Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9918/15.5T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DA ADESÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
COMPETÊNCIA MATERIAL
PROCEDIMENTO CRIMINAL
TRIBUNAL CÍVEL
PRAZO
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / PARTES CIVIS / PRINCÍPIO DE ADESÃO / PEDIDO EM SEPARADO / LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA E REENVIO PARA OS TRIBUNAIS CIVIS.
Doutrina:
- Leal Henriques e Simas Santos, apud, Código de Processo Penal anotado, 1º volume, p. 378 e ss.;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1987, p. 121 e 122;
- Ribeiro de Faria, Indemnização por Perdas e Danos Arbitrada em Processo Penal, 1978, p. 118 a 128.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º, N.º 1, 72.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E D) E 82.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Referências Internacionais:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITO DO HOMEM: - ARTIGO 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-04-2013, PROCESSO N.º 1718/02;
- DE 13-03-2014, PROCESSO N.º 512/07.5TAVFR.P1.S1;
- DE 22-11-2018, PROCESSO N.º 199/17.7T8TCS.C1.S1;
- DE 30-04-2019, PROCESSO N.º 1286/18.0T8VCT-A.G1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 451/97, DE 25-06-1997.
Sumário :
I - No âmbito do direito processual penal (artigo 71º), encontra-se consagrado o princípio de adesão, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

II – A alínea a) do nº 1 do artigo 72º do CPP admite a reclamação de indemnização cível, decorrente do facto criminoso, fora do processo penal, quando “o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo”.

III – A mencionada excepção visa proteger o lesado da demora do andamento do processo penal, pondo em crise o interesse da vítima num rápido ressarcimento.

IV – O lesado, ora autor e recorrente, não intentando a acção cível dentro do aludido período que decorreu entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação, não poderá prevalecer-se dessa excepção.

V – Constando da acusação os danos e o seu conhecimento em toda a sua extensão, não pode o lesado invocar a excepção prevista no nº 1 alª d) do artigo 72º do CPP

VI - Só nos casos expressamente previstos na lei, que representem um verdadeiro entrave ou um obstáculo sério que inviabilizem uma decisão rigorosa da matéria cível (designadamente, por haver escassez de elementos para a determinação da responsabilidade) ou quando correspondam a incidentes que retardem intoleravelmente o julgamento da matéria penal, é que as partes civis devem ser remetidas para o tribunal cível (artº 82º nº 3 do CPP). Fora desses casos, o pedido cível deve ser julgado em conjunto com a matéria penal.

VII - Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário. Antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de particular fundamentação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO


Em 22.7.2015 AA intentou acção declarativa de condenação contra BB, pedindo:

a) que o réu seja condenado a pagar ao autor uma indemnização, nunca inferior a €13.494,91 em sede de lucros cessantes;

b) Ser o réu condenado no pagamento de uma indemnização ao autor, nunca inferior a € 50.000,00 por danos estéticos que infligiu nas diversas partes do corpo do autor;

c) Ser o réu condenado no pagamento de uma indemnização ao autor, nunca inferior a €10.000,00 pelas dores sofridas, quer durante a recuperação, quer durante o internamento de autor;

d) Ser o réu condenado a pagar ao autor o montante de €30,06 referente aos medicamentos suportados pelo autor.


Em síntese, alegou que, por acórdão transitado em julgado, datado de 25.02.2014, proferido em processo-crime, o aqui réu foi condenado a uma pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º n.º 1, por referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal, e 86.º n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02 (Lei das Armas) e do art.º 4.º do Dec-Lei n.º 48/95, de 15.3, crime esse praticado na pessoa do ora autor. No processo crime que precedeu os presentes autos, não foi deduzido qualquer tipo de indemnização cível por parte do ora autor. O autor foi alvo de catorze facadas, sofrendo lesões, todas devidamente comprovadas por documentação constante no processo-crime, que obrigaram ao seu internamento e a sujeição a intervenções cirúrgicas, tendo causado 390 dias de doença e incapacidade para o trabalho. O autor suportou também despesas ao nível de aquisição de medicamentos, nos dias seguintes à sua alta hospitalar. Pelos dias de incapacidade para o trabalho o autor tem direito a uma indemnização, a título de lucros cessantes, no valor de € 13.494,91.

Pelas sequelas físicas permanentes que alteraram a sua fisionomia pessoal, o autor deve ser ressarcido em quantia não inferior a € 50 000,00. A título de quantum doloris, emergente dos ferimentos e tratamentos, o autor tem direito a quantia não inferior a € 10 000,00. A título de despesas medicamentosas suportadas nos dias subsequentes à sua alta hospitalar, o autor tem direito a € 30,06. Actualmente o autor sofre de intenso receio e insegurança e sofre igualmente pelos danos estéticos que o seu corpo apresenta.


O réu contestou por excepção e por impugnação.

Quanto à excepção, o réu arguiu a violação do princípio da adesão obrigatória do processo civil ao processo penal, da qual decorreria a incompetência material do tribunal e a consequente absolvição do réu da instância.


Convidado a responder à excepção arguida, o autor veio fazê-lo, pugnando pela sua improcedência, na medida em que se mostram verificadas três das situações de excepção ao invocado princípio de adesão obrigatória, previstas no artº 72.º do CPP, respectivamente a não prolação de acusação crime no prazo de oito meses decorrido após a notícia do crime, a omissão de notificação ao lesado da possibilidade de deduzir pedido de indemnização cível e o desconhecimento dos danos em toda a sua extensão.


No despacho saneador, por se considerar verificada a violação da regra da adesão obrigatória do pedido de indemnização cível ao processo penal, julgou-se procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria e, consequentemente, absolveu-se o réu da instância.


O autor apelou e a Relação, maioritariamente, por acórdão de 19.12.2018, julgou a apelação improcedente e manteve a decisão recorrida.


O autor recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1º - Face a tudo o anteriormente exposto, e no que concerne quanto ao primeiro argumento do ora recorrente e pela possibilidade da presente acção correr na jurisdição civil, atendendo à verificação do cumprimento dos pressupostos existentes no artigo 72.º n.º1 al. a) do CPP, nomeadamente porque a noticia do crime é de 31 de Julho de 2012, na qual foi levantado o respectivo auto pelos OPC de …, e que já na esquadra, em 1 de Agosto de 2012, pelas 01.07h conforme documentos junto aos autos, os quais se encontram dados como provados.

2ª - Tendo sido a acusação proferida no âmbito do Proc. 1284/12.7PFLRS, expedida ao réu pela … Secção do Ministério Público de …, no dia 1 de Agosto de 2013, verifica-se assim precisamente 12 (doze) meses passados, desde a ocorrência da data dos factos e o auto de notícia do crime, período esse em que supera claramente o prazo dos oito meses exigido por lei, conforme aliás ficou também esclarecido como voto de vencido, por um dos relatores do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não se vislumbrado a expressão "antes", na alínea a) do n.º1 do art. 72º, quanto à data para a propositura da acção cível.

3ª - Desta forma, verifica-se de uma forma evidente, que o pedido efectuado pelo ora recorrente e autor contra o ora recorrido e réu BB, conforme documento existentes nos autos, é admissível e legal, por preencher os requisitos do pedido em separado.

4ª - Seguidamente jamais decorre da lei, que a acção cível tem de ser interposta "antes" da dedução da acusação no prazo dos oito meses, pois tal limite temporal não se vislumbra na alínea a) n.º1 do art.º 72º do CPP, ao contrário do que ocorre na alínea b) do n.º1 do art.º 72º do CPP, onde a lei o refere expressamente, a título de exemplo.

5ª - Aliás neste sentido, verificou-se um voto contra por um dos desembargadores da Relação, onde refere expressamente não se verificar uma interpretação restritiva, mencionado para o efeito a fundamentação da sua posição, diversos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

6ª - O ora recorrente AA, começa por pedir na PI inicial na primeira instância, um pedido cível quer quanto a danos estéticos, quer quanto a danos não patrimoniais, também conhecidos no caso concreto por "quantum doloris" quanto à segunda parte.

7ª - Ora se decorre das regras elementares do processo civil, que não basta ao autor formular um pedido, pois este tem de invocar, fundamentar e expor os factos e as razões de direito, que servem o pedido art.º 552 nº1 alínea d) do CPC, pois o ora recorrente, sem a devida contabilização temporal dos danos sofridos que ainda se encontrava em recuperação, jamais tais pedido podiam ter sido feitos no processo penal com a segurança probatória e factual que lhe subjazem.

8ª - Por outro lado, e salvo melhor opinião, o autor e ora recorrente estaria sempre em tempo quanto à dedução do seu pedido de indemnização cível, perante um tribunal cível, atendendo à extensão dos danos de que o autor foi alvo, nos termos do artigo 72.º n.º1 alínea d) do CPP, visto que à data da acusação, nomeadamente em 1 de Agosto de 2013, ainda nessa altura o autor se encontrava em recuperação física e incapacitado para o trabalho, sofrendo sempre de dores até à sua recuperação final, conforme se demonstrou com a junção dos documentos descritos no artigo 19.º da petição inicial, bem como na expressão usada pela lei no seu elemento literal "em toda a sua extensão" decorrente da alínea d) do nº1 do art.º 72 do CPP.

9ª - Assim sendo, após a data da dedução da acusação contra o ora recorrido BB, o ora recorrente AA ainda ficou incapacitado para o trabalho - mais 25 (vinte e cinco) dias, sendo manifestamente exagerado afirmar, com algum grau de segurança e precisão, que tal período de recuperação era rigoroso e insusceptível de dúvidas.

10ª - Importa reiterar que a trajectória da própria jurisprudência dos tribunais criminais, face a pedidos complexos de indemnização civil em sede de 1ª instância, quando se deparam perante crimes graves contra as pessoas, e desde que se verifiquem a ocorrência de danos graves, de especial complexidade, são os próprios tribunais criminais a reenviar os pedidos de indemnização, para os tribunais de jurisdição civil.

11ª - Essa razão decorre do próprio espírito da lei, existente no artºs 82.º n.º3 e no art.º72.º do CPP, e tal razão deve-se ao facto, em querer proteger as vitimas e os lesados no âmbito de crimes violentos, numa perspectiva de uso claro do elemento teleológico ou racional, na razão em dever-se fazer coincidir o sentido da lei, com os fins que ela visa obter e tendo como principio a protecção das vitimas de crimes violentos.

12ª - O ora recorrente, não pode deixar de relembrar que as vitimas "devem ainda gozar" de acesso efectivo à justiça, conforme decorre do artigo 8.º da Declaração universal dos Direito do Homem, devendo ser reduzidos ao mínimo os transtorno que lhes são causados e os atrasos no andamento dos processos, bem como na protecção das ofensas que são alvo.

 

Termina, pedindo que seja revogado o acórdão da Relação e prosseguirem os autos os seus termos na primeira instância, dando o STJ provimento ao presente recurso.


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


Mostram-se provados os seguintes factos:

a) No Juízo Central Criminal de …, Juiz …, correu termos o processo-crime com o NUIPC 1284/12.7PFLRS, no qual o aqui réu foi ali condenado na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 31-07-2012, de um crime de homicídio na forma tentada contra a vida do aqui autor.

b) A P.S.P. teve notícia do crime no dia 31-07-2012.

c) No dia 25-10-2012 e no mesmo processo em que figurava como lesado, o aqui autor AA foi constituído como arguido, tendo prestado TIR, indicando como residência a Rua …, n.º 110, 1.º, …, ….

d) O autor AA foi, no dia 25-10-2012, notificado pela Polícia Judiciária dos direitos consagrados nos artigos 75.º, 76.º e 77.º do CPP, bem como de que, enquanto lesado, poderia deduzir pedido de indemnização civil nos prazos ali previstos.

e) No dia 06-11-2012, o autor AA foi submetido a exame de avaliação de dano corporal no INML, tendo o Senhor Perito Médico solicitado mais elementos para elaboração do relatório, mas consignando que não voltaria a ser necessária a presença do examinando.

f) A acusação foi deduzida em 11-07-2013.

g) Na acusação refere-se que o autor AA sofreu diversas feridas “…o que careceu de 390 dias, todos com incapacidade para o trabalho”.

h) O envelope de notificação da acusação foi depositado no dia 06-08-2013 no receptáculo postal da Rua …, n.º 110, 1.º, …., ….

i) A presente acção deu entrada em juízo no dia 22-07-2015.

j) A decisão referida em a) transitou em julgado em 27.3.2014.


B) Fundamentação de direito


A questão jurídica que nos compete apreciar à luz das conclusões da minuta recursória prende-se com o princípio de adesão, quanto ao pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime, consagrado no âmbito do processo penal.


A questão nuclear colocada nas conclusões das alegações é a seguinte:

O Tribunal da Relação, ao confirmar a decisão proferida na primeira instância, que havia julgado verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria, por preterição do princípio da adesão obrigatória do pedido cível à acção penal, em consequência do qual absolveu o réu da instância, fez errónea interpretação e aplicação do direito, impondo-se a sua revogação, por violação do disposto nas alíneas a) e d) do artigo 72° n° 1, alª d), do Código de Processo Penal?


No âmbito do direito processual penal, encontra-se consagrado o princípio de adesão, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artº 71º do CPP).

O princípio de adesão, com tradição no direito português (artigos 29.º, do CPP/1929, 12.º e 13.º, do DL n.º 605/75, de 3 de Novembro), é justificado, desde logo, pelos fins penais e ainda pela economia processual e uniformização de julgados (Ribeiro de Faria, Indemnização por Perdas e Danos Arbitrada em Processo Penal, 1978, págs. 118 a 128).

Por regra, o sistema da adesão ou da interdependência, perfilhado pela maioria das legislações, é obrigatório (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1987, págs. 121 e 122).

No entanto, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nomeadamente nos casos especificados no artº 72º nº 1, do CPP[1].


A aludida adesão obrigatória tem, necessariamente, vantagens, importando economia processual, dado que num mesmo e único processo se resolvem todas as questões atinentes ao facto criminoso, sem necessidade de fazer correr mecanismos diferentes e em sede autónomas, outrossim, por razões de economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos, a par das razões de prestígio institucional, porquanto se evitam contradições de julgados, neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos, apud, Código de Processo Penal anotado, 1º volume, páginas 378 e seguintes, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2013 (Processo n.º 1718/02 da 3º Secção), in, www.dgsi.pt.

Aprecia-se, pois, num só Tribunal os mesmos factos, na sua essencialidade, importando uma análise global do acontecimento, quer na perspectiva penal, quer na perspectiva civil, afastando-se a possibilidade de contradição de julgados entre as duas Jurisdições, importando, pois, que o pedido de indemnização civil, tenha de ser deduzido no processo penal, tendo como factos jurídicos donde emerge a pretensão do lesado, os mesmos factos que são pressuposto da responsabilidade criminal do arguido, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2014 (Processo n.º 512/07.5TAVFR.P1.S1), in, www.dgsi/stj.pt, onde se consignou “pedido será “fundado” [na prática de um crime] se, além do mais, respeitar a exigência do art.º 71º do CPP, isto é, se tiver como causa de pedir os factos imputados ao arguido como sendo integradores de um ou mais crimes que fazem parte do objecto do processo penal em que é deduzido, e se esses factos se provam, pelo menos numa vertente que sustente a condenação em indemnização civil”[2].


Tal como alega o recorrente, mostram-se verificadas as situações de excepção ao princípio de adesão obrigatória previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 72º do CPP?

 

Este artigo, sob a epígrafe (Pedido em separado), na parte que interessa, preceitua o seguinte:

1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:

a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;

d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;


Vejamos cada uma das referidas alíneas.


A alínea a)

Esta alínea admite a reclamação de indemnização cível, decorrente do facto criminoso, fora do processo penal, quando “o processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo”.


O apelante defende que se verificou a excepção prevista na primeira parte da aludida alínea, na medida em que, tendo havido notícia do crime em 31.07.2012, a acusação foi deduzida em 11.7.2013.


Mostra-se provado que:

- A P.S.P. teve notícia do crime no dia 31-07-2012 – (b);

- A acusação foi deduzida em 11.07.2013 – (f);

- A presente acção deu entrada em juízo no dia 22.07.2015 – (i).


A mencionada excepção visa proteger o lesado da demora do andamento do processo penal, pondo em crise o interesse da vítima num rápido ressarcimento.

Ora, como é bom de ver, o lesado, ora autor e recorrente, não intentou a acção cível dentro do aludido período que decorreu entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação.

Isto é, perante a constatação, decorrido que fora o aludido prazo de oito meses sem prolação de acusação, de ter a faculdade de accionar o arguido nos tribunais civis, para reclamar o ressarcimento pelos danos sofridos, o autor não se prevaleceu dessa faculdade.


Por conseguinte, improcedem as conclusões sobre esta matéria, mantendo-se a decisão da Relação.


A alínea d)

O recorrente invoca ainda outra situação de excepção à adesão obrigatória do pedido de indemnização cível ao processo-crime e que respeita à alínea d), assim descrita:

“d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão”.


Defende o recorrente que estava em tempo quanto à dedução do seu pedido de indemnização cível, perante um tribunal cível, atendendo à extensão dos danos de que o autor foi alvo, nos termos do artigo 72º nº1 alínea d) do CPP, visto que à data da acusação, nomeadamente em 1 de Agosto de 2013, ainda nessa altura o autor se encontrava em recuperação física e incapacitado para o trabalho, relembrando que o autor ficou 390 (trezentos e noventa dias) em recuperação e temporariamente incapacitado para o trabalho visto que à data da acusação ainda nessa altura o autor se encontrava em recuperação física e incapacitado para o trabalho, relembrando que o autor ficou 390 dias em recuperação e temporariamente incapacitado para o trabalho – Cfr conclusão 8ª.


Cumpre decidir.

Rememorando a matéria de facto, mostra-se provado o seguinte:

- No dia 06-11-2012, o autor AA foi submetido a exame de avaliação de dano corporal no INML, tendo o Senhor Perito Médico solicitado mais elementos para elaboração do relatório, mas consignando que não voltaria a ser necessária a presença do examinando – (e);

- A acusação foi deduzida em 11-07-2013 – (f);

- Na acusação refere-se que o autor AA sofreu diversas feridas “…o que careceu de 390 dias, todos com incapacidade para o trabalho” – (g).


A acusação deduzida pelo Ministério Público no processo penal (fls 176), reproduziu a conclusão da perícia médico-legal, tendo descrito no seu nº 9 os danos causados pela conduta do arguido, ora réu, na pessoa do autor, aí se imputando, na pessoa do autor, uma incapacidade para o trabalho de 390 dias.

E no acórdão criminal deu-se, precisamente, como provado no nº 13, que em consequência das agressões que lhe foram infligidas o autor sofreu ferimentos que lhe causaram 390 dias de incapacidade para o trabalho (fls 41).

Esse período de incapacidade é exactamente aquele que o autor reclama na presente acção nos artigos 19º e 20º da petição inicial.

Assim sendo, tal como se mostra observado acertadamente no acórdão da Relação, não se vislumbra, em relação à conduta objecto destes autos, qualquer superveniência de danos que justifique a presente acção, nem que ocorresse, à data da acusação, incerteza relevante quanto à extensão dos danos emergentes do crime.


Um último argumento do recorrente radica no nº 3 do artigo 82º do CPP e que deixou expresso na conclusão 10ª, assim redigida:

“10ª - Importa reiterar que a trajectória da própria jurisprudência dos tribunais criminais, face a pedidos complexos de indemnização civil em sede de 1ª instância, quando se deparam perante crimes graves contra as pessoas, e desde que se verifiquem a ocorrência de danos graves, de especial complexidade, são os próprios tribunais criminais a reenviar os pedidos de indemnização, para os tribunais de jurisdição civil”.


O artigo 82º do CPP, sob a epígrafe (Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis), preceitua o seguinte:

3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.


Só nos casos expressamente previstos na lei, que representem um verdadeiro entrave ou um obstáculo sério que inviabilizem uma decisão rigorosa da matéria cível (designadamente, por haver escassez de elementos para a determinação da responsabilidade) ou quando correspondam a incidentes que retardem intoleravelmente o julgamento da matéria penal, é que as partes civis devem ser remetidas para o tribunal cível. Fora desses casos, o pedido cível deve ser julgado em conjunto com a matéria penal.


Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário. Antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de particular fundamentação.


Deste modo, improcedem as conclusões respectivas, mantendo-se a decisão do acórdão recorrido.


Finalmente, o recorrente, na conclusão 12ª, veio referir as vítimas "devem ainda gozar" de acesso efectivo à justiça, conforme decorre do artigo 8.º da Declaração Universal dos Direito do Homem, devendo ser reduzidos ao mínimo os transtornos que lhes são causados e os atrasos no andamento dos processos, bem como na protecção das ofensas que são alvo.


Cumpre decidir


Sufragamos o acórdão recorrido quando conclui que “contrariamente ao aventado pelo apelante, a decisão recorrida não afronta o direito do autor de acesso efectivo à justiça, consagrado tanto no artº 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como no artº 20º da Constituição da República Portuguesa. Pelo contrário, conforme decorre de tudo o acima exposto, ao autor foram devida e atempadamente concedidas amplas possibilidades de reclamar junto dos tribunais, quer cível quer penal, o seu direito a ressarcimento pela conduta invocada, dentro de um quadro jurídico que, além de ter justificação atendível, oferece uma flexibilidade que, como já decidido pelo Tribunal Constitucional (v.g., acórdão n.º 451/97, de 25.6.1997) o adequa às exigências constitucionais do acesso à justiça e da proibição da indefesa. Se o A. não as aproveitou, em devido tempo, sibi imputet”.


Sem necessidade de maiores considerações, improcede, também, nesta parte, a conclusão do recorrente.



III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Maio de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

________

[1] Cfr Ac. STJ de 30.04.2019, Proc.º nº 1286/18.0T8VCT-A.G1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.
[2] Ac STJ de de 22.11.2018, Proc.º nº 199/17.7T8TCS.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, que subscrevi como 1º adjunto