que esta ocorreu. 3ª Relevam no caso dos autos as facilidades, para efeitos de atenuação, e a experiência revelada pela BB na prática de tais actos, bem como a intenção do arguido em manter uma relação de namoro e não querer um aproveitamento ocasional para satisfazer os seus apetites sexuais. 4ª O facto de não serem conhecidas consequências do comportamento do arguido na vida futura da jovem, nem sendo de presumir, dada a sua colaboração, que elas possam vir a ocorrer, também deve ser considerado na medida da pena, atenuando-a. 5ª As condições da vida do arguido, oriundo de uma família numerosa e de modesta condição sócio-económica, disfuncional e carente de competências e com hábitos alcoólicos, fazendo com que o arguido revelasse dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais, não devem provocar a sua exclusão social, mas devem ser motivo para uma oportunidade de se lhe mostrar caminhos de vida que o arguido desconhecia. 6ª A pena aplicada afasta-o, porventura de forma irremediável, pela sua duração, dessa possibilidade, Pelo que 7ª Sem prejuízo do castigo merecido e da função preventiva que deve ser demonstrada, deve ser reduzida ao mínimo legal que se mostre adequado ao cumprimento daqueles fins.
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :
O poder cognitivo deste STJ , restrito , a aferir do contexto conclusivo , à medida da pena única , parte , desde logo , da consideração de que o arguido praticou 4 crimes de abuso sexual, sendo três , um dos quais qualificado , na pessoa da ofendida BB e um na pessoa da ofendida CC Nestes crimes o bem jurídico protegido é a liberdade de autodeterminação sexual , lesada sempre que , à luz do art.º 171.º n.ºs 1 e 2 , do CP , o menor de 14 anos é vítima de acto sexual de relevo , que pode consistir, tipificadamente , em cópula , coito anal , oral ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos E mesmo que consentida a cópula , como o foi pelas ofendidas , o consentimento da vítima não possui virtualidade para eximir o agente da responsabilidade criminal , por a lei partir do pressuposto , próximo de constatação natural , por regra , salvo os casos de aquisição da consciência sexual mais cedo , de que o menor vítima daqueles actos não possui o desenvolvimento psicológico suficiente para compreender as consequências , por vezes graves ( é o que se chama de inocentia consilii), deles emergentes, podendo prejudicar gravemente o desenvolvimento da sua personalidade física e psíquica, no aspecto do livre desenvolvimento da personalidade na esfera sexual É benéfico que o processo de desenvolvimento da liberdade sexual das crianças se exercite de forma sadia , sem pressas ou sobressaltos , de risco incontrolável , se bem que dificilmente se conceba a sua evolução em ambiente asséptico , totalmente puro , à margem de influência do meio, no dizer de Heloísa Pinto , in A Sexualidade na Escola , Ed. Summus , S. Paulo , 1997 , 46 .
Dessa incapacidade natural resulta que o crime é concebido como de perigo abstracto resultante da presunção implicitamente inscrita na lei, “ juris et de jure “, “ com razoável correcção “ , do prejuízo físico e psíquico, para a pessoa da criança , na sua dimensão integral , que os actos sexuais de relevo , segundo o enunciado o legal , podem provocar –Cfr. Tereza Beleza , citada in Comentário Conimbricense do Código Penal , TI , 541 . Essa presunção legal de ausência valorativa redunda num abrandamento da prova baseada em regras da experiência em que a lei deduz de um facto outro e antecipa o procedimento lógico necessário para estabelecer uma relação interfactual, recorrendo a parâmetros abstractos de valoração , segundo Bettiol, in Sobre a Presunção legal , Escritos Jurídicos , 1996 , I , 344.
Alguns países inscrevem esta presunção “ juris et de jure “ no seu ordenamento jurídico , caso do art.º 224.º , do CP brasileiro , do direito norueguês e mesmo no direito americano , reportando-a . à menoridade da vítima , não vale mesmo um “ consentimento informado “ . No direito brasileiro reina divergência na jurisprudência e doutrina , apesar da consagração legal da presunção com aquela dimensão , admitindo a sua relatividade sempre que a menor de 14 anos aja livre e conscientemente dos seus actos e consequências , cedendo à impunibilidade do acto . A experiência sexual anterior não elide tal presunção porque o que se trata é , face ao acto sexual de relevo , a punir , de proteger a criança , e não recriminá-la pelo seu passado . Por outro lado inexiste a figura da compensação de culpa entre a vítima e lesante em matéria penal ( art.ºs 570.º e 572 .º , do CC) onde o consentimento afasta a ilicitude nos termos do art.º 31.º n.º 1 d) , do CP , sendo eficaz se referente a interesses jurídicos livremente disponíveis , de forma a não ofender os bons costumes , prestado de forma livre , por qualquer meio que traduza uma vontade séria , livre e esclarecida do titular daquele interesse , visto o que preceitua no art.º 38.º n.ºs 1 , 2 e 3 , do CP . O interesse da livre autodeterminação sexual de menor de 14 anos não está na sua disponibilidade, respeita a bens supraindividuais , ofende os bons costumes , pela reprovação moral ou opinião comum , no dizer de Cavaleiro de Ferreira , Lições de Direito Penal , ed Verbo , 1992 , 252 , vista a ponderação global do grau de gravidade da lesão e a sua irreversibilidade , critério de que se deve lançar mão para aferir daquela ofensa , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , citado por Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário ao Código Penal , 196 . Logo, pois , irrelevante o invocado consentimento E a idade do arguido , de 22 anos na data dos factos, não o beneficia , visto que eram crianças de 13 anos, de idade , por si conhecida , impendendo sobre si , por esse diferencial etário , um juízo crítico , um dever de contenção do seu apetite sexual , da sua lascívia , em nome de cuja satisfação pura e simplesmente se movia , querendo aproveitar-se , sabendo da proibição dos seus actos , da jovem idade da BB e da CC para persistir no seu relacionamento sexual com ambas , mantendo cópula completa repetida , com relação à BB e uma vez só com relação à CC, deu-se como provado . O Colectivo afastou , assim , o seu propósito no envolvimento com a menor BB de formar família , pese embora ter sido essa a razão invocada ao tentar reatar o seu envolvimento quando a menor lhe põs termo , logo enviando mensagem electrónica para o telemóvel daquela ameaçando matar os pais e fazer mal à sua família com recurso a terceiros , caso não fosse ao seu encontro ou reiniciasse o namoro Como a BB não anuiu , o arguido, no dia 25 de Março de 2009, dirigiu-se a ... , onde havia sido recolhida em instituição a fim de a ser preservada da influência do arguido , e quando esta se dirigia para a escola agarrou-a por um braço e ameaçou-a , dizendo-lhe , “se não ficares aqui comigo para falarmos, eu bato-te ou corto-te o pescoço com uma navalha que tenho aqui”, ao mesmo tempo que procurou arrastar a BB para o interior do seu veículo , sendo portador de uma navalha com lâmina em aço de sete centímetros de comprimento e que exibiu à BB, a quem provocou medo, só com o auxílio de terceiro , a quem pediu socorro, dele conseguindo libertar-se Sem fundamento por não constar no elenco dos factos provados a alegação da experiência sexual da BB; menos acertado ainda a ausência de consequências do relacionamento sexual com a menor BB , pois que dele derivou a sua gravidez , esta funcionando como agravante qualificativa , nos termos do art.º 177.º n.º 4 , do CP , exacerbando a moldura penal de metade , nos seus limites máximo e mínimo , ou seja entre 4 anos e meio e 15 anos de prisão , interrompida , entretanto , por aborto . A agravante da gravidez é imputável ao agente criminoso porque manteve cópula sem uso de preservativo , devendo admitir como possível aquela consequência que a sua diferença de idade e experiência de vida , razoavelmente , fazem conjecturar e a que não pode eximir-se . E o aborto, genericamente , traz consequências muito prejudiciais à mulher que o pratica , entre elas a esterilidade, hemorragias , perfuração de órgãos internos , infecções, como peritonites , etc, isto ao nível físico , do lado psicológico é frequente a depressão , o sentimento de culpa , a tendência para o suicídio e a baixa de autoestima .
Na fixação da pena única o julgador opta por um critério especial , valorando ,nos termos do art.º 77.º .ºs 1 e 2 , do CP , em conjunto , os factos e a personalidade do agente . Trata-se de um critério que acresce ao geral emergente da conjugação dos art.ºs 40.º e 71 .º , do CP , forma de subtrair o julgador a uma actividade puramente “ mecânica ou arbitrária “ , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 291 , cedendo a uma pura visão atomística , a um puro somatório material das penas , que se não confunde com o sistema de acumulação material , ou o de absorção puro em que a moldura de concurso repousa na pena concreta do crime mais grave nem com o princípio da exasperação , em que a pena é agravada pelo concurso O sistema adoptado entre nós é o assente na princípio da acumulação em que a pena é apurada numa moldura em função da imagem global do facto , valorando-o na globalidade e na personalidade do agente ( Cfr .Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código de Processo Penal , pág..283) enquanto manifestação de conformidade ou desconformidade com a ordem jurídica instituída e a sua condição de ser normativamente vinculado . A pena de conjunto , que não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível , segundo Iescheck, Tratado de Derecho Penal , Parte Geral , 4.º ED , pág. 668 e segs , seguido , de resto , pelo Prof. Figueiredo Dias , in op. e loc . cit., repousa , pois , numa valoração da totalidade dos factos , que fornece a ilicitude global, sendo decisiva para essa avaliação a conexão e o tipo de conexão entre os factos e se representam , também , uma manifestação da personalidade , na vertente de uma mera pluriocasionalidade , de um trajecto vital puramente ocasional , não enraizado , ou , ao invés , uma “ carreira “ criminosa , uma propensão que aquela ilicitude e culpa exacerba –cfr. Acórdão do STJ de 06-10-2010, proferido no P.º n.º 107/08.6GTBRG.S1, disponível in www.dgsi.pt.- Quer dizer que o julgador constrói, nessa operação, uma pena nova , baseado numa nova culpa e ilicitude emergentes da valoração dos factos tendo presente a sua globalidade e o modo como se articulam com a sua personalidade , em vista a surpreender , nesse novo horizonte contextual , assim emergente , se se posicionam numa linha de simples acidentalidade no “ iter vital “ do condenado ou pelo contrário são tradução de uma tendência criminosa , fundando , nesta hipótese , maior severidade na dosimetria concreta da moldura da pena de concurso , em nome de exacerbada prevenção especial , prevenindo a reincidência , sem descurar as expectativas comunitárias na afirmação da lei e tutela dos bens ou valores jurídicos ínsitos nos tipos legais de incriminação , que nos crimes por que foi condenado se situam num patamar elevado , já pela sua importância e violação frequente, construida a partir do enorme desprezo pela pessoa humana revelado no abuso sexual de seres inexperientes e indefesos . A moldura penal abstracta da pena de concurso tem como limite mínimo a pena de 6 anos de prisão e máxima a de 21 anos de prisão ; as parcelares para os crimes de abuso sexual de criança são de 3 a 10 anos e 4 anos e meio a 15 anos ( art.ºs 171.º n.ºs 1 e 2 e 177.º n.º 4 , do CP) , para o crime de coacção , em forma tentada , nos termos dos art.ºs 22.º , 23.º , 73.º n.º1 a) e b) , 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1 , parte final , prisão de um mês a 3 anos e 6 meses e o de detenção de arma proibida nos termos dos art.ºs 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06 de Maio, com referência aos artigos 2º, nº 1, al. e) e z), 3º, n.º 1 e 2, al. h), e 4º, nº 1, do mesmo diploma legal , com a pena de 4 anos de prisão ou multa até 480 dias . Tudo visto e ponderado : A detenção de armas proibidas , de emissão de gases , em condições ilegais , pondo em perigo a segurança individual e colectiva , tudo com perfeita consciência da violação da lei denota um estilo de vida de marginalismo à lei ; o dolo é muito intenso e reiterado , a ilicitude revela-se em grau elevado , enquanto expressão da sua violação à lei e desvalor do seu resultado O seu comportamento anterior é mau; no seu passado criminal inscrevem-se condenações por vários ilícitos , que o levaram à prisão , o que a associar àqueles por que foi condenado nos presentes autos alicerça uma densificada pluriocasionalidade, que reclama vigorosa reeducação para o direito , para a defesa da sociedade , prevenção futura de crimes , reinserção futura do arguido, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável ( art.º 42.º , do CP ) face às muito sentidas necessidades de prevenção geral e especial , justificando-se , no entanto , uma muito ligeira redução da pena para 9 ( nove ) anos de prisão , que se tem por mais justa , ainda dando resposta , em termos de tutela , “ efectiva e consistente” , no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 229 , aos bens jurídicos em confronto e às expectativas comunitárias na força e validade da lei , cuja aplicação é confiada aos tribunais . Termos em que se provê, em parte , ao recurso , condenando-se o arguido na pena única de 9 ( nove ) anos de prisão . Sem tributação .
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