Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2399/14.2TBVFX.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: FIADOR
INTERPELAÇÃO
OBRIGAÇÃO
PRAZO CERTO
VENCIMENTO ANTECIPADO
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
SUB-ROGAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
REFORMATIO IN PEJUS
PEDIDO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITO EM JULGADO
Sumário :
I – Não está em causa uma condenação ultra petitumart.º 615.º n.º1 al.e) CPCiv, se o acórdão da Relação condenou em rendas não peticionadas, embora tenha respeitado os limites quantitativos do pedido; em tal caso, o acórdão apreciou e decidiu questões que excediam os seus poderes de conhecimento, como dispõe a norma do art.º 615.º n.º1 al.d) CPCiv, para além de ter infringido a proibição da reformatio in pejusartº 635.º n.º5 CPCiv.

II – Ocorrida a nulidade no acórdão da Relação, cabe interpor recurso de revista, verificados os requisitos gerais de admissibilidade do recurso.

III – Vista a natureza acessória da fiança, estabelecida pelo art.º 627.º n.º1 CCiv, se a obrigação do devedor principal era uma obrigação a termo certo, o fiador sabia desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, tornando-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor, para desencadear a aplicação do art.º 634.º CCiv.

IV - A necessária notificação prévia ao fiador quanto ao montante das quantias em dívida, prevista hoje no disposto no n.º 5 do art.º 1041.º CCiv (introduzido na redacção do art.º 2.º da Lei n.º 13/2019, em vigor a partir de 13/2/2019) não assume natureza de norma interpretativa, nos termos do art.º 13.º n.º1 CCiv.

V – A prescrição, não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, apenas aproveita a quem a invoca.

VI – Os casos de aplicação da norma do art.º 653.º CCiv ocorrem quando, com nexo causal com a actuação do credor, o fiador não ficar suficientemente sub-rogado nos direitos daquele, já não ocorrendo quando, da insolvência do devedor, vier a ocorrer uma impossibilidade de efectivação do crédito sub-rogado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


                  

Referências

AA propôs a presente acção, com processo comum de declaração, contra BB e mulher CC.

Alegou ter arrendado em 11/10/2005 a DD uma fracção predial autónoma, para fins comerciais.

Os RR. subscreveram o contrato como fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia.

Tal contrato foi resolvido por sentença judicial, datada de 3/9/2012, em acção proposta pelo ora Autor contra o arrendatário, sentença em que o Réu foi condenado a pagar “a quantia de € 900,00, desde Abril de 2006 (correspondente à renda de Maio), até efectiva entrega do locado, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde o dia do vencimento das sucessivas prestações mensais, ao dia 1 de cada mês, até efectivo e integral pagamento”.

O locado foi entregue ao A. em 27/3/2011, pelo que as rendas mensais de € 900,00 eram devidas entre Abril de 2006 e Abril de 2011.

Os juros de mora calculados até 31/3/2014 ascendem a € 11 927,29.

Concluiu requerendo a condenação dos RR. a, solidariamente, pagar ao A. a quantia de € 65.027,20, acrescida dos juros de mora à taxa legal supletiva a partir de 1 de Abril de 2014, até efectivo e integral pagamento e juros compulsórios, à taxa de 5% ao ano nos termos do preceituado no artº129º/1 e 2 do C.C.

Contestou o Réu BB, concluindo a alegação por:

I – Ser a excepção de prescrição invocada considerada procedente por provada, e, em consequência, ser o R. absolvido do pedido;

II – Ser a acção ser julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido;

III – Ser considerado procedente o abuso de direito por parte do A., com a consequente absolvição do R. dos pedidos contra si formulados; e não prescindindo,

IV – Ser concedido ao ora R. o benefício da divisão, ao abrigo do disposto no artigo 649º do C.C.

                  

As Decisões Judiciais

A sentença proferida na Comarca foi do seguinte teor:

I – Nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante ao pedido deduzido contra a 2.ª Ré, CC;

II – Considerando a exceção perentória da prescrição invocada pelo 1.º R, já julgada procedente relativamente ao pedido de pagamento das rendas anteriores a julho de 2009, inclusive, julgada agora parcialmente procedente a ação e, em consequência:

a) Condenado o 1.º Réu, BB, enquanto fiador e devedor solidário, a pagar ao autor, AA, a quantia de € 24.300,00 (vinte e quatro mil e trezentos euros), correspondente ao valor das rendas de agosto/2009 a outubro/2011, à razão de novecentos euros/mês;

b) A quantia de € 24.300,00, referida na alínea a), vence juros moratórios a contar do dia 01-04-2014, à taxa legal supletiva aplicável aos juros civis, em cujo pagamento também se condena o 1.º Réu;

c) Além dos juros de mora referidos na alínea b), à quantia referida na alínea a) acrescerão juros compulsórios à taxa de 5% ao ano, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença;

d) Absolvido o 1.º Réu do demais peticionado pelo autor.

O Réu recorreu de apelação, tendo a Relação decidido, por via do acórdão proferido em Conferência:

1 – Condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia correspondente às rendas de Agosto de 2009 a Março de 2012, bem como os juros legais decorrentes da mora no pagamento das rendas devidas até à entrega do locado (27/3/2012) e, sem prejuízo do estabelecido no artº 661º do CPCiv, ou seja, até ao montante peticionado pelo Autor.

2 – E, nos termos do artº 785º do CC, a quantia de € 21 913,82 (recebida pelo A. no processo de insolvência relativo à 1ª Ré) é descontada, em primeiro lugar, aos juros e depois ao capital formado pelo valor das rendas em dívidas.

Em acórdão posterior, proferido pela Conferência, foi decidido esclarecer o dispositivo condenatório referido em 1, na Relação, nos seguintes termos:

“São devidas as rendas vencidas e não satisfeitasde Agosto de 2009 a Março de 2012 (entrega do locado), sem prejuízo do recorrente/Réu beneficiar, na qualidade de fiador, da declarada prescrição das rendas e dos pagamentos já efectuados no processo de insolvência relativo à arrendatária declarada insolvente, sendo que, pelas razões jurídicas expressas no mesmo acórdão, as quantias recebidas pelo Autor na referenciada insolvência, deverão ser primeiramente imputadas aos juros em causa – art.º 785.º do CC”.

No despacho saneador, não objecto de apelação, havia sido antes decidido em 1ª instância julgar procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelo réu BB e, em consequência, foi o mesmo Réu absolvido do pedido de pagamento das rendas anteriores a Julho de 2009, inclusive.


Ainda inconformado, volta a recorrer o Réu, agora de revista, formulando as seguintes conclusões:

I - O presente recurso de revista ordinária é admissível, quer pelo valor da acção quer pela sucumbência - correspondente no caso à condenação do Recorrente no montante de 28.800,00€, quer igualmente pela inexistência de dupla conforme.

II - O Autor intentou a presente acção pedindo a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas até 27 de Março de 2011, acrescida de juros moratórios contados a partir de 01 de Abril de 2014.

III - A rectificação da data da entrega do locado na petição inicial não autoriza a condenação do Réu no pagamento de rendas até àquele novo momento temporal, se o valor do pedido inicialmente formulado incluía apenas as rendas até Março de 2011, e não as devidas até Março de 2012, e o Autor não procedeu a qualquer ampliação do pedido. Porém,

IV - A primeira instância condenou o Recorrente no pagamento das rendas vencidas de Agosto de 2009 a Outubro de 2011, ou seja, 27 rendas, no valor global de 24.300,00€.

V - O Réu apelou e, sem que tivesse sido interposto recurso subordinado, o acórdão recorrido condenou-o a pagar ao Autor “a quantia correspondente às rendas de Agosto de 2009 a Março de 2012”, ou seja, 32 rendas, no montante global de 28.800,00€.

VI - E, apesar de o Autor apenas ter pedido a condenação do Réu no pagamento de juros moratórios a partir do dia 01-04-2014, não tendo sido pedida a condenação do Réu no pagamento de juros “a contar de cada uma das rendas e até à entrega do locado”, o ora Recorrente veio a ser condenado nestes termos no aresto recorrido.

VII - A final, o Acórdão recorrido, não atentando na redução do pedido entretanto efectuada, veio introduzir no ponto 1. o segmento final: “até ao montante peticionado pelo Autor”.

VIII - Assim, o Tribunal da Relação não só conheceu para além do pedido como agravou a condenação sofrida pelo Réu em primeira instância, quer quanto às rendas devidas quer quanto aos juros moratórios, e introdução no ponto 1. do segmento “até ao montante peticionado pelo Autor”.

IX - Consequentemente, conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento – as rendas e os juros para além daqueles em que a primeira instância condenara o Réu e admitindo a quantia a liquidar até ao montante peticionado, sem considerar a redução do pedido, o acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia e violou os princípios do pedido e da “Reformatio in pejus”, a que se referem respectivamente os artigos 615.º, n.º 1, al. d), e e) e o nº 5 do artº 635 do CPC, nulidade que se invoca e cuja declaração se pede.

X - O acórdão recorrido incorreu ainda em nulidade por omissão de pronúncia, ao não declarar a arguida nulidade da sentença por condenação para além do pedido ou em objecto diverso do pedido, precisamente por ter condenado o Réu no pagamento de meses de renda que não foram peticionadas pelo Autor. Assim,

XI - Ambas as instâncias incorreram em erro de julgamento por violação dos princípios dispositivo e do pedido ao condenar o Réu, respectivamente, no pagamento das rendas vencidas até Outubro de 2011 e até Março de 2012, rendas estas não pedidas conforme se extrai das conclusões II e III, porque o Autor apenas formulou pedido de pagamento de rendas até Março de 2011, e, ao contrário do entendimento das instâncias, não está em causa o pedido quantitativo (qual o valor) mas qualitativo (que rendas foram pedidas).

XII - Ademais, não tendo sido pedida a condenação do Réu no pagamento de juros “a contar de cada uma das rendas e até à entrega do locado”, não podia o Réu ser condenado no pagamento de juros para além da data que foi objecto do pedido do Autor (01-04-2014) e expressamente considerada na sentença proferida em primeira instância. E tendo sido reduzido o pedido no decurso da acção, não podia o Réu ser condenado “até ao montante peticionado pelo Autor”.

XIII - Assim, em face do pedido formulado pelo Autor, o Réu nunca poderia ser condenado a pagar rendas vencidas posteriormente ao período temporal peticionado pelo Autor, donde, a sua condenação só poderia ser efectuada, no máximo até à renda vencida em 27/03/2011, no montante de 18.000,00€, acrescida dos juros de mora a contar do dia 01-04-2014, isto porque, após o pedido de rectificação da data da entrega do locado na petição inicial, o Autor não deduziu qualquer ampliação do pedido, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos previstos no artigo 265.º, n.º 2, do CPC.

XIV - A não ser assim entendido, e a considerar-se que a condenação do Réu quanto a rendas se conteve dentro do pedido, tendo presente o valor máximo do pedido de rendas considerado na petição inicial, de 59 rendas, tal entendimento violaria o alcance do caso julgado formado pela decisão proferida no despacho saneador, que julgando procedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu, declarou extinto o eventual direito do Autor quanto ao pagamento de 39 rendas, donde, também por esta razão, a condenação do Réu nunca poderia exceder o valor correspondente a 20 meses de renda, no montante de 18.000,00€.

XV - Sem que tal tenha sido peticionado ou exista fundamento para a modificação oficiosa a que se refere o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, porque a sentença proferida noprocesso n.º 2996/08...., sendo documento autêntico, não impõe a modificação da única matéria de facto dada como não provada na primeira instância, referente à resolução do contrato de arrendamento, pura e simplesmente porque nesta se declarou «… a instância extinta por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado e entrega do locado», não tendo sido decretada a resolução do contrato de arrendamento, donde, a modificação daquele ponto de facto ocorreu com ofensa expressa de lei, violando assim tal alteração oficiosa da matéria de facto, o disposto no n.º 3 do artigo 674.º do CPC, podendo ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, de harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 682.º do CPC.

XVI - Em consequência, se o documento autêntico não suporta a modificação oficiosa da matéria, a mesmo foi efectuada em violação do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, devendo manter-se como não provado que: “O contrato referido em i.), foi resolvido por sentença judicial proferida no Proc. nº 2996/08.... e transitada em julgado:”, e concluir-se da tramitação processual relevante daqueles autos que o contrato de arrendamento cessou, por resolução, em 14/10/2010 (data da resposta do arrendatário ao requerimento do A., nos termos do artº 14, nº 3 da Lei 6/2006, de 29 de Fevereiro, para pagamento das rendas vincendas na pendência desse processo com a consequente “cominação legal”, de que “não pagava nem tinha interesse no locado”) ou, no máximo, em 12/11/2010 (data da emissão de certidão pelo Tribunal para efeitos de despejo imediato, conforme pedido do senhorio), não podendo o Réu ser condenado no pagamento de rendas para além deste período, o que é questão de direito, passível de conhecimento pelo STJ.

XVII - Ao condenar o recorrente no pagamento das rendas até Março de 2012, o Tribunal da Relação violou o princípio da acessoriedade da fiança consagrado no artigo 651.º do CC, e ainda o preceituado nos artigos 1079º, 1080 º e 1083º, do Código Civil e 14º do NRAU, quanto ao momento da cessação do contrato.

XVIII - Sendo o presente processo uma acção declarativa de condenação em que passou a ser R. apenas o fiador, nessa mesma qualidade, a redução do pedido não pode ser entendida de outra forma que não seja o A. ter aceite que o valor da presente acção, relativamente ao indicado Réu, depois do recebimento no processo de insolvência, não seria de 65.027,20€ mas sim de 43.113,38€, quanto ao fiador.

XIX - Neste pressuposto, discordou-se da imputação efectuada pela 1ª instância, considerando-se que nunca a imputação daquele valor podia ser efectuada quanto ao Réu/Recorrente para satisfazer o pedido do pagamento por este de juros por si não devidos, e concluiu-se que a redução do pedido na quantia de 21.913,82€, só pode ser imputada ao pedido do pagamento das rendas pelo Réu fiador, depois de deduzidas aquelas cuja prescrição, invocada pelo recorrente, já havia sido reconhecida no despacho saneador, aquando da formulação do requerimento para redução do pedido formulado nos presentes autos, ou seja, às rendas devidas entre Agosto de 2009 e Outubro/Novembro de 2010.

XX - Por isso, considerou o Réu que, com a formulada redução do pedido, o recorrente nada devia ao recorrido, porque, mesmo o máximo da quantia de rendas por si então devidas no indicado valor de 18.000,00€, já era menor do que a quantia que havia sido satisfeita ao lesado pelo inquilino.

XXI - Porém, caso V.ªs Ex.ªs Colendos Conselheiros, venham a considerar que a imputação correcta do valor da redução do pedido é aquela que foi efectuada no aresto recorrido, então sempre se dirá que, conforme certidão comprovativa de pagamentos supervenientes, que se obteve do processo de insolvência do arrendatário DD, e cuja junção aos autos se requer, nos termos do disposto nos artigos 425.º e 680.º, n.º 1, do CPC, o total pago no processo de insolvência, que o Autor, uma vez mais, não deu a conhecer nestes autos, ascende actualmente à quantia de 52.825,98€, por via dos seguintes pagamentos efectuados: 1) em 18/01/2017, a quantia de € 9.572,15; 2) em 06/12/2017, a quantia de € 12.341,62; 3) em 04/07/2018, a quantia de € 10.801,26; 4) em 03/01/2019, a quantia de € 9.787,58; 5) e, em 26/11/2019, a quantia de € 10.323,37.

XXII - Considerando que apenas os dois primeiros pagamentos foram transmitidos a estes autos, a diferença entre aqueles, no valor de € 21.913,82, e o total pago, de € 52.825,98, é de mais € 30.912,16, muito superior, portanto, ao próprio valor da condenação do Réu, no aresto recorrido.

XXIII - Mas, se por mera hipótese de raciocício V.ªs Ex.ªas assim não entenderem e considerarem correcta a imputação efectuada, então a quantia a considerar no n.º 2 do dispositivo, deverá ser a quantia de € 52.825,98, e não a de € 21.913,82, ali considerada, sob pena de intolerável enriquecimento sem causa do Autor.

XXIV - Nestes termos, em face da(s) data(s) a considerar como sendo a(s) da resolução do contrato pelos fundamentos acima aduzidos, o Réu apenas poderia ter sido condenado no pagamento das rendas devidas entre os meses de Março de 2010 (parte não satisfeita no processo de insolvência, no valor de 409,47€) e a resolução do contrato ocorrida em 14/10/2010, no valor de 6.709,47€, ou, no máximo, até 12/11/2010, no valor de 7.609,47€, sendo tal quantia acrescida dos juros de mora, a contar desde a data da citação do Réu, em 04/12/2014, e até pagamento.

XXV - De facto, nos termos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, o fiador apenas se pode considerar em mora depois da interpelação que lhe seja feita pelo senhorio para cumprir, uma vez que a sua posição é diversa da do inquilino, não conhecendo nem tendo a obrigação de conhecer se aquele se encontra ou não a cumprir pontualmente o contrato. Ora, como resulta devidamente reconhecido na matéria de facto vertida na sentença e transcrita no aresto recorrido, o ora recorrente só teve conhecimento da existência da dívida, com a sua citação nos presentes autos, o que ocorreu em 03.12.2014.

XXVI -Também por isso, o ora recorrente nunca poderia ser responsável pelos juros invocados na petição inicial, no montante de 11.927,29€, valores calculados até 31 de Março de 2014.

XXVII - O entendimento propugnado pelo Recorrente, não oferece actualmente qualquer dúvida, em face da alteração introduzida aos números 5 e 6 do artigo 1041º do Código Civil, pela Lei Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro - que a este respeito não pode deixar de ser considerada como lei interpretativa, de harmonia com o disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.

XXVIII - Porém, na procedência da excepção do abuso de direito, oportunamente invocada, o Réu deverá ser absolvido do pedido, porquanto a presente acção deu entrada em Juízo em 31/05/2014, sem que até então o recorrente tivesse sido interpelado para qualquer pagamento nem lhe fosse permitida qualquer defesa processual, excepto com a sua citação na presente acção.

XXIX – Ou, caso assim V. Exªs não entendam, e visando o mesmo fim, sempre deveriam os autos voltar ao tribunal recorrido, para aditamento à matéria de facto considerada provada dos factos demonstrados por acordo, nos termos constantes dos pontos xxi a xxv da alínea F) destas alegações, ao abrigo do disposto nos artigos 682º, nº 3 e 683º, nº 2 do CPC.

XXX - É atentatório do princípio da boa-fé que rege o cumprimento contratual, o comportamento do Autor que, tendo instaurado a primeira acção declarativa contra o arrendatário e o fiador, veio desistir da instância, fazendo o mesmo na acção executiva que se seguiu, agravando intoleravelmente a posição do fiador perante a acumulação da dívida por parte do arrendatário, durante 8 anos consecutivos, levando com o seu descrito comportamento a que o fiador só tivesse tido conhecimento do incumprimento do contrato pelo arrendatário com a sua citação no presente processo, quando no início da vigência do contrato o havia avisado da existência primeiro de uma e, depois, de duas rendas em dívida, que mercê da intercedência do fiador foram satisfeitas pelo arrendatário.

XXXI - Tal comportamento por parte do Autor constitui manifesto abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil, quando está demonstrado que o fez em claro benefício próprio e total prejuízo do ora recorrente, para tanto bastando atentar em que deste modo permitiu que uma dívida inicial de três meses de renda, ou seja, de 2.700,00€, que ao momento o legislador do NRAU considerava já fundadora da resolução extrajudicial do contrato (artigo 1083.º, n.º 3, do CC), chegasse ao valor peticionado pelo Autor na presente acção, de 65.027,20€, quantia que, por seu turno, ascende a mais do dobro da quantia que à data da entrada em juízo da primeira acção o Autor pedia solidariamente ao ora Réu (29.748,00€).

XXXII - E, por outro lado, permitiu com o seu comportamento que mercê do tempo decorrido e do avolumar da dívida que potenciou, tivesse sido entretanto declarada a insolvência dos devedores solidários, e tivesse mesmo ocorrido o falecimento do arrendatário, verificando-se consequentemente fundamento para a extinção da fiança, decorrente do comportamento do credor, consagrada no artigo 653.º do Código Civil, de acordo com cuja estatuição, “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem”, como acontece com o ora Recorrente.


Factos Apurados

i.No dia 11 de outubro de 2005, o autor e DD celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Arrendamento Comercial e Fiança” relativo a uma fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito na Rua do ..., com o n.º ... de polícia, em ..., destinada a comércio, conforme fls.82 a 84 destes autos e que aqui se dá por reproduzido;

ii. O gozo do locado foi cedido pelo autor pelo prazo de um ano a contar de 01-11-2005 e renovável por iguais e sucessivos períodos;

iii. Em contrapartida da cedência do gozo do locado, o DD obrigou-se a pagar a quantia mensal de € 900,00;

iv. E, na Cláusula 6.ª, estipularam o seguinte: «O arrendatário obriga-se, quando não lhe convenha a continuação do arrendamento a denunciá-lo com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao termo inicial ou de qualquer das suas renovações, exceto se o presente contrato for celebrado por tempo indeterminado.»

v. Os réus subscreveram o aludido contrato como fiadores e principais pagadores com renúncia ao benefício da excussão prévia, sendo que a Cláusula 8.ª tem a seguinte redação: «Os Terceiros Contratantes, constituem-se FIADORES e PRINCIPAIS PAGADORES, com renúncia ao benefício de excussão prévia e assumem solidariamente com o inquilino a obrigação do pontual cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e suas renovações.»;

vi. Tendo, ainda, ficado a constar a cláusula 9.ª com a seguinte redação: «A fiança subsistirá ainda que haja alteração da renda, por uma ou mais vezes, e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.»

vii. O contrato referido em i.), foi objeto do Proc. n.º 2996/08...., que correu termos no ... Juízo, no qual o autor AA pedia, além do mais, a sua resolução por falta de pagamento de rendas e a entrega do locado;

viii. O Proc. n.º 2996/08.... foi inicialmente instaurado pelo aqui autor também contra os ora réus, mas, no decurso de mesmo, desistiu da instância, tendo essa desistência sido homologada por sentença de 15-06-2010.

ix. O réu BB não chegou a ser citado nessa ação e a ré CC foi citada no dia 26-05-2010;

x. No referido processo, o arrendatário e ali réu apresentou requerimento em 14-10-2010, no qual reafirma que não possui qualquer interesse no referido imóvel e informa que não irá proceder a qualquer pagamento ou depósito do valor das rendas em dívida;

xi. No Proc. n.º 2996/08...., veio a ser proferida sentença que, além do mais, declarou «…a instância extinta por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado e entrega do locado.»

xii. Nessa sentença, o arrendatário DD, a quem os réus deram fiança, foi condenado a pagar ao autor «…a quantia de € 900,00 desde abril de 2006 (correspondente à renda de maio) até efetiva entrega do locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde o dia do vencimento das sucessivas prestações mensais ao dia 1 de cada mês, até efetivo e integral pagamento.»

xiii. O locado foi entregue ao autor no dia 27 de março de 2012 no âmbito da ação executiva para entrega de coisa certa com o n.º 146741/11....;

xiv. Nessa ação executiva, o autor, aí exequente, desistiu da instância relativamente ao réu, ali executado, BB, em 15-09-2011, numa altura em que este ainda não estava citado;

xv. No Proc. n.º 2996/08...., que correu termos no ... Juízo, ... Secção, desde 12-04-2010 que constava que o réu BB residia na ..., lote 82, ...;

xvi. Na ação executiva n.º 146741/11.... que deu entrada em 12-05-2011, foi indicado pelo autor como morada do “executado” – ..., ..., ...., JJ;

xvii. A ré CC foi declarada insolvente por sentença proferida em 09-02-2015, no âmbito do Proc. n.º 457/15...., que correu termos nos ..., J3, da Comarca de ...;

xviii. Em 27-06-2016 foi proferido despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, nomeação de fiduciário e encerramento do processo.

xix. Antes da citação para a presente ação, os réus/fiadores não tinham sido interpelados para pagar as rendas.

xx. Por requerimento de 14-10-2010, apresentado no Proc. n.º 2996/08.... pelo ali réu e inquilino, o mesmo declarou que não tinha qualquer interesse no locado e que não pagaria quaisquer rendas.


Na Relação, e na parcial procedência da impugnação do julgamento em matéria de facto, impugnação levada a cabo no recurso de apelação interposto pelo Réu, foi considerado provado que:

O contrato referido em i) foi resolvido por sentença judicial proferida no pº nº 2996/08...., transitada em julgado.


Da sentença tinha antes resultado não provado que “o contrato referido em i.), foi resolvido por sentença judicial proferida no Proc. n.º 2996/08.... e transitada em julgado”.


Conhecendo:



I


Portanto, a revista começa por se fundamentar em duas causas de nulidade da sentença, igualmente aplicáveis ao acórdão – art.º 666.º n.º1 CPCiv.

Em primeiro lugar, a omissão de pronúncia da Relação quanto à invocada, em apelação, nulidade da sentença por condenação em quantidade superior ao pedido.

Em segundo lugar, o facto de também o acórdão ter incorrido na mesma nulidade, prevista na norma do artº 615.º n.º1 al.e) CPCiv.

O acórdão da Relação, proferido em Conferência, e em termos sumários, invoca não existirem as apontadas nulidades da sentença mas, unicamente, uma diferente qualificação dos factos provados e não provados.

Essa diferente qualificação traduziu-se, no acórdão, por considerar rendas em dívida até Março de 2012, data da entrega do locado ao ora Autor em acção executiva, e, na sentença, por considerar antes a data de Outubro de 2011, termo final do prazo do contrato, considerando o que foi entendido como denúncia do contrato, por parte do arrendatário.

Mas aquilo que estava em causa na nulidade invocada em apelação era a alegação expressa no petitório, de que as rendas peticionadas o eram apenas até Abril de 2011, sendo o demais montante pedido relativo a juros de mora.

Portanto, não esteve em causa verdadeiramente uma condenação ultra petitumart.º 615.º n.º1 al.e) CPCiv, mas antes a condenação em rendas não peticionadas, tendo, por conseguinte, o tribunal apreciado e decidido questões (as rendas até Março de 2012) que excediam os seus poderes de conhecimento, como dispõe a norma do art.º 615.º n.º1 al.d) CPCiv.

Isso, para além de ter infringido a proibição da reformatio in pejus, ou seja, tornando mais gravosa para o Réu/Recorrente a decisão condenatória não recorrida pelo Autor – artº 635.º n.º5 CPCiv.

De todo o modo, o tribunal de 1ª instância praticou nulidade, aliás agravada ainda em 2ª instância, considerando-se agora não a data de Outubro de 2011, mas a data de Março de 2012, mesmo que se considerando expressamente o limite quantitativo do pedido, mas desconsiderando-se a limitação de conhecimento do Tribunal.

O pedido deveria ter sido exclusivamente considerado até ao mês de Março de 2011 – 20 meses, no total de € 18 000,00.

No que incida sobre este aspecto, a alteração de factos provados na Relação (saber se, da sentença proferida no primeiro processo instaurado contra o arrendatário, resultou, ou não, a resolução do contrato) revelou-se completamente anódina para a solução encontrada para o dissídio, que considerou a dívida de rendas até à data da entrega efectiva do locado, não dependendo assim de qualquer considerando sobre a natureza ou sobre a causa da extinção do contrato.

Quanto aos juros sobre a quantia por último referenciada, contados que foram da data peticionada, mas anterior à citação do Réu fiador e ora Recorrente, há que salientar a natureza acessória da fiança, estabelecida pelo art.º 627.º n.º1 CCiv.

A acessoriedade faz parte da natureza da fiança e não pode ser afastada, ao contrário da subsidiariedade – como assim, a fiança está subordinada à obrigação afiançada, embora não a possa exceder ou ser contraída em condições mais onerosas – art.º 631.º CCiv.

Vista esta acessoriedade, nestes casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e sabendo o fiador desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor, para desencadear a aplicação plena da norma do art.º 634.º CCiv.

Como assim, nada existe que alterar quanto ao momento fixado para o vencimento dos juros, por reporte ao pedido formulado na acção, independentemente da data da citação.

A necessária notificação prévia ao fiador quanto ao montante das quantias em dívida, prevista hoje no disposto no n.º 5 do art.º 1041.º CCiv (introduzido na redacção do art.º 2.º da Lei n.º 13/2019, em vigor a partir de 13/2/2019) não assume natureza de norma interpretativa, nos termos do art.º 13.º n.º1 CCiv, posto que o anterior regime geral da fiança, aplicado ao arrendamento, não suscitava anteriormente qualquer controvérsia, fosse doutrinal, fosse jurisprudencial, pelo que a ponderação da norma é de afastar ao caso dos autos, ocorrido na vigência da norma proveniente da reforma de 1977 do Código Civil.

Desta forma, haverá que reduzir as rendas resultantes da condenação do dispositivo de 1ª instância, considerando-se apenas as rendas até Março de 2011 e quanto ao momento de vencimento de juros moratórios (a partir de 1/4/2014), sendo certo que a decisão em causa respeitou a decisão adrede sobre prescrição de rendas, pelo que não é caso de invocar o disposto no artº 629.º n.º2 al.b) CPCiv, quanto à violação de caso julgado.



II


Quanto à imputação do cumprimento do valor pago ao credor, no âmbito do processo de insolvência do arrendatário - € 21 913,82, sufraga-se a afirmação do acórdão (e da sentença) no sentido de que “a prescrição é um meio de defesa pessoal, que não se transmite aos outros devedores solidários”.

Não se tratando de uma matéria de conhecimento oficioso, ela apenas aproveita a quem a invoca, pelo que, tendo o arrendatário sido demandado em anterior acção, onde nada se decidiu em matéria de prescrição, naturalmente que os pagamentos efectuados pelo arrendatário (ou pela sua massa insolvente) se têm que reportar à respectiva responsabilidade, dele arrendatário, independentemente de a prescrição das rendas anteriores a Agosto de 2009 ter sido julgada procedente no despacho saneador, relativamente ao Réu, ora Recorrente.

A imputação de cumprimento foi feita, nas instâncias, com aplicação do critério supletivo dos art.ºs 784º e 785.º CCiv, o que se sufraga.

Quanto aos pagamentos superiores à redução do pedido, invocadamente efectuados pela massa insolvente do arrendatário ao ora Autor, não pode esquecer-se que a decisão proferida pelo tribunal recorrido, em matéria de facto, não pode ser alterada (art.º 682.º n.º2 CPCiv), a não ser no caso excepcional do art.º 674.º n.º3, ou seja, salvo havendo ofensa expressa da lei que exija determinada espécie de prova, o que conduz à afirmação da doutrina (cf. J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, VI.º, 1981, pg. 71) de que a norma só terá aplicação no caso particular de a Relação ter dado como provado um facto para que a lei exigisse determinada prova documental, não junta aos autos (prova entretanto junta com a revista).

Diga-se porém, em puro obiter dictum, que o último mapa de pagamentos da insolvência, junto com as alegações de revista, anunciava ainda um crédito do ora Autor, na insolvência, de € 27 692,76.



III


Finalmente, quanto ao invocado abuso de direito, não se alcança, com o devido respeito, qual o agravamento da situação do Réu fiador nos presentes autos, face ao pedido que contra o mesmo fiador foi deduzido na acção de 2008, proposta contra o arrendatário.

As rendas aqui exigidas do fiador são as mesmas que, para o arrendatário, resultaram da anterior acção – as rendas em dívida até à entrega do locado.

Enquanto o arrendatário foi condenado, na anterior acção, ao pagamento de rendas desde Abril de 2006, o fiador invocou agora a prescrição, o que se traduziu numa condenação em 1ª instância no montante das rendas apenas desde Agosto de 2009 – sendo que, na condenação do processo anterior, e no pedido formulado noa autos, sempre com o limite da data da entrega do locado, efectivamente ocorrida no final do mês de Março de 2011.

Os juros em dívida ascenderão agora a um montante eventualmente superior, mas sobre o mais levando em conta o tempo em que a presente acção esteve pendente em juízo.

Sendo desnecessária, ao tempo, a interpelação do fiador, é também possível conjecturar, como em 1ª instância, “que o motivo da desistência da instância do pº nº 2996/08....”, quanto à pessoa dos fiadores, se tenha ficado a dever “ao facto de o arrendatário já estar citado e os fiadores ainda não, o que, naturalmente, iria atrasar o andamento daquele processo; esse motivo é perfeitamente legítimo, como é também legítima  a instauração da presente acção, pois é perfeitamente verosímil que à data já houvesse risco de insolvência do arrendatário, como veio efectivamente a acontecer – confira-se a 2ª parte do n.º1 do artº 519.º do Código Civil”.

Não existe assim qualquer espécie de actuação contraditória ou inutilmente causadora de prejuízos ao Réu fiador, por parte do Autor senhorio.

Nem se encontrará em causa, sequer, a invocação da norma do art.º 653.º CCiv – na verdade, mesmo que, da insolvência, venha a ocorrer uma impossibilidade de efectivação do crédito por insuficiência ou diminuição do património do devedor/insolvente, nem por isso deixa de ocorrer a sub-rogação, e o credor não tem o dever, para com o fiador, de zelar pela solvabilidade do devedor, tendo em vista a recuperação do credor pelo fiador, no momento em que ficar sub-rogado, nem ainda tem dever de informação para com o fiador sobre os elementos que possua acerca da situação patrimonial do devedor – assim, M. Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, pgs. 930 e 931.

Casos de aplicação da norma citada poderão ser antes: o credor que não reclamou o seu crédito na falência do devedor, não deduziu uma preferência em concurso de credores, renunciou a um privilégio, não registou uma hipoteca, remitiu a obrigação de outro fiador (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3.ª ed., pg. 640) – ou seja, casos em que, com nexo causal com a actuação do credor, o fiador não ficar suficientemente sub-rogado nos direitos daquele.

Improcede assim a revista naquilo que excede a anulação do decidido, por excesso de pronúncia, em 1ª e 2ª instâncias.


Em resumo:

I – Não está em causa uma condenação ultra petitumart.º 615.º n.º1 al.e) CPCiv, se o acórdão da Relação condenou em rendas não peticionadas, embora tenha respeitado os limites quantitativos do pedido; em tal caso, o acórdão apreciou e decidiu questões que excediam os seus poderes de conhecimento, como dispõe a norma do art.º 615.º n.º1 al.d) CPCiv, para além de ter infringido a proibição da reformatio in pejusartº 635.º n.º5 CPCiv.

II – Ocorrida a nulidade no acórdão da Relação, cabe interpor recurso de revista, verificados os requisitos gerais de admissibilidade do recurso.

III – Vista a natureza acessória da fiança, estabelecida pelo art.º 627.º n.º1 CCiv, se a obrigação do devedor principal era uma obrigação a termo certo, o fiador sabia desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, tornando-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor, para desencadear a aplicação do art.º 634.º CCiv.

IV - A necessária notificação prévia ao fiador quanto ao montante das quantias em dívida, prevista hoje no disposto no n.º 5 do art.º 1041.º CCiv (introduzido na redacção do art.º 2.º da Lei n.º 13/2019, em vigor a partir de 13/2/2019) não assume natureza de norma interpretativa, nos termos do art.º 13.º n.º1 CCiv.

V – A prescrição, não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, apenas aproveita a quem a invoca.

VI – Os casos de aplicação da norma do art.º 653.º CCiv ocorrem quando, com nexo causal com a actuação do credor, o fiador não ficar suficientemente sub-rogado nos direitos daquele, já não ocorrendo quando, da insolvência do devedor, vier a ocorrer uma impossibilidade de efectivação do crédito sub-rogado.


Decisão:

Concede-se parcialmente a revista, declarando-se a nulidade parcial do dispositivo do acórdão recorrido, condenando-se agora o 1.º Réu a pagar ao Autor a quantia de € 18 000 (dezoito mil euros), correspondente ao valor das rendas de Agosto de 2009 a Março de 2011, à razão de novecentos euros / mês, quantia que vencerá juros moratórios a contar de 01/04/2014.

No mais, mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso por Recorrente e Recorrido, na proporção de vencido.


Lisboa e S.T.J., 30/11/2021

                                              

Vieira e Cunha (relator)                                               

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes