Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1014/14.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
SOCIEDADE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
CESSÃO DE CRÉDITO
UNIÃO DE CONTRATOS
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
GESTÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS
PENHOR
CRÉDITO PIGNORATÍCIO
ERRO SOBRE O OBJETO DO NEGÓCIO
DOLO
ABUSO DO DIREITO
TU QUOQUE
CONSTITUCIONALIDADE
PROCESSO EQUITATIVO
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A desconsideração da personalidade coletiva da sociedade significa uma derrogação do princípio legal da separação de esferas jurídico-patrimoniais, visando-se com ela uma correção das consequências jurídicas da imputação à sociedade, segundo as regras gerais, de certos atos que, pelo seu caráter abusivo ou pela sua finalidade extra-societária, se entende que devem obrigar outras pessoas (outros patrimónios).
II - A desconsideração só pode admitir-se a título excecional, sob pena de se esvaziar de conteúdo o instituto da personalidade coletiva e cair em situações que envolveriam a sua negação.
III - Tendo sido clausulado, em contrato de constituição de penhor de créditos, que quem o constituiu estava impedido da disposição dos créditos, é ineficaz relativamente ao credor pignoratício a cessão desses créditos a terceiro, que conhecia aquela proibição, sendo por isso inoperante a compensação de créditos que o cessionário pretendeu depois opor ao credor pignoratício.
IV - A circunstância de um banco ter agido de forma irregular em vários domínios da sua atividade enquanto instituição bancária, violando obrigações contabilísticas e prudenciais, não o faz incorrer, só por si, direta e imediatamente, em responsabilidade civil perante os respetivos clientes.
V - A providência extraordinária estabelecida pelo Banco de Portugal a um banco de dispensa temporária do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas resolve-se numa exceção dilatória de direito material, suscetível de obstar à compensação de créditos.
VI - Não é identificável uma verdadeira união intrínseca de contratos, mas sim uma relação de garantia, entre um contrato de mútuo, um contrato de gestão de carteira de títulos e um contrato de penhor sobre os créditos dessa carteira, tendo estes dois últimos em vista dar garantia ao cumprimento das obrigações que do primeiro emergiam para o mutuário.
VII - Se não se mostra que a parte desequilibrou anteriormente o complexo contratual em que se insere o direito que exerce, agindo agora como se nada houvesse causado culposamente para a situação de incumprimento que imputa à outra parte, não se pode concluir que exerce o direito de forma abusiva no figurino do chamado tu quoque.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1014/14.9TVLSB.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação …..

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Massa Insolvente do Banco Privado Português, S.A. demandou, pelo Tribunal Cível …… e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, Bicafé – Torrefacção e Comércio de Café, Lda., e AA e mulher BB, peticionando:

1) A condenação da 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia total de € 2.569.024,04, sendo:

1.1. € 1.800.000,00, a título de reembolso do capital mutuado ao abrigo dos Contratos de Abertura de Crédito celebrados;

1.2. € 252.681,71, a título de juros de financiamento (remuneratórios) por conta dos mesmos Contratos de Abertura de Crédito;

1.3. € 516.342,34, por conta dos juros devidos pela mora a título de cláusula penal previstas nos mencionados Contratos de Abertura de Crédito calculados até 12 de maio de 2014;

2) A condenação da 1.ª Ré no pagamento dos juros devidos pela mora a título de cláusula penal vencidos desde 12 de maio de 2014 (data do cálculo efetuado para efeitos de interposição da presente ação), sobre o capital e juros remuneratórios vencidos à data da cessação de cada um dos Contratos de Abertura de Crédito, à taxa contratual aplicável a cada uma das operações objeto de cada um desses Contratos, acrescida de 4% (no caso do 1.º Contrato de Abertura de Crédito) e à aplicação da taxa supletiva acrescida de 2%, no caso dos 2.º, 3.º e 4.º Contrato de Abertura de Crédito, até à data de efetivo e integral pagamento dos valores em dívida;

3) A condenação dos 2.ºs Réus a reconhecer o direito da Autora em ver satisfeito o crédito reclamado nesta ação, de forma preferencial, pela venda dos bens dados de penhor de que são titulares, crédito esse que inclui o valor do capital, juros remuneratórios vencidos e juros devidos pela mora (cláusula penal) até à data do efetivo e integral pagamento, incidindo sobre os seguintes ativos:

- 926.715,751 unidades do FEI, depositadas junto do Banco Privado Português Cayman Limited e liquidez segregada gerada pelas mesmas;

- O valor indemnizatório a receber do Fundo Garantia de Depósitos, no montante de € 200.000,00;

- Liquidez resultante de correções e dos depósitos emergentes das aplicações creditados na conta n.º 7973 junto do Banco Autor;

- Liquidez resultante dos créditos de garantia emergentes das aplicações creditados na conta n.º ..... junto do Banco Privado Português (Cayman) Limited.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que o Banco Privado Português, S.A. (doravante designado simplesmente como BPP) celebrou com a Ré Bicafé – Torrefacção e Comércio de Café, Lda. (doravante designada como 1.ª Ré) quatro contratos de abertura de crédito em conta corrente, por via dos quais emprestou e creditou na conta de depósitos à ordem dessa Ré, conta n.º …… aberta junto do BPP, as quantias de 500.000.00 euros, 650.000,00 euros, 250.000,00 euros e 400.000,00 euros, quantias estas que a Ré sacou e utilizou.

Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas nestes contratos o BPP celebrou com a 1.ª Ré e com os Réus AA e mulher (doravante designados como 2.ºs Réus) outros tantos contratos, nos termos dos quais os 2.ºs Réus deram de penhor a totalidade dos valores da sua titularidade que se encontravam depositados junto do Banco Privado Português (Cayman) Limited (doravante designado simplesmente como BPP Cayman), na carteira de gestão de títulos n.º …. de que eram titulares.

A 1.ª Ré foi interpelada para proceder ao pagamento dos juros devidos por conta dos ditos contratos de abertura de crédito, sem que o tenha feito nas datas convencionadas nem posteriormente.

Os ditos contratos foram denunciados pela Autora, tendo tal denúncia sido comunicada à 1.ª Ré, que também foi interpelada para proceder ao reembolso da quantia total mutuada, acrescida dos juros vencidos.

A 1.ª Ré veio a notificar o BPP de que, por contrato denominado de “Cessão de Créditos”, os 2.ºs Réus lhe haviam cedido os créditos sobre o BPP e o BPP Cayman, sendo que a Autora considerou ineficaz a dita cessão.

Está, assim, a 1.ª Ré obrigada a pagar à Autora as quantias mutuadas ao abrigo dos identificados contratos de abertura de crédito e respetivos juros, e os 2.ºs Réus adstritos a reconhecer que assiste à Autora o direito a ver satisfeito o seu crédito de forma preferencial pela venda dos bens dados em penhor.

Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.

Para além de impugnarem parte dos factos alegados pela Autora e de invocarem a prescrição de parte dos juros, alegaram, em muito apertada síntese, que:

- O BPP e o BPP Cayman só formalmente constituíam entidades distintas, funcionando este como meio em ordem à prossecução dos interesses daquele, razão pela qual se justifica a desconsideração da personalidade jurídica do BPP Cayman, sendo de imputar ao BPP tudo o que haja sido praticado pelo BPP Cayman. Ocorre que os 2.ºs Réus se tornaram credores do BPP Cayman, tendo cedido esse seu crédito à 1ª Ré, que comunicou ao BPP a cessão e declarou compensar tal crédito com o contra-crédito de capital do BPP sobre a 1ª Ré, o que acaba por levar à extinção da obrigação cujo cumprimento veio a Autora exigir da 1ª Ré.

- Cada uma das diversas operações travadas entre as quatro partes envolvidas criou uma conexão contratual indissociável, o que acaba por ter como efeito que os créditos da Autora e dos Réus se tenham como satisfeitos reciprocamente (saldados).

- O BPP agiu de forma a que a garantia prestada pelos 2.ºs Réus perdeu valor, violando assim as suas obrigações de credor pignoratício, incorrendo em responsabilidade civil para com os Réus, o que acaba por tornar inexigível o remanescente do seu contra-crédito;

- O BPP violou deveres inerentes à sua qualidade de banco e de intermediário financeiro, incorrendo em responsabilidade civil para com os Réus, o que acaba por tornar inexigível o remanescente do seu contra-crédito;

- A Autora exerce abusivamente o direito, pois que se está a querer prevalecer da forma fraudulenta como o BPP agiu e que levou os Réus a contratar, o que implica a neutralização desse exercício;

- Nenhuma culpa pode ser assacada aos Réus, ao invés foi o BPP quem agiu culposamente, pelo que, por ausência desse pressuposto da responsabilidade civil contratual, não existe a obrigação que está a ser exigida pela Autora;

- Não se verifica um nexo de causalidade entre o facto dos Réus e a lesão que o BPP sofreu; ao invés, foi este que, do modo culposo como geriu os fundos entregues à sua gestão, deu azo ao dano que invoca. Por ausência desse pressuposto da responsabilidade civil contratual, não existe a obrigação que está a ser exigida pela Autora;

- Os diversos contratos celebrados são anuláveis por erro e por dolo, pois que se os Réus conhecessem os factos tal como eles depois se revelaram não teriam contratado, do que resulta que o reembolso do que foi mutuado implica que o BPP reembolse os 2.ºs RR. daquilo que estes lhe prestaram;

Mais invocaram a prescrição dos juros peticionados pela Autora.

Ainda, deduziram reconvenção, onde pediram, por via principal, que fosse declarada eficaz a compensação de créditos operada pela 1.ª Ré e, por via dela, que fosse declarado extinto o crédito emergente dos contratos de mútuo invocados pela Autora. Por vias subsidiárias sucessivas (oito) pediram que se desse reconhecimento e procedência aos demais efeitos que enformam a sua contestação.

A Autora respondeu à reconvenção e às exceções deduzidas, concluindo pela respetiva improcedência.

Seguindo o processo seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença, onde se decidiu:

1) julgar procedente a exceção de prescrição dos juros, com a consequente extinção de todos os juros vencidos anteriormente a 1 de julho de 2009;

2) julgar a ação procedente por provada no mais, nos seguintes termos:

i) condenar a 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia total de € 1.800.000,00, a título de reembolso do capital mutuado ao abrigo dos contratos de abertura de crédito celebrados e juros de financiamento e devidos pela mora a título de cláusula penal, devidos após 1 de julho de 2009.;

ii) condenar a 1.ª Ré no pagamento dos juros devidos pela mora a título de cláusula penal vencidos desde 12 de Maio de 2014 sobre o capital e juros remuneratórios vencidos à data da cessação de cada um dos contratos de abertura de crédito, à taxa contratual aplicável a cada uma das operações objeto de cada um desses contratos, acrescida de 4% (no caso do 1.º contrato) e à aplicação da taxa supletiva acrescida de 2%, no caso dos 2º, 3º e 4º contratos, até à data do efetivo e integral pagamento dos valores em dívida;

iii) condenar os 2.ºs Réus a reconhecer o direito da Autora em ver satisfeito o crédito reclamado na ação, de forma preferencial, pela venda dos bens dados de penhor de que são titulares, crédito esse que inclui o valor do capital, juros remuneratórios vencidos e juros devidos pela mora (cláusula penal) até à data do efetivo e integral pagamento, incidindo sobre os seguintes ativos:

- 926.715,751 unidades do FEI, depositadas junto do BPP Cayman e liquidez segregada gerada pelas mesmas;

- O valor indemnizatório a receber do Fundo Garantia de Depósitos, no montante de € 200.000,00;

- Liquidez resultante de correções e dos depósitos emergentes das aplicações creditados na conta n.º …..73 junto da Autora;

- Liquidez resultante dos créditos de garantia emergentes das aplicações creditados na conta n.º ......29 junto do BPP Cayman;

3) julgar os pedidos reconvencionais formulados em via primária e subsidiária, improcedentes, por não provados (exceto o relativos aos juros nos termos referidos em 1) e deles absolver a Autora.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os Réus.

Fizeram-no sem êxito, pois que a Relação ….., sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença.

Mantendo-se inconformados, pediram os Réus revista.

Introduziram o seu recurso sob o figurino da revista excecional.

A competente formação admitiu o recurso assim interposto.

Razão pela qual há que conhecer do respetivo objeto.

                                                           +

São as seguintes as conclusões que os Réus extraem da sua alegação (suprimem-se as seis primeiras, que têm a ver com a admissibilidade da revista excecional, assunto já ultrapassado):

7.ª - O BPP Cayman foi constituído em domínio total pelo BPP e gerido inteiramente por este através dos seus meios humanos e técnicos, tendo-se o BPP servido do BPP Cayman para prosseguir atividades ilícitas em Portugal, em prejuízo dos seus clientes e outros stakeholders e para se furtar ao controlo por partes das autoridades de supervisão nacionais;

8.ª. - O BPP Cayman nunca dispôs de instalações físicas, incluindo balcões, nem de quaisquer funcionários ou colaboradores e nunca dispôs também de quaisquer meios técnicos, servindo-se de tudo o que era do BPP para prosseguir a sua atividade, sem que por isso fosse devida qualquer contrapartida, que não se demonstrou nos autos que alguma vez tenha sido paga;

9.ª - A contratação dos clientes com o Grupo BPP tanto operava através do BPP como através do BPP Cayman, sendo que em qualquer caso dava-se da mesma forma, incluindo quanto aos figurinos contratuais, que eram rigorosamente idênticos, sendo que tanto o BPP como o BPP Cayman ofereciam aos seus clientes aplicações de RAIIGC, que alocavam indiferenciadamente aos mesmos SIV’s;

10.ª - O BPP serviu-se do BPP Cayman para camuflar perdas próprias, para gerar resultados e para realizar transferências de ativos através de sociedades offshores que, sendo dominadas pelo BPP Cayman, não consolidavam contabilisticamente no BPP;

11.ª - O BPP serviu-se do BPP Cayman para instituir um organismo de investimento coletivo em fraude ostensiva e manifesta ao regime emergente do disposto no Decreto-Lei 252/2003, de 17 de Outubro, regime este que se destinada a proteger os seus clientes, entre os quais os Recorrentes;

12.ª - O BPP serviu-se também do BPP Cayman para evitar a contabilização de perdas por efeito das garantias de capital prestadas aos Clientes subscritores de aplicações de RAIIGC, servindo o BPP Cayman para parquear essa perdas através da constituição de instrumentos financeiros fictícios;

13.ª - Inexistia qualquer autonomia entre o BPP e o BPP Cayman servindo-se aquele deste sempre que lhe interessasse atuar por seu intermédio, em detrimento de atuar diretamente;

14.ª - Ainda que jurídica e formalmente o BPP Cayman e o BPP fossem entidades distintas, na prática não havia qualquer autonomia do primeiro em relação ao segundo, sendo a gestão corrente do BPP Cayman assegurada pelo BPP e em função dos interesses deste último – quem o afirma é o próprio Banco de Portugal na decisão proferida no âmbito do processo de contraordenação;

15.ª - Embora formalmente o BPP Cayman constituísse uma pessoa jurídica diferente do BPP, a verdade é que, na substância, o BPP Cayman mais não era do que uma diferente estrutura jurídico formal, sem qualquer verdadeira estrutura decisória, de recursos humanos, materiais e técnicos autónoma, constituída e utilizada pelo BPP para permitir ou facilitar a concretização de diferentes aspetos da prossecução da sua própria estratégia negocial – quem o afirma é a própria CMVM na decisão proferida no âmbito do processo de contraordenação;

16.ª - Deve ser desconsiderada a personalidade jurídica do BPP Cayman por modo a que este e o BPP constituam uma só e mesma esfera jurídica, imputando-se a ambos os atos praticados em relação a qualquer deles, incluindo quanto a cessão e compensação de créditos e demais efeitos jurídicos emergentes dos factos dados como provados;

17.ª - Por efeito da outorga dos Acordos de Reestruturação juntos a fls. 199 e seguintes o objeto dos penhores sofreu transformação, passando a incidir sobre as unidades de participação do FEI e sobre os créditos que por efeito da outorga daqueles Acordos de Reestruturação vieram a ser reconhecidos aos Recorrentes pessoas singulares sobre o BPP, sobre o BPP Cayman;

18.ª - A cessão de créditos entre os Recorrentes pessoas singulares e a Bicafé foi eficaz em relação ao BPP e também em relação ao BPP Cayman e quanto a este por efeito da desconsideração da personalidade jurídica e sempre e pelo menos pela imputação do conhecimento em face da relação de domínio total existente e demais contornos da relação entre as duas entidades;

19.ª - A cessão de créditos entre os Recorrentes pessoas singulares e a Bicafé é válida e eficaz em relação ao BPP e ao BPP Cayman ainda quando se entenda que os créditos que dela foram objeto estavam integrados no objeto dos penhores por a limitação deste constante não ser aplicável àquela operação atentos os fins que visou;

20.ª - É abusiva e logo ilegítima a invocação pelo Recorrido das limitações constantes do contrato do penhor para obstarem à eficácia da cessão de créditos quando foi o próprio Recorrido quem culposamente deu causa à transformação do objeto do penhor de que vieram a resultar aqueles créditos;

21.ª - O regime emergente do Artigo 145º do RGICSF não obsta a que terceiros compensem créditos seus com créditos de que seja titular a instituição de crédito em saneamento, aplicando-se apenas o regime geral que emerge do disposto nos Artigos 847º e seguintes do Código Civil, pois de outro modo estaria instituída uma incompensabilidade absoluta de créditos que a nossa Lei não consagra nem mesmo na insolvência;

22.ª - Durante o período de saneamento e por quanto durar a dispensa do cumprimento pontual das obrigações da instituição de crédito recuperanda decretada pelo Banco de Portugal os credores desta podem livremente compensar créditos seus com contra-créditos de que a instituição de crédito recuperanda seja titular e ainda quando assim não se entenda a compensação sempre há-de ser admitida nos termos em que o permite o Artigo 99º do CIRE, sob pena de se concluir que o regime do Artigo 145º do RGICSF estabelece uma proibição absoluta à compensação que não é congruente com a compensação relativa que vigora após a declaração de insolvência;

23.ª - A compensação de créditos foi operada e tornou-se eficaz antes da declaração de insolvência do BPP e cumpriu todos os requisitos legalmente impostos pelos disposto nos Artigos 847º e seguintes do Código Civil, devendo considerar que os requisitos da compensação se verificaram em data anterior ao próprio decretamento das medidas de saneamento, visto serem anterior os atos e omissões (ilícitos) imputáveis ao BPP que funda o crédito indemnizatório dos Recorrentes, ainda que só tenham sido conhecidos posteriormente e ainda que só posteriormente tal crédito tivesse sido liquidado, ainda que não totalmente;

24.ª - É abusiva a invocação pelo BPP de quaisquer limitações à compensação de créditos operada por ter sido o BPP quem, com culpa, deu causa que o objeto dos penhores tivesse sido transformado por efeito da outorga dos Acordos de Reestruturação;

25.ª - São inconstitucionais, por violação do Artigo 20º, ns. 1, 4 e 5, da CRP, os Artigo 145º do RGICSF, o Artigo 99º do CIRE e o Artigo 847º do Código Civil, se interpretados no sentido de que os Recorrentes não podem compensar os seus créditos indemnizatório com contra-créditos do Recorrido;

26.ª - Da conjugação dos contratos celebrados entre as partes por ocasião da montagem de cada operação – contrato de mútuo, subscrição da aplicação de RAIIGC e contrato de penhor – emerge um regime próprio por efeito da aplicação da doutrina da união dos contratos;

27.ª - O regime próprio emergente da união dos três contratos determina que o BPP só se pode pagar do crédito concedido pelas forças da aplicação de RAIIGC que o ficou a garantir, pelo que na hipótese de esta perder valor, é ao BPP que cabe arcar com o respetivo prejuízo;

28.ª - O BPP exerceu a sua atividade em violação grosseira de múltiplas normas jurídicas que já ao tempo regulavam, no interesse do mercado, a atividade bancária e a atividade de intermediação financeira, conclusão esta que a também chegou a CMVM e o BdP nas decisões condenatórias que proferiram sobre a matéria e que transitaram em julgado, constituindo-o em responsabilidade civil para com os Recorrentes, correspondendo a medida do dano à da reconstituição natural;

29.ª -A atuação ilícita do BPP emerge ainda da violação de normas enquanto credor pignoratício que destruiu a garantia que lhe foi oferecida e que ele próprio montou com recurso ao outro tanto que lhe foi entregue em dinheiro pelos Recorrentes pessoas singulares, respondendo nesta qualidade pelos danos causados também ao devedor principal, em termos que tornam inexigível o seu contra-crédito;

30.ª - O pedido deduzido pelo BPP, na medida do que excede o valor da garantia prestada, é abusivo e logo grosseiramente ilegítimo por corresponder a perda culposamente causada pelo próprio BPP, conforme concluiu a comissão liquidatária no parecer da qualificação da insolvência e conforme concluiu também a CMVM e o BdP nas decisões condenatórias proferidas;

31.ª - Não se verificam os pressupostos cumulativos de que depende a responsabilidade civil contratual peticionada, fazendo-se ainda neste particular apelo ao instituto da culpa do lesado;

32.º - Por fim, choca – e muito – que ao BPP seja reconhecido o direito não apenas a ver reembolsado o capital, como também o direito a ser ressarcido das consequências da mora que ele próprio causou e a ponto de a Bicafé haver de suportar juros remuneratórios e mesmo cláusulas penais, sendo pois inexigível as consequências da mora;

33.ª - Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os Artigos 334º, 483º, 570º, 577º, 583º, 671º, 762º, 799º, 847º todos do Código Civil, o Artigo 145º do RGICSF, o DL 252/2003 e o Artigo 20º, n.ºs. 1, 4 e 5, da CRP.

Terminam dizendo que devem ser julgados improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora e procedentes os pedidos reconvencionais, ou sempre e pelo menos, julgados improcedentes, sem mais, os pedidos deduzidos pela Autora, dele absolvendo os Réus.

                                                           +

A Autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Concluiu da seguinte forma, no que ainda importa:

9. Uma vez que com a desconsideração da personalidade jurídica os Recorrentes pretendem operar a compensação dos créditos, ou seja, fazer com que o seu credor seja não o BPP Cayman mas o BPP, S.A., deveriam ter demonstrado que por de trás da abertura da conta de valores dos Réus pessoas singulares no BPP Cayman estava uma intenção por parte do BPP, S.A. de prejudicar os Réus, impedindo-os de compensar os seus créditos, o que não fizeram.

10. Os dois Bancos foram constituídos em momentos temporais distintos, em jurisdições completamente diversas, tendo sido autorizados e acompanhados por diferentes entidades supervisoras, os seus processos de insolvência e liquidação correm termos autonomamente, em jurisdições distintas e com liquidatários distintos, tendo sido desencadeado, cada um deles, pela respetiva autoridade de supervisão competente, sendo que no âmbito dos respetivos processos de insolvência são distintos os credores de uma e de outra das instituições, sendo também distintos os patrimónios que respondem por esses créditos.

11. A cessão de créditos, ainda que notificada ao Recorrido, não é eficaz em relação a este: não o é desde logo em relação aos créditos denominados de garantia porque o devedor é o BPP Cayman, entidade dotada de personalidade jurídica autónoma, património próprio e não foi deferido o pedido de desconsideração de personalidade jurídica; e também não o é em relação aos créditos denominados de “correcções” e de “liquidez”, creditados em conta aberta junto do Recorrido e reconhecidos aos Recorrentes pessoas singulares pela Comissão Liquidatária do Banco Autor no âmbito do processo de insolvência deste, por via da cláusula limitativa ou restritiva da cessão de créditos constante dos contratos de penhor.

12. Existem fundamentos contratuais e legais que impedem que a pretendida compensação de créditos seja oponível ao Recorrido e, por conseguinte, declarada eficaz.

13. Do ponto de vista contratual, sendo ineficaz o ato de cessão de créditos, ineficaz ou inexistente é também a pretensa compensação que a Recorrente pessoa coletiva alega ter efetuado.

14. Do ponto de vista legal, a mesma compensação de créditos é inadmissível por não se terem por verificados os pressupostos que para tal são exigidos pelo artigo 99.º do CIRE.

15. Não pode ser imputada ao Recorrido responsabilidade civil enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro.

16. A consequência da não revelação contabilística das garantias, para os efeitos dos autos (ou seja, para as aplicações de RA subscritas pelos Recorrentes, pessoas individuais) era absolutamente nula até à data do colapso do Banco; depois dessa data, era indiferente, uma vez que o Banco estava dispensado do cumprimento das suas obrigações e veio a falir.

17. Certo é que as subscrições de RAIIGC pelos Recorrentes, pessoas individuais, foram-no junto do BPP Cayman, entidade jurídica distinta e autónoma do Recorrido Banco Autor.

18. Os instrumentos financeiros para alisamento de resultados, ainda que possam não ter tido representação física, não implicaram qualquer prejuízo para os clientes, e em concreto para os aqui Recorrentes, pessoas singulares, independentemente de poderem constituir uma prática violadora das regras bancárias (prática essa que não pode ser escrutinada nesta sede).

19. Se os ativos não gerassem a contrapartida contratada, o Banco assumia a responsabilidade; se fosse acima do contratado, o Banco ficava com os benefícios (era a contrapartida do Banco por assumir a garantia).

20. A constituição do FEI (a que os Recorrentes, pessoas singulares, aderiram) implicou um tratamento equitativo de todos os clientes, independentemente do SIV a que estavam alocados, com atribuição de liquidez segregada e créditos de correção que foram decididos pela Administração Provisória.

21. Quanto à pretensa responsabilidade do Recorrido enquanto credor pignoratício, não foi dado como provado nenhum facto que permita concluir pela responsabilidade daquele na guarda e administração dos fundos entregues pelos clientes (no caso, os Recorrentes pessoas singulares em relação ao BPP Cayman, e apenas por via indireta, através da subcontratação dos serviços de gestão pelo BPP Cayman, do Recorrido Banco Autor) como um proprietário diligente da coisa empenhada.

22. Acresce que os Recorrentes, pessoas singulares, subscreveram as suas aplicações de retorno absoluto dadas, em garantia no âmbito dos financiamentos dos autos, junto do BPP Cayman, e não do Recorrido Banco Autor.

23. Como é, aliás, um facto público e notório, a desvalorização da garantia– entenda-se, dos ativos / obrigações de que cada SIV era titular – deveu-se à crise financeira mundial que afetou os mercados a partir de meados do ano de 2008.

24. A génese dos contratos celebrados, como alegado pelo Recorrido em sede de petição inicial, apenas permite concluir que tudo se passou conforme é usual nestas situações, ou seja, que o financiamento concedido pelo Recorrido Banco Autor pressuponha a prestação de uma garantia, a qual no caso concreto consistiu no penhor de ativos objeto de contrato(s) de gestão de carteira.

25. Se o Recorrido, os Recorrentes e os demais intervenientes quisessem que a extinção dos Contratos de Abertura de Crédito, quer por incumprimento, quer por atingirem a sua maturidade, implicasse que as contas ficavam “saldadas” (na expressão utilizada pelos Recorrentes), devendo o Recorrido Banco Autor pagar-se pelo produto do penhor, não deixariam de prever isso mesmo nos clausulados.

26. A pretensão dos Recorrentes de que o vencimento dos 4 contratos de mútuo a que se refere a causa de pedir dos pedidos deduzidos pelo Recorrido implicou que as contas, tenham ficado “saldadas”, devendo o Recorrido Banco Autor ter-se feito pagar pelo produto das aplicações de RAIIGC que os Recorrentes pessoas singulares subscreveram, não encontra um mínimo de correspondência no texto dos contratos e não correspondeu, efetivamente, à vontade real das partes.

27. Mesmo durante a vigência dos contratos de abertura de crédito, o Recorrido Banco Autor nunca agiu de modo a despertar nos Recorrentes a convicção de que não iria exigir o reembolso dos financiamentos objeto desses contratos e das demais responsabilidades deles emergentes.

28. Mais do que uma faculdade, a recuperação do crédito constitui um dever que se impunha à Comissão Liquidatária do Recorrido Banco Autor, tendo em conta as funções que lhe estão cometidas de prover a satisfação dos direitos de crédito da insolvente (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de outubro e artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRE).

                                                           +

Cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a decidir:

- Se é de desconsiderar a personalidade jurídica, com as inerentes consequências;

- Se a cessão de créditos e a compensação de créditos são atendíveis, com as inerentes consequências;

- Se o BPP incorreu em responsabilidade civil, com as inerentes consequências;

- Se não se verifica culpa e nexo de causalidade na responsabilidade imputada à 1.ª Ré, com as inerentes consequências;

- Se se verifica uma união de contratos, com as inerentes consequências;

- Se há abuso do direito, com as inerentes consequências;

- Se são inconstitucionais os art.s 145.º do RGICSF, 99.º do CIRE e 847.º do CCivil, com as inerentes consequências.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Factos adquiridos por acordo nos termos do art. 574º nº 2 do CPC e provados por documento (constantes do despacho proferido na audiência prévia)

A) O Autor é um banco em liquidação em resultado da revogação da autorização para o exercício da atividade por deliberação do Banco de Portugal datada de 15 de Abril de 2010.

B) Os autos de liquidação do Banco Autor correm termos, sob o n.º 519/10…., no …. Juízo do Tribunal do Comércio …... 

C) No âmbito do referido processo de liquidação foi nomeada a Comissão Liquidatária do ora Autor, constituída pelos seguintes membros:

a) Exmo. Senhor Dr. CC, na qualidade de Presidente;

b) Exmo. Senhor Dr. DD; e

c) Exmo. Senhor Dr. EE, ambos na qualidade de Vogais.

D) A 1.ª Ré, por seu turno, é uma sociedade comercial do tipo sociedade por quotas que tem por objeto social a «torrefacção e moagem de café. Comércio por grosso de bebidas, chá, máquinas e moinhos de café, cápsulas e outros artigos para a comercialização de café. Representações. Actividades dos cafés em estabelecimentos. Outras actividades de construção diversas»

E) Os Réus pessoas singulares são sócios, titulares da totalidade do capital social e gerentes da Ré Bicafé – Torrefacção e Comércio de Café, Lda.

F) Para lá de sócio da Ré e de outras sociedades, o Réu pessoa singular é ainda sócio da sociedade H...... – Sociedade de Exploração Hoteleira.

G) O Réu AA conta atualmente 64 anos de idade, é ….. e é empresário há mais de 40 anos, gerindo os destinos da sociedade Ré e de outras que, em conjunto com ela, se dedicam essencialmente à compra, venda, transformação e comercialização de café.

H) No exercício do comércio bancário, o Autor celebrou com a 1.ª Ré, no dia 30.09.2004, um Contrato denominado de “abertura de crédito em conta corrente”, nos termos do documento junto a fls. 42 a 48 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

H.1) De acordo com o 1º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor abriu um crédito em conta corrente no montante de 500.000,00 euros, desembolsado em 01.10.2004, por solicitação da 1ª Ré, para a conta nº …..98 de que esta era titular.

H.2) Ficou convencionado que a abertura de crédito vencia juros sobre o capital em dívida calculados à taxa Euribor a 6 meses com um spread de 2%, à data da celebração desse Contrato de 4,212%, calculados na base de 360 dias, sendo a TAE correspondente de 4,25635236%, a pagar postecipada e semestralmente.

H.3) O 1.º Contrato de Abertura de Crédito foi celebrado pelo prazo de 59 meses, eventualmente renovável, podendo ser denunciado por qualquer das partes com um pré-aviso mínimo de 15 dias em relação ao final do prazo, ou anualmente, com o mesmo pré-aviso por referência à data aniversária do contrato.

H.4) Nos termos previstos no 1.º Contrato de Abertura de Crédito, a 1ª Ré obrigava-se a realizar todos os pagamentos para a conta de Depósito á Ordem nº ….98, a qual se obrigava a manter provisionada no dia útil imediatamente anterior às datas de vencimento estipuladas.

H.5) Em caso de atraso no pagamento de qualquer importância devida em virtude do 1º Contrato de Abertura de Crédito ou em caso de a conta não se encontrar provisionada na data do seu vencimento, foi acordado como penalidade a pagar pela 1ª Ré, independentemente de interpelação, a quantia determinada pela taxa igual à que estaria em vigor por aplicação do artigo 2º, no momento da mora, acrescida de 4% ao ano.

I) Em execução do 1.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor emprestou e creditou na conta de depósito à ordem da 1.ª Ré n.º ….. a importância de € 500.000,00 por ela solicitada.

J) O 1.º Contrato de Abertura de Crédito foi objeto de aditamento celebrado no dia 02-10-2006, com efeitos a partir dessa mesma data, nos termos do qual a Cláusula 2.ª foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

«Cláusula 2.ª

(Taxa de Juro e Pagamento dos Juros)

1. A taxa de juro aplicável será a que vier a resultar da Taxa EURIBOR (Base 365) a 12 (doze) meses registada no dia 28/09/2006, acrescida de um spread de 1,5% (um vírgula cinco por cento) ao ano. Nas datas de vencimento dos juros, o Banco reserva-se o direito de alterar a Taxa e o spread em função das condições de mercado.

2. A taxa referida no número 1 supra é de 5,215% (cinco vírgula dois um cinco por cento) ao ano, sendo ajustável anualmente e automaticamente em função das variações que nela venham ocorrer.

3. A taxa anual efectiva (TAE) inicial a aplicar será de 5,215% (cinco vírgula dois um cinco por cento) e calculada de harmonia com os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto. Para os períodos seguintes, a taxa de juro nominal e a taxa anual efectiva serão calculadas com base na fórmula constante do anexo 2 do Decreto-Lei n.º 220/94, por não ser possível determiná-la antecipadamente.

4. (…)

5. (…)

6. Os juros serão calculados dia a dia sobre o saldo da conta corrente e pagos anualmente» (Doc. 5).

L) No dia 30-09-2004 os réus pessoas singulares, a Bicafé, o BPP e o BPP Cayman celebraram um contrato denominado de penhor, através do qual os Réus pessoas singulares constituíram penhor sobre as disponibilidades existentes na conta de que eram titulares junto do BPP Cayman com o número …..29, conforme documento junto a fls. 55 a 64 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

M) Por carta datada e expedida no dia 12-11-2010, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao pagamento dos juros devidos por conta, entre outros, do 1.º Contrato de Abertura de Crédito, que a essa data ascendiam ao valor de € 51.169,30.

N) Por carta datada de 20 de Janeiro de 2011, o Autor comunicou à 1.ª Ré que o crédito de que era titular no valor de Euros 2.133.866,87 à data da sua declaração de insolvência (em 16 de Abril de 2010), tinha sido apreendido no âmbito do processo de insolvência referido em B).

O) Por carta datada de 10-08-2011 e expedida no dia 11-08-2011, o Autor comunicou à 1.ª Ré a denúncia do 1.º Contrato de Abertura de Crédito com efeitos a partir do dia 3008-2011.

P) Nessa mesma carta, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao reembolso da quantia total mutuada, acrescida dos juros e despesas devidos, no prazo máximo de 30 dias a contar da data da cessação do 1.º Contrato de Abertura de Crédito.

Q) No exercício do comércio bancário, o Autor celebrou com a 1.ª Ré, no dia 17.12.2004, um Contrato denominado de “abertura de crédito em conta corrente caucionada”, nos termos do documento junto a fls. 77 a 86 cujo teor se dá por reproduzido. (2º Contrato de Abertura de Crédito)

R) De acordo com o 2.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor concedeu um crédito até ao limite máximo de € 650.000,00, destinado a apoio a tesouraria, sob a forma de conta aberta em nome da 1.ª Ré com o n.º …..98

S) O 2.º Contrato de Abertura de Crédito foi celebrado pelo prazo de 59 meses a contar da data da sua celebração, automaticamente renovável por iguais períodos, podendo ser denunciado anualmente por qualquer das partes mediante comunicação à contraparte com uma antecedência de 10 dias relativamente ao termo do período anual em causa.

T) Ficou convencionado que sobre os saldos utilizados ao abrigo do 2.º Contrato de Abertura de Crédito seria aplicada a taxa Euribor (Base 360) a 6 meses, registada no 2.º dia útil anterior à data da sua celebração, acrescida de uma margem de 2%.

U) Nos termos previstos no 2.º Contrato de Abertura de Crédito, ficou convencionado que todos os pagamentos inerentes a essa abertura de crédito (incluindo reembolsos de capital, juros, comissões e demais encargos) seriam efetuados por débito na referida conta n.º ….98, comprometendo-se a 1.ª Ré a manter a mesma devidamente provisionada nas datas de reembolso de capital e pagamento de juros.

V) Em caso de incumprimento no pagamento do capital, juros remuneratórios e demais encargos em virtude do 2.º Contrato de Abertura de Crédito, foi acordado que a taxa contratual aplicável à operação seria acrescida de 4% a título de cláusula penal devida pela mora, sendo também previsto que, se no momento da constituição da mora aquela taxa fosse inferior à taxa supletiva em vigor, seria esta a aplicável, acrescida de uma sobretaxa de 2%.

X) Mais ficou convencionado que, no caso de incumprimento do pagamento dos juros remuneratórios, o Autor procederia à capitalização de juros vencidos, sendo que os juros devidos pela mora seriam calculados sobre o capital em dívida e os juros remuneratórios em dívida capitalizados.

Z) Em execução do 2.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor emprestou e creditou na conta de depósito à ordem da 1.ª Ré n.º ….. a importância de € 650.000,00, que a 1.ª Ré sacou e utilizou.

AA) O 2.º Contrato de Abertura de Crédito foi objeto de aditamento celebrado no dia 14-06-2006, com efeitos a partir dessa mesma data, nos termos do qual a Cláusula 3.ª foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

«Cláusula 3.ª (Taxa de Juro e Pagamento dos Juros) 1. A taxa de juro aplicável será a que vier a resultar da Taxa EURIBOR (Base 365) a 12 (doze) meses registada no dia 12/06/2006, acrescida de um spread de 1,5% (um vírgula cinco por cento) ao ano. Nas datas de vencimento dos juros, o Banco reserva-se o direito de alterar a Taxa e o spread em função das condições de mercado.

2. A taxa referida no número 1 supra é de 4,826% (quatro vírgula oito dois seis por cento) ao ano, sendo ajustável anualmente e automaticamente em função das variações que nela venham ocorrer.

3. A taxa anual efectiva (TAE) inicial a aplicar será de 4,826% (quatro vírgula oito dois seis por cento) e calculada de harmonia com os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto. Para os períodos seguintes, a taxa de juro nominal e a taxa anual efectiva serão calculadas com base na fórmula constante do anexo 2

4. (…)

5. …

6. Os juros serão calculados dia a dia sobre o saldo da conta corrente e pagos anualmente».

BB) No dia 17-12-2004 os Réus pessoas singulares, a Bicafé, o BPP e o BPP Cayman celebraram um contrato denominado de penhor através do qual os Réus pessoas singulares constituíram penhor sobre as disponibilidades existentes na conta de que eram titulares junto do BPP Cayman com o número ….29, conforme documento junto a fls. 90 a 96 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

CC) Por carta datada e expedida no dia de 08-11-2010, o Autor comunicou à 1.ª Ré a denúncia do 2.º Contrato de Abertura de Crédito com efeitos a partir do dia 17-11-2010.

DD) Nessa mesma carta, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao reembolso da quantia total mutuada, acrescida dos juros e despesas devidos, no prazo máximo de 30 dias a contar da data da cessação do 2.º Contrato de Abertura de Crédito.

EE) No exercício do comércio bancário, o Autor celebrou com a 1.ª Ré, no dia 04.02.2005, um Contrato denominado de “abertura de crédito em conta corrente caucionada”, nos termos do documento junto a fls. 104 a 113 cujo teor se dá por reproduzido. (3.º Contrato de Abertura de Crédito)

FF) De acordo com o 3.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor concedeu um crédito até ao limite máximo de € 250.000,00, destinado a apoio a tesouraria, sob a forma de conta aberta em nome da 1.ª Ré com o n.º …. 98

GG) O 3.º Contrato de Abertura de Crédito foi celebrado pelo prazo de 59 meses a contar da data da sua celebração, automaticamente renovável por iguais períodos, podendo ser denunciado anualmente por qualquer das partes mediante comunicação à contraparte com uma antecedência de 10 dias relativamente ao termo do período anual em causa.

HH) Ficou convencionado que sobre os saldos utilizados ao abrigo do 3.º Contrato de Abertura de Crédito seria aplicada a taxa Euribor (Base 360) a 6 meses, registada no 2.º dia útil anterior à data da sua celebração, acrescida de uma margem de 2%.

II) Nos termos previstos no 3.º Contrato de Abertura de Crédito, ficou convencionado que todos os pagamentos inerentes a essa abertura de crédito (incluindo reembolsos de capital, juros, comissões e demais encargos) seriam efetuados por débito na referida conta n.º ……98, comprometendo-se a 1.ª Ré a manter a mesma devidamente provisionada nas datas de reembolso de capital e pagamento de juros.

JJ) Em caso de incumprimento no pagamento do capital, juros remuneratórios e demais encargos em virtude do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, foi acordado que a taxa contratual aplicável à operação seria acrescida de 4% a título de cláusula penal devida pela mora, sendo também previsto que, se no momento da constituição da mora aquela taxa fosse inferior à taxa supletiva em vigor, seria esta a aplicável, acrescida de uma sobretaxa de 2%. 

LL) Mais ficou convencionado que, no caso de incumprimento do pagamento dos juros remuneratórios, o Autor procederia à capitalização de juros vencidos, sendo que os juros devidos pela mora seriam calculados sobre o capital em dívida e os juros remuneratórios em dívida capitalizados.

MM) Em execução do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor emprestou e creditou na conta de depósito à ordem da 1.ª Ré n.º ….98 a importância de € 250.000,00, que a 1.ª Ré sacou e utilizou.

NN) O 3.º Contrato de Abertura de Crédito foi objeto de aditamento celebrado no dia 04-08-2006, com efeitos a partir dessa mesma data, nos termos do qual a Cláusula 3.ª foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

«Cláusula 3.ª

(Taxa de Juro e Pagamento dos Juros)

1. A taxa de juro aplicável será a que vier a resultar da Taxa EURIBOR (Base 365) a 12 (doze) meses registada no dia 02/08/2006, acrescida de um spread de 1,5% (um vírgula cinco por cento) ao ano. Nas datas de vencimento dos juros, o Banco reserva-se o direito de alterar a Taxa e o spread em função das condições de mercado.

2. A taxa referida no número 1 supra é de 5,034% (cinco vírgula zero três quatro por cento) ao ano, sendo ajustável anualmente e automaticamente em função das variações que nela venham ocorrer.

3. A taxa anual efectiva (TAE) inicial a aplicar será de 5,034% (cinco vírgula zero três quatro por cento) e calculada de harmonia com os artigos 4.º e 5.º do 220/94, de 23 de Agosto. Para os períodos seguintes, a taxa de juro nominal e a taxa anual efectiva serão calculadas com base na fórmula constante do anexo 2 do Decreto-Lei n.º 220/94, por não ser possível determiná-la antecipadamente.

4. (…)

5. …

6. Os juros serão calculados dia a dia sobre o saldo da conta corrente e pagos anualmente».

OO) No dia 4-02-2005 os Réus pessoas singulares, a Bicafé, o BPP e o BPP Cayman celebraram um contrato denominado de penhor através do qual os Réus pessoas singulares constituíram penhor sobre as disponibilidades existentes na conta de que eram titulares junto do BPP Cayman com o número ….29, conforme documento junto a fls. 120 a 133 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

PP) Nos termos previstos no Contrato de Penhor, celebrado em 4-02-2005 a 1ª Ré e os 2.ºs Réus obrigaram-se a não exercer quaisquer direitos relativos aos ativos dados em penhor que alterassem, restringissem ou, de qualquer outro modo, afetassem o alcance do objeto do penhor enquanto não se mostrassem integralmente cumpridas as obrigações decorrentes do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, salvo prévio e expresso consentimento do Autor.

QQ) Por carta datada e expedida no dia 12-11-2010, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao pagamento dos juros devidos por conta, entre outros, do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, que a essa data ascendiam ao valor de € 22.421,63.

RR) Por fax e carta expedidos no dia de 24-02-2014, o Autor interpelou novamente a 1.ª Ré para proceder ao pagamento dos juros em falta por conta do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, à data de 06-01-2014 liquidados no valor de € 51.992,60, conferindo o prazo de 30 dias para cumprimento sob pena de resolução automática desse Contrato.

SS) No exercício do comércio bancário, o Autor celebrou com a 1.ª Ré, no dia 14.06.2005, um Contrato denominado de “abertura de crédito em conta corrente caucionada” nos termos do documento junto a fls. 144 a 158 cujo teor se dá por reproduzido. (4.º Contrato de Abertura de Crédito)

TT) De acordo com o 4.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor concedeu um crédito até ao limite máximo de € 400.000,00, destinado a apoio a tesouraria, sob a forma de conta aberta em nome da 1.ª Ré com o n.º …...98

UU) O 4.º Contrato de Abertura de Crédito foi celebrado pelo prazo de 59 meses a contar da data da sua celebração, automaticamente renovável por iguais períodos, podendo ser denunciado anualmente por qualquer das partes mediante comunicação à contraparte com uma antecedência de 10 dias relativamente ao termo do período anual em causa.

VV) Ficou convencionado que sobre os saldos utilizados ao abrigo do 4.º Contrato de Abertura de Crédito seria aplicada a taxa Euribor (Base 360) a 6 meses, registada no 2.º dia útil anterior à data da sua celebração, acrescida de uma margem de 2%.

XX) Nos termos previstos no 4.º Contrato de Abertura de Crédito, ficou convencionado que todos os pagamentos inerentes a essa abertura de crédito (incluindo reembolsos de capital, juros, comissões e demais encargos) seriam efetuados por débito na referida conta n.º …., comprometendo-se a 1.ª Ré a manter a mesma devidamente provisionada nas datas de reembolso de capital e pagamento de juros.

ZZ) Em caso de incumprimento no pagamento do capital, juros remuneratórios e demais encargos em virtude do 4.º Contrato de Abertura de Crédito, foi acordado que a taxa contratual aplicável à operação seria acrescida de 4% a título de cláusula penal devida pela mora, sendo também previsto que, se no momento da constituição da mora aquela taxa fosse inferior à taxa supletiva em vigor, seria esta a aplicável, acrescida de uma sobretaxa de 2%.

AAA) Mais ficou convencionado que, no caso de incumprimento do pagamento dos juros remuneratórios, o Autor procederia à capitalização de juros vencidos, sendo que os juros devidos pela mora seriam calculados sobre o capital em dívida e os juros remuneratórios em dívida capitalizados.

BBB) Em execução do 4.º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor emprestou e creditou na conta de depósito à ordem da 1.ª Ré n.º ….98 a importância de € 400.000,00, que a 1.ª Ré sacou e utilizou.

CCC) O 4.º Contrato de Abertura de Crédito foi objeto de aditamento celebrado no dia 19-06-2006, com efeitos a partir dessa mesma data, nos termos do qual a Cláusula 3.ª foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

«Cláusula 3.ª

(Taxa de Juro e Pagamento dos Juros)

1. A taxa de juro aplicável será a que vier a resultar da Taxa EURIBOR (Base 365) a 12 (doze) meses registada no dia 14/06/2006, acrescida de um spread de 1,5% (um vírgula cinco por cento) ao ano. Nas datas de vencimento dos juros, o Banco reserva-se o direito de alterar a Taxa e o spread em função das condições de mercado.

2. A taxa referida no número 1 supra é de 4,824% (quatro vírgula oito dois quatro por cento) ao ano, sendo ajustável anualmente e automaticamente em função das variações que nela venham ocorrer.

3. A taxa anual efectiva (TAE) inicial a aplicar será de 4,824% (quatro vírgula oito dois quatro por cento) e calculada de harmonia com os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto. Para os períodos seguintes, a taxa de juro nominal e a taxa anual efectiva serão calculadas com base na fórmula constante do anexo 2 do Decreto-Lei n.º 220/94, por não ser possível determiná-la antecipadamente.

4. (…)

5. …

6. Os juros serão calculados dia a dia sobre o saldo da conta corrente e pagos anualmente».

DDD) No dia 14-06-2005 os Réus pessoas singulares, a Bicafé, o BPP e o BPP Cayman celebraram um contrato denominado de penhor através do qual os Réus pessoas singulares constituíram penhor sobre as disponibilidades existentes na conta de que eram titulares junto do BPP Cayman com o número ….29, conforme documento junto a fls. 162 a 168 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

EEE) Nos termos previstos no Contrato de Penhor celebrado em 14-06-2005, a 1ª Ré e os 2.ºs Réus obrigaram-se a não exercer quaisquer direitos relativos aos ativos dados em penhor que alterassem, restringissem ou, de qualquer outro modo, afetassem o alcance do objeto do penhor enquanto não se mostrassem integralmente cumpridas as obrigações decorrentes do 4.º Contrato de Abertura de Crédito, salvo prévio e expresso consentimento do Autor.

FFF) Por carta datada e expedida no dia 12-11-2010, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao pagamento dos juros devidos por conta, entre outros, do 4.º Contrato de Abertura de Crédito, que a essa data ascendiam ao valor de € 42.412,29.

GGG) Por carta datada de 04-05-2011 e expedida no dia de 06-11-2011, o Autor comunicou à 1.ª Ré a denúncia do 4.º Contrato de Abertura de Crédito com efeitos a partir do dia 14-05-2011.

HHH) Nessa mesma carta, o Autor interpelou a 1.ª Ré para proceder ao reembolso da quantia total mutuada, acrescida dos juros vencidos por conta do 4.º Contrato de Abertura de Crédito.

III) No dia 30 de Março de 2010 foi constituído o “Fundo de Gestão Passiva – Fundo Especial de Investimento Fechado” (“FEI”) composto pelos ativos adquiridos pelos fundos provenientes da subscrição de instrumentos de dívida pelos clientes do Banco Autor e do Banco Privado Português (Cayman) Ltd. (as loan notes) emitidos por sessenta e cinco sociedades sedeadas nas ….., das quais sessenta e três foram objeto de gestão agregada (os “SIV’s”).

JJJ) Entre o dia 12 de Fevereiro e o dia 19 de Março de 2010, foi dada oportunidade aos clientes das referidas instituições bancárias para aceitarem a “troca” das suas loan notes por unidades de participação no FEI, através da subscrição de um acordo (denominado “Acordo de Reestruturação”).

LLL) Os 2.ºs Réus optaram por aderir ao FEI, tendo subscrito, em 19 de Março de 2010, 5 Acordos de Reestruturação, com o que vieram a ser titulares de unidades de participação proporcionais às loan notes por eles detidas de acordo com o critério que foi previamente definido e acordado.

MMM) De acordo com o previsto nos referidos Acordos de Reestruturação, quaisquer penhores estabelecidos sobre as loan notes objeto de cada um desses acordos foram automaticamente substituídos por um penhor sobre as unidades de participação recebidas em troca dessas “loan notes”.

NNN) Por cartas datadas de 1 de Abril de 2010, o Autor comunicou aos 2.ºs Réus a adesão de cada uma das aplicações de que eram titulares em virtude do contrato de gestão de carteira que celebraram com o Banco Privado Português (Cayman) Ltd. à proposta de reestruturação subjacente à constituição do FEI, com indicação do número de unidades de participação que lhes foram proporcionalmente atribuídas.

OOO) Por contrato celebrado no dia 7 de Abril de 2010 os Réus pessoas singulares cederam à Bicafé os créditos sobre o BPP Cayman Ltd emergentes da adesão por eles ao FEI, permanecendo na titularidade das unidades de participação no FEI que substituirão as loan notes e a liquidez, entretanto por elas gerada, conforme documento junto a fls. 188 a 190 dos autos.

PPP) Por carta do mesmo dia 7 de Abril de 2010, entregue em mão, a Bicafé notificou o BPP da cessão de créditos operada e declarou compensar tais créditos com os contra créditos de que o BPP era titular sobre si, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 187 dos autos cujo teor se dá por reproduzido.

QQQ) De acordo com o referido contrato de “Cessão de Créditos”, os 2.ºs Réus eram, a essa data, titulares dos seguintes créditos:

- Créditos denominados de “garantia”, identificados nos Acordos de Reestruturação a que acima se fez referência;

- Créditos denominados de “correcções”, mencionados nos documentos “Dados da Aplicação do Cliente”, anexos aos Acordos de Reestruturação;

- Créditos de “liquidez”, mencionados nos documentos “Dados da Aplicação do Cliente”, anexos aos Acordos de Reestruturação.

RRR) Os créditos denominados de “garantia” foram registados em conta aberta junto do Banco Privado Português (Cayman), Ltd., tal como foi expressamente previsto e regulado nos Acordos de Reestruturação.  

SSS) Os créditos denominados de “correcções” e de “liquidez”, foram creditados em conta aberta junto do Banco Autor.

TTT) Os créditos denominados de “correcções” e de “liquidez” foram reconhecidos aos 2.ºs Réus pela Comissão Liquidatária do Banco Autor no âmbito do processo de insolvência referido em B).

UUU) Por cartas datadas de 23 de Fevereiro de 2011, a Comissão Liquidatária do Banco Autor notificou cada um dos 2.ºs Réus, nos termos do artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, dos créditos que lhe foram reconhecidos, no valor de € 494.891,91 cada.

VVV) Os penhores constituídos originariamente tinham em 26-06-2014 por objeto:

- 926.715,751 unidades de participação do FEI, depositadas junto do Banco Privado Português (Cayman) Limited e a liquidez segregada entretanto gerada por estas;

- O valor indemnizatório a receber do Fundo de Garantia de Depósitos, no montante de € 200.000,00;

- Liquidez resultante de correcções e dos depósitos emergentes das aplicações creditados na conta n.º ..…73. junto do Banco Autor;

- Liquidez resultante dos créditos de garantia emergentes das aplicações creditados na conta n.º …..29 junto do Banco Privado Português (Cayman) Limited.

XXX) O contrato denominado “Cessão de Créditos” teve alegadamente por objeto:

- Créditos de Garantia decorrentes dos 5 Acordos de Reestruturação que foram celebrados, referidos nos documentos “Dados de Aplicação do Cliente” anexos a cada um desses 5 acordos;

- Créditos de correcções e regularizações, igualmente referidos nos documentos “Dados de Aplicação do Cliente” anexos a cada um dos 5 Acordos de Reestruturação que foram celebrados;

- Créditos de liquidez, referidos nos mesmos documentos “Dados de Aplicação do Cliente”.

ZZZ) O BPP é uma sociedade comercial constituída sob a forma anónima, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva .…. que, quando foi declarada insolvente no dia 16 de Abril de 2010, tinha um capital social de € 125.000.000,00 e sede na Rua …., em …..

AAAA) Desde data anterior a Janeiro de 2004 e até final de Novembro de 2008 foram administradores do BPP, entre outros, FF, GG e HH, doravante designados apenas por FF, GG e HH, sendo que o BPP sempre teve a sua sede efetiva em território nacional, onde sempre residiram efetivamente todos os membros do seu conselho de administração.

BBBB) Em data anterior a Janeiro de 2000 o Banco de Portugal autorizou o BPP a exercer a atividade bancária, conferindo-lhe assim a qualidade de instituição de crédito, autorização esta que se manteve em vigor até ter sido revogada por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 15 de Abril de 2010, sendo que por decisão do Banco de Portugal de 1 de Dezembro de 2008, até à data da insolvência o BPP foi dispensado do cumprimento pontual das obrigações anteriormente contraídas, no âmbito da gestão e patrimónios, pelo Banco de Portugal, ao abrigo do disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

CCCC) A qualidade de instituição de crédito permitia ao BPP dedicar-se também à intermediação financeira e, dentro dela, à gestão de carteiras por conta de outrem, atividade esta para cujo exercício se veio a registar na CMVM em 31 de Outubro de 1996. 

DDDD) Desde data anterior a 2000 e até 16 de Abril de 2010 o BPP esteve registado na CMVM para o exercício ainda das seguintes atividades: receção e transmissão de ordens por conta de outrem, negociação por conta própria em valores mobiliários, registo e depósito de instrumentos financeiros, serviço de câmbios e aluguer de cofres, consultoria sobre a estrutura de capital, assistência em oferta pública de valores mobiliários, consultoria para investimento, depositário de valores mobiliários, concessão de crédito e colocação em oferta pública de distribuição.

EEEE) Desde data anterior a 2004 e até ao final do ano de 2008 o BPP dispôs de instalações na cidade …., edifício onde estava instalada a sua sede, e na cidade …….

FFFF) O BPP Cayman é uma sociedade comercial sob a forma de instituição financeira de crédito, constituída em 1997 de acordo com as leis das ….., que tem a sua sede nas …..

GGGG) O objeto social do BPP Cayman consistia, nomeadamente, no exercício, em qualquer parte do mundo, da atividade bancária e de financiamento e na realização de operações financeiras e comerciais, empréstimo de dinheiro ou aceitação de depósitos e prossecução de todas as atividades que a lei das sociedades comerciais das …… não proíba.

HHHH) Para prossecução da sua atividade bancária, o BPP Cayman detinha a respetiva licença bancária (Banking License) emitida em 21 de Novembro de 1997 pelo “Governor in Council”, de acordo com o “The Bank and Trust Companies Law, 1989”.

IIII) A licença foi atribuída ao BPP Cayman em 30 de Outubro 1997, após a aprovação obtida do “Registrar of Companies – Cayman Islands” e de acordo com “The Companies Law (1995 Revision)”.

JJJJ) O capital social do BPP Cayman era integralmente detido pelo BPP até à insolvência do primeiro.

LLLL) O BPP Cayman foi autorizado pelas autoridades das ….. a exercer a atividade bancária, que incluía ainda a autorização para o exercício da atividade de intermediação financeira, incluindo a gestão de carteiras por conta de outrem e a prestação de serviços de consultoria para investimento em todos e quaisquer ativos. 

(MMMM) (Inexistente)

NNNN) Pelo menos desde o início do ano de 2002 até finais do ano de 2008 o órgão de administração do BPP Cayman foi composto por FF (Presidente), GG, HH e a partir de 2006 também por II e JJ, os quais nunca foram remunerados pelo BPP Cayman pelo exercício desses cargos, sendo outrossim remunerados pelas funções que exerciam no BPP.

OOOO) Durante aquele período FF, GG e HH foram também, simultaneamente, presidente e vogais efetivos do conselho de administração do BPP.

PPPP) II foi subdiretor de operações do BPP desde 1999, diretor de operações desde 2002 e diretor coordenador da Direção de Operações desde 2007, funções que exerceu pelo menos até finais de 2008.

QQQQ) JJ foi diretor financeiro do BPP desde 2003 e pelo menos até finais de 2008.

RRRR) O BPP Cayman tinha ainda como diretor coordenador (general manager) LL e como procuradores MM, NN e OO, os quais sempre e simultaneamente pertenceram aos quadros do BPP, não auferindo pelo exercício das suas funções no BPP Cayman qualquer remuneração adicional à que auferiam do BPP.

SSSS) LL foi diretor da área de retorno absoluto do BPP até 2005, diretor coordenador de toda a área de asset management (gestão de ativos) até Abril de 2008 e vogal efetivo do conselho de administração do BPP desde essa data.

TTTT) NN foi diretor da área risco e auditoria do BPP a partir de 2004 e diretor da área de risco e compliance a partir de 2008 e pelo menos até finais de 2008.

UUUU) OO foi diretor da área de retorno relativo do BPP desde Outubro de 2005 e pelo menos até finais de 2008.

VVVV) O BPP Cayman após a sua constituição celebrou com o BPP um contrato integralmente redigido em língua inglesa e denominado de Investments Advisory Agreement.

XXXX) As duas pessoas que assinaram este contrato em representação do BPP foram as mesmas duas pessoas que o assinaram em representação do BPP Cayman e que calham de ter sido as mesmas duas pessoas que, nesse mesmo dia, constituíram este, atuando em nome e por conta daquele. 

ZZZZ) Nos termos desse contrato cabia ao BPP prestar serviços de aconselhamento em investimento (investment advisory) ao BPP Cayman, nomeadamente quanto ao destino a dar aos fundos por ambos entregues aos SIV’s associados às aplicações de RAIIGC.

AAAAA) A remuneração auferida pelo BPP pela prestação destes serviços de investment advisory era meramente eventual e correspondia a um fee a acordar de tempos em tempos, não constando do contrato quaisquer critérios para a determinação do seu montante, se e quando fosse eventualmente devido.

BBBBB) No âmbito da gestão de ativos financeiros dos seus clientes, o BPP disponibilizava diversos tipos de investimentos, entre os quais estratégias de retorno absoluto, nas quais o investimento era por regra canalizado para o mercado de obrigações ou outros instrumentos financeiros. 

CCCCC) Nas estratégias de retorno absoluto o investimento podia ser direto ou indireto.

DDDDD) Nas estratégias de investimento direto os valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros eram adquiridos diretamente por conta dos clientes e registados individualmente em seu nome em conta aberta junto do BPP. 

EEEEE) Os investimentos em aplicações de retorno absoluto, na modalidade de investimento indireto com garantia de capital (RAIIGC), eram realizados da seguinte forma:

a. As entregas de dinheiro eram depositadas na conta do cliente associadas ao investimento, abertas junto do BPP, sendo posteriormente aplicadas nos Structered Investment Vehicles (os SIV’s) em contrapartida da emissão por estes de loan notes a favor dos clientes;

b. As loan notes emitidas conferiam aos clientes o direito a receber um montante em dinheiro correspondente a uma determinada percentagem do valor dos ativos líquidos que integravam as carteiras dos SIV’s, calculado em função do número de loan notes detidas pelo cliente e do número total de loan notes emitidas pelo respetivo SIV a favor dos diversos clientes incluídos na mesma estratégia de investimento;

c. Com os valores realizados aquando da emissão e subscrição pelos clientes das loan notes – e, bem assim, através do recurso a diversos tipos de operações de financiamento – eram adquiridos pelo BPP, em nome e por conta dos SIV’s, os ativos subjacentes que compunham as carteiras próprias dos SIV’s, designadamente obrigações e crédito estruturado;

d. O BPP funcionava, simultaneamente, como entidade depositária e gestora dos valores dos clientes, sendo cada cliente titular de contas de depósito abertas junto do BPP que eram movimentadas por esta instituição, ao abrigo de um contrato de gestão de carteira;

e. Nos termos destes contratos (isto é, no âmbito do retorno absoluto, na modalidade de investimento indireto com garantia), o cliente tinha direito ao reembolso total do capital investido, acrescido ou não de uma remuneração acordada na data de maturidade da estratégia. 

FFFFF) Não obstante a atividade desenvolvida pelo BPP ser uma atividade de gestão de carteiras, no âmbito dos contratos celebrados com a generalidade dos clientes de retorno absoluto – e como se viu também com os aqui Réus pessoas singulares – o BPP assumiu a garantia de retorno da totalidade do capital investido na data da sua maturidade.

GGGGG) Em concreto, os contratos de gestão de carteiras celebrados pelo BPP com os clientes de retorno absoluto eram constituídos por três documentos distintos que corporizavam meros formulários ou cláusulas contratuais gerais: (i) condições gerais de gestão de carteira (CGGC), (ii) condições especiais de gestão de carteira (CEGC) e (iii) descrição detalhada do investimento (DDI).

HHHHH) Os réus pessoas singulares estavam qualificados como investidores não qualificados.

IIIII) O BPP Cayman veio a reconhecer aos Réus pessoas singulares um crédito no montante de € 1.102.031,00.

Factos resultantes da prova produzida em audiência de julgamento

1) A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento dos juros convencionados nas datas de vencimento acordadas, nem posteriormente, nem procedeu à restituição do capital no valor de € 500.000,00 uma vez cessado o 1.º Contrato de Abertura de Crédito.

2) Os juros de financiamento vencidos, calculados até à data da cessação do 1.º Contrato de Abertura de Crédito, em 30-08-2011, ascendem a € 66.432,64.

3) Os juros devidos pela mora a título de cláusula penal por conta do 1.º Contrato de Abertura de Crédito ascendem à data de 12-05-2014 a € 108.351,07.

4) À data de 12-05-2014, é de € 674.783,71 o valor total das responsabilidades devidas pela 1.ª Ré por conta do 1.º Contrato de Abertura de Crédito.

5) A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento dos juros convencionados nas datas de vencimento acordadas, nem posteriormente, nem procedeu à restituição do capital no valor de € 650.000,00 uma vez cessado o 2.º Contrato de Abertura de Crédito.

6) Os juros de financiamento vencidos, calculados até à data da cessação do 2.º Contrato de Abertura de Crédito, em 17-11-2010, ascendem a € 78.225,99.

7) Os juros devidos pela mora a título de cláusula penal por conta do 2.º Contrato de Abertura de Crédito ascendem à data de 12-05-2014 a € 263.596,37

8) À data de 12-05-2014, é de € 991.822,36 o valor total das responsabilidades devidas pela 1.ª Ré por conta do 2.º Contrato de Abertura de Crédito.

9) A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento do saldo devedor por conta do 3.º Contrato de Abertura de Crédito no prazo que lhe foi facultado, pelo que tal Contrato cessou no dia 26-03-2014.

10) A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento dos juros convencionados nas datas de vencimento acordadas, nem posteriormente, nem procedeu à restituição do capital no valor de € 250.000,00 por conta do 3.º Contrato de Abertura de Crédito.

11) Os juros de financiamento vencidos, calculados até à data da cessação do 3.º Contrato de Abertura de Crédito, em 26-03-2014, ascendem a € 53.166,23.

12) Os juros devidos pela mora a título de cláusula penal por conta do 3.º Contrato de Abertura de Crédito ascendem à data de 12-05-2014 a € 3.139,86.

13) À data de 12-05-2014, é de € 306.306,09 o valor total das responsabilidades devidas pela 1.ª Ré por conta do 3.º Contrato de Abertura de Crédito.

14) A 1.ª Ré não procedeu ao pagamento dos juros convencionados nas datas de vencimento acordadas, nem posteriormente, nem procedeu à restituição do capital no valor de € 400.000,00 uma vez cessado o 4.º Contrato de Abertura de Crédito.

15) Os juros de financiamento vencidos, calculados até à data da cessação do 4.º Contrato de Abertura de Crédito, em 14-05-2011, ascendem a € 54.856,85.

16) Os juros devidos pela mora a título de cláusula penal por conta do 4.º Contrato de Abertura de Crédito ascendem à data de 12-05-2014 a € 141.255,04.

17) À data de 12-05-2014, é de € 596.111,89 o valor total das responsabilidades devidas pela 1.ª Ré por conta do 4.º Contrato de Abertura de Crédito.

18) À data de 12-05-2014, é de € 596.111,89 o valor total das responsabilidades devidas pela 1.ª Ré por conta do 4.º Contrato de Abertura de Crédito.

19) O devedor dos créditos referidos em XXX) denominados de “garantia” era (e é) o Banco Privado Português (Cayman), Ltd.,

20) Nos termos previstos no 1.º Contrato de Penhor, a “Conta Crédito” constitui a Conta de Depósitos à Ordem número ..... aberta junto do Banco Autor, sendo a “Conta Gestão” a carteira de gestão de títulos número …. aberta junto do Banco Privado Português (Cayman) Ltd.

21) Para além das 4 operações realizadas com a 1.ª Ré e denominados 1º, 2º, 3º e 4º Contrato de Abertura de Crédito, o Autor celebrou com essa mesma sociedade um outro Contrato de abertura de crédito no dia 5 de Setembro de 2008, nos termos do qual o Autor procedeu à abertura de crédito sob a forma de descoberto em conta de depósitos à ordem no valor de € 250.000,00.

22)Também para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no Contrato de Abertura de Crédito celebrado no dia 5 de Setembro de 2008, o Autor celebrou com a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus um contrato denominado de penhor, na mesma data, nos termos do qual os 2.ºs Réus constituíram penhor sobre os direitos para eles emergentes de um contrato de gestão de carteira que celebraram com o BPP Cayman (o qual também interveio nesse contrato). 

23) O referido contrato foi denunciado pelo Autor por carta datada de 19 de Agosto de 2010, tendo a denúncia produzido efeitos no dia 5 de Setembro de 2010. 

24) Nessa mesma carta, foi a 1.ª Ré interpelada para proceder à liquidação integral da dívida emergente de tal contrato e existente a essa data.

25) O financiamento resultante do contrato de 5 de Setembro foi integralmente pago. 

26) O BPP Cayman possuía, enquanto desenvolveu a sua atividade, uma carteira de Clientes própria.

27) O banco autor emitiu faturas em nome do BPP Cayman para cobrança de valores devidos por este pela utilização dos recursos do BPP nos anos de 2004 a 2008 – doc. 6 da réplica.

28) O BPP Cayman foi constituído como entidade dotada de personalidade jurídica autónoma, primordialmente para prosseguir a atividade de captação e gestão de investimentos de Clientes não residentes em Portugal, tendo em vista um alargamento do universo de Clientes do Grupo,

29) No decurso do ano de 2004 o Réu AA foi abordado por um bancário reformado que era da sua confiança e com quem mantinha uma relação próxima – o Sr. PP -, no sentido de se tornar ele cliente do Banco Privado Português, S.A. (o BPP).

30) Em seguida a esta abordagem por parte do Sr. PP e por ter anuído à sugestão que lhe havia sido deixada, o Réu AA reuniu pessoalmente com funcionários do BPP que lhe apresentaram um leque de produtos que o BPP tinha então em comercialização e que incluíam os produtos denominados de retorno absoluto com garantia de capital, que eram apresentadas como tendo um grau de risco equivalente ao de um depósito a prazo, os produtos denominados de retorno relativo, o investimento em veículos de private equity.

31) Na sequência destes contactos, em inícios do ano de 2004 o Réu AA veio a abrir uma conta de depósitos à ordem junto do BPP, titulada por si e pela sua mulher, a Ré BB.

32) O BPP tinha ao seu serviço uma equipa de colaboradores, que a ele estavam vinculados por meio de contratos de trabalho e que tinham por funções, sobre o mais, comercializar junto do público em geral os produtos financeiros que o BPP oferecia aos seus clientes e entre os quais se incluíam e em lugar de destaque pela representatividade que tinham as aplicações de RAIIGC.

33) Os colaboradores do BPP que integravam esta equipa e que exerciam estas funções eram designados de private bankers.

34) Os private bankers faziam prospeção de mercado, identificando potenciais clientes a cujo contacto procuravam chegar e junto dos quais comercializavam os produtos financeiros que o BPP oferecia aos seus clientes, incluindo as aplicações de RAIIGC.

35) Os private bankers recebiam os clientes e potenciais clientes nas instalações do BPP, que dispunham, para o efeito, de várias salas de reuniões ou deslocavam-se, eles próprios, ao domicílio indicado pelos clientes e potenciais clientes, se estes assim o solicitassem.

36) O relacionamento do BPP com os seus clientes era estabelecido através destes funcionários.

37) Quando o Réu AA se tornou cliente do BPP foi-lhe alocada um private banker, com quem o Réu AA falava frequentemente.

38) O Réu era visitado mensalmente por outros private bankers do BPP, encarregues de com essa periodicidade o visitarem para efeito de lhe apresentarem os produtos que o BPP tinha em comercialização, para lhe entregarem extratos e para em geral lhe prestarem informações sobre os investimentos que havia realizado.

39) Na sequência desses contactos e na ponderação das informações que lhe foram sendo prestadas, o Réu AA veio a decidir realizar os investimentos que realizou enquanto foi cliente do BPP e que envolveram a compra direta de instrumentos financeiros, o investimento em veículos de private equity (incluindo nos veículos Privado Financeiras, ……, entre outros) em produtos denominados de retorno relativo.

40) Por ocasião de cada visita mensal os private bankers faziam entrega ao Réu AA de um extrato que resumia por classes os seus investimentos a determinada data, geralmente coincidente com o final de cada mês e bem assim o comportamento de cada investimento durante o período em causa, evidenciando os ganhos e as perdas que haviam gerado.

41) Estes extratos eram apresentados na forma de um quadro impresso numa folha branca em que era resumida a posição de cada investimento e do conjunto de investimentos por classe e evidenciado o saldo final.

42) O réu AA veio a tornar-se cliente do Banco Privado Português (Cayman), Ltd.

43) Foi sugerido ao Réu que realizasse operações como as referidas nos autos, que, envolviam a celebração de um contrato de mútuo com a sociedade, a subscrição pelos réus de aplicações de retorno absoluto com garantia de capital, a celebração com os réus de um contrato de penhor como garantia do cumprimento do contrato de mútuo.

44) Os documentos necessários à realização de todos estes atos eram preparados, elaborados e apresentados pelo BPP prontos para serem assinados.

45) A Ré BB assinou os documentos instruída pelo Réu AA, confiando nas decisões de investimento do seu marido.

45) [45 repetido] Ao realizar tais operações o réu AA não pretendia expor a sociedade participante a qualquer risco, visto constituir seu firme princípio de gestão promover o seu crescimento através do recurso a fundos próprios e a suprimentos a prestar diretamente por si e não por recurso a dívida a constituir junto de terceiros, incluindo instituições de crédito.

46) As operações realizadas permitiam à 1ª ré obter vantagens de natureza fiscal, mormente baixando o IRC.

47) As aplicações de RAIIGC eram constituídas mediante a subscrição pelos Réus pessoas singulares do formulário que para o efeito lhes era disponibilizado pelo BPP já totalmente preenchido em todos os seus campos, correspondendo o seu teor ao dos documentos de subscrição ou renovação que se deixaram juntos como doc. 5.

48) O BPP Cayman nunca dispôs de quaisquer instalações físicas, incluindo balcões ou escritórios, nas ….. ou em qualquer outro País, incluindo em Portugal.

49) Para o exercício da sua atividade o BPP Cayman servia-se em exclusivo das instalações do BPP.

50) O BPP Cayman nunca dispôs de funcionários ou colaboradores próprios, servindo-se para o exercício da sua atividade dos funcionários e colaboradores ao serviço do BPP.

51) O sistema informático do BPP, SA e do BPP Cayman era conjunto, mas de acesso separado.

52) A escrita e a documentação referente a toda a atividade do BPP Cayman era arquivada nas instalações do BPP.

53) O BPP Cayman sempre usou o mesmo logótipo que o BPP – correspondente a um quadrado azul com a inscrição BANCO PRIVADO a branco, mostrando-se a expressão PORTUGUÊS escrita a azul logo por baixo do quadrado – ao qual acrescentava por baixo da expressão PORTUGUÊS a expressão CAYMAN.

54) O BPP Cayman sempre fez uso do mesmo papel de que o BPP fazia uso.

55) O modelo de carta, de extratos bancários e de quaisquer outros documentos emitidos pelo BPP Cayman era idêntico ao modelo usado em documentos equivalentes pelo BPP e produzido por este.

56) Nos documentos que emitia com recurso a meios informáticos, o BPP Cayman recorria aos modelos (templates) de que se servia o BPP.

57) Os modelos de contratos, nomeadamente de Ficha de Abertura de Conta, Condições Gerais de Abertura de Conta, Condições Gerais de Gestão de Carteira, Condições Especiais de Gestão de Carteira e Descrição Detalhada do Investimento de que o BPP Cayman se servia para contratar com os seus clientes eram rigorosamente os mesmos de que para esse efeito se servia também o BPP, nomeadamente os referentes às aplicações de RAIIGC.

58) O BPP Cayman servia-se também dos mesmos impressos de que se servia o BPP, nomeadamente dos impressos intitulados depósitos de valores e numerário.

59) Tal como o BPP, também o BPP Cayman comercializava aplicações de RAIIGC, servindo-se para o efeito dos private bankers contratados pelo BPP.

60) Quando um private banker contactava com um potencial cliente dava-lhe a possibilidade de os produtos ou aplicações financeiras apresentadas serem indistintamente contratados com o BPP ou com o BPP Cayman.

61) Através do BPP Cayman, o BPP promoveu a constituição de pelo menos nove sociedades offshore sedeadas nas …., nas …. e no …., denominadas A......, Inc, S......, T......., Ta.......Corp., St......Inc., C.....Inc., HS......, Ltd., F......, Ltd. e Th......, S.A. 

62) Todas estas sociedades tinham como último beneficiário económico (UBO) o BPP Cayman.

63) No período compreendido entre 2002 e 2008 foram realizadas operações cambiais e operações com títulos entre o BPP e as ditas sociedades offshore com vista a gerar lucros fictícios para o BPP, que lhe permitissem camuflar perdas ou apresentar resultados positivos ainda mais favoráveis.

64) Este procedimento foi decidido pela administração do BPP e era utilizado sempre que fosse necessário gerar resultados na instituição.

65) Suportando o BPP o risco de desvalorização dos ativos afetos às aplicações de RAIIGC por efeito da garantia de capital prestada, quando aqueles desceram abaixo do valor desta o BPP entendeu por bem desenvolver um mecanismo para ocultar dos clientes a volatilidade dos ativos afetos, evitando dar a conhecer o impacto que essas flutuações representavam, se e quando negativas.

66) Para que os extratos enviados periodicamente aos clientes da Área de Retorno Absoluto, investimento indireto com garantia de capital (os titulares de aplicações de RAIIGC), refletissem os argumentos comerciais e contratuais acordados com os mesmos, o BPP fez incluir nesses extratos, desde o ano de 2002 e até Novembro de 2008, um conjunto de descritivos relativamente aos quais se veio a apurar corresponderem a títulos meramente fictícios ou virtuais.

67) Quer o Leaving Seagull, quer o MB Float constituíam descritivos representativos de títulos meramente virtuais ou fictícios, que eram inseridos nos extratos com a finalidade de aos clientes ser apresentado um valor de carteira que se adequasse às suas expectativas em função do inicialmente contratado com o BPP, procedendo a um “alisamento” das valorizações das carteiras associadas às aplicações RAIIGC;

68) No período compreendido entre 2 de Dezembro de 2008 e 16 de Abril de 2010 o BPP continuou a exercer a sua atividade, tanto enquanto instituição de crédito, como enquanto intermediário financeiro.

69) Durante este período o Réu AA, por si e enquanto sócio e gerente da Bicafé, foi mantendo contactos regulares com os serviços do BPP, que o foram mantendo a par da situação do banco e do plano de reestruturação que estava em preparação. 

70) Em inícios do ano de 2010 foi comunicado ao Réu AA que o BPP ia promover uma reestruturação das carteiras de ativos associadas às aplicações de RAIIGC que passava pela sua transferência para um fundo de investimento a constituir e no qual os clientes titulares daquelas aplicações participariam na proporção das loan notes detidas – assunto que já vinha sendo comunicado ao Réu AA desde meados do ano de 2009, mas que só em inícios de 2010 conheceu desenvolvimentos que deixaram perceber que a constituição do anunciado fundo de investimento estaria para breve.

71) Determinante para a formação da vontade dos Réus em contratar nos termos em que contrataram, nomeadamente na subscrição de aplicações de RAIIGC, foi a circunstância de lhes ter sido afiançado que o BPP garantia o reembolso dos fundos que a elas viessem a ser alocados, chegada que fosse a maturidade contratada.

72) Foi também por ter sido prestada esta garantia de capital pelo BPP que os Réus sempre percecionaram como muito baixo o risco associado às operações que realizaram.

73) O BPP nunca fez refletir a garantia de capital inerente às aplicações de RAIIGC no seu balanço nem constituiu provisões para o efeito.

Foram considerados não provados, após as modificações introduzidas pelo tribunal ora recorrido, os factos alegados sob os artigos 23º a 25º, 28º, 30º, 31º a 34º, 39º a 53º, 55º, 61º a 63º, 67º a 69º, 73º a 75º, 79º a 81º, 84º a 88º, 193 º, 198, 199º, 228º, 229º, 237º, 239 a 248, 273º a 277º, 374º a 376º e 420 a 424º da contestação.

De direito

Da desconsideração da personalidade jurídica

Pretendem os Recorrentes que, em face da matéria de facto adquirida, se impõe a desconsideração da personalidade jurídica, só formalmente autónoma, do BPP Cayman, “de modo a que este e o BPP sejam havidos como uma única esfera jurídica”.

Não nos parece, porém, que assim possa ser.

Como nos diz Pupo Correia (Direito Comercial, 2003, pp. 541 e 542), a autonomia patrimonial da sociedade em relação aos sócios gera o perigo de manipulação abusiva das regras legais, em detrimento de terceiros. Múltiplas situações podem surgir na prática, envolvendo basicamente a confusão, num primeiro momento, dos patrimónios da sociedade e do sócio e, num segundo momento, a invocação por este da separação patrimonial para frustrar as expetativas dos credores. A desconsideração da personalidade jurídica visa combater essa utilização inadequada da sociedade, enquanto pessoa coletiva com património próprio, para satisfazer desígnios próprios dos sócios, em detrimento dos credores societários. A problemática diz respeito à utilização abusiva da personalidade jurídica das sociedades, mas sobretudo ao abuso da autonomia patrimonial de que elas gozam, isto é, à colheita de vantagens ilícitas com a manipulação da separação do património da sociedade em relação aos sócios.

E como aponta Brito Correia (Direito Comercial, 2.º volume, 1987, p. 240), a desconsideração significa, assim, uma derrogação do princípio legal da separação de esferas jurídico-patrimoniais, visando-se com ela uma correção das consequências jurídicas da imputação à sociedade, segundo as regras gerais, de certos atos que, pelo seu caráter abusivo ou pela sua finalidade extra-societária, se entende que devem obrigar outras pessoas (outros patrimónios).

O mesmo nos diz Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo III, 2004, pp. 627-644), quando expende que a desconsideração da personalidade jurídica (ou levantamento da personalidade coletiva) é um instituto arquitetado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica coletiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respetiva intencionalidade normativa. Trata-se basicamente do uso de pessoas coletivas fora dos objetivos próprios da personalidade coletiva, de modo que, contra os valores fundamentais do sistema venham causar danos ou promover atuações pelos quais não possam, depois, responder.

É pacífico, entretanto, que a desconsideração só pode admitir-se a título excecional (assim, Brito Correia, ob. e loc. cit.; Menezes Cordeiro, ob. e loc. cit.; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, 6.ª ed., p. 539), sob pena de se esvaziar de conteúdo o instituto da personalidade coletiva e cair em situações que, afinal, envolveriam a sua negação. Menezes Cordeiro observa, a propósito, que não se trata, pois, de pôr em crise o instituto da personalidade coletiva, importante fator de cooperação e progresso dentro do Direito, mas apenas de neutralizar formas abusivas de atuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.

Este mesmo autor localiza a necessidade de atuação do levantamento da personalidade em vários tipos de situações mais frequentes, das quais, dentro daquilo que é a tese dos ora Recorrentes, duas poderiam ter pertinência no caso vertente: (i) a confusão de esferas jurídicas (verifica-se quando, por inobservância de certas regras societárias ou por outras razões, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e dos sócios); (ii) e o atentado a terceiros (verifica-se quando a personalidade coletiva é usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar, mas sendo necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios) e o abuso da personalidade coletiva (verifica-se quando se está perante uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas através de uma pessoa coletiva).

Segundo se informa o acórdão da Relação de Lisboa de 16 de fevereiro de 2016 (processo n.º 519/10.5TYLSB-CE.L1-7, disponível em www.dgsi.pt), também Ana Perestrelo de Oliveira (A insolvência nos grupos de sociedades: notas sobre a consolidação patrimonial e a subordinação de créditos intragrupo”, RDS I (1999), 4, 995-1028, escrito a que, porém, não tivemos acesso) adverte que não é «o simples controlo, a interpenetração das sociedades ou a direção unitária que justificam o levantamento, dada a natureza excecional e subsidiária do instituto, sendo que este é trazido à colação quando “a personalidade foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros”, ou seja, – enquanto instituto de carácter excecional, a desconsideração mantém o seu espaço próprio de atuação – necessariamente residual – mas não pode nunca ser erigido em solução de âmbito geral para os problemas dos grupos de sociedades. Por isso mesmo, em princípio, a autonomia das sociedades mantém-se mesmo em caso de insolvência de uma ou de todas, salvo se os pressupostos do levantamento se encontrarem preenchidos ou se existir norma positiva a impor a responsabilidade.”

Enfim, poderá dizer-se, como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2009 (processo n.º 08A3991, disponível em www.dgsi.pt) que “Nos casos de desconsideração, a própria sociedade (pessoa colectiva) desvia-se da rota traçada pelo ordenamento jurídico, optando por um comportamento abusivo e fraudulento que não pode ser tolerado na utilização funcional da sociedade ou de que aquela conduta não é substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios (ou ao invés). A sociedade é, assim, utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade. (…) Para além disso, é ainda necessário determinar se existe e com que potencialidade uma actuação em fraude à lei. E esta verificar-se-á aquando da existência de um efeito prejudicial a terceiros.”

Acresce observar - e como adequadamente se aponta no acórdão recorrido - que a via da desconsideração não impõe um juízo de âmbito geral, aplicável a todos os negócios jurídicos e exercícios de direitos atuados pelo sujeito jurídico em questão, mas releva tão só no âmbito do conflito ou litígio em concreto trazido à jurisdição, sendo à luz das circunstâncias específicas do caso concreto que deverá ser avaliada a sua aplicação. É, aliás, o que também significa Brito Correia (ob. cit., p. 245).

Tendo presente este conjunto de pressupostos e vetores, e percorrendo a factualidade provada - e convém ter presente que a este tribunal compete apenas aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (v. art. 682.º, n.º 1 do CPCivil), e não proceder a novas ou acrescidas indagações em matéria de facto -, não vemos como se possa afirmar que se se está aqui na presença de uma situação enquadrável à ideia de uso abusivo da personalidade do BPP Cayman por parte do BPP.

Efetivamente, nada nos é revelado na matéria de facto provada que induza a ideia de que se está na presença de uma utilização inadequada do BPP Cayman, enquanto pessoa coletiva com património próprio, para satisfazer (neste caso, em desfavor ilegítimo dos 2.ºs Réus), desígnios ilícitos assacáveis ao BPP.

Ao invés, o que está provado denega razoavelmente essa ideia, pois que nos revela que na base da constituição do BPP Cayman e da atividade que este desenvolvia esteve o propósito de prosseguir a captação e gestão de investimentos de clientes, que esse Banco possuía efetivamente uma carteira de clientes própria e que, inclusivamente, o BPP e o BPP Cayman agiam entre si tendo subjacente um contrato que tinha em vista a prestação de serviços (serviços que se sabe que eram passíveis de pagamento, ainda que meramente eventual, e que, em todo o caso, chegaram a ser faturados) de aconselhamento em investimento do primeiro (BPP) ao segundo (BPP Cayman), nomeadamente em sede de operações como aquelas que os 2.ºs Réus decidiram empreender.

Acresce que foram dados como não provados vários factos (nomeadamente os constantes dos artigos 239 a 248 da contestação), que pretendiam, precisamente, significar que a intervenção do BPP Cayman em investimentos como aqueles que fizeram os 2.ºs Réus resultara do uso desse mesmo BPP Cayman fora dos objetivos próprios da respetiva personalidade coletiva, daí se gerando danos para os Réus.

Isto posto:

É dentro desta realidade factual que temos de compreender a relação que os 2.ºs Réus decidiram empreender, ou seja, o estabelecimento do contrato de gestão de carteira de títulos de que se fala nos autos. E é também dentro deste contexto que temos de compreender o estabelecimento com o BPP e com o BPP Cayman dos quatro contratos de penhor sobre as disponibilidades existentes na conta junto do BPP Cayman para garantia dos quatro empréstimos (contratos de abertura de crédito) concedidos pelo BPP à 1.ª Ré.

Dos escritos que formalizaram os diversos contratos em que foram parte os 2.ºs Réus (contrato de gestão de carteira e contratos de penhor) resulta com toda a clareza quem era - se o BPP, se o BPP Cayman - a contraparte dos Réus nesses negócios e em que medida, de sorte que nunca esteve em causa qualquer possível confusão de esferas jurídicas ou a frustração de expetativas sobre patrimónios. E, de resto, daquilo que em geral se aduz na contestação também resulta com clareza que os 2.ºs Réus não desconheciam que as entregas a que procederam para efeitos das aplicações cuja subscrição visaram eram direcionadas para a esfera do BPP Cayman, que as iria gerir e rentabilizar.

Deste modo, cremos que o mais que se poderá concluir a partir dos factos provados é que entre o BPP e o BPP Cayman estava estabelecida uma relação de domínio do primeiro sobre o segundo, ou seja, uma relação de interpenetração de sociedades (empresas). O que, em si mesmo, e pese embora a natureza íntima dessa relação, não repugna ao ordenamento jurídico nem dá sentido à figura da desconsideração da personalidade coletiva.

Mais propriamente, surpreende-se no relacionamento dessas duas sociedades um nexo de coligação, no figurino de sociedades em relação de grupo (abstraindo aqui do facto do BPP Cayman não ter sede em Portugal e de não estar esclarecido se valia como sociedade anónima), na certeza de que o capital social do BPP Cayman era detido exclusivamente pelo BPP (v. art.s 482.º alínea d), 488.º e 489.º  do CSComerciais).

E, nessa medida, cremos que nada tem de significativo, só por si, que os órgãos de administração fossem integrados por pessoas comuns às duas instituições, que a atividade do BPP Cayman fosse totalmente assegurada por recursos logísticos e operacionais do BPP, que o BPP tenha promovido a constituição de sociedades offshore através do BPP Cayman (sociedades essas que, aliás, tinham como último beneficiário económico (UBO) o BPP Cayman), e assim por diante.

Na realidade, e como se extrai do que dizem Pupo Correia (ob. cit., p. 677) e Brito Correria (Novas Perspetivas do Direito Comercial, p. 394), é típico do grupo de sociedades a sujeição a direção unitária ou orientação centralizada (na sociedade-mãe), agindo as sociedades no quadro da prossecução de estratégias e interesses comuns, de tal forma que, no plano económico concreto, o grupo se sobrepõe às sociedades que o compõem. Este tipo de aglomerado empresarial implica o contributo para uma estratégia unitária, que pode ser prosseguida mediante uma maior ou menor proximidade entre as diversas sociedades. Particularmente quanto ao grupo por domínio total inicial, diz-nos ainda Pupo Correia (ob. cit., p. 678) que “No fundo, apenas estão em causa interesses de ordem prática da sociedade dominante”.

Tendo tudo isto em presença, logo se vê também que as afirmações que os Recorrentes plasmam nas conclusões 14.ª e 15.ª estão longe de ter o efeito decisivo e retumbante que lhes querem atribuir.

Face aos factos provados, nada se surpreende no complexo relacional entre o BPP e o BPP Cayman que extravase o que vem de ser dito e que extravase o normal funcionamento da personalidade coletiva própria deste último, de modo a dizer-se que se registou uma confusão de patrimónios dessa sociedade e da sua sócia (o BPP) e que, a partir daí, acabaram frustradas quaisquer expetativas dos 2.ºs Réus relativamente à contratação que decidiram empreender.

É bem certo que se sabe que o BPP agiu de forma irregular em vários domínios da sua atuação como instituição de crédito e intermediário financeiro, nomeadamente sobrevalorizando ativos, gerando lucros fictícios, camuflando perdas, ocultando informação à supervisão, alisando resultados, e assim por diante. Isso está refletido em alguns dos factos provados e, ademais, decorre exuberantemente evidenciado nas decisões sancionatórias das competentes entidades de regulação e supervisão - o Banco de Portugal e a Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários – e na decisão que qualificou a insolvência, tudo como revelado pela pertinente documentação junta aos autos.

Porém, há que resistir à ideia - para a qual os Réus procuram direcionar o cerne da controvérsia - de que essas irregularidades culposas de procedimentos contendem, só por si, direta e imediatamente, com as relações estabelecidas entre o BPP, o BPP Cayman e os Réus, de modo a, no final, e com este ou aquele argumento jurídico, retirar à Autora a possibilidade de invocar o crédito que está a invocar.

Na realidade, tais irregularidades não têm impacto relevante naquilo que aqui estamos a discutir (superação ou ultrapassagem da personalidade jurídica), no sentido de que facto algum de entre os provados mostra que se regista um adequado nexo causal entre uma coisa (o cometimento das irregularidades) e outra (a contratação pelos 2.ºs Réus da gestão de carteira e dos penhores).

Temos assim que, contra o que pretendem os Recorrentes, não se pode dizer que aquilo que os 2.ºs Réus trataram com o BPP Cayman deve ser pura e simplesmente imputado ao BPP, nomeadamente com vista a concluir que os créditos sobre o BPP Cayman devem ser havidos como créditos sobre o BPP, produzindo as declarações que se tornaram eficazes em relação a um igual eficácia em relação ao outro.

Mais uma vez se observa que a desconsideração da personalidade coletiva está reservada para situações excecionais, sob pena de se esvaziar de conteúdo o instituto da personalidade coletiva e cair em situações que, afinal, envolveriam a sua negação.

Não nos parece que essa excecionalidade seja identificável na matéria de facto que nos é apresentada como provada.

Deste modo, não se subscreve aquilo que, em contrário do que fica dito, os Recorrentes argumentam ou sustentam juridicamente no apartado II do corpo da alegação e nas conclusões (maxime conclusão 16.ª).

Da cessão de créditos e da compensação

Pretende a 1.ª Ré, por via reconvencional, fazer valer a compensação que visou oportunamente operar entre o crédito da Autora e o crédito que, constituindo então parte do reconfigurado objeto do penhor, lhe foi oportunamente cedido pelos 2.ºs Réus.

Mas tal compensação não procede.

Desde logo, e quanto aos créditos denominados “da garantia”, porque, conforme é facto provado (ponto 19), o devedor desse crédito não era o BPP, mas sim o BPP Cayman. E, de resto, face ao que acima se disse relativamente à temática da desconsideração da personalidade coletiva, essa conclusão acaba por constituir uma inevitabilidade.

Note-se, a propósito, que o objeto do penhor que foi contratado correspondia aos investimentos dos 2.ºs Réus junto do BPP Cayman, traduzidos depois em instrumentos financeiros (tudo no âmbito da modalidade de oferta designada por “retorno absoluto, investimento indirecto com garantia de capital”, RAIIGC) cuja gestão foi confiada a esse mesmo BPP Cayman em decorrência do correspetivo contrato de gestão de carteira de títulos (a carteira n.º … de que se fala nos autos). Assim, cremos que é indiscutível que o BPP Cayman funcionava para todos os efeitos como o depositário dos valores mobiliários subjacentes (aliás, em três dos contratos de penhor até se menciona que “O BPP Cayman constitui-se fiel depositário dos valores mobiliários e demais instrumentos ou valores dados em penhor e que integram, em cada momento, a Carteira”), sendo exclusivamente ele o devedor perante os 2.ºs Réus.

Ora, a compensação só pode ser validamente (eficazmente, legitimamente) oposta ao devedor daquele que a declara, não a terceiro. Isto é, a compensação só produz o seu efeito legal (extinção da obrigação) quando é oposta à contraparte devedora daquele que a declara. O que é óbvio, visto que a compensação pressupõe a reciprocidade de dívidas (ainda que também de créditos) entre duas pessoas.

À parte o que acaba de ser dito, importa ter presente, agora quanto a todos os créditos objeto da cessão, que os 2.ºs Réus se obrigaram, para valer até ao cumprimento de todas as obrigações dos contratos de abertura de crédito, à não alienação dos valores depositados na conta-gestão e créditos a ela associados (1.º contrato) ou a não exercerem quaisquer direitos relativos ao objeto do penhor que alterassem, restringissem ou que de alguma forma afetassem o respetivo alcance (demais contratos). Quanto a estes últimos contratos vale também, naturalmente, a (mais explícita) obrigação de não alienação do objeto do penhor constante do 1.º contrato, na medida em que esse objeto se reportava à carteira de gestão de títulos em causa, ou seja, à conta-gestão n.º ….., aberta junto do BPP Cayman.

Estamos aqui perante cláusulas – aliás expressamente admitidas pela lei (art. 577.º do CCivil) – que interditavam a faculdade de disposição do objeto do penhor. Cláusulas essas que, acrescente-se, eram do conhecimento da cessionária (que interveio nos contratos de penhor, sendo, inclusivamente, representada neles pelo próprio cedente marido) e que, por isso, lhe eram oponíveis.

Tais cláusulas colocaram os créditos fora do comércio jurídico (v., a propósito, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3.ª ed., p. 267, nota (1)).

Ora, a transmissão dos créditos dos 2.ºs Réus para a 1.ª Ré, através do mecanismo da cessão de créditos que se decidiu empreender, transgrediu o que fora convencionado.

O que implica a conclusão de que a cessão foi ineficaz relativamente ao contratante em benefício de quem foi constituída a garantia do penhor, ou seja, o BPP. Foi este, e não o BPP Cayman, que desembolsou os recursos pecuniários de que se serviu a 1.ª Ré, tendo por isso interesse na conservação da garantia.

Deste modo, cremos que se apresenta correto o acórdão recorrido quando conclui que os créditos permaneceram para todos os efeitos na esfera dos 2.ºs Réus (os cedentes), de sorte que a cessionária (a Ré sociedade) não se pode apresentar, perante a Autora, como titular dos créditos para depois os compensar com os créditos desta última sobre ela cessionária. No fundo, tudo se passa, no confronto do declaratário (o BPP), como se a declarante (a Ré sociedade) tivesse utilizado para a compensação créditos alheios, o que não é legalmente admissível (v. o n.º 2 do art. 851.º do CCivil).

E se essa impossibilidade de mobilização do objeto do penhor e de compensação dos créditos acaso redundou depois (indiretamente, claro está) em algum tipo de prejuízo para os 2.ºs Réus, então a forma de superar essa desvantagem passa pela afirmação dos inerentes créditos perante o respetivo devedor, o BPP Cayman (e sabe-se, de resto, que na insolvência do BPP Cayman lhes foi reconhecido um crédito no montante de €1.102.031,00), tudo sem prejuízo dos créditos que a Comissão Liquidatária do BPP lhes reconheceu (€494.891,91 a cada um) em decorrência dos acordos de reestruturação oportunamente operacionalizados.

Mas uma outra razão sempre levaria à inoperância jurídica da pretendida compensação.

É que é requisito da compensação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 847.º do CCivil, que contra o crédito do declarante não proceda exceção, nomeadamente dilatória, de direito material.

Como é sabido (v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., p. 1028; Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 132), por exceção dilatória de direito material entende-se aquela circunstância de natureza substantiva que obsta momentaneamente (por oposição à exceção perentória, que se caracteriza por ser um meio de defesa definitivo) a que o direito possa ser efetivado ou exercitado. Ou seja, há um diferimento ou dilação forçada da possibilidade desse exercício.

Embora a compensação não represente a satisfação do crédito do credor (representa, pelo contrário, a extinção da correspetiva obrigação através de uma conjugação de créditos de sentido oposto, que retira razão de ser à própria satisfação do crédito), pressupõe necessariamente a existência de um crédito sobre a contraparte. E a possibilidade do exercício desse direito está condicionada pela existência (caso em que o crédito não pode ser exercitado) ou pela inexistência (caso em que o crédito pode ser exercitado) de um qualquer óbice de direito substantivo.

Deste modo, a compensação pode acabar mal sucedida se o declarante estiver sujeito - à semelhança, portanto, do que sucederia se acaso tivesse optado por exigir autonomamente a satisfação do seu crédito - a que lhe seja oposta uma circunstância que o impede de levar por diante o exercício do crédito. Compreende-se que assim deva ser, pois de outro modo conseguir-se-ia, indiretamente, pela compensação aquilo que não se conseguiria através da exigência do cumprimento da obrigação: a desconsideração de uma circunstância (a tal exceção dilatória) de que beneficia a contraparte devedora e que lhe confere o direito de resistir momentaneamente contra o credor enquanto essa circunstância obstativa se mantiver.

Ocorre, porém, que quando a 1.ª Ré declarou a compensação (7 de abril de 2010) o BPP encontrava-se submetido (desde dezembro de 2008, perdurando depois até à revogação de autorização para o exercício da sua atividade), por determinação do Banco de Portugal, à providência extraordinária de administração provisória. E juntamente com a designação de administradores provisórios, o Banco de Portugal determinou a providência extraordinária de dispensa temporária do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas. Tudo nos termos então vigentes dos art.s 143.º e 145.º, n.º 1, alínea b) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92.

Esta dispensa temporária do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas resolve-se claramente numa exceção dilatória de direito material, na medida em que conferia ao BPP a possibilidade transitória de obstar à realização contra si de qualquer pretensão creditícia por parte dos seus credores.

Ora, ao afirmar uma pretensão creditória (a titularidade dos créditos que lhe foram cedidos) sobre o BPP e ao querer fazer valer, a partir daí, a compensação, a 1.ª Ré não teve em conta que o livre exercício dessa pretensão estava legalmente condicionado, ou seja, que a pretensão não era passível de ser exercitada livremente tal como foi.

E, contrariamente ao que afirmam os Recorrentes na conclusão 20.ª, a invocação pela Autora das referidas restrições constantes dos contratos de penhor não pode ser vista como abusiva e ilegítima. Tendo o BPP concedido os empréstimos à 1.ª Ré e sendo ele o beneficiário das garantias, tinha interesse legítimo em invocar a seu favor aquilo que as iria neutralizar. Interesse esse que está agora transferido para a Autora, a massa insolvente do BPP.

Deste modo, não se subscreve aquilo que, em contrário do que fica dito, se argumenta ou sustenta juridicamente nos (dois) apartados III do corpo da alegação dos Recorrentes e nas conclusões 18.ª, 19.ª, 20.ª, 21.ª, 22.ª, 23ª e 24.ª.

Da responsabilidade civil do BPP perante os Réus

Sustentam os Recorrentes que o BPP não agiu adequadamente (diligentemente) no modo como vendeu e geriu as aplicações de RAIIGC que integravam o objeto do penhor, violando assim deveres inerentes à intermediação financeira e os deveres de credor pignoratício. Por isso o BPP, com culpa, provocou a perda do valor da garantia que lhe foi prestada, pelo que deve arcar com o prejuízo daí emergente. Concluem a partir daqui que o BPP está constituído em responsabilidade civil para com os Réus, o que teria por efeito a inexigibilidade do crédito da Autora na parte não passível de ser satisfeita pelo penhor; para o caso de assim se não entender, dizem declarar a compensação do crédito indemnizatório de que se afirmam titulares com o contra-crédito do BPP emergente dos financiamentos concedidos, a liquidar oportunamente.

Mas, segundo bem nos parece, este conjunto de pretensões não pode ter sucesso.

Desde logo, e na sequência, aliás, daquilo que acima ficou dito a propósito da (não) desconsideração da personalidade jurídica, os bens que integravam o objeto do penhor têm de ser havidos como tendo estado sob gestão e à guarda do BPP Cayman, e não do BPP. Foi com o primeiro, e não com o segundo, que os 2.ºs Réus firmaram o contrato de gestão de carteira de títulos, e resulta claro que não o fizeram de forma desprevenida ou equivocada.

Portanto, se acaso alguma gestão culposa com rebate no valor do objeto do penhor se registou, o efeito (prejuízo) é repercutível na esfera jurídica do BPP Cayman, resolvendo-se em última análise num crédito sobre a respetiva massa insolvente e que junto desta poderia ser feito valer. E sabe-se, de resto, que aos 2.ºs Réus foi reconhecido (e, ao que parece, sem qualquer tipo de tergiversação por parte deles) no âmbito da liquidação desse Banco (que corre perante outra jurisdição). E no que respeita ao BPP, importa dizer que, dentro das responsabilidades contratuais que lhe são atribuíveis, a inerente responsabilidade está transferida para a respetiva massa insolvente, no âmbito da qual os 2.ºs Réus poderiam reclamar os seus créditos. E sabe-se que lhes foram reconhecidos (e, segundo parece, também sem qualquer tipo de tergiversações) os créditos tidos por pertinentes.

Relativamente à temática da violação pelo BPP de deveres inerentes à qualidade de intermediário financeiro, dizem os Recorrentes que lhes foi prestada informação falsa aquando da subscrição das aplicações de RAIIGC.

Não suscita dúvidas, pois que é de lei, que o intermediário financeiro está obrigado a prestar ao cliente informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Porém, a matéria de facto provada não dá respaldo á ideia de que estas obrigações foram omitidas pelo BPP, sendo que era aos Réus que competia provar, precedendo a alegação dos correspondentes factos concretos, que informação relevante para a sua decisão de subscrever ou não as aplicações é que afinal foi omitida (facto ilícito) e em que é que essa omissão interveio como causa do dano que dizem ter-se verificado (nexo de causalidade).

Subentende-se da factualidade provada, é certo, que o BPP nada informou acerca da forma como agia no exercício da sua atividade em sede contabilística e de observância das devidas normas prudenciais. Mas esse tipo de informação, aliás matéria de índole exclusivamente técnica e de interesse direto e imediato apenas para as competentes instâncias de regulação e supervisão, não pode ser visto como integrando o acervo informativo a dispensar aos clientes. A forma como se desempenha a atividade (com a consequente garantia do sucesso do negócio ou de solvabilidade) não fazem parte desse acervo informativo do intermediário financeiro. Como bem se entende na decisão recorrida e na sentença da 1.ª instância, a não revelação contabilística não afetava em si mesma a restituição do capital a que se vinculara o BPP, não afetava o compromisso assumido pelo BPP de restituição do capital, e se essa restituição não ocorreu tal ficou a dever-se (esta a causa adequada) à respetiva insolvência (para o que foi decisivo, acrescente-se, a crise financeira internacional que de toda a gente é bem conhecida) e não a qualquer défice de informação.

De outro lado, é de observar que a matéria de facto que temos disponível não revela que se constituiu um efetivo dano para os Réus. E sem dano não há lugar á responsabilidade civil, não há lugar à obrigação de indemnização. Como nos diz Galvão Telles (Direito das Obrigações, 7.ª Ed., Reimpressão, p. 373) - e se dúvida alguma houvesse quanto a isso, que não há - “A responsabilidade civil (…) traduz-se na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar prejuízos, e, portanto, sem estes, não existe”.

Efetivamente, nenhum facto de entre os provados mostra que o objeto do penhor, entretanto transmudado, ficou desvalorizado. E muito menos que ficou desvalorizado em termos tais que deixou de garantir a satisfação integral do crédito decorrente dos financiamentos.

O que tudo, portanto, tira base ao pretenso crédito por indemnização por danos e, deste modo, também à invocada compensação.

O que tudo nos permite também concluir que é ajustado ao caso o que diz o acórdão recorrido quando aduz precisamente que não está demonstrado que os títulos perderam valor e que a Autora tenha tido responsabilidade nessa hipotética perda.

E, dentro da mesma linha, afigura-se correta a sentença da 1ª instância quando observa que não está provado que as unidades de participação no FEI têm um valor inferior ao da carteira de títulos cuja gestão estava inicialmente cometida ao BPP Cayman. Acresce dizer que a sentença não deixa de assumir (o que vale para todos os efeitos como um facto instrumental) que, “como foi referido por várias testemunhas, o FEI permitiu a recuperação dos ativos e a recuperação da quase totalidade dos investimentos realizados pelos clientes entre eles os ora 2.ºs Réus”.

Como sobredito, os Recorrentes mais declaram, ainda nesta sede, e invocando o art. 99.º do CIRE, “compensar o crédito indemnizatório de que são titulares e que emerge dos ilícitos vindos de apontar com o contra-crédito do BPP emergente dos financiamentos concedidos, a liquidar em incidente autónomo”. Ora, esta pretensão soçobra de imediato, pois que inexiste o suposto crédito indemnizatório a compensar. Acresce que também improcederia por uma questão de ordem processual: estaríamos aqui perante uma compensação feita valer em sede de recurso, pois que é diferente daquela que foi objeto da reconvenção oportunamente deduzida, e, como tal, declarada fora do modo, tempo e lugar devidos.

Improcedem assim, no que estão contra o que vem de ser dito, as conclusões 28.ª, 29.ª e 30.ª.

Da não verificação dos pressupostos (culpa e nexo de causalidade) da responsabilidade contratual imputada pela Autora à 1.ª Ré

Renovam aqui os Recorrentes a questão da responsabilidade na desvalorização das aplicações de RAIIGC que ficaram a garantir os empréstimos concedidos à 1.ª Ré. Segundo eles, a culpa dessa desvalorização foi do BPP, de sorte que ficou afastada a presunção de culpa que sobre a 1.ª Ré, devedora, recaía relativamente ao incumprimento dos empréstimos feitos pelo BPP. Acresce que, baseando-se a responsabilidade da 1.ª Ré numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado (o BPP) na desvalorização da garantia implicou legalmente a exclusão do dever de indemnizar da 1.ª Ré. Concluem que deve ser o BPP a arcar com as consequências da desvalorização das aplicações.

Mas não pode ser subscrito um tal ponto de vista.

Como os próprios Recorrentes reconhecem, presume-se legalmente a culpa da 1.ª Ré.

A culpa que está aqui em causa é a culpa inerente ao não cumprimento das obrigações que para a 1.ª Ré derivavam dos contratos de abertura de crédito que celebrou com o BPP.

Assunto que não se confunde em si mesmo com a invocada desvalorização do objeto do penhor, que tem a ver com a garantia dos empréstimos, e não com o cumprimento das obrigações próprias da mutuária.

O que significa que qualquer culpa que possa ser imputada ao BPP relativamente a essa suposta desvalorização não tem o menor rebate na culpa presumida da 1.ª Ré, nem a isenta das consequências que para ela advêm do não cumprimento pontual dos contratos de abertura de crédito.

Ainda assim dir-se-á que, como acima se apontou, a factualidade provada não dá respaldo à conclusão de que o objeto do penhor se desvalorizou e que, portanto, o BPP ficou por essa razão constituído em responsabilidade civil perante os 2.ºs Réus. O que retira qualquer essencialidade à culpa conotada com essa desvalorização.

Mais sustentam os Recorrentes que inexiste nexo de causalidade entre a atuação da 1.ª Ré e a lesão que o BPP sofreu. A seu ver, o reembolso do mútuo haveria sempre de se dar pelas forças dos fundos entregues pelos 2.ºs Réus, conquanto que o BPP tivesse sido zeloso e diligente na administração desses fundos, o que não se verificou. Nessa medida, o BPP é que deu causa a que a garantia não cubra os financiamentos concedidos. Daqui que, concluem, se os empréstimos não resultaram pagos no vencimento foi porque a garantia se desvaneceu por culpa do BPP e não porque a 1.ª Ré os não tivesse pago.

Mas este ponto de vista também não pode ser subscrito.

Desde logo, e postas as coisas em termos factuais, porque facto algum de entre os que estão revelados nos autos indica que o pagamento dos empréstimos era para ser feito pelas forças da carteira de títulos dos 2.ºs Réus. E se assim é, então a causa da lesão do BPP passa completamente à margem da alegada má administração dos fundos, não há qualquer relação relevante entre uma coisa e a outra.

E, postas agora as coisas em termos jurídicos, o penhor que foi constituído consistiu numa garantia (oferecida por terceiro) do crédito pecuniário do BPP, e não num meio direto de pagamento da dívida da 2.ª Ré.

Portanto, o que se possa ter passado em sede de administração do objeto da garantia é uma condição sem conotação relevante com a lesão do BPP.

Ainda, não está alegado ou provado que os 2.ºs Réus, que são juridicamente terceiros relativamente aos contratos de abertura de crédito, assumiram (seja no figurino da assunção liberatória, seja no figurino da assunção cumulativa) a dívida da 1.ª Ré, razão pela qual o que se possa ter passado com a administração do seu património (a gestão da carteira de títulos) nenhuma relação tem a ver com a lesão causada pela 1.ª Ré ao BPP.

Na realidade, as coisas devem ser postas precisamente ao contrário da forma como os Recorrentes as põem: é que se a 1.ª Ré tivesse cumprido, o BPP não teria sofrido a lesão. Logo, a causa adequada da lesão foi o incumprimento da 1.ª Ré, e nada mais que isto.

Em boa verdade, as razões apontadas pelos Recorrentes nada têm a ver com o pressuposto do nexo de causalidade, mas sim com uma alegada falta de zelo e diligência na gestão dos fundos que foram confiados ao BPP Cayman no âmbito do correspondente contrato de gestão de carteira. Mas quanto a isso já se disse o que havia a dizer, nada mais havendo a acrescentar de útil.

Improcede, assim, a conclusão 31.ª

Da anulação dos contratos de abertura de crédito por erro sobre o objeto do negócio e por dolo

Dizem os Recorrentes que nas diversas relações contratuais que empreenderam (contratos de abertura de crédito, contrato de gestão de carteira de títulos, contratos de constituição dos penhores, cuja unificação supõem), agiram no convencimento, ardilosamente criado pelo BPP, que as aplicações de RAIIGC beneficiavam de efetiva garantia de capital e no pressuposto de que se integravam no exercício pelo BPP de atividade lícita, pressupostos que este sabia serem essenciais para a respetiva decisão de contratar. De outro modo não teriam contratado. Concluem que os contratos são anuláveis por erro simples e por dolo sobre o objeto do negócio, de sorte que a 1.ª Ré só terá de reembolsar o que lhe foi emprestado no momento e na exata medida do que o BPP venha a reembolsar os 2.ºs Réus do que estes lhe entregaram em subscrição das ditas aplicações.

Observe-se desde logo que esta questão da anulação dos negócios por erro não se mostra levada às conclusões do presente recurso. Consequentemente, será de entender que o objeto inicial do recurso foi restringido (n.º 4 do art. 635.º do CPCivil), pelo que não haverá que conhecer da questão.

Acresce que a questão do erro não foi sequer submetida (como resulta das conclusões da apelação dos Réus) à apreciação do tribunal recorrido, que, por isso, também não se pronunciou sobre ela. Ora, é sabido que os recursos visam reapreciar questões submetidas à decisão do tribunal recorrido e não criar decisões ex novo, o que, de igual forma, terá como resultado a impossibilidade de se conhecer do recurso nessa parte.

Ainda assim dir-se-á, em breve nota, que a invocada anulação por erro nunca poderia ter lugar.

O erro, enquanto vício na formação da vontade, consiste numa falsa perceção ou representação da realidade, que pode ser espontânea ou provocada (dolo). A pessoa age convencida de uma certa realidade, que é determinante para a sua decisão de efetuar o negócio. Se tal realidade afinal não ocorria, então agiu equivocadamente (sob erro). Bem se vê que o erro tem de ser aferido em função das circunstâncias coevas da formação da vontade, e não (como nos parece ser o caso) construído a partir das circunstâncias do presente para formar a vontade no passado (confusão entre erro e arrependimento).

Diferente disso tudo são os riscos do negócio celebrado.

Nestes riscos está compreendido o insucesso do negócio, nomeadamente por uma qualquer razão, culposa ou não, ligada à pessoa da contraparte. E, no limite, existe sempre o risco de insolvência dessa contraparte.

Não suscita dúvidas, pois que isso está provado, que foi determinante para a formação da vontade dos Réus em contratar nos termos em que contrataram, nomeadamente na subscrição de aplicações de RAIIGC, a circunstância de lhes ter sido afiançado que o BPP garantia o reembolso dos fundos alocados, chegada que fosse a maturidade dos contratos.

Não suscita também dúvidas que o BPP, a par de outras irregularidades, nunca fez refletir a garantia de capital inerente às aplicações de RAIIGC no seu balanço nem constituiu provisões para o efeito.

Simplesmente, e como bem se significa na sentença da 1.ª instância, tudo isso passa à margem do erro na formação da vontade.

Pois que é certo que o BPP assumiu a garantia de retorno da totalidade do capital investido na data da sua maturidade, do mesmo passo que, como está provado, é certo que os Réus tinham perceção do risco, ainda que muito baixo, associado às operações que realizaram. Se o negócio acabou depois por não produzir o resultado procurado, isso nada tem a ver com a figura do erro, mas sim com os riscos do negócio, transferindo-se agora as consequências desse risco para as massas insolventes do BPP e do BPP Cayman.

E as irregularidades contabilísticas e prudenciais praticadas no seio do BPP não têm aqui qualquer relevância. Em sítio algum está provado que foi determinante para a contratação dos Réus a confiança na regularidade contabilística do BPP e no bom cumprimento das normas prudenciais inerentes à atividade que exercia, ou que foi a violação dessas normas (na medida em que possam ser vistas como destinadas também a proteger interesses alheios) que levou adequadamente a qualquer eventual prejuízo dos Réus.

Como justamente se significa na sentença da 1.ª instância, não é sequer crível que anos antes do colapso do BPP - recorde-se, a propósito, que os contratos aqui em causa foram celebrados em 2004 e 2005, o downgrade do rating do BPP foi conhecido em finais de 2008, altura em que o Banco de Portugal implementou a medida de saneamento que se conhece, e que só em 2010 é que foi revogada ao BPP a autorização para o exercício da atividade – fizesse parte das preocupações dos clientes do BPP esse tipo de coisas técnicas, quanto mais erigirem-nas em elemento essencial à contratação.

Da união de contratos

Sustentam os Recorrentes que os diversos contratos que celebraram com o BPP (contratos de abertura de crédito, contrato de gestão de carteira de títulos, contratos de penhor) estão intrínseca e indissociavelmente ligados entre si, como se de uma mesma e única relação contratual se tratasse (união de contratos), do que resultaria um regime jurídico próprio unitário. Concluem que as contas entre as partes se devem haver por saldadas, estando a satisfação do crédito do BPP operada pelas forças da contraprestação realizada pelos 2.ºs Réus.

Mas também aqui se lhes não pode reconhecer razão.

Seguindo de perto doutrina corrente (assim, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, I, 10.ª ed., pp. 281 e seguintes; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., pp. 87, 88 e 89; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., pp. 342 e 343), podemos dizer que se verifica uma situação de união ou coligação de contratos quanto se celebram dois ou mais contratos autónomos e individualizados (os contratos não se fundem, cumulam-se), ligados ou unidos entre si.

Essa ligação poderá ser externa ou acidental (união extrínseca), proveniente de circunstâncias meramente fortuitas (trata-se de uma união aparente, sem real interesse), ou pode ser de dependência (unilateral ou bilateral) entre os contratos, por existir um certo nexo funcional entre eles, de modo que um dos contratantes não aceitaria celebrar um dos contratos sem o outro. Fala-se aqui então em união com dependência (união intrínseca).

Nesta última hipótese, as partes querem - e isso é um assunto a dirimir de acordo com o que se extrai dos termos dos contratos, das relações económicas entre os contratos ou da interpretação da vontade das partes - que os contratos valham como associados economicamente em certos termos, pelo que um contrato só será válido e operante se o restante o for; e desaparecido um, desaparecerá também o outro (ou seja, a validade e vigência de um ficará dependente da validade e vigência do outro). Mas em tudo o mais aplicam-se a cada contrato as suas regras próprias. Diferentemente do que se passa relativamente aos chamados contratos mistos, na união de contratos não fica afetada a individualidade dos contratos, apenas sucede que a circunstância de estarem relacionados entre si de modo intrínseco faz com que as vicissitudes (que podem ser de diversa ordem, factual ou jurídica) de um possam influir ou ter rebate sobre o outro.

No caso vertente – e pese embora a declaração de não prova de factos que de alguma forma se prendem com a temática da união de contratos (referimo-nos basicamente aos factos dos artigos 374, 375 e 376 da contestação) - revela-se a existência de uma ligação entre os contratos de empréstimo e o contrato de gestão de carteira de títulos (que, por sua vez, serviu de base aos contratos de penhor), de modo que tudo leva a crer que sem a celebração daqueles não se teria celebrado este último e vice-versa. Os factos dos pontos 43, 45 e 46 abonam a bondade desta conclusão. Menos claro fica saber se foram os contratos de abertura de crédito que justificaram o contrato de gestão de carteira, ou se foi este último que deu oportunidade para celebrar, pois que vantajosamente para os Réus (v. o facto do ponto 46), os contratos de abertura de crédito. Mas isso afigura-se irrelevante.

Vale tudo isto como uma união intrínseca de contratos?

A resposta negativa impõe-se, o que se justifica com o facto do contrato de gestão de carteira e dos contratos de penhor funcionarem aqui como meios de garantia dos contratos de abertura de crédito.

É que quando se fala da união de contratos está-se a pensar em contratos que encerram objetos distintos, sucedendo apenas que existe algum tipo de interdependência entre eles que exige que os seus efeitos devam ser harmonizados entre si. Isso não sucede no caso de um contrato de garantia. A garantia está ao serviço do crédito garantido (é deste acessória), funciona como uma extensão do objeto do contrato que firma o crédito garantido, não constituindo propriamente uma relação jurídica substantivamente distinta do contrato garantido. As suas vicissitudes têm impacto no contrato que firma o crédito garantido, mas não implicam qualquer desvio ou ajustamento ao regime próprio dos contratos envolvidos, e é a necessidade desse desvio ou ajustamento que dá mote à figura da união intrínseca de contratos.

Afigura-se, deste modo, que entre os contratos de abertura de crédito e os demais contratos em presença não se pode falar, a despeito da ligação que se surpreende entre eles, de uma verdadeira união intrínseca de contratos.

Porém, vamos admitir que se possa ver no caso uma união de contratos relevante.

Mas se assim for, importa dizer que carece de qualquer sustentáculo factual a ideia dos Recorrentes de que os contratos estão intrínseca e indissociavelmente ligados entre si, como se de uma mesma e única relação contratual se tratasse, de modo a concluir que é mandatório que a satisfação do crédito do BPP se faz através das forças da contraprestação realizada pelos 2.ºs Réus. Note-se que a união de contratos pode levar a que vicissitudes inerentes a um contrato influam ou tenham rebate sobre o outro, mas isso não significa necessariamente que um contrato tenha de neutralizar todos os efeitos do outro. Tudo depende do circunstancialismo do caso.

Ora, como adequadamente se significa no acórdão recorrido (por adesão à fundamentação da sentença da 1.ª instância), percorrendo a matéria de facto e o teor dos diversos contratos em questão, nada aí se surpreende que mostre que foi vontade das partes que a satisfação do crédito do BPP era para ser feita, ela por ela (permita-se a expressão), pelas forças dos créditos resultantes dos investimentos dos 2.ºs Réus (que, repita-se, em sítio algum assumiram ou coassumiram a dívida da 1.ª Ré). Muito pelo contrário, a função de garantia que foi consignada aos investimentos dos 2.ºs Réus começa por sugerir, logo à partida, que as coisas não eram para funcionar desse modo.

Estamos perante contratos submetidos, em matéria de interpretação das inerentes declarações negociais, ao disposto nos art.s 236.º e 238.º do CCivil.

Decorre destas normas que a declaração negocial vale, em regra, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, sendo que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Entre as circunstâncias atendíveis para o efeito da determinação do sentido da declaração importam os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos e os hábitos do declarante, a conduta das partes após a conclusão do negócio.

Ora, do teor dos escritos que formalizaram os contratos nenhuma declaração se encontra exarada que, interpretada como acaba de ser dito, induza á ideia de que as partes procuraram que os créditos emergentes dos empréstimos ficassem saldados (no todo ou em parte) mediante os créditos resultantes do contrato de gestão da carteira de títulos, de modo a que as prestações aportadas por uns e outros (o deve e o haver, permita-se também aqui a expressão) fizessem cessar, no todo ou em parte, a obrigação contratual da 1.ª Ré.

Por isso não se subscreve a afirmação dos Recorrentes de que a sujeição do caso à doutrina da união ou coligação de contratos conduz à inevitável conclusão de que as contas ficaram saldadas aquando da extinção por qualquer causa dos contratos de abertura de crédito.

Improcedem, assim, as conclusões 26.ª e 27.ª.

Do abuso do direito

Mais sustentam os Recorrentes que a forma fraudulenta e ardilosa como o BPP se pautou no decurso da sua atividade de instituição de crédito e de intermediário financeiro, dando assim causa a que os 2.ºs Réus contratassem como fizeram, contende com a possibilidade da Autora se apresentar a pedir o que pede, como se o BPP não tivesse sido o responsável pelas perdas verificadas. Concluem que se está perante um exercício abusivo do direito, que quadra à figura do chamado tu quoque, o que teria por resultado que o pagamento do crédito aqui reclamado, ou pelo menos o pagamento da mora, teria de ser feito através do que resta das aplicações dos 2.ºs Réus.

Seguindo aqui doutrina comum (assim, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., pp. 626 e 628; Menezes Cordeiro, ob. cit., I, tomo IV, 2005, pp. 335, 336 e 337), podemos dizer que o chamado tu quoque (uma das diversas modalidades de comportamento de entre as que são identificada como traduzindo a aplicação significativa do princípio da boa-fé em sede de abuso de direito) exprime a ideia (isto no plano contratual) de que a parte que violou obrigações que o contrato lhe impõe não deve ser admitida a exercer um direito que nesse contrato lhe é reconhecido, invocando um facto da parte contrária a cuja verificação o seu comportamento não foi alheio. A pessoa que desequilibre, num momento prévio, o complexo regulativo em que se insere o seu direito, não pode depois pretender exercer contra o outro contratante a posição que a ordem jurídica lhe confere, como se nada da sua responsabilidade houvesse ocorrido.

Ora, não suscita dúvidas que a 1.ª Ré recebeu e usou os recursos pecuniários que o BPP lhe disponibilizou. É também certo que a 1.ª Ré não reembolsou os empréstimos nem pagou os juros devidos. Portanto, é direito da Autora, através da respetiva comissão liquidatária (a quem compete legalmente defender, em benefício de todos os credores, os interesses da massa insolvente), fazer valer perante a 1.ª Ré e garantes (os 2.ºs Réus) os direitos em discussão.

Daqui que, em princípio, não é abusivo, o exercício do direito de crédito da Autora (a massa insolvente do BPP) tal como prosseguido mediante os presentes autos.

Mas será só em princípio?

Cremos bem que não.

Por tudo aquilo que já ficou alinhado, cremos que o direito da Autora está a ser exercido legitimamente, o que é dizer, não se surpreende no caso um exercício abusivo do direito. E muito menos um exercício manifestamente (isto é, gritantemente, notoriamente) abusivo, como se exige no art. 334.º do CCivil.

Como acima se apontou, é de resistir à ideia de que a atuação irregular do BPP como instituição de crédito e intermediário financeiro, contende, só por si, direta e imediatamente, com as concretas relações estabelecidas entre o BPP, o BPP Cayman e os Réus, de modo a que se deva atribuir aos dois primeiros uma violação das suas concretas obrigações contratuais perante estes últimos. Não se logra encontrar aqui qualquer nexo de causalidade adequada entre essa mais ou menos difusa atuação irregular (que tem a ver essencialmente com exigências contabilísticas e prudenciais inerentes ao exercício da atividade bancária) e o mérito da concreta contratação que foi desenvolvida com os Réus.

E o que é certo é que percorrendo a matéria de facto provada também nada nela se encontra que signifique que o BPP violou esta ou aquela obrigação concreta que do concreto complexo contratual estabelecido com os Réus para ele decorriam.

Tão pouco decorre da matéria de facto provada que mesmo que os Réus tivessem tido algum tipo de perceção acerca da dita atuação irregular do BPP, não teria a 1.ª Ré acedido ao crédito a que acedeu e não se teriam os 2.ºs Réus predisposto a garantir, através do penhor que constituíram, esse crédito, tanto mais que os negócios estabelecidos traziam também proveitos adicionais para a 1.ª Ré (“As operações realizadas permitiam à 1.ª ré obter vantagens de natureza fiscal, mormente baixando o IRC” – facto do ponto 46)).

O que se passa - e quanto a nós a questão acaba por ser tão simples quanto isto, mas que aos Réus custa aceitar - é que todo e qualquer negócio de ordem patrimonial, inclusivamente com bancos, tem riscos, no limite o risco da insolvência do devedor ou de quem se assuma como garante do cumprimento. E a contratação da carteira de gestão de títulos levada a cabo pelos 2.ºs Réus e a garantia dada pelo BPP de retorno do capital não constituíam uma exceção a essa regra.

Ora, o BPP (e após medidas de saneamento) foi constituído em estado de insolvência (efeito próprio da revogação da autorização para o exercício da atividade que exercia), entrando em liquidação. Em consequência, transferiram-se para a respetiva massa insolvente os direitos de crédito dos 2.ºs Réus sobre esse mesmo BPP (v. a propósito os art.s 90.º e 46.º, n.º 1 do CIRE), e é nessa sede que quaisquer direitos que lhes assistam têm de ser atuados (e sabe-se que aí lhes foram reconhecidos os correspondentes créditos).

E o mesmo se pode dizer com respeito aos créditos dos 2.ºs Réus sobre o BPP Cayman, aqui com reporte à respetiva massa insolvente (e sabe-se também que aí lhes foram reconhecidos os correspondentes créditos).

E para tudo isto é absolutamente irrelevante que a insolvência do BPP tenha sido qualificada como culposa, pois que também nessa hipótese é poder-dever da administração da insolvência (no caso, a comissão liquidatária) defender os interesses da massa, ou seja, do coletivo de credores.

Aqui chegados, não vemos então como se possa dizer que a Autora não deve ser admitida a exercer o direito em questão, com o argumento de que está a tirar partido de uma situação a que o BPP deu causa, que está a capitalizar sobre uma situação que o BPP criou culposamente. Não vemos como se possa concluir que o BPP desequilibrou anteriormente o complexo contratual em que se insere o direito que exerce, agindo agora como se nada houvesse causado culposamente para a situação de incumprimento que imputa aos Réus.

O que tudo é dizer que não estamos perante um exercício abusivo do direito.

Improcedem assim as conclusões 30 e 32.

Da inconstitucionalidade dos art.s 145.º do RGICSF, 99.º do CIRE e 847.º do CCivil

Afirmam os Recorrentes que têm por inconstitucionais, por violação do art. 20º, nºs. 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa as normas em destaque, “se interpretadas no sentido de que os Recorrentes não podem compensar os seus créditos indemnizatórios com contra-créditos do Recorrido - isto porque negar-se essa possibilidade redunda no mesmo que negar aos Recorrentes ao direto à indemnização por factos ilícitos, apesar de eles próprios terem de responder…”.

Mas temos como óbvio que a pretensa inconstitucionalidade não existe.

O n.º 1 do art. 20.º da Constituição assegura, além do mais, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos. Terá sido este o segmento da norma que os Recorrentes terão tido aqui em vista.

Ora, tal como os Recorrentes colocam as coisas no inciso que acaba de ser transcrito, as citadas normas, interpretadas desta ou daquela maneira, em nada lhes estão a tolher o acesso à justiça. Apenas sucede que a decisão do caso, à luz dessas normas, não vai no sentido que gostariam de ver acolhido, O que, salvo melhor entendimento, nada tem a ver com a temática das inconstitucionalidades.

O n.º 4 do mesmo art. 20.º garante, além do mais, o direito a um processo equitativo. Terá sido este o segmento da norma que os Recorrentes terão tido aqui em vista.

Ora, também nestes conspecto é de dizer que se o tribunal interpreta as normas a que se reportam os Recorrentes no sentido de que não dão lugar a qualquer direito indemnizatório nem ao exercício da compensação, tal não representa senão a decisão do litígio. Assunto nada tem a ver com a temática do processo equitativo.

É que quando se fala em processo equitativo tem-se em vista outro tipo de realidades, como a garantia do direito de ação, direito a um processo estruturado de forma adequada a uma tutela judicial efetiva, direto à decisão e assim por diante (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, pp. 415 e 416). Não é contra este tipo de coisas que os Recorrentes dirigem a sua objeção, como resulta do supra transcrito inciso.

O n.º 5 do mesmo art. 20.º garante o direito a procedimentos judiciais céleres para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Como é entendimento corrente (assim, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, pp. 203 e 204), está-se aqui fundamentalmente perante uma norma dirigida ao legislador ordinário, além de que direitos, liberdades e garantias pessoais na aceção ali utilizada são os enumerados nos art.s 24.º a 47.º da Constituição.

Não logramos inteligir o que é que tudo isto tem a ver com a interpretação das normas em questão.

Improcede, deste modo, a conclusão 25.ª.

Quanto à matéria da conclusão 34.ª

Do que fica dito resulta que o acórdão recorrido não violou as normas legais indicadas nestas conclusão.

                                                                               +

Conhecidas que estão todas as questões colocadas pelos Recorrentes à decisão do tribunal, resta concluir que improcede a revista.

                                                                               +

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

Os Recorrentes são condenados nas custas da presente revista.

                                                           +

Lisboa, 23 de fevereiro de 2021

José Rainho (relator)

Graça Amaral (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

Henrique Araújo (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

                                                           ++

Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil)