Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
882/12.3TBSJM.P3.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OBJETO DO RECURSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE SUBJETIVA
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
AÇÃO DE DEMARCAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A admissão de um recurso de revista (normal) com base apenas num ou mais fundamentos especiais (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão ou das questões que estiveram na base da sua admissão, sem que possa alargar-se a outras questões.

II - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.

III - Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação.

IV - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

V - A identidade dos sujeitos deve ser aferida não em função da sua identidade física, mas do ponto de vista da sua qualidade jurídica e do interesse substantivo que representam ou são portadores, independentemente da posição ou qualidade processual que assumam ou tenham assumido nas ações em confronto.

VI - A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

VII - Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações.

VIII - A sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo os seus limites traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial nela definidos.

IX - Daí que a sua autoridade (de julgado) só valha e se imponha na exata correspondência do seu conteúdo, não podendo impedir-se que num outro processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

X - Não pode o recorrente lançar “mão” do fundamento específico da violação/ofensa de caso julgado para recorrer de revista se essa questão já foi apreciada em anterior acórdão, que a julgou improcedente, na sequência de recurso interposto com o mesmo fundamento.

XI - A contradição/oposição de julgados invocada como fundamento de recurso de revista impõe, desde logo, de per si, e além de outros, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) identidade do quadro factual;

b) identidade da questão de direito expressamente resolvida;

c) identidade da lei aplicável;

d) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final; e

e) oposição concreta de decisões.

XII - A demarcação dos prédios consubstancia um direito potestativo, pressupondo a ação destinada a efetuá-la uma incerteza quanto ao lugar em que se situa a estrema ou linha divisória entre dois ou mais prédios confinantes, porque inexistem ou porque são duvidosas.

XIII - Distingue-se da ação de reivindicação, pois enquanto nesta já se conhece exatamente a linha divisória, consistindo a pretensão nela formulada no reconhecimento e/ou na recuperação de uma certa área do prédio, já na ação demarcação visa-se definir a linha de separação, surgindo, depois, a eventual restituição do terreno eventualmente ocupado pelo vizinho confinante como consequência natural da demarcação efetuada, havendo, nesse caso, como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade.

XIV - Daí que ação de demarcação não tenha, pelo menos em primeira linha, por objeto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponha, sendo que o seu fim específico é pôr fim à situação de incerteza quanto as extremas ou linhas que dividem/separam os prédios confinantes.

XV - A causa de pedir na ação de demarcação é, assim, complexa, consubstanciando-se na confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e na indefinição ou na dúvida (consistente) da respetiva linha divisória, que tanto pode resultar do desconhecimento dos limites, como do desacordo dos proprietários confinantes acerca de tais limites.

XVI - Como facto constitutivo do seu direito (de demarcação) o autor terá que alegar e provar (1) que é proprietário de um prédio confinante com outro do demandado e (2) que não está definida a linha divisória entre esses prédios ou que existem consistentes dúvidas sobre elas, enquanto que o último se a tal quiser obstar terá de alegar e provar que a demarcação existe e está concretizada, não existindo indefinição ou dúvidas quando à linha divisória dos prédios.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


1. A Autora, AA, instaurou (em 27/09/2012) contra os Réus (nos autos também designados por demandados - DD), BB e CC, todos com os demais sinais identificadores que constam dos autos, a presente ação declarativa, com a forma de processo ordinário, pedindo que seja determinada:

a) A demarcação dos prédios da A., inscritos sob o artigo rústico ...96º e sob o artigo urbano ...68º, da casa de habitação dos DD., inscrita sob o artigo ...75º, através de uma linha divisória à volta da casa dos DD., a saber, junto ao murete existente a nascente, a sul, atrás da casa, no início do pavimento em calçada à portuguesa e a poente, junto à casa – cfr. planta topográfica junta como doc. n.º 7;

b) A restituição da posse à A. da parcela indevida e parcialmente murada pelos DD. e, em conformidade,

c) Serem os DD. condenados a destruir o muro e repor a parcela de terreno na situação anterior à construção daquele; e

d) Ser ordenada a correção das descrições matricial e predial referentes à casa de habitação dos DD. (inscrita sob o artigo ...75º e descrita sob o número ...50) para que passe a constar tratar-se de casa de habitação com 111 m2 de área coberta e com 57 m2 de área descoberta.

Para o efeito, em síntese, alegou:

Nos autos de inventário para partilha das heranças abertas por óbito de DD e EE, respetivamente, pais da A. e avós dos RR./DD., que correram termos no então Tribunal ... sob o n.º 252/93, foram licitados e adjudicados à A., entre outros bens, os prédios relacionados nas verbas n.ºs 26, 28 e 29, assim identificados:

- Verba n.º 26: “Uma casa térrea, sita na Quinta (...) prédio inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...68 (...)”;

− Verba n.º 28: “Uma casa de habitação, sita na Quinta (...) inscrita na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...76”;

− Verba n.º 29: “Um prédio rústico de horta e árvores de fruto, sito no lugar de Quinta (...) inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...96”

Por sua vez, foi adjudicado aos RR./DD. e ao seu pai, FF, entre outras, a verba n.º 27, relacionada como “Uma casa de habitação, sita na Quinta (...), inscrita na matriz predial de ... sob o artigo nº. ...75”;

Os RR./DD. mandaram medir os prédios, tendo constatado, baseados na medição efetuada pelo seu topógrafo, que a área descoberta daqueles, correspondente ao artigo rústico por ela adjudicado, tinha 3.725 m2 e não os 2.330 m2 inscritos na matriz, existindo, assim, uma diferença de 1.395 m2.

Na sequência de tal, os RR./DD. foram requerer junto do Serviço de Finanças ... a alteração da área do prédio inscrito sob o artigo urbano ...75º, sob a invocação de um “erro praticado pelo anterior proprietário aquando da participação à matriz no ano de 1958”, e de seguida, procederam ao registo do seu prédio, no qual, mudando de versão, requereram a alteração da área descoberta, justificando o sucedido “em virtude de circunstâncias supervenientes”.

A existir área real superior à área registada, deveria esta, na consideração da A., ser imputada ao terreno rústico, relacionado na verba n.º 29, pois que não consta da relação dos bens junta ao inventário judicial qualquer logradouro ou quintal contíguo às casas (verbas n.ºs 27 e 28);

Esses seus prédios, relacionados nas verbas n.ºs 26, 28 e 29, confinam, pelos lados poente e norte, com o prédio dos DD., relacionado na verba n.º 27, nunca tendo existido, até julho de 2004, quaisquer marcos ou divisória a separar os prédios relacionados nas verbas n.ºs 28, 26 e 29, apenas existindo um muro de separação entre a casa de habitação da A. (verba n.º 28) e o prédio relacionado na verba n.º 26.

Nessa conformidade deverá ser demarcada a propriedade da A., da propriedade dos DD., através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos DD. a sul, a nascente e a poente, pois que a casa adjudicada aos DD. nos autos de inventário n.º ...3 não tem qualquer logradouro, devendo, por isso, a área “suplementar” ser incluída no terreno rústico, a que pertence, relacionado na verba n.º 29.

Por outro lado, a verba n.º 26, antiga casa mãe da quinta entretanto dividida era constituída pela casa e por um poço, mais tarde convertido em tanque, e porque a mãe da A. e avó dos RR. adquiriu desse modo a propriedade sobre dois prédios contíguos, inscritos na matriz urbana sob o artigo ...76º e rústica sob o artigo ...96º, cabendo-lhe o terço do prédio sito a nascente, onde se encontrava a casa mãe, o respetivo poço e a casa de habitação dos pais, pelo que também por aqui deverá ser definida uma linha de demarcação entre a propriedade de A. e a casa dos DD., correspondente às seguintes delimitações físicas:

− a poente, ao murete existente entre casa de habitação dos DD. (verba n.º 27) e a rampa de acesso da agora garagem (verba n.º 26);

− a sul, entre a casa dos DD. e onde se inicia a faixa cujo pavimento é em calçada à portuguesa;

Quanto à verba n.º 29 do terreno rústico, a linha de demarcação deverá contornar a casa dos DD., pelo lado poente, para que o terreno rústico relacionado na verba n.º 29 confine com a rua.

Por fim, alegou ainda factos relativos à sua posse, até julho de 2004, data em que aproveitando a sua ausência, foi edificado um muro, impedindo-a de ter acesso a parte do seu terreno, inscrito sob o artigo rústico ...96º, e ao poço pertencente ao artigo 468º, antiga casa-mãe; de ter apresentado uma queixa que deu origem ao processo crime que, sob o n.º 616/04...., correu termos no ... Juízo deste Tribunal ..., onde o R. BB, depois de pronunciado por dois crimes de falsificação de documento e um crime de dano qualificado, foi absolvido por sentença de 03/05/2007, transitada em julgado em 18/05/2007, e de ter instaurado uma ação de reivindicação, onde peticionou que fosse reconhecida a sua propriedade sobre os 881,5 m2 que fazem parte do terreno inscrito sob o artigo rústico ...96º, a qual, tendo corrido termos, sob o n.º 9/08.... no ... Juízo daquele então mesmo Tribunal, por sentença, transitada em julgado no dia 12/03/2012, julgou improcedente sua pretensão, por falta de prova, nomeadamente na configuração dos prédios, e bem como, e pelo mesmo fundamento, o pedido reconvencional ali deduzido pelos aqui RR., ou seja, porque “não lograram demonstrar que são proprietários da parcela de terreno que está em causa.”


2. Contestaram os RR./DD., defendendo-se, por via de exceção e de impugnação, e contra-atacaram deduzindo reconvenção.

No que que concerne àquela sua 1ª. defesa, e também em síntese, invocaram a exceção da existência de autoridade de caso julgado quanto à questão prejudicial da propriedade, enquanto precedente necessário do direito de demarcação.

Que não tendo a A. logrado demonstrar naquela ação de reivindicação a que aludiu o seu alegado direito de propriedade sobre a referida área “suplementar” de 881,50 m2 de terreno, vem a mesma, agora, através desta ação, pedir que o tribunal, numa indesejável contradição de julgados, decida demarcar, a seu favor, a aludida área “suplementar” de terreno, por decisão transitada em julgado na última instância de recurso (no âmbito da sobredita ação), não se ter provado pertencer-lhe. Ou seja, a A. pretende, pois, demarcar prédios e que dessa demarcação resulte a inclusão na sua propriedade de uma parcela de terreno que o Tribunal já decidiu.

Defenderam ainda não existir qualquer dúvida ou incerteza quanto às estremas do prédio que lhes pertence.

Em reconvenção os RR. pediram que a A. seja condenada “a reconhecer como correcta a demarcação dos terrenos feitos pelos Réus através do muro por eles construído”.

E daí que tenham concluído pedindo que:

- sejam “julgadas procedentes as excepções dilatórias de caso julgado conforme invocadas em relação a cada um dos quatro pedidos formulados pela Autora, com o que deverão os Réus ser absolvidos da presente instância”;

- “se não proceder a excepção dilatória de caso julgado em relação ao primeiro dos pedidos formulados pela Autora [...] sempre deverá o mesmo ser julgado ilegal e, consequentemente, serem os Réus absolvidos de tal pedido”;

- “caso não procedam quaisquer das excepções dilatórias arguidas, [...] deverá a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, serem os Réus absolvidos do pedido” e

- seja “julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional formulado, com todas as suas legais consequências”.


3. Replicou a Autora, pugnando pela improcedência da exceção de caso julgado invocada pelos RR. e bem como da reconvenção que deduziram.


4. Por decisão de 28.05.2013, a 1ª. instância julgou procedente a exceção de caso julgado invocada pelos RR., absolvendo-os da instância.


5. Porém, na sequência de recurso interposto pela A., a Relação (do ...), por acórdão de 29.10.2013, revogou tal decisão, julgando improcedente a referida exceção e determinando que os autos prosseguissem os seus ulteriores termos.


6. Proferido despacho saneador (por virtude de tal acórdão da Relação), não foram então aí admitidos os pedidos formulados pela A. sob as alíneas b), c) e d) da sua petição inicial – por se considerar não caberem numa ação de demarcação, sendo antes próprios de uma ação de reivindicação -, tendo aos autos prosseguido tão somente para a apreciação e julgamento do pedido da al. a) formulado naquele mesmo articulado e bem como daquele formulado pelos RR. na sua reconvenção que deduziram, e que ali foi aceite, tendo o valor da ação sido fixada em €. 30.000,01.


7. Identificado o objeto do litígio (da ação e da reconvenção) e fixados os temas de prova, realizou-se a audiência de julgamento, a que se seguiu a prolação, em 31.08.2016, da sentença, com o seguinte dispositivo final:

« (…) Nos termos supra expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção e improcedente o pedido de reconvenção e determina-se que:

Deverá ser demarcada a propriedade da A., da propriedade dos DD. da seguinte forma:

- Através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos DD. na parte em que confina com o terreno rústico, relacionando na verba nº 29º/artigo nº...96, devendo, a área “suplementar” (os 1395 m2) ser incluída e dividida pelos quatro terrenos, a verba nº 27/artigo ..75 dos réus (que de 150 m2 passa a 229 m2) a e as verbas nº 29º, artigo nº...96, nº 26/artigo nº..68 e nº...8/ artigo nº ...76, da autora, proporcionalmente à parte de cada um, excepto se desta forma se exceder a área pretendida pela autora, caso em que deverá respeitar-se o pedido, beneficiando assim os réus da parte que exceda o que adviria da proporção, segundo a linha pretendida pela autora;

- E através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos demandados na parte em que confina com a verba n.º 26/ artigo nº ...68, distribuindo-se esta área em partes iguais, excepto se desta forma for além do pretendido pela autora, caso em que, observando-se o pedido, permanecerá a divisão na linha proposta pela autora. ».


8. Dessa sentença foi interposto recurso pelos Réus, que, por acórdão da Relação de 8.03.2018, foi julgado procedente “quanto à rectificação e nulidades da sentença recorrida por ininteligibilidade, excesso de pronúncia e conhecimento de objecto diverso do pedido, nulidades estas que esta Relação não tem elementos para suprir, pelo que ordena a remessa dos autos à primeira instância para, após produção de prova pertinente sobre o objecto do litígio, ser proferida nova sentença”.


9. Tendo baixado novamente os autos à primeira instância, aí se ordenou a notificação das partes para se pronunciarem “sobre as diligências de prova pertinentes e ainda não produzidas que possam ser determinadas”, pronunciando-se a Autora pela desnecessidade de produção de outros meios de prova para além dos já constantes dos autos, tendo os Réus apresentado requerimento probatório, no qual incluíram novos meios de prova.


10. Foi ordenada realização de prova pericial, com fixação do respetivo objeto, e nomeação dos peritos para realizarem a diligência, os quais, concluída a mesma, apresentaram relatório no qual respondem por unanimidade aos quesitos que haviam sido formulados.


11. Com data de 21.03.2019, foi proferido o seguinte despacho:

Fls. que antecedem: As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre diligências de prova pertinentes e ainda não produzidas que possam ser determinadas.

Os réus vieram apresentar requerimento de prova no qual incluem a prova documental constante do processo, o depoimento de parte da autora, as declarações de parte dos réus, e prova testemunhal.

Ou seja, vieram indicar prova já produzida e também não o justificaram ou fundamentaram sobre como poderia ser pertinente

Está em causa não a repetição do julgamento mas a produção de algum novo meio de prova, ainda não indicada e produzida, sobre o objecto do litigio - demarcação dos prédios da autora e dos réus e a realização de diligências de prova com vista apenas à definição da linha divisória entre os dois prédios da autora e o prédio dos réus (cfr. fls. 916).

Foi determinada a realização de uma perícia tendo sido junto o respectivo relatório sem que as partes nada apontassem ou requeressem sobre a mesma.

Nestes termos, considera-se ser de designar audiência de julgamento e que à mesma deverão comparecer os Srs Peritos para se necessário prestarem esclarecimentos, e as partes, que poderão ser ouvidas em declarações, sobre a definição da linha divisória.

Sem prejuízo do previsto no artigo 151º do Código de Processo Civil indica-se assim para a realização da audiência de julgamento o dia 21 de Maio pelas 14.30 horas.

Notifique-se.”


12. Novamente inconformados, os réus interpuseram recurso de tal decisão para a Relação ... que, por acórdão de 10.09.2019, revogou aquela decisão recorrida e substituiu a mesma por outra “que admita os meios de prova indicados pelos réus (…) determinando ainda que a nova audiência de julgamento decorra com a produção de todos os meios de prova já admitidos nos autos e ainda dos novos requeridos após a prolação do Acórdão da Relação ... de 8.3.2018, tendo sempre presente que o objeto do litígio se reconduz, apenas, à definição da linha divisória entre os dois prédios da autora e o prédio dos réus.”


13. Em consequência, realizou-se nova audiência de julgamento com a produção dos indicados meios de prova, após o que foi proferida, em 04/01/2021, sentença com o seguinte dispositivo final:

 «(…) Nos termos supra expostos, julga-se parcialmente procedente a presente acção e improcedente o pedido de reconvenção e determina-se que:

Deverá ser demarcada a propriedade da A., da propriedade dos DD. da seguinte forma:

- Através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos DD. na parte em que confina com o terreno rústico, relacionando na verba nº 29º/artigo nº ...96, e através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos demandados na parte em que confina com a verba n.º 26/ artigo nº ...68, de forma a observar a área de 229 m2 para o terreno dos demandados.

Custas pela autora e pelos réus, que se fixam em 1/5 para a autora e 4/5 para os réus/reconvintes.» (negrito nosso)


14. Continuando irresignados, os RR. apelaram de tal sentença, tendo o Tribunal da Relação ..., por acórdão de 15/12/2021, julgado improcedente o recurso e confirmado (na integra) aquela sentença recorrida.


15. Novamente inconformados com tal acórdão (do TR.…), os RR. interpuseram recurso de revista, invocando para o efeito fazê-lo à luz do disposto no artº. 629º, nº. 2 als. a) - por ofensa de caso julgado (formado quer no sobredito processo/ação nº. 9/08…. quer pelo sobredito acórdão de 08/03/2018 proferido, neste processo, pelo TR.…) – e d) - por contradição de julgados (entre o acórdão ora recorrido e os Acs. do TR.… de 15.08.2008 e do STJ de 20.11.2019).

Recurso esses cujas alegações concluíram nos seguintes termos (cuja ortografia se respeita):

«1. Em princípios de 2008 a Recorrida interpôs contra os Recorrentes uma ação de reivindicação de propriedade de 881,5 m2, ocupados por estes, com o fundamento de que tal área fazia parte de um prédio dela, identificado nos autos pelo seu artigo matricial, o ...96º, que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o nº 9/08.... e improcedeu, com recursos e decisões conformes nas três instâncias, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 16.10.2012.

2. A causa de pedir da dita ação de reivindicação repete-se na presente ação de delimitação, suportada nas mesmas invocações factuais e valorativas, a saber que a área atribuída no prédio da recorrida, a que corresponde o artigo rústico ...96º era inferior à real e, por isso, devia ser completada com a “totalidade da área sobrante da que se encontra ocupada pelos prédios urbanos” – cfr. art. 15º da petição inicial.

3. O acórdão de fls. 425, decidiu que “não pode a discussão sobre tal parcela ser reeditada nesta ação com os contornos que lhe foram dados na ação de reivindicação e agora repetidas na ação de demarcação”.

4. Foi, porém, o que veio a acontecer, porque, com base em causas de pedir idênticas, a sentença confirmada pelo acórdão recorrido acabou por reconhecer ao prédio da recorrida, a que corresponde o artigo matricial rústico ...96º, um acréscimo de área de 1225 m2.

5. Através do acórdão recorrido, que confirmou a sentença, a recorrida logrou obter, nesta ação, a propriedade sobre a parcela de terreno que tinha reivindicado sem sucesso na ação de reivindicação, com violação do caso julgado formado na referida ação de reivindicação e também o julgado no acórdão de fls. 425º que proibiu a reedição da discussão da propriedade sobre a referida parcela, tornando o acórdão recorrido nulo e consequentemente, nula a sentença confirmada.

6. O acórdão de fls. 888, decidiu, a fls 916, que “o tribunal a quo decidiu a demarcação e a atribuição de uma determinada área a acrescentar a esse prédio urbano da autora, artigo matricial ...76 que nem sequer foi trazido à demanda pela Autora ou pelos Réus, o que impedia o Tribunal de decidir como decidiu. Integrando na solução proporcional que encontrou um prédio que não está sequer em discussão, a sentença recorrida contém a nulidade prevista na parte inicial da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC e a prevista na alínea e) do mesmo normativo, violando os arts. 608º, nº 2 e 609º, nº 1,

7. A sentença que o acórdão recorrido confirmou repetiu a anterior decisão anulada pelo acórdão de fls. 888 e incluiu novamente o prédio identificado com o artigo matricial ...76º, na repartição proporcional da área dita sobrante, decisão esta que não incluiu sistematicamente no segmento decisório propriamente dito, mas no último parágrafo da fundamentação de direito, a fls. 1074.

8. Quanto ao objeto desta decisão, havia-se formado, pelo acórdão de fls 888, neste processo, caso julgado formal, nos termos do artigo 620º, nº 1, do CPC, que impedia a meritíssima Juiz de sobre elas repetir a decisão antes tomada e que a Relação rejeitou, pelo que prevalecem as nulidades que o dito acórdão de fls. 888 declarou, e a revogação da decisão que essas nulidades desconsiderou, por força do disposto art. 625º, nº 1 do CPC.

9. Não tendo respeitado a nulidade decretada no acórdão de fls. 888, o acórdão recorrido, e a sentença que confirmou, ofenderam o caso julgado anterior, contagiando-se fatalmente com a nulidade.

10. O acórdão recorrido citou, em concordância, a sentença recorrida dizendo:

“Apurou-se, no entanto, que a área total dos quatro prédios é superior àquela que resultava dos respetivos títulos.

Assim, os prédios adjudicados à autora apresentavam as seguintes áreas totais: 100, 285 e 2330 m2, enquanto o prédio de que os réus são proprietários se apresentava inscrito com uma área total de 150 m2, num total de 2865 m2, quando na realidade a área total dos quatro prédios é de 4372 m2”.

11. Por sua vez, na sentença confirmada, consta dos artigos 56º, 61º e 67º dos Factos Provados que as áreas atribuídas a cada um dos referidos prédios, nas respetivas matrizes prediais coincidem com as áreas matriciais dos três prédios da recorrida, a que correspondem os artigos matriciais urbanos ...76... e ...68º e o artigo matricial rústico ...96º, que eram, respetivamente, 100 m2, 285 m2 e 2.330 m2, enquanto que a área do prédio dos recorrentes, correspondente ao artigo matricial urbano ...75º, era de 150 m2 ambos do CPC”.

12. Da comparação das duas conclusões anteriores, resulta claro e inequívoco que os títulos a que o acórdão recorrido se refere quando transcreve a sentença, são as inscrições matriciais e os elementos deles constantes.

13. As áreas inscritas, de acordo com “a realidade matricial”, no dizer da sentença confirmada, foram a base essencial de definição da área com que cada um dos prédios devia ser delimitado.

14. O acórdão recorrido, na senda da sentença que confirmou, considerou as inscrições matriciais como títulos determinantes da forma de demarcação dos prédios confinantes, com o que atribuiu valor e efeitos jurídicos, para os fins do disposto no art. 1354º do CPC, ao teor das inscrições matriciais.

15. O acórdão recorrido, por um lado, e o Acórdão da Relação ... de 15.01.2008 e o acórdão do Supremo Tribunal de 20.11.2019, por outro, são contraditórios na valoração jurídica do núcleo factual constituído pelo teor das inscrições matriciais, na medida em que estes acórdãos-fundamento negam a qualidade de títulos e qualquer valor jurídico ao teor das inscrições matriciais, para efeitos do art. 1354º do CC.

16. Entre 15.01.2008, data do acórdão-fundamento mais antigo, e 15.12.2021, data do acórdão recorrido, o art. 1354º do CC não sofreu qualquer alteração, nem no ordenamento jurídico português foi publicado diploma que, relativamente à contradição em causa, tenha criado um quadro normativo diferente.

17. Em consequência da contradição entre os acórdãos referidos, deve ser revogado o acórdão recorrido e a sentença confirmada, ordenando-se a necessária repetição do julgamento para definição dos limites dos prédios confinantes, indicados pela recorrida.

18. O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 619º, nº 1, 620º, nº 1, 625º, nº 1 e 1354º do CC.»


16. Contra-alegou a Autora, tendo concluído nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia):

«I O art. 671º, n.º 3, do CPC, estabelece a regra da dupla conforme, que determina a inadmissibilidade de um terceiro grau de jurisdição, salvo nos casos excepcionais para onde, in fine, ali se remete.

II Não existe contradição de julgados entre os acórdãos-fundamento e o acórdão recorrido, pois neles foram julgadas situações de facto diferentes e não foram aplicados os mesmos critérios previstos no art. 1354º do C. Civil, a saber a demarcação pela posse, pela divisão salomónica, mas, in casu, pela distribuição da área excedente.

III Nem existe a pretensa ofensa do caso julgado, pois na anterior acção de reivindicação, a recorrida peticionou o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno em litígio com a área de 881,5m2, respectiva restituição (“conflito acerca do título”) enquanto, na presente acção de demarcação, a recorrente alegou, pela primeira vez, factos destinados a provar os limites de cada prédio, para obrigar os recorridos, proprietários de prédio confinante, a concorrer para a definição e fixação de uma linha divisória (“conflito de prédios”).

IV - A decisão de primeira Instância e, com ela, o acórdão impugnado, cumprindo com os acórdãos deste Tribunal da Relação ..., de 20/10/2013, 08/03/2018 e 10/09/2019, fizeram uma correcta apreciação da extensa prova constante dos autos e uma correcta aplicação do disposto no art. 1354º do C. Civil, devendo, por isso, manter-se, verificando-se que a introdução dos quatro prédios na solução, além de ser a que melhor permite dar cumprimento ao art. 1354º do C. Civil – por se integrarem, embora apenas para efeito de cálculo, a totalidade dos prédios entre os quais se deve efectivar a distribuição proporcional – foi expressamente levada à discussão pelos recorrentes que arguem a nulidade.

Verificando-se uma dupla conforme e não existindo nenhuma ofensa do caso julgado ou contradição de julgados, deve o recurso ser rejeitado, porque inadmissível, ou, na sua falta, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se in totum o douto acórdão recorrido (…).»


17. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II - Fundamentação



A) De facto.

Os factos dados (por ambas as instâncias) como provados (mantendo-se a ordem de descrição, a sua numeração e ortografia):

A) FACTOS ESSENCIAIS ASSENTES

1º A autora requereu inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de sua mãe (avó dos DD.) DD, que correu termos neste Tribunal ..., sob o n.º 252/93, onde relacionou os respectivos bens.

2º Os falecidos pais dos réus reclamaram contra a relação de bens, reclamação que teve por objecto a alteração da descrição referente à verba n.º 29, no sentido de ali ficar a constar “Um prédio rústico de horta e árvore de frutos” em vez de “Um prédio rústico de cultura de pomar e vinho” - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 56 a 35 (fls. 56 a 65 dos autos).

3º Os falecidos pais dos réus assumiram, posterior e sucessivamente, as funções de cabeça-de-casal, ao longo de oito anos, até o inventário findar, durante os quais mantiveram a descrição dos bens imóveis apresentada pela autora, com a correcção supra mencionada – cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, pág. 59, frente e verso, 60 a 79 (fls. 271, 401 407, 421 e 422, 430 a 440 dos autos); facto provado sob 4. da sentença proferida na posterior acção de reivindicação que correu termos no ... Juízo desse mesmo Tribunal ..., sob o n.º 9/08...., conforme certidão judicial <junta como doc. n.º 2 (e que indeferiu os pedidos da autora e dos demandados).

4º Os réus participaram, com o seu falecido pai, Exmo. Senhor FF, na conferência de interessados realizada no dia 05/07/2000, em que as verbas foram licitadas – cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 80 e 81 (fls. 460 e 461 daqueles autos, fls. 106-107 dos presentes autos); facto provado sob 5. da sentença proferida na posterior acção de reivindicação, conforme certidão judicial que se junta como doc. n.º 2 (fls. 195)

5º Em 30/10/2000, os demandados e o pai, pediram, ao abrigo do disposto no art. 1377.º do CPC., que lhes fossem adjudicadas, para composição do seu quinhão, as verbas n.º 28 e n.º 29º – cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 84 a 94 (fls. 468 a 478 dos autos).

6º A autora requereu, então, que lhe fossem adjudicadas as verbas n.ºs 26, 28 e 29 - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 95 a 98 (fls. 484 a 487 dos autos).

7º Em resposta, os demandados, em conjunto com o pai, suscitaram “a questão da verba número 26”, onde alegaram:

− “É que a verba número 26 é, precisamente, a garagem da casa referida na verba número 27, conforme melhor se infere dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 adiante juntos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”;

− “Sendo as verbas 26 e 27 adjudicadas a co-interessados diferentes, ficará por partilhar, em termos práticos, o acesso à referida garagem.

Na verdade, sendo a verba n.º 26 adjudicada à interessada AA e a verba n.º 27 aos ora requerentes – como estes pretendem – o acesso à garagem será, em termos jurídicos, pertença destes, mas dirigir-se-ia a um prédio que pertence a outrem;

Do mesmo modo, a interessada AA ficaria com um prédio que juridicamente lhe pertenceria, mas ao qual só pode aceder entrando por um prédio pertencente a outrem.” - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 99 a 113 (fls. 490 a 504 dos autos).

8º Pedido que foi indeferido em 12/03/2001, sendo proferido o seguinte despacho:

“Deste modo, desde já há que referir que pensamos que neste momento não haverá que apreciar se a verba nº 26 pertence a outra verba ou não já que a mesma desde sempre vem sendo apresentada como uma única e distinta verba pelo que, conforme sinceramente o referem os requerentes da composição de quinhões, a suceder a dificuldade de uso, já deveria ter havido sensibilidade para tal e também não é este o momento nem a forma correcta de se alterar o já decidido acerca dos bens a partilhar. Assim tal verba será tida como uma verba isolada.” - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, pág. 116 e 117, pág. 116 verso, 3º parágrafo (fls. 508 e 509 dos autos).

9º Despacho contra o qual os demandados e o pai interpuseram um recurso de agravo – cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, págs. 118, 119 a 137 (fls. 511, 517 a 536 dos autos) – o qual, no entanto, deixaram cair, por não terem recorrido da sentença homologatória de partilha, face ao disposto no n.º 2, do artigo 735º, do CPC., na anterior redacção, pelo que transitou em julgado, definitivamente, o aludido despacho – cfr. despacho de fls. 597, constante do doc. n.º 1, pág. 160 – como transitou a sentença homologatória de fls. 590, em 27/09/2001 – cfr. doc. n.º 1.

10º No processo de inventário não foi solicitada qualquer alteração na descrição ou nas confrontações dos prédios relacionados nas verbas n.ºs 26, 27 e 28, sendo apenas suscitada a questão da composição da verba n.º 29, como já referido – cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1; e facto provado sob 6., da sentença proferida na posterior acção de reivindicação, conforme certidão judicial junta como doc. n.º 2.

11º Não foi requerida qualquer emenda da partilha, por parte dos réus ou da autora – cfr. certidão judicial que se junta como doc. n.º 1; e certidão judicial junta como doc. n.º 2, facto provado sob 7.

12º Nos autos de inventário para partilha das heranças abertas por óbito de DD e EE, respectivamente pais da autora e avós dos réus, que correram termos neste Tribunal ... sob o n.º 252/93, foram licitados e adjudicados à autora, entre outros bens, os prédios relacionados nas verbas n.ºs 26, 28 e 29, assim identificados – cfr. certidão judicial junta como doc. nº 1, págs. 78 e 79 (fls. 439 e 440 dos autos):

− Verba n.º 26: “Uma casa térrea, sita na Quinta (...) prédio inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...68 (...)”;

− Verba n.º 28: “Uma casa de habitação, sita na Quinta (...) inscrita na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...76”;

− Verba n.º 29: “Um prédio rústico de horta e árvores de fruto, sito no lugar de Quinta (...) inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...96” -

13º Por sua vez, foi adjudicado aos réus e ao pai, o já referido FF, entre outras, a verba n.º 27, relacionada como “Uma casa de habitação, sita na Quinta (...) inscrita na matriz predial de ... sob o artigo nº ...75” - Cfr. certidão judicial junta como doc. nº 1, pág. 78, 116 e 117 (fls. 439, 508, 509 dos autos).

14.º Contudo, os réus mandaram medir os prédios, tendo constatado, baseados na medição efectuada pelo seu topógrafo, que a área descoberta daqueles, correspondente ao artigo rústico por ela adjudicado, tinha 3.725m2 e não os 2.330m2 inscritos na matriz, existindo, assim, uma diferença de 1.395m2 – cfr. certidão matricial da antiga matriz; cfr., ainda, planta topográfica realizada a pedido do réu BB, com data de “Fevereiro de 2003”, junta como doc. nº 3, onde se conclui pela existência da área supra referida de 3.725m2, deduzindo as áreas descobertas de cada um dos prédios ao total de área descoberta (3.995-120-100-50=3.725).

15.º No que toca à verba n.º 26, consta a seguinte descrição: “Uma casa térrea, sita na Quinta, a confrontar do nascente, sul e poente com o próprio, norte com caminho público, prédio inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...68 (...)” - cfr. doc. n.º 1, pág. 78 (fls. 439 dos autos).

16.º Mais, o prédio relacionado na verba n.º 26 confronta a poente com a casa de habitação dos réus (verba n.º 27).

17º O pavimento da rampa de acesso tal como da faixa existente na perpendicular do prédio relacionado na verba n.º 26 é constituído por calçada à portuguesa.

18º Faixa destinada a aceder e a fazer manobras – cfr. factos provados sob 36. e 40, da sentença proferida na posterior acção de reivindicação, conforme certidão judicial junta como doc. n.º 2, que passamos a transcrever: “E o acesso ao terreno rústico passou a ser feito a partir da rampa de acesso à garagem inscrita sob o artigo ...68º.”; “(...) Tendo sido colocado um pavimento conhecido como antiga calçada à portuguesa na rampa de acesso à garagem, inscrita sob ...68º, até à extremidade poente do prédio rústico.”

19º Por último, a verba n.º 26, antiga casa mãe da quinta entretanto dividida era constituída pela casa e por um poço, mais tarde convertido em tanque – cfr. certidão judicial junta como doc. nº 2, factos provados sob G. “A mãe da A. e avó dos réus adquiriu desse modo a propriedade sobre dois prédios contíguos, inscritos na matriz urbana sob o artigo ...76º e rústica sob o artigo ...96º, cabendo-lhe o terço do prédio sito a nascente, onde se encontrava a casa mãe, o respectivo poço e a casa de habitação dos pais.”.

20º No que toca à verba n.º 29, consta do inventário a seguinte descrição: “Um prédio rústico de horta e árvores de fruto, sito no lugar de Quinta, a confrontar do sul com GG, nascente com herdeiros de HH, poente com II e norte com o próprio e rua, inscrito na matriz predial urbana da ... sob o artigo nº ...96” - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 1, pág. 79 (fls. 440 dos autos).

21º Tal facto (edificação do muro pelo demandado BB em Julho de 2004) levou a autora a apresentar uma queixa em 17/07/2004, o que deu origem ao processo crime, que sob o n.º 616/04.... correu termos no ... Juízo deste Tribunal ..., onde o D. BB, depois de pronunciado por dois crimes de falsificação de documento e um crime de dano qualificado, foi absolvido por douta sentença de 03/05/2007, transitada em julgado em 18/05/2007 - cfr. Certidão judicial que se junta como doc. n.º 11.

22º A autora instaurou uma acção de reivindicação, onde peticionou que fosse reconhecida a propriedade dos 881,5m2 que fazem parte do terreno inscrito sob o artigo rústico ...96º – Acção que correu termos no ... Juízo desse mesmo Tribunal ..., sob o n.º 9/08…, conforme certidão judicial junta como doc. n.º 2.

23º Por douta sentença, transitada em julgado no passado dia 12/03/2012, a autora viu a sua pretensão ser indeferida, por falta de prova, nomeadamente na configuração dos prédios.

24º E, da mesma forma, o pedido reconvencional apresentado pelos réus foi rejeitado porque “não lograram demonstrar que são proprietários da parcela de terreno que está em causa.”. - cfr. certidão judicial junta como doc. n.º 2, pág. 21, 2º parágrafo.

25º Pertencia aos avós da autora e bisavós dos demandados um prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32, como um “terreno lavradio, com casa de eira, eira e mais pertenças” - cfr. Descrição predial que se junta como doc. n.º 13.

26º Aquando da partilha das heranças abertas por óbito dos avós da autora e bisavós dos réus, ocorrida em 1957, existindo três herdeiros e irmãos, a propriedade foi dividida e foram desanexados três prédios, com os n.ºs de descrição ...98, ...91 e ...92, constituídos por uma casa ou “casas sobradas” e “quintal junto” – cfr. facto provado sob E. da sentença proferida na acção de reivindicação, constante da certidão judicial junta como doc. n.º 2; e doc. n.º 13.

27º “Sendo os três “quintais” medidos por igual e separados por uma rede” – cfr. facto provado sob F. da sentença proferida na acção de reivindicação, constante da certidão judicial junta como doc. n.º 2.

28º Por escritura de partilha, celebrada em 27/07/1957, coube à mãe da autora e avó dos réus, o terço do prédio sito a poente, constituído de “casas sobradas e quintal junto”, correspondentes, respectivamente, ao artigo urbano ...75º e ao antigo artigo rústico ...25º, por se tratarem de prédios confinantes a poente com a sua propriedade – cfr. Escritura junta como doc. n.º 14.

29º De facto, a mãe da autora e avó dos réus, já adquirira, antes de 1957, a casa de habitação inscrita sob o artigo ...76º, assim como toda a área rústica sita a sul, inscrita sob o antigo artigo matricial ...26º – cfr. certidão matricial, vide teor dos artigos rústicos ...25... e ...26º constante da matriz à propriedade rústica antes das avaliações de 1969/1970.

30º Fazendo com que a mãe da autora e avó dos réus ficasse proprietária, em 1957, de duas propriedades contíguas, correspondentes respectivamente:

− À casa inscrita sob o artigo ...76º e ao quintal junto inscrito sob o artigo ...26º;

− E às “casas sobradas” (casa mãe, ao respectivo poço, e casa de habitação dos pais, inscrita sob o artigo ...75º) e “quintal junto” (inscrito sob o antigo artigo matricial ...25º) – cfr. factos provados sob G. da sentença proferida na acção de reivindicação, constante da certidão judicial junta como doc. n.º 2;

31º A mãe da autora e avó dos réus, proprietária e legítima possuidora de vários prédios confinantes, sempre os usou e deles sempre dispôs conforme bem entendeu, ao longo de mais de trinta e cinco anos, de 1957 a 1992, ano em que faleceu – cfr. factos provados sob D. Da sentença proferida na acção de reivindicação, constante da certidão judicial junta como doc. n.º 2.

32º Aquando das avaliações gerais de 1969/1970, a mãe da autora e avó dos réus, participou junto das Finanças a propriedade de três prédios urbanos e um único prédio rústico, nos seguintes termos:

− Artigo urbano ...76º: “casa alta com área de 100m2, 3 divisões no R/chão e 6 no 1º andar”, agora propriedade da autora;

− artigo urbano ...68º: “casa térrea com quatro divisões, com a superfície coberta de 65m2, área descoberta de 120m2 e logradouro de 100m2”, correspondente à antiga casa-mãe e respectivo poço, à rampa de acesso e à faixa perpendicular;

− artigo rústico ...96º: terreno de “cultura, pomar e vinho”, com a “área de 2.330m2”.

B) FACTOS PROVADOS NOS TEMAS DE PROVA

2º Provado penas que que os réus procederam ao registo do seu prédio e que a autora procedeu ao registo em 3.5.2002.

3º Provado apenas que a autora já não podia alterar o registo do seu prédio porque nesse caso iria precisar da “assinatura dos confinantes” in casu dos réus.

4º Provado apenas que os réus foram requerer junto do Serviço de Finanças ... a alteração da área do prédio inscrito sob o artigo urbano ...75º, sob a invocação de um “erro praticado pelo anterior proprietário aquando da participação à matriz no ano de 1958”

5º De seguida, os réus procederam ao registo do seu prédio, no qual, mudando de versão, requereram a alteração da área descoberta, justificando o sucedido “em virtude de circunstâncias supervenientes”

7º Provado apenas que os prédios da autora, relacionados nas verbas n.ºs 26 e 29, confinam, pelos lados poente e norte, com o prédio dos réus, relacionado na verba n.º 27.

11º As confrontações dos prédios foram identificadas pela autora e aceites pelos réus e pelo seu pai, nas relações de bens por eles apresentadas e na conferência de interessados realizada em 05/07/2000.

19º A verba n.º 27, adjudicada aos réus, corresponde a “Uma casa de habitação, sita na quinta, a confrontar de norte com rua, sul, nascente e poente com o próprio, inscrita na matriz predial de ... sob o artigo nº ...75” - Cfr. doc. n.º 1, pág. 78 (fls. 439 dos autos).

26º Tendo a autora denunciado a referida construção (o muro) junto da Câmara Municipal ..., em 19/07/2004 – cfr. Doc. n.º 5.

28º Nessa sequência, a autora apresentou uma reclamação junto do Serviço de Finanças ... no passado dia 10/05/2012, onde requereu a rectificação da área indevidamente alterada pelos réus - cfr. requerimento que se junta como doc. n.º 12.

29º A autora sempre se opôs à ocupação efectivada pelos réus.

37º Nos autos de inventário judicial que correu termos no ... Juízo deste Tribunal, sob o n.º 252/93, foi partilhada, de entre outros bens, a área salientada na planta topográfica da Câmara Municipal ..., junta como documento n.º 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.

38º A Autora licitou, na conferência de interessados, todos os bens imóveis pertencentes à herança.

39º Tendo os Réus requerido compor o seu quinhão hereditário com a casa e respectivos logradouro e dependências inscritos na respectiva matriz predial urbana da ... sob o artigo ...75º e identificada na verba n.º 27 da relação de bens e acta da conferência de interessados, constante da certidão judicial junta pela Autora como doc. n.º 1 da petição inicial.

40º À Autora ficou a caber, a casa vizinha, com o respectivo logradouro, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...76.º, identificada como verba n.º 28, um prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ...06.º e uma garagem.

56º A verdade, porém, é que a casa em questão, que vem inscrita na matriz predial urbana de ... sob o artigo ...75º e é nela descrita como tendo uma área coberta de 100 m2 e área descoberta de 50m2.

57º Porém, tem na realidade uma área de logradouro superior.

60º Aliás, após análise da descrição das áreas dos prédios confinantes, torna-se possível constatar que aqueles prédios que couberam à Autora também se encontram nessa situação, isto é desconformidade real versus matricial.

61º O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ...76.º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...04, encontra-se descrito como tendo, apenas, área coberta de 100m2 – cfr. documento n.º 6.

63º O que, aos olhos de todos quantos se detiverem, ainda que por brevíssimos instantes, a olhar para a casa de habitação da Autora é absolutamente desconforme com a realidade.

64º Porque é evidente que as casas de habitação quer da Autora, quer dos Réus dispõem de logradouro.

65º Aliás, a frente da casa da Autora e, bem assim, dos Réus é um jardim com plantas e flores de ornamentação e sempre foi esse o uso que lhe foi dado – conforme resulta das fotografias datadas de há mais de seis décadas e que juntam como documento n.º 7.

66º Assim, a casa de habitação da Autora dispõe, de logradouro, embora da descrição matricial não conste qualquer área descoberta e o mesmo acontece com o prédio dos Réus.

67º O prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ...68º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...05, encontra-se descrito como tendo área coberta de 185m2 e logradouro de 100m2 – cfr. documento n.º 8 e o prédio rústico inscrito sob o artigo matricial artigo ...96º e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...06, encontra-se descrito como tendo área de 2.330 m2 – cfr. documento n.º 9, pelo que de acordo com a “realidade matricial” a área total destes três prédios da Autora ascende a 2.715 m2, mas somando a esta área, a área constante da matriz do prédio adjudicado aos Réus (o referido artigo ...75º), que é de 100 m2 de área coberta e 50 m2 de área descoberta, resulta que a área salientada a cor azul na planta topográfica junta sob o documento n.º 2, de acordo com os dados constantes da matriz predial, é de 2.865 m2.

68º Contudo, na realidade, a área salientada a cor azul na referida planta é de 4.372 m2, conforme resulta do levantamento topográfico junto como documento n.º 10.

69º A admitir-se que a área constante da descrição matricial dos prédios daquela área salientada a cor azul corresponde exactamente à sua área real, então, haveria 1.507 m2 seriam terra de ninguém.


***


B) De direito

1. Do objeto do recurso e do seu conhecimento.

1.1 Importa, antes de mais, considerar o seguinte:

O presente recurso que foi submetido à apreciação deste Supremo Tribunal reporta-se a uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, que foi instaurada em 27/09/2012.

Nessa altura encontrava-se ainda em vigor o pretérito CPC de 61, na versão da reforma introduzida pelo DL nº. 303/07, de 24/08 (cfr. artº. 12º desse DL).

Acontece que quer a sentença (que foi objeto de recurso de apelação, bem como inclusive todas as demais decisões que foram antes dela proferidas e objeto de recursos, com exceção daquela referida no ponto 4. do Relatório), quer o acórdão da Relação (que foi objeto do presente recurso), foram proferidos já em plena vigência do atual nCPC, aprovado pela Lei nº. 41/2013, de 26/06 (entrado em vigor, como se sabe, em 01/09/2013 – cfr. artº. 8º).

Lei essa que no que concerne aos processos pendentes estabeleceu várias normas transitórias de aplicação desse novo diploma (cfr. artºs. 5º a 7º).

No que concerne ao regime dos recursos, relativamente aos processos pendentes e sobre a lei aplicável, e naquilo que para aqui ora nos importa, Abrantes Geraldes (in “Recursos em Processo Civil, 6ª. Edição Atualizada, Almedina, pág. 16”), discorre, a dado momento, nos seguintes termos. “(…) Uma das críticas principais que era dirigida ao regime dos recursos aprovado em 2007 assentava no facto de apenas ser aplicável aos processos instaurados a partir de 1 de janeiro de 2008, opção que contrariava o princípio geral da aplicação imediata da lei nova e que conduzia, na prática, à perturbadora coexistência de dois regimes de recursos. Ora, uma vez que a consagração de um regime transitório apenas se justificava quando as novas regras conflituassem com princípios constitucionais que tutelavam as expetativas de interposição de recurso, foi assumida a aplicação do novo regime a todas as decisões proferidas a partir de 1 de setembro de 2013, independentemente da data em que a ação foi instaurada. Tal decorre do artº. 7.º n.º 1, da Lei nº. 41/13, de 26 de junho (…).

Desse modo passou a vigorar um único regime processual para todos os processos independentemente da data do início da instância, com a ressalva apenas para o valor das alçadas, que continuou a guiar-se pelas normas em vigor na data da instauração da ação, e do obstáculo colocado pela dupla conforme inaplicável aos recursos de revista interpostos em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008.” (negrito e sublinhado nossos)

Sendo assim, e considerando as datas em que foram proferidas quer a sentença da 1ª. instância, quer o acórdão (aqui recorrido, que conheceu da apelação interposta daquela) da 2ª. instância (em plena vigência do atual CPC), o presente recurso de revista interposto do último, reger-se-á pelo regime fixado pelo nCPC. (doravante somente CPC, salvo indicação em contrário)

Clarificada a situação sobre a regime da lei processual aplicável ao presente recurso, avancemos no sentido de delimitar e definir o objeto do mesmo.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é, em regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, do CPC).

Porém, o caso em apreço reveste-se, no que a tal a diz respeito, de certa especificidade e que se traduz no seguinte:

Como ressalta do despacho inicial do relato, o presente recurso de revistadado estarmos perante a existência de dupla conforme (artº. 671º, nº. 3, do CPC) - só foi recebido/admitido liminarmente com base apenas nos fundamentos especiais/específicos previstos no artº. 629º, nº. 2 als. a) – fine –, e d) do CPC, face à invocadas (pelos recorrentes, e após reconhecerem eles próprios a existência daquele obstáculo legal da dupla conforme) ofensa de caso julgado e contradição de julgados.

Ora, constitui jurisprudência consolidada neste mais alto tribunal que a admissão de um recurso (de revista) com base apenas num fundamento especial (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão, sem que possa alargar-se a outras questões. E faz todo, o sentido, porque se assim não fosse – isto é, se pudesse alargar-se o conhecimento também a outras questões, que nada têm a ver com aquela que excecionalmente permitiu o acesso ao Supremo para dela conhecer – “iria entrar pela janela” aquilo que o legislador (ao introduzir fatores de restrição da revista) não quis que “entrasse pela porta.” (Neste sentido, vide, por todos, Acs. do STJ 06/07/2021, proc. nº. 6537/18.8T8ALM.L1.S1, de 04/07/2019, proc. nº. 1332/07.2TBMTJ.L2.S1, de 04/12/2018, proc. nº. 190/16.0T8BCL.G1.S1, de 22/11/2018, proc. nº. 408/16.0T8CTB.C1.S1, de 18/10/2018, proc. nº. 3468/16.0T9CBR.C1.S1, e de 28/06/2018, proc. nº. 4175/12.8TBVFR.P1.S1, disponíveis em ww.dgsi.pt).

Sendo assim, objeto do presente recurso circunscreve-se à apreciação das sobreditas questões referentes à ofensa de caso julgado e à contradição de julgados que os RR./recorrentes invocam como fundamento do mesmo (e que, como vimos, permitiram que, in casu, o mesmo fosse e admitido).


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1.2 Quanto à ofensa do caso julgado.

Como é sabido, e decorre do disposto nº. 3 do artº. 671º do CPC, ocorrendo uma situação de dupla conforme só é legalmente possível recorrer dos acórdãos da Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça, ou nos casos previstos no artº. 672º (como revista excecional) ou naqueles casos em que o recurso é sempre admissível (como acontece naquelas situações elencadas nas als. a) a d) do nº. 2 artº. 629º do mesmo diploma legal).

E entre a situações em que é sempre admissível recurso (de revista normal) encontram-se aquelas em que, independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência, se vise a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada pelo recorrente a ofensa do caso julgado, formal ou material – artºs. 620º e 621º (cfr., por todos, Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., pág. 53”).

Ora, como deixámos exarado, encontrando-nos perante uma situação de dupla conforme, vieram os RR./recorrentes interpor o presente recurso de revista invocando, além de outro (a que já fizemos referência), como fundamento específico, a ofensa de caso julgado.

Para o efeito, e na sua essência, alegam que acórdão da Relação de que ora se recorre (e bem assim a sentença da 1ª. instância que confirmou na integra) violou o caso julgado formado pelas decisões proferidas quer na ação declarativa de revindicação nº. 9/08.... (a que se alude no ponto 22º/24º dos factos provados), quer nestes próprios autos de ação de demarcação, e mais concretamente os acórdãos (da Relação) de 29/10/2013 e de 08/03/2013, a que se alude, respetivamente, nos pontos 5. e 8. do Relatório que antecede do presente acórdão, e pelas razões que, na sua essência, constam das conclusões das alegações do seu recurso e que acima se deixaram transcritas.

Contra tal ofensa se pronuncia a autora/recorrida (e pelas razões que, na sua essência, constam das conclusões das suas contra-alegações e que acima se deixaram igualmente transcritas).

1.2.1 Por se nos afigurar útil com vista a alcançar a solução para a questão aqui em discussão, começaremos, antes de mais, por fazer uma abordagem teórica dessa controversa figura processual do instituto do caso julgado, e sobre alguns dos seus aspetos/elementos porventura mais controversos (refira-se que alguma da jurisprudência e a doutrina que abaixo iremos citar embora proferidas à luz do derrogado CPC, mantêm-se, todavia, plenamente válidas dado que, como é sabido, essa figura manteve-se, na sua essência, inalterável à luz do atual CPC).

A expressão “caso julgado” é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado”, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega, tanto constitui caso julgado a sentença que condena como aquela que absolve.

Figura essa que, como se sabe, constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. artºs. 577º, nº. 1 al. i), 576º, nºs. 1 e 2, e 578º do CPC, diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).

Exceção essa que pressupõe, nos termos do artº. 580º, nºs. 1 e 2, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Isso mesmo acentua o prof. Anselmo de Castro, (in “Processo Civil Declaratório, Vol. II, pág. 242”), ao escrever “tal impedimento, destina-se a duplicações inúteis da actividade jurisdicional e eventuais decisões contraditórias.”

O caso julgado, como refere o prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 307”), consiste, assim, “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, ou então, como ensina o prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305/306”), o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social.”

O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal. (Nesse sentido, vide, por todos, o prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, vol. III, pág. 93”, e Acs. do STJ de 16/09/2015, proc. nº. 1918/11, in “Sumários, 2015, pág. 485”, de 22/06/2017, proc. nº. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, de 13/12/2007, proc. nº. 07A3739, de 04/06/2015, proc. nº. 177/04.6TBRMZ.E1.S1, de 11/11/2020, proc. nº. 214/17.4T8MNC.G1.S1, de 06/06/2019, proc. 276/13.3T2VGS.P1.S2, e de 16/12/2021, proc. nº. 5837/19.4T8GMR.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

Tanto mais que a decisão transitada pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça (cfr., a propósito, o prof. Alberto dos Reis, in “Ob. cit., pág. 94”).

Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa.

Tal resposta é-nos dada pelo artº. 581º, nº. 1, ao estatuir que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Por seu lado, os nºs. 2, 3 e 4, desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”. Acrescentando-se, no último normativo, que “nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”.

Num esforço de ainda maior concretização daquela tríade de conceitos (e sem a existência cumulativa dos quais não se pode falar de exceção de caso julgado) podemos dizer, que as partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra (cfr., por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 319”).

Por sua vez, haverá identidade de pedidos “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter” e que a identidade da causa de pedir “pressupõe que o ato ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico”.

Há identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

Como escreve Mariana Gouveia (in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, págs. 493 e 509”), a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, mas segundo o critério misto não pode deixar de prescindir de uma perspetiva material dos limites das normas e dos seus nexos, por referência ao direito substantivo, nem dos limites dos factos, tal como são apresentados na sentença, sendo este critério o que melhor responde aos problemas de concurso aparente de normas.

A identidade da causa de pedir há, assim, que procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações (cfr., por todos, Ac. do STJ de 26/10/89, in “BMJ nº. 390 - 379”).

Assim, em resumo e noutra linguagem, podemos dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) - em consonância, assim, com o principio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico -, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal - trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que acionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjetivos invocados garantem -, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjetiva) de parte.

A exceção de caso julgado consiste, assim, e para concluir, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário (cfr. artº. 628º).

Porém, e tal como já resulta do que supra deixámos expresso, importa dizer que a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. Ambos são efeitos diversos da mesma realidade jurídica, havendo mesmo quem, a esse propósito, defenda (naquilo que hoje começa a constituir-se em entendimento dominante, e ao qual aderimos) que para que autoridade do caso julgado, ao contrário do que sucede em relação à exceção dilatória de caso julgado (na sua vertente negativa), atue não se exige ou pressupõe, necessariamente, a coexistência das três identidades referidas no artº. 581º. (Cfr., quanto a este último entendimento, entre outros, o prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Objecto da Sentença e Caso Julgado Material”, BMJ nº. 325, pág. 49 e sgs.” e Acs. do STJ de 22/06/2017, proc. nº. 2226/14.0TBSTB.E1.S1, de 13/12/2007, proc. nº. 07A3739, de 04/06/2015, proc. nº. 177/04.6TBRMZ.E1.S1, de 11/11/2020, proc. nº. 214/17.4T8MNC.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.).

No desenvolvimento daquela afirmação, escreve o prof. Lebre de Freitas (in “Ob. cit., pág. 325”), que “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão” (...). “Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.

No mesmo sentido vai o prof. Miguel Teixeira de Sousa (in “Ob. Cit., págs. 49 e sgs.”) quando escreve: “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente.”

E tal questão (da autoridade do caso julgado) conduz-nos à polémica e muito discutida questão da extensão ou alcance do caso julgado.

Nos termos do disposto no artº. 619º, nº. 1, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581º.”

Por sua vez, sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado” preceitua o artº. 621º que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”.

Resulta do exposto, que os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objeto e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade - valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu. (Vide, a propósito, e para maior desenvolvimento, os profs. Manuel de Andrade, in “Ob. cit., pág. 285”; Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo em Processo Civil, 1968” e Miguel Teixeira de Sousa, in “Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, págs. 309 a 316”).

Na referida vexata quaestio vem hoje ganhando predominância a corrente que perfilha o entendimento mitigado no sentido de que muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não devendo, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se, apenas, à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final, mas sendo, todavia, já de estender-se também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado. (Cfr., entre muitos, e para maior desenvolvimento, Acs. do STJ de 22/02/2018, proc. 3747/13.8T2SNT.L1.S1, de 02/12/2020, proc. 3077/15.T8PBL.C1-A.S1, de 26/04/2012, proc. 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, de 28/5/2002, in “Agravo nº 1043/02, 6ª. sec., Sumários, 5/2002 e de 26/9/002, in “Agravo nº 213/02, 2ª sec., Sumários 9/2002”).

Daí que, e como se escreveu no Ac. do STJ de 3/4/1991 (in “AJ, 18º - 9), no nosso ordenamento jurídico-processual, o caso julgado implícito só possa ser admitido em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas, embora de forma não expressa, nos termos e limites precisos em que julga, tal como estipula o artº. 621º (que corresponde ao artº. 673º CPC61).

Importa, rematar dizendo que o caso julgado formado, e como já transparece do que acima se deixou expresso, tanto pode ser formal como material.

Sob a epígrafe “Caso julgado formal”, dispõe-se no artº. 620º, nº. 1, do CPC que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”, ficando excluídos do disposto nesse número os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário. (cfr. nº. 2 desse citado preceito legal, o artº. 630º, nº. 1, e ainda o artº. 152º, nº. 4, do CPC).

Donde resulta, como discorrem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, pág. 771”), que “o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciem matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo”. (sublinhado nosso)

Sendo que o despacho que recai sobre a relação processual é todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito. (Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª Ed., Almedina, pág. 753”). (sublinhado nosso)

Como decorre do que se acabou de expor, já o caso julgado material pressupõe uma decisão sobre o mérito da causa, ficando essa decisão proferida sobre a relação material controvertida a ter força obrigatória tanto dentro como fora do processo, ou seja, essa decisão proferida sobre o mérito da causa impõe-se não só dentro do processo como também fora dele (aí residindo a grande diferença em relação ao caso julgado formal), dentro, é claro, dos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do CPC, e sem prejuízo daquelas situações em que há lugar à revisão dessas decisões nos termos do artº. 696º e ss. desse mesmo diploma legal (cfr. artº. 619º do CPC).

Porém, e como é sabido, só existe caso julgado (formal ou material), quando uma decisão já não seja suscetível de recurso (ou de reclamação) e daí dizer-se que partir dessa altura transitou em julgado (cfr. artº. 628º do CPC).

1.2.2 Por igualmente se nos afigurar de utilidade para a solução/resposta das questões acima elencadas, importa igualmente deixar previamente algumas breves considerações, de ordem genérica e de cariz teórico, que consideramos mais relevantes para o caso, quer sobre a ação de reivindicação, quer sobre a ação de demarcação, embora com mais incidência sobre esta, pois que os presentes autos, avancemos desde já, consubstanciam uma ação de demarcação.

Como é sabido, o direito de propriedade, como o expoente máximo dos direitos reais de gozo, pode ser adquirido por um dos modos descritos no artº. 1316º do Código Civil (vg. contrato, sucessão por morte, usucapião, e outros ali previstos), constituindo eles, como facto jurídico gerador do direito (de propriedade) invocado, geralmente a causa de pedir de tais ações (cfr. entre outros, Ac. do STJ de 17/01/95, CJ, Acs. do STJ, Ano III, T1 – 25”).

Quando esse direito (de propriedade) é posto em causa, a lei criou uma ação própria através do qual o seu titular pode fazê-lo reconhecer judicialmente: a ação de reivindicação, a qual não está sujeita à prescrição pelo decurso do tempo (artºs. 1311º e 1313º do CC).

Trata-se de uma ação petitória que «tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela» (cfr. os profs. Pires Lima e A. Varela com a colaboração do prof. Henrique Mesquita - in «Código Civil Anotado, 2ª. ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, Vol. III, págs. 112/113”).

E daí dizer-se que, como referem ali os aludidos Mestres, são dois os pedidos que integram e caracterizam a ação de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condennatio), por outro.

Para a procedência desse tipo de ação torna-se necessário a comprovação, por um lado, de um requisito subjetivo, que consiste em ser o autor o proprietário da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objetivo, ou seja, a identidade entre a coisa reivindicada e a possuída pelo réu, cujo ónus de prova incumbe (em regra) ao autor – salvo se beneficiar a esse respeito de uma presunção legal -, por serem factos constitutivos do seu direito (artºs. 342º, nº. 1, e 350, nº. 1, do CC).

Nesse tipo de ações a causa de pedir é um tanto ou quanto complexa, compreendendo tanto os atos ou os factos jurídicos de que deriva o direito de propriedade invocado pelo autor, como também a própria ocupação abusiva feita (pelo réu) do prédio reclamado ou reivindicado. Assim, para que tal ação possa ter êxito deverá, desde logo, o autor alegar os factos correspondentes que permitam levar à prova do invocado direito de propriedade sobre a coisa, ou seja, terá que alegar factos que permitam demonstrar a aquisição desse direito real de propriedade (por um dos modos tipificados no citado artº. 1316º).

Nestes casos, o demandado apenas pode repelir a reivindicação da coisa e a sua consequente entrega com base num dos seguintes estratagemas:

Por um lado, impugnando a titularidade do direito de que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa pertence a outrem (inclusive a si impugnante) ou não pertence a ninguém (res nullius), ou então contestar o seu dever de entrega sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (cfr., os profs. Pires Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 116”).

Viremo-nos, agora, para as ações de demarcação.

Como é também sabido, as ações de demarcação (outrora também designadas de ações de tombamento), antes da reforma processual de 1995 efetuada ao pretérito CPC de 61 - através do DL nº. 329-A/95 de 12/12, que eliminou a ação autónoma de arbitramento, de que fazia parte a demarcação -, eram de natureza especial, seguindo o ritualismo processual previsto no artº. 1052º e ss. (englobando em si, num misto, como que dois tipos de ações, uma mais de natureza declarativa – visando definir o direito, ou seja, as extremas -, e outra mais de natureza executiva – que consistia, uma vez definidas as extremas, na colocação dos marcos divisórios), passando depois, após tal reforma, o que se mantém no nCPC, a seguir a forma de processo comum de declaração.

O legislador não definiu ou precisou o conceito de ação de demarcação, limitando-se, através do artº. 1353º do CC, ao plasmar que “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das extremas entre o seu prédio e o deles.”

De onde ressalta, desde logo, que a demarcação dos prédios consubstancia um direito potestativo.

Apesar dessa falta de definição, e a partir da conjugação daquele normativo com artº. 1354º e com a própria natureza e realidade que lhe estão subjacentes, está há muito conceitualizado, pela doutrina e pela jurisprudência, que ação de demarcação supõe uma incerteza quanto ao lugar em que se situa a estrema ou linha divisória entre dois prédios, porque inexistem ou são duvidosas, e daí que ao autor caiba alegar factos concretos com vista a demonstrar a imprecisão das estremas, indicando como deve ser feita a demarcação.

Distingue-se da reivindicação, pois enquanto nesta já se conhece exatamente a linha divisória, consistindo a pretensão na recuperação de uma porção certa (além dessa linha), na demarcação visa-se definir a linha de separação, para se obter em consequência disso o terreno eventualmente ocupado pelo vizinho confinante, surgindo, depois, a eventual restituição como consequência natural da demarcação, havendo como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade (vide Carvalho Martins, in “A Acção de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, págs. 20 e 24”)

A demarcação pressupõe, assim, o reconhecimento do domínio sobre os prédios confinantes e a indefinição da linha divisória entre eles. Ou seja, e por outras palavras, a ação de demarcação não tem por objeto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponha, sendo que o seu fim específico é pôr fim à situação de incerteza quanto as extremas ou linhas que dividem/separam os prédios confinantes, obrigando estes (à luz do citado artº. 1353º), uma vez interposta a ação por um deles, a concorrerem para a demarcação/delimitação dessas estremas.

Por isso, e como vem sendo defendido com dominância, a demarcação não é uma ação tipicamente real, mas antes pessoal, procurando efetivar o direito conferido no artº. 1353º do CC ao proprietário, sendo a qualidade de proprietário apenas condição de legitimidade para a ação.

Problematiza-se/discute-se neste tipo de ação, não propriamente o título de aquisição, mas apenas a extensão da propriedade, e daí que a ação seja de demarcação, a que corresponde a forma de processo comum.

A causa de pedir dessa ação consubstancia-se na confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e na indefinição ou na dúvida (consistente) da respetiva linha divisória, que tanto pode resultar do desconhecimento dos limites, como do desacordo dos proprietários confinantes acerca de tais limites, traduzindo-se, assim, num facto complexo.

Assim, como facto constitutivo do seu direito (de demarcação) o autor terá que alegar e provar (1) que é proprietário de um prédio confinante com outro do demandado, (2) que não está definida a linha divisória, enquanto o último se a tal quiser obstar terá de alegar e provar que a demarcação existe e está concretizada, não existindo indefinição quando à linha divisória dos prédios (artº. 342 nºs. 1 e 2, do CC). No sentido que se deixou exposto vide, entre outros, Carvalho Martins, in “Ob. cit., págs. 19, 20-21, e 24-25”, os profs. Pires Lima e A. Varela, in “Ob. cit., págs. 197/200”, Ac. do STJ de 20/11/2019, proc. 841/13.9TJVNF.G2.S1, disponível em www.dgsi.pt, Ac. do STJ de 10/04/1986, BMJ nº. 356-285” e do STJ de 23/09/97, de 26/4/05, disponível em www.dgsi.pt).

Quanto ao modo de proceder à demarcação, rege o artigo 1354º do CC, ao qual adiante nos referiremos, se tal se vier a mostrar necessário ou útil, aquando da abordagem da questão seguinte.

1.2.3 Tendo presente o que se deixou expendido sobre o instituto do caso julgado, e bem assim sobre as ações de reivindicação (do direito de propriedade) e de demarcação, é altura de respondermos, de forma mais incisiva, à (1ª.) questão acima colocada, e que, desde logo passa por saber se acórdão da Relação de que ora se recorre (e bem assim a sentença da 1ª. instância que o mesmo confirmou na integra) violou o caso julgado formado pela decisão/sentença que foi proferida quer na ação declarativa de revindicação nº. 9/08.... (a que se alude nos pontos 22º/24º dos factos provados).

1.2.3.1 Nessa ação que instaurou contra os também aqui RR., a também aqui autora, naquilo que, em síntese, para aqui importa, pedia que lhe fosse reconhecido, e como tal aqueles condenados, o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno ali identificada com a área de 881,5 m2 e que integrava o prédio rústico inscrito na matriz sob o artº. ...96º de que são donos, e que os RR. indevidamente ocupam, pedindo, em consequência, que lha restituam.

Idêntico pedido, embora em sentido contrário, formularam os RR., por via da reconvenção que ali deduziram, pedindo que lhes fosse reconhecido o seu direito de propriedade sobre essa mesma parcela de terreno com igual área, integrante do prédio inscrito na matriz sob o artº. ..75, devendo, em consequência, a autora ser condenada a reconhecê-lo.

Para tanto, e em síntese, cada um deles (A e. RR) fundamentou essa a sua pretensão na alegação de que aqueles respetivos prédios lhe foram adjudicados, e neles se integrando a referida parcela de terreno, nos autos de inventário (nº. 252/93) que correram termos para partilha da herança deixada pelos seus antecessores (vg. pais da A. e avós dos RR), sendo certo que sempre teria adquirido esse direito de propriedade por via da usucapião.

Ação essa, configuradora de uma típica ação de reivindicação, que veio a ser julgada improcedente, o mesmo sucedendo no que concerne à reconvenção, sendo, em consequência, os RR. e a A. absolvidos os respetivos pedidos, em decisão transitado em julgado (12/03/2012).

Improcedência essa que ficou a dever-se ao facto de se ter considerado, em síntese, que nenhuma daquelas partes logrou provar (como lhes competia) a aquisição do direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno e de que a mesma fazia parte integrante daqueles prédios de que A. e RR são donos/proprietários (cfr. pontos 22º/24 dos factos descritos como provados nesta ação, e como melhor tal ressalta da certidão da decisão judicial para a qual ali se remete).

Decisão essa que, em termos mais concretizadora, foi a dada altura ali justificada nos seguintes termos:

« (…) o que já não se consegue apurar através dessa facticidade é a configuração exactas dos imóveis alvo de partilha e que couberam quer à Autora, quer aos Réus. A delimitação desses imóveis não resulta clara, inequívoca e com áreas bem definidas. (…) existe uma confusão de áreas que não permite desenhar com rigor quais os limites de cada um dos prédios ajuizados (…).” (sublinhado nosso)

Por sua vez, através da presente ação, que instaurou contra os mesmos RR., veio a A. (assumido também a mesma posição processual daquela outra ação) pedir (al. a) do pedido) que seja determinada “A demarcação dos prédios da A., inscritos sob o artigo rústico ...96º e sob o artigo urbano ...68º, da casa de habitação dos DD., inscrita sob o artigo ...75º, através de uma linha divisória à volta da casa dos DD., a saber, junto ao murete existente a nascente, a sul, atrás da casa, no início do pavimento em calçada à portuguesa e a poente, junto à casa – cfr. planta topográfica junta como doc. n.º 7.” (sublinhado nosso)

Refira-se que apenas esse pedido deve aqui ser considerado, pois que os restantes três que havia inicialmente formulado (sob as als. b), c) e d) e que se deixaram expressos no início do Relatório) acabaram por não ser admitidos (cfr. ponto 6. desse mesmo Relatório).

Pedido esse que a A. fundamentou nos termos que se deixaram referenciados no mesmo Relatório, sendo que os RR. também formularam, por via subsidiária, e com base nos factos por si aí alegados, por via de reconvenção pedido demarcação do seu prédio em relação aos prédios da AA. ali por identificados, e com os quais se encontram em confronto.

Ação essa que, depois de percorrer um longo caminho processual - com avanços e recuos, e que se encontram referenciados no Relatório – veio a ter o seu “epílogo”, com a sentença (a 2ª.) proferida, em 04/01/2021 (ponto 13 do Relatório), pela 1ª. instância, que procedeu à demarcação dos prédios da A. (os inscritos sob o artºs. matriciais nºs. ...96º e ...68) e dos RR. (o inscrito sob o artº. matricial nº. ...75º) que se encontram em confinamento, estabelecendo a linha divisória de demarcação entre os mesmos nos termos ali descritos (e que se encontram exarados em tal ponto), a qual veio a ser confirmada, nos seus precisos termos, pela Relação, no acórdão de que ora se recorre.

Ação essa que reúne em si todos os ingredientes legais, que supra se deixaram referenciados, para ser considerada uma ação de demarcação.

Os RR./recorrentes insurgem-se contra essa demarcação, por, no fundo, dela resultar para aqueles prédios da A., e particularmente para aquele inscrito sob o artº. ...96º, uma área que não lhe foi reconhecida na sobredita ação declarativa (condenatória) de revindicação (nº. 9/08…), e nessa medida defendem que aquela decisão demarcatória ofende o decidido nessa ação, pondo assim em causa a sua autoridade.

Mas será assim?

Importa dizer, antes de mais, dada a forma como os recorrentes colocam a questão, que estar-se-ia perante uma exceção de caso julgado na sua função positiva, e mais concretamente na sua vertente de autoridade de caso julgado material, pois que estaria em causa uma decisão proferida sobre o mérito de causa e não sobre uma relação processual (caso julgado formal).

Ofensa essa (de caso julgado material formado pela decisão proferida na tal ação de revindicação (nº. 9/08…), que, salvo o devido respeito, não ocorre e pelo seguinte:

Desde logo, porque no confronto das duas ações (a de reivindicação e a de demarcação) apenas existe identidade quanto aos sujeitos, sendo diferentes os pedidos e as respetivas causas de pedir.

Naquela primeira ação discutia-se o direito de propriedade sobre a tal parcela de terreno com a área de 881,2 m2, que ambas as partes reivindicavam para si, pedindo o reconhecimento desse direito, com o fundamento de se integrar nos seus prédios (o inscrito na matriz sob o nº. ...96, da autora, e o inscrito na matriz sob o artº. ..75 dos RR), e que haviam adquirido, quer por via derivada (por adjudicação na partilha ocorrida no processe de inventário acima identificado), quer por via originária (através da usucapião).

Já nesta ação de demarcação (instaurada pela mesma A. contra os mesmos RR. e na qual estes formularam também pedido reconvencional esse respeito, embora por via subsidiária) o que se pediu era que fossem demarcados (através do estabelecimento uma linha divisória entre eles) os prédios da autora (inscritos na matriz sob os nº. ...96 e ...68) e dos RR. (inscrito na matriz sob os nº. ...75), com o fundamento de não estarem estabelecidas/definidas as extremas/limites das suas confrontações.

Para além da inexistência dessa identidade quanto aos pedidos e causa de pedir quanto a ambas as ações, importa considerar ainda o seguinte:

Com ressalta da abordagem de cariz teórica-técnica que acima deixámos expendida, os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objeto e a fonte ou título constitutivo.

Paralelamente, é preciso atender-se aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade para qualquer processo futuro, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo. Daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

Ora, como ressalta daquilo que supra deixámos referenciado, naquela ação de reivindicação apenas se discutia o reconhecimento do direito de propriedade sobre a sobredita faixa de terreno (com a área de 881,5 m2) e na qual as ambas as partes reivindicavam para si a mesma (a favor daqueles seus prédios ...96 e ...75 de que, respetivamente, são donos a A. e os RR.).

Pretensão essa desse invocado direito de propriedade sobre aludida faixa de terreno que não obteve ali provimento (julgando-se a ação e a reconvenção improcedentes, com a absolvição das partes do respetivo pedido que a outra havia contra si formulado) com o fundamento na falta de prova, ou seja, por nenhuma delas ter logrado demonstrar/provar esse alegado direito de propriedade sobre tal faixa de terreno e da sua integração naqueles seus prédios.

Decisão essa que, como vimos, em termos de maior concretização, foi a dada altura ali justificada com o facto de a delimitação desses imóveis não resultar clara, inequívoca e com áreas bem definidas, e de existir uma confusão de áreas que não permitia desenhar com rigor quais os limites de cada um dos prédios.

Verifica-se, assim, que a decisão/sentença não só não definiu o conteúdo da delimitação dos aludidos prédios da A. do RR., nomeadamente em termos da sua extensão, como inclusive “estimulou” a que se procedesse a essa delimitação, que veio a ser feita através da presente ação de demarcação.

Por outro lado, e como acima deixamos expendido, não se deve deixar de ter em conta que nas ações de demarcação há como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade.

Termos, pois, em que perante o se deixou exposto, somos levados a concluir não ter o acórdão de que se recorre (e bem como a sentença da 1ª. instância que se confirmou) ofendido o julgado na sobredita ação nº. 9/08….

Pelo que improcede, nessa parte, o recurso dos. RR..

1.2.3.2 Invocam os recorrentes ainda que o acórdão ora recorrido (bem como a sentença da 1ª. instância que confirmou) ofendeu também o caso julgado formado pelo acórdão da Relação proferido, nestes próprios autos, em 29/10/2013 (e a que se alude no ponto 5. do Relatório, e que os Recorrentes identificam como se encontrando junto a fls. 425 do processo físico).

Será que tal aconteceu?

Vejamos.

Esse acórdão (de 29/10/2013) revogou a anterior decisão da 1ª. instância (proferida em 28/05/2013) que havia julgado procedente a exceção de caso julgado invocada pelos RR. na sua contestação (no que concerne ao sobredito pedido de demarcação formulado pelos RR. nesta ação, e face à decisão proferida na naquela primeira ação de reivindicação nº. 9/08…) e que havia, por via de tal, absolvido os últimos da instância (cfr. o ponto 4. do Relatório), determinando esse acórdão, em consequência, o prosseguimento, da ação.

Para tal, e em estreita síntese, considerou o referido acórdão não haver identidade entre os pedidos e a causa de pedir das duas ações, e nem existir qualquer de prejudicialidade da ação de reivindicação para a presente ação de demarcação.

Perante tal – e independentemente sequer de cuidar de saber se os recorrentes poderiam lançar mão de tal fundamento específico para neste caso recorrer de revista (cfr., sobre essa problemática, os Acs. do STJ de 16/11/2021, proc. nº. 097/05, disponível em www.dgsi.pt, e de 20/04/2022, proc. 3249/15.8T8VCT-B.G2.S1, que apontam em sentido negativo) - e reforçado ainda por tudo aquilo que se deixou expresso na abordagem/análise no ponto antecedente (1.2.3.1) sobre a questão aí identificada, é para nós manifesto/patente, e salvo o devido respeito, que o acórdão de que ora se recorre (e bem como a sentença que confirmou) não ofendeu a autoridade do caso julgado decorrente sobredito acórdão de 29/10/2013, proferido também nestes autos, não se vislumbrando como e onde é acórdão ora recorrido ofendeu a autoridade daquele outro acórdão

Pelo que improcede, também nessa parte, o recurso dos RR. .

1.2.3.3 Invocam ainda os recorrentes que a sentença da 1ª. instância (de 04/01/2021 e a que se alude no ponto 13 do Relatório) e que acórdão de que ora se recorre confirmou, ofendeu também o caso julgado formado pelo acórdão da Relação proferido, nestes próprios autos, em 08/03/2018 (a que se alude no ponto 8. do Relatório, e que os Recorrentes identificam como se encontrando junto a fls. 888 do processo físico).

As razões aduzidas para o efeito são aquelas que, em síntese, constam das conclusões (vg. 6 a 9 e ss.) das alegações de recurso.

Apreciando.

A agora invocada exceção de ofensa de caso julgado já fora invocada pelos ora RR. no recurso de apelação que interpuseram daquela sentença, e que o acórdão de que agora se recorre expressamente conheceu, concluindo, e assim decidindo, não ocorrer essa ofensa de caso julgado.

Pelo que voltam os RR. agora “à carga” invocando essa mesma ofensa de caso julgado, num recurso de revista que, como antes vimos, lhe estava vedado não fora essa invocação, dada existência de dupla conforme.

Tendo vindo este Supremo Tribunal a entender que não pode o tribunal conhecer da questão da violação de caso julgado quando a mesma já foi apreciada em anterior acórdão, tendo-se aí decidido não ter ocorrido tal invocada violação, e daí não poder lançar do recurso de revista com esse mesmo fundamento específico previsto no artº. 629, nº. 2 al. a) – fine – do CPC. (Neste sentido vide, por ex., os Acs. do STJ de 16/11/2021, proc. nº. 097/05, disponível em www.dgsi.pt, e de 20/04/2022, proc. 3249/15.8T8VCT-B.G2.S1).

E sendo assim, não se poderá conhecer dessa invocada exceção de ofensa de caso julgado.

Mas mesma que porventura assim não seja de entender sempre, a nosso ver, a referida invocada exceção de ofensa de caso julgado sempre teria de improceder, e pelo seguinte:

O referido acórdão de 08/03/2018 (cuja ofensa agora se invoca nesta revista), na sequência do recurso de apelação dela interposto pelos RR., decidiu anular a primeira sentença proferida, em 31/08/2016, pela 1ª. instância, que procedeu à demarcação dos prédios da A. e dos RR., nos termos a que se alude no ponto 7. do Relatório, determinando, em consequência, a remessa dos autos àquela instância “para, após produção de prova pertinente sobre o objecto do litígio, ser proferida nova sentença”, por forma a nesta se proceder depois à demarcação, através do estabelecimento de uma linha divisória entre os prédios da A., inscritos na matriz sob os artºs. ...96 e ...68, e o prédio dos RR., inscrito na matriz sob o artº. ...75 (excluindo dessa demarcação/linha divisória o prédio inscrito na matriz sob o artº. ...76, também pertença da A., que naquela sentença também terá sido incluído, sem que tal fosse pedido nesta ação, ou pelo menos não resultar claro que assim não tivesse acontecido, e até por não estar em confrontação com aquele prédio dos RR.).

A anulação dessa sentença que foi determinada por se ter considerado no referido acórdão que a mesma padecia/enfermava dos vícios de ininteligibilidade, de excesso de pronúncia e conhecimento de objeto diverso do pedido (em violação, respetivamente, do disposto nas als. c), d) e e) do nº. 1 do artº. 615º do CPC).

Mais tarde, e após produção de prova, veio a proferida a sentença de 04/01/2021, que o acórdão de que ora se recorre confirmou, tendo procedido à demarcação (com o estabelecimento/definição de linha divisória entre aqueles três aludidos prédios da A. e dos RR. (inscritos nos artºs. matriciais nºs. ...96 e ...68 e ...75), nos termos que constam descritos no ponto 13 do Relatório.

Demarcação essa (com a definição da respetiva linha divisória) que foi antes justificada/fundamentada nessa sentença nos seguintes termos:

«(…) Não se conseguiu apurar em função dos títulos, da posse ou de outros meios de prova, quais os limites e área de cada terreno.

Apurou-se no entanto, que a área total dos quatro prédios é superior àquilo que resultava dos respectivos títulos.

Assim os prédios adjudicados à autora apresentavam as seguintes áreas totais, 100, 285 e 2330 m2, enquanto o prédio de que os réus são proprietários se apresentava inscrito com uma área total de 150 m2, num total de 2865 m2, quando na realidade a área total dos quatro prédios é de 4372 m2.

Assim sendo cumprirá proceder a uma rectificação proporcional: o prédio dos réus com 150 m2 terá por área 229 m2, e os prédios da autora com as áreas de 100, 285 e 2330, têm como área respectivamente, 153, 435 e 3555 m2. Referem-se todos os prédios da autora, não obstante estar apenas em causa a demarcação quanto a dois destes prédios, o urbano e o rural que confinam com o prédio dos réus, por se atender ao que foi alegado por ambas as partes (assim por exemplo os réus quanto pretendem que os prédios urbanos nos quais se encontram habitações, pertencendo um à autora e outro aos réus, e não são confinantes, tinham ambos logradouros) e para cálculo proporcional das áreas. Não obstante, na decisão ir-se-á atender apenas aos prédios confinantes. Assim sendo, a linha de demarcação terá de respeitar a área de terreno dos réus e dos prédios confinantes. Não tendo sido produzida prova quanto à delimitação ser como pretendido pela autora ou pelos réus, a acção irá ser julgada parcialmente procedente e a reconvenção irá ser julgada não provada e improcedente (…)». (sublinhado nosso)

Como como se extrai daquela parte dispositiva da sentença e bem como daquela sua fundamentação transcrita, e ao contrário daquilo os recorrentes defendem/entendem, e como bem, a nosso ver, se salienta acórdão recorrido, “Tal demarcação não inclui o prédio inscrito sob o artigo ...76, nem, em termos decisórios, determina a área que deve ser adicionada a este artigo matricial de forma a fazer corresponder a área inscrita à área real do prédio. Essa área apenas foi convocada para efeitos explicativos, dando expressão ao raciocínio que conduziu à rectificação proporcional da área dos quatro prédios que hoje pertencem à Autora (três deles, correspondentes às parcelas 26, 28 e 29 do inventário instaurado por óbito dos seus pais) e Réus (correspondente à parcela 27 do mesmo inventário, instaurado por óbito dos seus avós), havendo unanimidade das partes quanto à origem aquisitiva dos prédios em causa, sendo a desconformidade das áreas dos mesmos convocada pelo próprios Réus, ora recorrentes.

A sentença é inequivocamente explícita, quer na parte decisória, quer na sua fundamentação, quanto à não inclusão do prédio inscrito no artigo ...76 na demarcação e na definição da sua área real, que apenas é convocada para efeitos de rectificação proporcional dos prédios da Autora e dos Réus, entre si confinantes.”

E do exposto resulta a conclusão, à semelhança do que fez o ora tribunal a quo, que aludida sentença, e com ela ao acórdão de ora se recorre que a confirmou, não ofendeu o julgado pelo sobredito acórdão da Relação de 08/03/2018, não enfermando, sequer, aquele acórdão das mesmas nulidades que este último acórdão detetou naquela 1ª. sentença que anulou.


1.3 Quanto à contradição de Julgados.

Como fundamento (específico) deste seu recurso de revista, invocaram ainda os RR./recorrentes que o acórdão recorrido se encontra em contradição com os acórdãos da Relação do Porto de 15/08/2008 (proferido no processo nº. 0722611) e deste Supremo Tribunal de 20/11/2019 (proferido no processo nº. 841/13.9TJVNF.G2.S1) – ambos transitados em julgado e cujas cópias juntaram -, relativamente à mesma questão de direito, tendo-se no acórdão recorrido considerado as inscrições matriciais como um título, para efeitos do artº. 1354º do CC – valoração/consideração essa que desempenhou um papel fulcral na solução encontrada pela decisão em recurso -, ao contrário do que foi defendido naqueles acórdãos fundamento onde se considerou que não constituírem as inscrições matriciais títulos para efeitos daquele mesmo normativo.

Dessa invocada contradição discorda a A./recorrida, e pelas razões que constam nas conclusões das suas contra-alegações acima transcritas.

Apreciando.

Dispõe-se no artigo 629º, e naquilo que para aqui importa, que:

 (…)

2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a)

b) (…);

c) (…);

d) (…) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. (sublinhado nosso)

Sabida da controvérsia jurisprudencial e doutrinal que envolve ou está associada a alguns dos restantes pressupostos que integram a previsão al. d) do nº. 2 do citado preceito legal (e até condescendendo que a contradição de julgados tanto pode ocorrer entre dois acórdãos da Relação, como entre um acórdão da Relação e um acórdão da do STJ – baseados, desde logo, no argumento de maioria de razão -, cfr., nesse sentido, entre outros, Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., págs. 71, e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, in “ Ob. cit., pág. 780, nota 8”), a questão que aqui se coloca e discute tem a ver com o saber se, no caso apreço, ocorre, desde logo, o 1º. pressuposto do fundamento especial invocado pelos recorrentes para interpor a presente revista e que diz respeito à alegada contradição de julgados, ou seja, se no caso existe contradição entre o acórdão ora recorrido e o sobreditos acórdãos fundamento.

Importa começar por dizer que (e tal como ressalta da parte do nº. 2 do artº. 637º do CPC) o recorrente apenas poderá invocar um acórdão fundamento, sobre a contradição de julgados, e sobretudo quando se reportam à mesma questão em relação à qual a contradição de decisões é invocada. E percebe-se que assim seja, pois que se não existisse essa limitação os recorrentes poderiam indicar e juntar tantos quantos acórdãos entendessem por bem, o que obrigaria o tribunal do recurso a uma atividade de indagação e confronto irrazoável e desproporcionada.

Sendo assim, apenas se considerará, nessa análise sobre a invocada contradição de julgados, o primeiro acórdão que foi indicado e junto como fundamento, e que corresponde ao acórdão Relação do Porto de 15/08/2008 (proferido no processo nº. 0722611) – sendo a ele que nos referiremos quando doravante aludirmos ao acórdão fundamento -, se bem que, diga-se, essa opção se mostra irrelevante para a decisão da questão que foi problematizada, pois que resulta da leitura do outro acórdão do STJ 20/11/2019 (proferido no processo nº. 841/13.9TJVNF.G2.S1) que, a dado passo, e aquando da abordagem da questão do valor das inscrições matriciais - para efeitos do artº. 1354º do CC – em relação à qual os recorrentes invocam a contradição de julgados, cita-se (com transcrição de excerto do mesmo), em abono da posição ali defendida, aquele mesmo acórdão da Relação do Porto, ou seja, perfilhando-se ali, esse respeito a mesma posição/entendimento.

Nas situações de oposição/contradição de julgados, constitui entendimento claramente prevalecente (diremos mesmo pacífico) na jurisprudência deste STJ, que a admissibilidade da revista implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) identidade do quadro factual;

b) identidade da questão de direito expressamente resolvida;

c) identidade da lei aplicável;

d) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final; e

e) oposição concreta de decisões.

(Neste sentido, vide, por todos, Acs. do STJ de 07/10/2021, proc. n.º 1138/13.0TBSLV.E1.S1; de 14/07/07/2021, proc. n.º 12989/20.9T8PRT-A.P1.S1; de 14/09/2021, proc. nº. 338/20.0T8ESP.P1.S1; de 20/05/2021, proc. nº. 1584/20.2T8CSC-C.L1.S1, e de 03/03/2020, proc. 26622/18.5T8LSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Posto isto, diremos:

Como supra deixámos referido, no seu requerimento de recurso, os recorrentes, em síntese, sustentam a invocada contradição de julgados no facto de o acórdão recorrido ter considerado que as inscrições matriciais são títulos para efeitos do artº. 1354º do CC, consideração essa que foi decisiva paras a solução final a que ali se chegou quanto à demarcação dos prédios da A. e dos RR. supra identificados e em causa nesta ação (através da fixação/definição da linha divisória entre eles), o que está em contradição com o considerado a esse respeito no acórdão fundamento.

Não compete, pelo menos para já, apurar do acerto ou não da decisão que procedeu demarcação dos aludidos prédios, isto é, se ela foi tomada, à luz dos factos apurados, em respeito dos cânones do direito estipulados para o efeito, mas tão só apurar da invocada contradição entre os referidos julgados.

Referira-se que a questão colocada sobre a natureza/valor das inscrições matriciais situa-se no âmbito dos critérios legais a observar quando se procede à demarcação entre prédios, e que se encontram plasmados no artº. 1354º do CC, e sobre os quais, pela razão atrás acabada de aduzir, não iremos - pelos menos para já, e salvo se tal se vier a mostrar necessário, à luz da solução que vier a ser encontrada – iremos entrar sua análise/abordagem profunda.

Diremos, apenas que esse normativo, com a epígrafe “modo de proceder à demarcação”, reza assim.

«1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.

2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um

Resulta, assim, de tal normativo, que a demarcação dos prédios confinantes deve ser feita, em primeira linha, de acordo com os títulos que cada um dos titulares de tais prédios apresentar, e se tal demarcação/divisão não puder ser feita através dos títulos então ela deverá ser sucessivamente feita/resolvida pela posse ou através de outros meios de prova e, no limite, não podendo ser feita por nenhum desses meios, ela deverá ser efetuada distribuindo a parte do terreno e litígio equitativamente, ou seja, em partes iguais. Porém, existindo títulos e eles indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade de terreno, deverá atribuir-se essa falta ou o acréscimo à parte de cada um.

Ora, compulsando o acórdão fundamento verifica-se que efetivamente ali, em que estava em causa uma ação de demarcação entre dois prédios confinantes entre si, se considerou que as inscrições matriciais (e as próprias descrições prediais) não são ou não configuram títulos para efeitos do citado artº. 1354º. (e nessa senda, adiante-se, e como acima já se deixou subentendido, foi também o acórdão do STJ acima identificado, e indicado como 2º. acórdão fundamento).

Porém, calcorreando o acórdão recorrido verifica-se que o mesmo não afirmou coisa diferente, antes pelo contrário.

Na verdade, após entrar na abordagem da questão final suscitada no recurso de apelação e relativa ao julgamento (de direito) do mérito da causa, depois de caracterizar a ação de demarcação (que a presente configura), entrou na análise dos critérios legais fixados no citado artº. 1354º do CC sobre o modo de proceder à demarcação dos prédios confinantes.

E aí afirmou-se, desde logo, e ab initio, o seguinte:

«(…) O primeiro critério atendível para a demarcação consiste em realizá-la em conformidade com os títulos de cada um dos proprietários dos prédios confinantes, importando notar, a propósito, que “na acção de demarcação, os títulos relevantes para esse efeito são quaisquer documentos que forneçam indicações quanto às áreas ou limites dos prédios, não assumindo essa natureza as certidões do registo predial ou das inscrições matriciais”, pois que “na ordem jurídica portuguesa o registo predial, de feição declarativa (não constitutiva), não tem por finalidade garantir a veracidade dos elementos de identificação do prédio, as suas confrontações ou os seus limites, mas sim assegurar que relativamente a ele ocorreram certos factos jurídicos”.

Na falta ou insuficiência dos títulos, recorre-se à posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova (…)». (sublinhado e negrito nossos)

Após continuar abordagem sobre os referidos critérios legais de demarcação, rematou/concluiu da seguinte forma:

«(…) No caso em apreço, não se conseguiram definir, em função dos títulos, da posse ou de outros meios de prova, quais os limites de cada terreno que deve concorrer para a demarcação, como nota a sentença recorrida.

Segundo a mesma sentença, “Apurou-se no entanto, que a área total dos quatro prédios é superior àquilo que resultava dos respectivos títulos.

Assim os prédios adjudicados à autora apresentavam as seguintes áreas totais, 100, 285 e 2330 m2, enquanto o prédio de que os réus são proprietários se apresentava inscrito com uma área total de 150 m2, num total de 2865 m2, quando na realidade a área total dos quatro prédios é de 4372 m2”.

Tendo por base os referidos pressupostos, a mesma sentença recorrendo ao critério previsto no n.º 3 do artigo 1354.º do Código de Processo Civil, após proceder a uma rectificação proporcional dos prédios que, em herança, couberam à Autora e aos Réus, determinou que a demarcação entre os prédios confinantes fosse efectuada da seguinte forma: “Através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos DD. na parte em que confina com o terreno rústico, relacionando na verba nº 29º/artigo nº...96, e através de uma linha divisória que deverá contornar a casa dos demandados na parte em que confina com a verba n.º 26/ artigo nº ...68, de forma a observar a área de 229 m2 para o terreno dos demandados”.

Tal decisão, respeitando e aplicando os critérios definidos no artigo 1354.º do Código Civil, nomeadamente o seu n.º 4, não merece censura.

Como tal, improcede o recurso dos apelantes, confirmando-se o decidido. (…). » (sublinhado nosso)

Ora, perante o que se acabou de expor e transcrever, é para nós patente, e salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, que, independentemente do demais, não existe contradição/oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, e particularmente no que concerne àquela questão de direito que foi aduzida pelos recorrentes.

E sendo assim, e perante tudo o que se deixou exposto, o recurso terá de improceder.


***

III - Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de revista), confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos RR./recorrentes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).


***


Sumário:

I - A admissão de um recurso de revista (normal) com base apenas num ou mais fundamentos especiais (vg. daqueles elencados no nº. 2 do artº. 629º do CPC), tem como consequência que o objeto do mesmo fique tão somente circunscrito à apreciação da questão ou das questões que estiveram na base da sua admissão, sem que possa alargar-se a outras questões.

II - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.

III - Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação.

IV - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

V - A identidade dos sujeitos deve ser aferida não em função da sua identidade física, mas do ponto de vista da sua qualidade jurídica e do interesse substantivo que representam ou são portadores, independentemente da posição ou qualidade processual que assumam ou tenham assumido nas ações em confronto.

VI - A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

VII - Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações.

VIII - A sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo os seus limites traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial nela definidos.

IX - Daí que a sua autoridade (de julgado) só valha e se imponha na exata correspondência do seu conteúdo, não podendo impedir-se que num outro processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

X - Não pode o recorrente lançar “mão” do fundamento específico da violação/ofensa de caso julgado para recorrer de revista se essa questão já foi apreciada em anterior acórdão, que a julgou improcedente, na sequência de recurso interposto com o mesmo fundamento.

XI - A contradição/oposição de julgados invocada como fundamento de recurso de revista impõe, desde logo, de per si, e além de outros, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) identidade do quadro factual;

b) identidade da questão de direito expressamente resolvida;

c) identidade da lei aplicável;

d) carácter determinante da resolução daquela questão para a decisão final; e

e) oposição concreta de decisões.

XII - A demarcação dos prédios consubstancia um direito potestativo, pressupondo a ação destinada a efetuá-la uma incerteza quanto ao lugar em que se situa a estrema ou linha divisória entre dois ou mais prédios confinantes, porque inexistem ou porque são duvidosas.

XIII - Distingue-se da ação de reivindicação, pois enquanto nesta já se conhece exatamente a linha divisória, consistindo a pretensão nela formulada no reconhecimento e/ou na recuperação de uma certa área do prédio, já na ação demarcação visa-se definir a linha de separação, surgindo, depois, a eventual restituição do terreno eventualmente ocupado pelo vizinho confinante como consequência natural da demarcação efetuada, havendo, nesse caso, como que uma ficção legal de que nada se alterou, após a demarcação e a fixação da linha divisória, em substância em relação ao conteúdo do direito de propriedade.

XIV - Daí que ação de demarcação não tenha, pelo menos em primeira linha, por objeto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponha, sendo que o seu fim específico é pôr fim à situação de incerteza quanto as extremas ou linhas que dividem/separam os prédios confinantes.

XV - A causa de pedir na ação de demarcação é, assim, complexa, consubstanciando-se na confinância entre dois ou mais prédios pertencentes a donos diferentes e na indefinição ou na dúvida (consistente) da respetiva linha divisória, que tanto pode resultar do desconhecimento dos limites, como do desacordo dos proprietários confinantes acerca de tais limites.

XVI - Como facto constitutivo do seu direito (de demarcação) o autor terá que alegar e provar (1) que é proprietário de um prédio confinante com outro do demandado e (2) que não está definida a linha divisória entre esses prédios ou que existem consistentes dúvidas sobre elas, enquanto que o último se a tal quiser obstar terá de alegar e provar que a demarcação existe e está concretizada, não existindo indefinição ou dúvidas quando à linha divisória dos prédios.


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Lisboa, 2022/05/24

Relator: Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Freitas Neto

Cons. Aguiar Pereira