Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
261/16.3T8CSC.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: MEDIAÇÃO DE SEGUROS
SEGURO
CONTRATO DE SEGURO
APÓLICE
TRANSPORTE DE MERCADORIA
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
TRANSPORTE INTERNACIONAL
CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA
PERDA DE MERCADORIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE DO MEDIADOR
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCORRÊNCIA DE CAUSAS
CASO JULGADO
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA DA AUTORA E NEGADO PROVIMENTO À AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA REVISTA
Legislação Nacional: – CÓDIGO CIVIL;
– CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL;
– DECRETO-LEI Nº 72/2008, DE 16 DE ABRIL (APROVA O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO);
– DECRETO-LEI Nº 144/2006, DE 31 DE JULHO, ENTRETANTO REVOGADO PELA LEI Nº 7/2019, DE 16 DE JANEIRO).
Legislação Comunitária: – CONVENÇÃO RELATIVA AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA” (CONVENÇÃO CMR, ASSINADA EM GENEBRA EM 19 DE MAIO DE 1956, APROVADA PELO DECRETO-LEI Nº 46235, DE 18 DE MARÇO DE 1965, E MODIFICADA PELO PROTOCOLO DE GENEBRA DE 5 DE JUNHO DE 1978, APROVADO, PARA ADESÃO, PELO DECRETO N.º 28/88, DE 6 DE SETEMBRO);
Jurisprudência Nacional: –ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
– DE 27 DE ABRIL DE 2017, WWW.DGSI.PT.PROC. Nº 1523/13.7T2AVR.P1.S1;
– DE 21 DE MAIO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC.Nº 08B1567
Sumário :
I. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 17º CMR (Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada), o transportador é responsável pelos danos sofridos pelo proprietário em consequência da perda da mercadoria.

II. Nesta acção e em particular neste recurso, a controvérsia cinge-se a saber quem vai suportar a final o pagamento da indemnização ao proprietário da mercadoria, perdida em consequência de um acidente de viação que envolveu o veículo que a transportava, composto por um tractor e por um semi-reboque: se a autora/transportadora, se a mediadora de seguros e a Companhia de Seguros para a qual a mediadora transferiu a responsabilidade civil profissional, ambas rés na acção.

III. Em data anterior ao acidente, a autora “estabeleceu uma relação profissional”com a mediadora, “para que esta, no exercício da sua actividade, “lhe apresentasse ou propusesse contratos de seguro, praticasse qualquer acto preparatório da sua celebração, celebrasse os contratos de seguro e apoiasse na gestão e execução desses contratos”; foi nesse âmbito que a autora celebrou o seguro que agora interessa.

IV. Foi uma trabalhadora da mediadora que tratou da celebração desse contrato de seguro e que não solicitou à seguradora que incluísse o semi-reboque, que portanto não figurava na respectiva apólice.

V. Essa omissão desencadeou o processo causal que conduziu ao prejuízo suportado pela autora – pagamento da indemnização ao proprietário da mercadoria perdida –, pelo qual é responsável a mediadora.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA transportes, Lda., que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias, instaurou uma acção contra BB, Lda. e CC - Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento de € 80.569,66 com juros contados desde a citação até ao integral pagamento, “a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos”.

Para o efeito, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade profissional, ocorreu um acidente que envolveu um veículo pesado de mercadorias, composto pelo conjunto dos veículos ...-BN-... (tractor) e C-6... (semi-reboque), conduzido por um motorista “sob as ordens e direcção” suas, que se despistou, o que provocou a perda total da mercadoria transportada; que não interveio qualquer outro veículo no acidente; que, com a perda da mercadoria, sofreu danos no montante de € 95,314,08; que tem a sua responsabilidade civil transferida para a seguradora DD Seguros, S.A..

Alegou ainda ter acordado com a ré BB, Lda a gestão dos seus contratos de seguro e que em 1 de Junho de 2012 celebrou com DD Seguros, S.A. “diversos contratos de seguro no âmbito da sua actividade de transportador”“nomeadamente, seguro de responsabilidade civil (auto frota – apólice nº 000015…/000), seguro de mercadorias transportadas de âmbito nacional (apólice nº 0…/0010…) e seguro de mercadorias transportadas de âmbito internacional (apólice nº 0…/0010… –, “válidos e eficazes em 03.07.2013”, data em que ocorreu o acidente; que o acidente foi comunicado a DD Seguros, S.A., por BB, Lda,”ao abrigo da apólice de C.M.R. nº 0…/0010…”; mas que a Companhia de Seguros recusou assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente “por o semi-reboque com a matrícula C-6... não estar incluído na apólice de CMR nº 0…/0010…”, inclusão de que a ré BB assegura ter tratado.

E alegou que, anteriormente a esta acção, tinha demandado DD, Seguros, SA, pedindo o pagamento dos danos causados pelo acidente, € 95.314,08, mas que a acção foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado. Foi dado como provado que BB não havia solicitado “a inclusão do semi-reboque com a matrícula C-6... na apólice de CMR, de âmbito nacional ou internacional, mas tão somente na apólice frota ou de responsabilidade civil.

Ora, nos termos do artigo 17º da Convenção CMR, a autora é responsável pela perda da mercadoria transportada perante o seu proprietário, a empresa EE, SL; empresa que por razões várias, reduzira para € 71.287,41 a indemnização que pediu à autora.

Assim, a autora pede agora a condenação da ré BB, Lda no pagamento dessa quantia, acrescida dos juros de mora e prémios pagos, num total de 80.569,66, por não ter incluído o semi-reboque no seguro, em violação dos deveres de conduta a que estava obrigada.

As rés contestaram separadamente. A ré BB, Lda, para além de impugnar uns factos e aceitar outros, invocou as excepções de ilegitimidade activa, por entender que só a proprietária da mercadoria é que teria legitimidade para pedir uma indemnização pela respectiva perda, de ilegitimidade passiva, porque os prémios pagos pela autora deviam ter sido reclamados à Companhia de Seguros DD e de litispendência e caso julgado, que conduziam a que não fosse já possível pedir a devolução dos prémios pagos e não devidamente requeridos.

Quanto aos danos cobertos, a ré BB observou que se reduzem à carga e que, quanto a esta, que “aceita(va) a confissão da A de que o valor do danos da carga ascende a 71.287,41” euros, quantia à qual teria ainda de ser deduzida a franquia de € 7.128,74.

Disse também não estar vinculada pela sentença proferida na acção proposta pela autora contra DD, Seguros, SA, e que, em seu entender o seguro CMR internacional foi validamente celebrado mas que, à data do sinistro, “estava sem validade por falta de pagamento” do prémio; que essa falta de pagamento havia sido solucionada por sua intervenção, sendo reposto o seguro, com conhecimento do sinistro por parte da Companhia DD, Seguros, SA; e, portanto, que, “para a R, a apólice tinha cobertura”, devendo ser absolvida do pedido.

A ré CC Seguros, SA começou por dizer que são oponíveis à autora “quer a limitação contratual (…) decorrente do (…) capital máximo garantido pela apólice e da franquia contratualmente aplicável, quer as exclusões constantes da mesma”, referindo-se ao contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a ré BB; sustentou que a sua segurada BB não tinha cometido qualquer acto ou omissão profissional danosa e que, portanto, não havia fundamento para que o seguro tivesse sido accionado, devendo ser absolvida do pedido. Todavia, e para o caso de assim se não entender, a ré fez notar que o prejuízo real da autora só pode ser de € 71,287,41 e que a essa quantia deve ser deduzida a franquia contratual de 10%.

Notificada para responder, querendo, a autora pronunciou-se no sentido da improcedência das excepções invocadas pelas rés.

Pelo despacho de fls. 203, o tribunal de Cascais (Instância Central Cível) julgou ser territorialmente incompetente e determinou a remessa do processo para a Instância Central Cível do Tribunal de Évora, tribunal que, por despacho de fls. 209, julgou ser competente o Juízo Central Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste (Cascais). O conflito foi resolvido por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de ser competente a Instância Central, Secção Cível e Criminal, de Évora.


2. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 403, que condenou a ré BB, Lda. a pagar à autora a quantia de € 6.415,87 e a ré CC - Seguros, S.A. (entretanto designada por FF, S.A., em consequência da fusão com a Companhia de Seguros GG, S.A., com alteração da firma) no pagamento de € 57.742,80, em ambos os casos com juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Em síntese, o tribunal considerou ter havido negligência por parte da ré BB, Lda. na não inclusão do reboque no contrato de seguro e que cabia à FF, S.A. o pagamento de 90% dos danos (dedução da franquia de 10%), em virtude do contrato celebrado com BB, Lda., danos esses correspondentes ao pagamento acordado com a proprietária das mercadorias perdidas, €71.287,41.

Ambas as rés recorreram. Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de fls. 532, foi concedido provimento a ambos os recursos. A sentença foi revogada, sendo a acção julgada improcedente e as rés absolvidas do pedido.

Segundo o Tribunal da Relação de Évora, a cobertura do seguro CMR, contratado entre a autora e a Companhia de Seguros DD, incluía o semi-reboque em causa nesta acção; “a falta de ressarcimento dos danos à autora não proveio de actuação” da mediadora BB, “mas sim de incumprimento, por banda da Seguradora DD, do contrato de seguro em causa”. A autora deveria ter demandado também a BB, Lda. na acção que propôs contra a Seguradora DD, como ré subsidiária (artigo 39º do Código de Processo Civil), ou, posteriormente, ter provocado a sua intervenção principal (nº 2 do artigo 316º do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, o caso julgado ali formado não a vincula.


3. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações de recurso, formulou as conclusões seguintes:


«A) Ambas as Instâncias, Tribunal Judicial da Comarca de Évora e Tribunal da Relação de Évora, decidiram divergentemente no que se refere à verificação dos pressupostos de que depende a verificação da responsabilidade civil do mediador, a ré BB, nomeadamente no que concerne ao estabelecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

B) O Tribunal Judicial da Comarca de Évora, decidiu no sentido de ter sido o lapso cometido pela funcionária HH, funcionária da ré BB, que esteve na origem dos factos que culminaram no declínio de responsabilidade pela seguradora DD por não ter sido, em qualquer momento, incluído o semi-reboque com a matrícula C-6... na apólice de CMR.

C) O Tribunal da Relação de Évora decidiu no sentido inexistir fundamento legal para considerar que os danos sofridos pela aqui recorrente foram causados pela conduta da ré BB, por ausência de facto ilício e censurável, bem como da necessária conexão causal dos danos com essa omissão.

D) Conclui-se que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora incorre em erro de julgamento, por incorreta apreciação e aplicação da lei, mormente do disposto no art.º 237º [227º?] e 483º do C.C., por se impor entendimento diverso, ou seja, no sentido em que foi decido pelo Tribunal da 1ª Instância,

E) razão pela qual se justifica a admissão do presente recurso de revista, nos termos e para os feitos do disposto no art.º 674º n.º 1 do C.P.C.

F) Decidiu o Tribunal de 1ª Instância que a recorrente celebrou com a ré BB, um contrato de mediação de seguros, mediante a qual esta se comprometeu a diligenciar no sentido de, aquela, ver os riscos decorrente da sua atividade de transporte de mercadorias, cobertos, mediante a celebração de um contrato de seguro com a companhia de seguros DD.

G) A recorrente solicitou à ré BB a transferência de todos os seguros que tinha numa outra seguradora para a seguradora DD e que era de sua vontade, vontade essa transmitida à ré BB e que esta compreendeu, que o risco do transporte nacional e internacional das mercadorias, também fosse assegurado.

H) Tendo ocorrido o sinistro, a companhia de seguros DD recusou-se a indemnizar os danos sofridos pela recorrente decorrentes da perda da carga transportada, alegando que o veículo interveniente no acidente não fazia parte da apólice que cobria o transporte de mercadorias (CMR), na medida em que era um reboque e, apenas o trator que o puxava estava coberto por aquela mesma apólice.

I) Dando-se por preenchido o pressuposto de nexo de causalidade entre o facto e o dano por via do lapso cometido pela sua funcionária HH, que não incluiu o semi-reboque na apólice de CMR aquando da contratação do seguro e, também, não o incluiu aquando da revalidação da apólice porquanto esta foi feita precisamente nos mesmos termos em que a apólice estava contratada.

J) Tanto assim é que o lapso cometido pela funcionária HH só vem a ser apurado em fase de contencioso judicial com a companhia de seguros de seguros DD S.A.

K) Sendo que, quer aquando da contratação da apólice de CMR, quer durante a vigência do contrato, quer na revalidação da apólice após o sinistro, tanto a recorrente como a ré BB, tinham a convicção de o semi-reboque com a matrícula C-6... estar incluído ab inicio na apólice de CMR.

L) Mas, não estava e nunca esteve incluído e a recorrente liquidou o competente prémio de seguro, referente à inclusão do trator identificado como um camião frigorifico e com a matrícula ...-BN-..., e ainda que o pagamento do prémio tenha sido efetuado pela ré BB após a ocorrência do sinistro, esse facto foi aceite pela DD e teve como consequência a revalidação da apólice, nos termos em que fora contratada, ou seja, sem a inclusão do semi-reboque com a matrícula C-6... (interveniente no sinistro).

Pelo que,

M) Encontram-se preenchidos todos os pressupostos de que depende a verificação da responsabilidade civil do mediador, ou seja, da ré BB.

N) "De acordo, com o disposto no artº 227 do C.C. quem negoceia com outro deve proceder, segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Ao não incluir expressamente a matrícula do semi-reboque acidentado no seguro CM.R, a ré BB, não agiu com o cuidado que lhe era devido, na defesa dos interesses da autora."

O) Provando-se que, a ré DD, agiu com imprudência e sem a diligência exigível ao bom pai de família.

P) "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação" – Artº 483º n.º 1 do Código Civil.

Q) Devendo a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Évora ser confirmada, condenando a recorrente BB no pagamento da quantia de €6.415,87 acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento e condenando a recorrente FF, S.A. a pagar à autora a quantia de €57.742,80, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.»


A recorrida BB, Lda, contra-alegou, concluindo desta forma:


«a. Louvamos o Tribunal da 1ª Instância recorrido por ter feito uma correcta apreciação da génese e da validade da apólice de CMR pois, segundo o Tribunal recorrido, a DD não devia / não podia ter declinado o sinistro.

b. Ou seja, nesta acção pelos Tribunais da Comarca e da Relação de Évora foi considerado que a apólice cobria o sinistro (ao contrário do processo 152/14.2TBWC que absolveu a DD).

c. Criticamos a sentença da 1ª Instância apenas na parte em que não tirou as conclusões evidentes de tal facto, ou seja :

i. se o sinistro está coberto no presente processo, as RR devem ser absolvidas.

ii. houve  inépcia e inabilidade da A no processo 152/14.2TBWC.

d. Tivesse a A esgrimido os argumentos trazidos a estes autos na acção do processo n° 152/14.2TBWC, e nunca a DD seria absolvida.

e. E, por maioria de razão, se o sinistro está coberto, a DD deveria indemnizar e as RR deverão ser absolvidas.

f. Não faz sentido a condenação das RR a pagar e, em simultâneo, afirmar-se que a BB e a CC poderão exercer direito de regresso face a DD.

g. Das duas uma, (1) ou o seguro está válido e cobre o sinistro e a responsabilidade de indemnizar está transferida para a DD e a BB fez o seu trabalho, ou (2) o seguro CMR não está válido e sem qualquer margem para dúvidas as RR devem ser condenadas.

h. Nos presentes autos, a A nunca pôs em causa que o seguro estava válido.

i. Neste processo todas as decisões e todos os Tribunais decidiram que o seguro cobre o sinistro.

j. Esta conclusão foi aceite por todas as partes (A e RR) e não é objecto do recurso.

k. Ora, o imbróglio da existência de oposição de julgados em nada se deve às RR, antes à A.

l. De facto, a A à data da primeira acção partilhava o entendimento de que o seguro cobria o sinistro e, à cautela, deveria ter intentado a acção contra todos, deveria ter-se socorrido do instituto da pluralidade subjetiva subsidiária (Artigo 39.° do CPC), deduzindo o mesmo pedido a título principal e subsidiário contra a DD, BB e CC.

m. Só após perder a primeira acção mudou de opinião.... , intentando a segunda acção.

n. Acontece que, com esta conduta, colocou-se numa "camisa de onze varas ou de varas verdes", pois a decisão do processo 152/14.2TBWC não é oponível às RR.

o. Concluindo neste auto está assente "que, face ao disposto no art° 236 do Código Civil, bem como às regras que tutelam a boa fé contratual (art° 227 do mesmo diploma), a seguradora DD não deveria ter declinado a respectiva responsabilidade a decisão do processo", a conclusão lógica da cobertura do sinistro, não pode ser outra senão a absolvição das RR.

p. Como escrevemos na nossa contestação, a pedra de toque, o prumo e a questão essencial desta acção é saber se, face ao sinistro, havia ou não uma cobertura do seguro de CMR.

q. Não existe qualquer violação dos artigos 237 e 483 do CC.

r. O presente Recurso carece de qualquer fundamento, pois o seguro cobria o sinistro e o risco estava coberto pela DD, a qual deveria ter aceite a respectiva responsabilidade.

s. Lamentavelmente a haver alguma falha, esta será decorrente da forma como a A litigou no processo contra a DD.

t. De facto, a R BB tudo fez para ajudar a A, que não tinha os prémios pagos.

u. A R BB poderia ter optado por nada fazer pela A, mas tudo fez para a ajudar e até conseguiu repor as apólices em vigor.

v. A causa deste imbróglio não é tanto o contrato de seguro, mas sim a forma pouco coerente como foram intentadas a primeira acção e a segunda acção, com pedidos contraditórios, e a situação de a acção não ter sido ab initio intentada contra todos os RR de ambas as acções.

Diz o povo e com razão: "O que nasce torto nunca se endireita" e "Não há duas sem três".

Termos nos quais devem as RR ser absolvidas.»


Também contra-alegou a recorrida FF, S.A., que, subsidiariamente, ampliou o objecto do recurso. Apresentou as conclusões seguintes:


«I. Na presente acção está em causa o apuramento da responsabilidade civil da l.ª Ré BB, enquanto mediadora de seguros contratada pela Autora ora recorrente, responsabilidade essa que – a existir – estará garantida pela apólice de seguro que aquela celebrou com a 2.ª Ré Seguradora aqui recorrida.

II. E a questão primacial a apurar nos autos resume-se, em termos muito simples, ao seguinte: o semi-reboque de matrícula C-6... estava ou não estava coberto pela apólice de seguro de mercadorias transportadas (vulgo, apólice CMR) n.º 0…/0010…)?

III. Pois que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, só poderia considerar-se existir um qualquer tipo de responsabilização da 1ª Ré BB, caso se entendesse que, por sua actuação, a sobredita apólice de seguro não abrangia a cobertura da mercadoria transportada no semi-reboque de matrícula C-6....

IV. E nesta concreta questão, tal como se salientou no douto acórdão recorrido, já a decisão proferida na 1ª instância se mostrava bem elucidativa ao referir textualmente: "Não tenho dúvidas que, face ao disposto no art 236º do Código Civil, bem como às regras que tutelam a boa fé contratual (art. 227 do mesmo diploma), a seguradora DD não deveria ter declinado a respectiva responsabilidade".

V. E sendo assim, considerando o Meritíssimo Tribunal, em 1ª instância, que a DD havia declinado indevidamente a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos atinentes ao perecimento da carga transportada no semi-reboque (porque a apólice de seguro CMR estava válida e em vigor e incluía o semi-reboque em questão), não se poderia jamais admitir a responsabilização da 1.ª Ré BB, nos termos propugnados pela recorrente, pelo ressarcimento dos prejuízos por si havidos e que aquela Seguradora (a DD) deveria ter pago e não pagou!

VI. Andou, pois, bem o douto acórdão recorrido, ao considerar que a DD não tinha qualquer motivo válido para declinar a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos advenientes do sinistro objecto dos presentes autos.

VII. Bem como que esse facto, que acarretou a falta de pagamento da indemnização à Autora ora recorrente, em nada se deve à actuação da 1.ª Ré BB, enquanto mediadora de seguros.

VIII. Afastando-se, assim, por via do não preenchimento dos respectivos requisitos, a imputação da responsabilidade civil por tal facto, à 1ª Ré.

Acresce que,

IX. Perante a factualidade definitivamente fixada, não podemos jamais acompanhar a pretensão da Autora ora recorrente no sentido de que "face à matéria dada como provada, mais precisamente os factos descritos nas als s) e t) da matéria provada, foi o lapso cometido pela funcionária HH, funcionária da recorrida BB que esteve na origem dos danos que culminaram no declínio da responsabilidade pela seguradora DD".

X. Pois tal factualidade não pode ser isoladamente apreciada e interpretada, antes se impondo o seu cotejo com todos os factos julgados provados, destacando-se os contidos nas alíneas cc) a ff) e mm) dos factos provados.

XI. E dos quais se impõe retirar a mesmíssima conclusão que se verteu no douto acórdão recorrido, quando refere que "se a DD aceitou na reactivação da apólice CMR após o sinistro, tendo sido pago o prémio pela Autora, prémio esse referente à inclusão do semi-reboque de matrícula C-6..., nenhum motivo válido assistia à DD para declinar a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos".

XII. A sequência lógica e cabível no caso concreto, face aos factos provados e sua integração de direito, só poderia redundar na absolvição das Rés ora recorridas, por manifesta inexistência de qualquer acto reprovável, por parte do mediador, a l.ª Ré BB, que tivesse como consequência a falta de cobertura do sinistro.

XIII. De igual modo, atente-se ainda que tão reprovável se mostra a conduta da DD quando, para além de ter perfeito conhecimento da ocorrência do sinistro, da realidade inerente ao transporte com recurso a conjunto de veículos composto por tractor e semi-reboque frigorifico, aceitou o pagamento do prémio do seguro, relativo à inclusão do famigerado semi-reboque de matrícula C-6... e veio depois declinar o sinistro com fundamento na não indicação, ab initio, deste semi-reboque como integrando a apólice.

XIV. Actuando, pois, em manifesto abuso de direito.

XV. Temos que, e sempre tendo em mente que no caso sub judice a DD aceitou o pagamento tardio do prémio de seguro sabendo que tinha já ocorrido o sinistro, parece-nos inequívoco que é a esta entidade, e só a esta, que a Autora aqui recorrente poderá assacar responsabilidades pelos danos causados em consequência do sinistro.

XVI. Como muito bem se veio a considerar no douto acórdão proferido em sede de apelação.

XVII. Tendo havido anuência por parte da DD na reactivação da apólice CMR após o sinistro, tendo sido pago o prémio pela Autora ora recorrente, prémio esse referente à inclusão do semi-reboque de matrícula C-6..., nenhum motivo válido assistia à DD para declinar a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos que a recorrente pretende ver ressarcidos nos presentes autos.

XVIII. Em virtude dos factos provados, e em face do enquadramento supra vertido, não se mostram observados os pressupostos de que depende a verificação da responsabilidade civil do mediador, 1.ª Ré BB, pois a falta de ressarcimento dos danos à Autora ora recorrente não proveio de actuação daquela, mas sim e uma conduta incumpridora e em pleno abuso de direito protagonizada pela Seguradora DD.

XIX. O que aqui se deixa expressamente alegado para todos os devidos efeitos legais, nomeadamente para que seja negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão proferido.


Subsidiariamente,

Da ampliação do objecto do recurso

XX. Dimana da douta alegação da Autora ora recorrente que, no seu entendimento, resultou provado que "foi o erro da funcionária do Ré BB que não incluiu o semi-reboque com a matrícula C-6... na proposta de seguro de CMR, preenchida e submetida por aquela; não solicitou a inclusão do semi-reboque na apólice quando a recorrida a questionou sobre o assunto e não validou ou fiscalizou no sentido de confirmar se efectivamente o mesmo havia sido incluído na referida apólice" e que "com o desconhecimento e contra a vontade da recorrente, HH, funcionária da ré BB, que tratou da celebração da apólice não solicitou à seguradora DD a inclusão do semi-reboque acidentado, com matrícula C – 6… na apólice de CMR de âmbito nacional ou internacional (n.º 0…/0010…), mas tão somente na apólice frota ou de responsabilidade civil".

XXI. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, os factos provados não permitem, jamais, tal conclusão.

XXII. Mas na eventualidade de assim não ser doutamente entendido (o que por mero de dever de patrocínio se cogita), então impõe-se apreciar uma das questões/argumentos expendidos no recurso de apelação deduzido pela 2.ª Ré Seguradora aqui recorrida, e que não se mostra escalpelizado no douto acórdão proferido, isto é, a de que, independentemente da posterior aceitação por parte da DD, da inclusão na apólice CMR do semi-reboque acidentado, perante o concreto teor e objecto da apólice em causa, não estava aquele já incluído na cobertura da mesma ab initio?

XXIII. Assim, e prevenindo a necessidade da apreciação desta questão, nos termos e para os efeitos do disposto no art.s 636.º n.os 1, 2 e 3 do CPC, desde já se requer a ampliação do âmbito do recurso relativamente à apreciação da questão supra formulada.

Vejamos,

XXIV. Ainda que se não esteja na presente acção a discutir a responsabilidade daquela Seguradora (DD) pelo cabal cumprimento do contrato de seguro que celebrou com a Autora ora recorrente, mostra-se insofismável que não poderá assacar-se aqui qualquer responsabilidade à mediadora, a l.ª Ré BB, pelo alegado lapso cometido na indicação da matrícula no semi-reboque para inserção da apólice CMR, pois que a dita apólice sempre o integrava.

XXV. Resultou suficientemente demonstrado, entre o demais, que:

bb) À data do sinistro a A. não tinha pago o prémio à DD;

cc) Por força da intervenção da ré BB, a seguradora DD aceitou que a A. pagasse o prémio, que foi calculado e pago, após a comunicação do sinistro;

dd) O reboque é um frigorifico rebocado pelo tractor indicado pela BB à DD;

ee) A DD sabia que a A, tinha o reboque e que só esta viatura poderia ter a cobertura de CMR internacional;

ff) A DD cobrou o prémio relativo à inclusão da apólice CMR do reboque C-6...;

mm) O funcionário da DD Seguros, S.A tinha conhecimento de que, na apólice CMR não se seguram tractores sem os respectivos semi-reboques;

nn) Os tractores não podem conter mercadoria.

XXVI.    Ora, perante esta realidade, urge concluir que após o sinistro foi pago o prémio referente à apólice CMR, que estava anulada por falta de pagamento,

XXVII. A DD aceitou tal pagamento e revalidou a apólice.

XXVIII. Constava da apólice a indicação expressa de que a mesma se destinava a segurar mercadoria transportada em camiões frigoríficos.

XXIX.    Contudo, nas concretas circunstâncias melhor descritas nos autos, foi indicado inicialmente apenas o tractor de matrícula ...-BN-... e não o semi-reboque frigorífico de matrícula C-6..., e que veio a consubstanciar o conjunto de veículos que protagonizou o despiste que originou o perecimento da carga aqui em causa.

XXX. Ou seja, a validar-se o douto entendimento propugnado pela Autora ora recorrente, e a falta de cobertura da apólice CMR, estaríamos diante de uma situação em que um seguro CMR – apólice destinada apenas e só a cobrir danos com a mercadoria transportada – acabava por se mostrar destituído de objecto.

XXXI. A única plausível solução a conferir à presente demanda consiste na aceitação de que a apólice CMR em apreço, incluía, naturalmente e desde o início, o semi-reboque em apreço e a carga pelo mesmo transportada.

XXXII. Tal conclusão dimana, desde logo, de duas constatações:

1. Não faz qualquer sentido entender-se que o seguro CMR incidia apenas sobre o tractor, quando no mesmo é fisicamente impossível transportar qualquer carga;

2. Não faz qualquer sentido entender-se que o seguro CMR incidia apenas sobre o tractor, quando da apólice figura expressamente "camiões frigoríficos" e, uma vez mais, quando é fisicamente impossível o tractor configurar um "camião frigorifico".

XXXIII. E a este respeito, saliente-se o que na douta decisão proferida em l.ª instância se referiu, a propósito da fundamentação da decisão de facto atinente à alienas s), t), d), ee), gg) a nn) dos factos provados que:

"(...) a DD não podia ignorar que a intenção da autora era a de ver segura a mercadoria transportada e não apenas a respectiva frota, pois só assim, se justifica a existência de dois seguros, um para a frota e outro para a mercadoria. Sob pena do contrato de seguro da mercadoria ser destituído de objecto, a DD não podia ignorar que o seguro em causa se reportava necessariamente a reboques frigoríficos que acoplado aos tractores em causa, tinham capacidade para transportar a respectiva mercadoria" (...).

XXXIV. Pelo que, caso se entenda, como pretende a Autora ora recorrente, que a apólice revalidada não tinha sido contratada com a inclusão expressa na proposta de seguro do semi-reboque C-6…, ainda assim se impunha considerar que o mesmo, fazendo parte do conjunto de veículos agregado ao tractor ...-BN-... (inelutavelmente integrado na apólice CMR), haveria que estar integrado no seu âmbito de cobertura, sob pena, como se aduziu supra, de o seguro CMR ser esvaziado de conteúdo.

XXXV. O que aqui se deixa expressamente alegado para todos os devidos efeitos legais».


4. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«a) A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que tem como objeto social o "transporte rodoviário de mercadorias" (CAE 49…-R…). Certidão permanente: código de acesso: 1…3-2…6-4…4 - (doc. de fls. 11 vs. A 13).

b) A 1ª R. tem a responsabilidade civil transferida para a 2ª R mediante o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a apólice n.° 56…8, cujo conteúdo se dá como reproduzido (does. de fls. 101 vs. a 106 vs. E 175 a 181).

c) No desempenho da atividade profissional da A. ocorreu, 03.07.2013, um acidente de viação em que foi interveniente o condutor do veículo pesado de mercadorias (composto pelo conjunto dos veículos ...-BN-... e C-6...) da propriedade da A., II (acordo e docs. de fls. 16 vs. a 21, 23 vs. a 25 vs).

d) No início do ano de 2012, a A. estabeleceu uma relação profissional com a 1ª R., para que esta, no âmbito da sua atividade de mediador de seguros, lhe apresentasse ou propusesse os contratos de seguro, praticasse qualquer ato preparatório da sua celebração, celebrasse os contratos de seguros e apoiasse na gestão e execução desses contratos (acordo).

e) No âmbito da atividade de mediação de seguros exercida pela 1ª R., a A. celebrou com a companhia de seguros DD Seguros. S.A. diversos contratos de seguro no âmbito da sua atividade profissional de transportador rodoviário de mercadorias, nomeadamente, seguro de responsabilidade civil (auto frota - apólice n.° 00001…1/000), seguro de mercadorias transportadas de âmbito nacional (apólice n.° 0…/0010…) e seguro de mercadorias transportadas de âmbito internacional (acordo e docs. de fls. 31 a 44).

f) A 1ª R. fazia a gestão dos contratos de seguro da 1ª A. e, em 01.06.2012, a A. celebrou com a companhia de seguros DD Seguros, S.A. os contratos de seguro de responsabilidade civil de transportador e seguros de mercadorias, titulados pelas apólices acima mencionadas, válidas e eficazes em 03.07.2013, mediante os quais transferiu para a companhia de seguros DD Seguros, S.A. a responsabilidade civil decorrente da circulação dos veículos segurados pelas referidas apólices, nos termos das cláusulas acordadas (acordo).

g) O acidente de viação acima referido, ocorrido em 03.07.2013, foi participado pela 1ª R. à companhia de seguros DD Seguros S.A.. em 08.07.2013, ao abrigo da apólice de C.M.R. n.° 0…/0010…1 e após a A. ter informado a 1ª R. da ocorrência do sinistro (acordo e doc. de fls. 43 vs. a 44 vs.).

h) Em 16.07.2013, a 1ª R. informou a A. da abertura do processo de sinistro e no dia 07.10.2013 a companhia de seguros DD Seguros, S.A. veio a responder com a informação de recusa da assunção da responsabilidade pela reparação dos danos causados em consequência do sinistro, alegando que o semi-reboque com a matrícula C-6... não estava incluído na apólice de CMR .° 0…/0010…1 (acordo e doc. de fls. 43 vs.).

i) Resposta cujo teor foi reiterado em 08.11.2013 pela companhia de Seguros DD, S.A. que declinou a responsabilidade no pagamento dos danos verificados com fundamento no alegado incumprimento do disposto no art.° 15° das condições especiais de C.M.R., invocando "que o semi-reboque C-6..., que transportava a mercadoria em causa, não faz parte da listagem de veículos seguros ao abrigo da referida apólice" (acordo e doc. de fls. 44 vs.).

j) Após a participação referida em g), a lª R. comunicou à A. que diligenciou pela inclusão do semi-reboque na apólice de CMR, que tal resposta apenas poderia decorrer de um erro da companhia de seguros DD Seguros, S.A, e que a responsabilidade pelo risco se encontrava válida e eficazmente transmitida para esta, pelo que não havia justificação para a recusa da companhia de seguros DD, S.A em assumir responsabilidade pelo pagamento dos danos (confissão).

k) Em 21.05.2014, a A. intentou ação declarativa comum de condenação contra a companhia de seguros DD, S.A. com vista a ser indemnizada pelos danos causados pelo acidente de viação na mercadoria transportada e pelos demais danos ocorridos por causa do acidente, nomeadamente os trabalhos de remoção da carne e incineração da mesma e de limpeza da via pública (doc. de fls. 47 vs. a 54 vs.).

l) A ação n.° 152/14.2TBVVC, correu os seus termos junto do Tribunal da Comarca de … – … – Instância Central – Seção Cível e Criminal – 12 (doc. de fls. 47 vs. a 54 vs.).

m) Por sentença transitada em julgado em 01.07.2015, foi a ação julgada improcedente por não provada e a aí Ré "DD Seguros, S.A.", absolvida do pedido formulado pela aí Autora "AA Transportes, Lda.". (doc. de fls. 47 vs. a 54 vs.).

n) Na sentença proferida no âmbito do Proc. n,° 152/14.2TBVVC, o Tribunal Judicial da Comarca de … concluiu que, em função da apólice de CMR celebrada, assistia razão à companhia de seguros DD S.A. ao declinar a responsabilidade pela cobertura dos danos causados na carga transportada e por causa dela (doc. de fls. 47 vs. 54 vs.).

o) A A. participou o sinistro ocorrido em 03 de Julho de 2013 à 1ª R. no âmbito da gestão de contratos por esta realizada no âmbito da sua atividade profissional (acordo).

p) A 1ª ré declinou junto da A. a responsabilidade pela reparação dos danos invocados por aquela (confissão).


Resultante da discussão em audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:

Da Petição inicial:

q) Os tratores identificados nas apólices referidas em e) não fazem o transporte de mercadorias, nem têm capacidade de carga.

r) A intenção da autora ao celebrar a apólice de C.M.R. era ver assegurada pela DD a cobertura do risco pelos danos que possam ocorrer na carga transportada no âmbito da sua atividade profissional.

s) HH, trabalhadora da 1.ª R., que tratou da celebração da apólice, não solicitou à seguradora DD, a inclusão do semi-reboque com a matrícula C-6... na apólice de C.M.R., de âmbito nacional ou internacional (n° 0…/0010…1).

t) Mas tão-somente na apólice frota ou de responsabilidade civil.

u) A A. desconhecia os factos mencionados em s) e t).

v) Em 11.12.2015, a A. celebrou com a empresa "EE, S.L.” um acordo de reconhecimento e pagamento dos danos sofridos pela perda total da mercadoria/carne, no âmbito do qual, a empresa "EE, S.L." reduziu a quantia peticionada a título de danos pela perda total da mercadoria/carne de €90.811,99 para €71.287,41 (setenta e um mil, duzentos e oitenta e sete euros e quarenta e um cêntimos) da qual a A. se reconheceu devedora.

w) Até 11.12.2015, a A. pagou, por conta da indemnização devida à empresa "EE, S.L.", a quantia de €35.340,00 (trinta e cinco mil, trezentos e quarenta euros), mediante a retenção de pagamento em conta corrente nas faturas emitidas pela A. a empresa "EE, S.L." desde a data do acidente (03.07.2013).

x) "EE, S.L." acordou com a A. que a quantia remanescente de €35.947,41 (trinta e cinco mil, novecentos e quarenta e sete mil euros e quarenta e um cêntimos) será paga em 60 prestações, mensais e sucessivas, de €599,12 (quinhentos e noventa e nove euros e doze cêntimos) cada, até integral pagamento.

y) A A. Pagou os prémios devidos pelo supra referido contrato de seguro, no total de € 549,78 (quinhentos e quarenta e nove euros e setenta e oito cêntimos).

z) Em consequência do acidente referido ‘supra’, foram necessários trabalhos de remoção de carga (carcaças de novilho) e limpeza da via pública, que importaram custos para a A. No montante de € 3.357,29.

aa) E serviços de incineração da mesma carga, no montante de € 1.144,80.


Da contestação da ré BB:

bb) À data do sinistro a A. não tinha pago o prémio á DD.

cc) Por força da intervenção da ré BB, a seguradora DD aceitou que a A. pagasse o prémio, que foi calculado e pago, após a comunicação do sinistro.

dd) O reboque é um frigorífico rebocado pelo tractor indicado pela BB à DD.

ee) A DD sabia que a A. tinha o reboque e que só esta viatura poderia ter a cobertura de CMR internacional.

Da contestação da ré CC:

ff) A DD cobrou o prémio relativo à inclusão na apólice CMR do reboque C-6....

gg) Em 15.02.2012 foi enviada à DD a listagem de veículos a incluir na apólice CMR, onde consta a matrícula do veículo sinistrado ...-BN-..., com referência a Espanha, mas não consta da lista o semi-reboque C-6..., nem qualquer outro.

hh) A 09.01.2013, a A. solicitou à ré BB a inclusão do semi-reboque C-6..., não indicando, expressamente por escrito, qualquer apólice.

ii) Na mesma data, este pedido foi reencaminhado pela ora 1ª Ré para a seguradora DD, também sem fazer  referência a qualquer apólice.

jj) O funcionário da DD na elaboração do contrato de seguro ‘identifica’ que se trata de um veículo fechado ‘câmara frigorífica´e pergunta se é só para segurar também em RC, ao que a funcionária da BB responde que sim, só RC.

kk) Com o pedido da aqui Autora para inclusão deste veículo, esta pretendia que a inclusão fosse para a apólice CMR, a fim de completar a listagem de veículos enviada a 15.05.2012, listagem esta que incluía o trator, mas não o semi-reboque.

11) O semi-reboque C-6... já havia sido incluído na apólice Frota em 08.05.2012.

mm) O funcionário da DD Seguros. S.A. tinha conhecimento de que, na apólice CMR não se seguram tratores sem os respetivos semirreboques.

nn) Os tratores não podem conter mercadoria.»


5. Estão em causa as seguintes questões (nº 4 do artigo 635º e nº1 do artigo 636º do Código de Processo Civil):

Do recurso interposto pela autora, AA – Transportes, Lda.:

– responsabilidade da ré BB, Lda., por não ter incluído por negligência o semi-reboque C- 6… no seguro que cobria o transporte CMR de mercadorias, apólice nº 0…/0010…1,  não obstante estar a isso obrigada:

Da ampliação do recurso, subsidiariamente feita pela recorrida FF, S.A.:

– inclusão do semi-reboque C-6... na apólice CMR nº 0…/0010…1, desde o início.


6. Antes de mais, importa recordar que a questão fundamental que está em causa é a de saber se a ré BB, Lda. é responsável pelos danos sofridos pela autora/recorrente, resultantes da perda da mercadoria transportada.

Essa perda verificou-se na sequência de um acidente ocorrido com o veículo que a transportava, composto por um tractor, com a matrícula ...-BN-... e o semi-reboque que trazia a mercadoria, com a matrícula C-6..., que efectuava um transporte internacional por via rodoviária, sujeito à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada” (Convenção CMR, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada pelo Decreto-Lei nº 46235, de 18 de Março de 1965, e modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Junho de 1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro).

Segundo o disposto no nº 1 do artigo 17º CMR, o transportador é responsável pela perda da mercadoria; mas essa responsabilidade originária também não está em causa, nem tão pouco o montante a suportar, pois vem provado que a autora chegou a um acordo com o proprietário da mercadoria (pontos v, w e x dos factos provados) e, de qualquer forma, não recorreu da quantia considerada na sentença (inferior à que pedira na acção).

Nesta acção e em particular neste recurso, a controvérsia cinge-se, na verdade, a saber quem vai suportar o pagamento da indemnização ao proprietário da mercadoria: se a autora, se a mediadora de seguros, a primeira ré, com quem “estabeleceu uma relação profissional” (ponto d)), no âmbito da qual “celebrou com a companhia de seguros DD Seguros, S.A.., diversos contratos de seguro”, entre os quais o contrato relativamente ao qual se discute se abrangia ou não a mercadoria transportada no semi-reboque C-6... – e, caso se conclua pela responsabilidade da primeira ré, a Companhia de Seguros FF, S.A..

Com efeito, foi julgada improcedente, com trânsito em julgado, a acção proposta pela ora autora contra a Companhia de Seguros DD, na qual a autora pediu a condenação da DD no pagamento de “€ 95.314,08 (…), a título de indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da perda da mercadoria transportada, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento” (sentença, fls. 48), com fundamento no contrato de seguro. O tribunal entendeu que não havia seguro válido para o semi-reboque, pois não constava da lista anexa à apólice CMR.

Recorde-se o que vem provado em j): a ré BB, após ter comunicado o acidente de viação à Companhia de Seguros DD, “ao abrigo da apólice de C.M.R. nº 0…/0010…1” (g)), “comunicou à A. que diligenciou pela inclusão do semi-reboque na apólice de CMR” e que a resposta da Companhia de Seguros DD (de recusa de cobertura do sinistro) “apenas poderia decorrer de um erro da companhia de seguros DD Seguros, S.A. e que a responsabilidade pelo risco se encontrava válida e eficazmente transmitida para esta, pelo que não havia justificação para a recusa da companhia de seguros DD, em assumir responsabilidade pelo pagamento dos danos”.


7. Vem provado que, no início de 2012, a autora “estabeleceu uma relação profissional” com a ré BB, “para que esta”, no exercício da sua actividade de mediadora de seguros, “lhe apresentasse ou propusesse contratos de seguro, praticasse qualquer acto preparatório da sua celebração, celebrasse os contratos de seguro e apoiasse na gestão e execução desses contratos”(ponto d) dos factos provados).

Foi nesse âmbito que a autora celebrou com a Companhia de Seguros DD o seguro que agora interessa, correspondente à apólice CMR nº 0…/0010…1, sendo a BB que “fazia a gestão dos contratos de seguro” da autora (pontos e) e f)).

Trata-se de actos compreendidos na actividade de mediação de seguros (cfr. al c) do artigo 5º do Decreto-Lei nº 144/2006, de 31 de Julho, entretanto revogado pela Lei nº 7/2019, de 16 de Janeiro).

Foi assim uma trabalhadora da mediadora BB que tratou da celebração do contrato de seguro CMR nº 0…/0010…1, e que não solicitou à seguradora DD que incluísse o semi-reboque de matrícula C-6..., não figurando na respectiva apólice (ponto s)). Note-se que vem provado que, na sequência de um pedido de inclusão desse mesmo semi-reboque sem especificação da apólice, um funcionário da DD perguntou expressamente se era “só para segurar também em RC” (ponto gg) e segs,) e obteve resposta afirmativa.

Nada na prova permite entender que o semi-reboque C-6... se possa considerar incluído no seguro CMR nº 0…/0010…1, não obstante ter sido essa a vontade e a convicção da autora (ponto r)) e saber-se que a DD tinha conhecimento “de que a A. tinha o reboque e que só esta viatura poderia ter cobertura de CMR internacional” (ponto ee)), que o tractor identificado na apólice não pode transportar mercadorias (pontos q) e nn)) ou que o funcionário da DD Seguros soubesse que “na apólice CMR não se seguram tractores sem os respectivos semi-reboques” (ponto nn)).

Está em causa a prova do âmbito do contrato de seguro, que só pode ser feita pela apólice – nº 2 do artigo 32º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pela Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, cujo artigo 28º expressamente afirma que esse Regime jurídico se aplica também aos contratos de seguro celebrados “com a intervenção de um mediador de seguros”, para além do regime próprio de acesso e exercício da actividade de mediação de seguros”.

Da referida apólice devem constar, por entre o mais, “os riscos cobertos” – al d) do nº 2 do artigo 37º do RJCS; das condições especiais do contrato, que integram a apólice, aliás, consta que “A presente apólice apenas responde pelas cargas transportadas nos conjuntos formados pelos tractores/camiões e semi-reboques/ reboques identificados no contrato (listagem de veículos) (…) – artigo 15º, não sendo compatível com esta formalização a afirmação pela BB de que o seguro cobria os danos ocorridos com as mercadorias transportadas por qualquer semi-reboque que fosse atrelado ao tractor identificado na apólice.

Não se pode considerar portanto considerar o semi-reboque C-6... abrangido pelo seguro – mais correctamente, a mercadoria por ele transportada e que ficou inutilizada no acidente de 3 de Julho de 2013.


8. Como frequentemente acontece, o dano sofrido pela autora – traduzido no não pagamento pela Companhia de Seguros DD da indemnização que teve de pagar ao proprietário da mercadoria inutilizada em virtude do acidente de viação – é o resultado de uma sucessão de causas ou, dizendo melhor, de uma concorrência de causas em conjunto adequadas à ocorrência do dano. Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Abril de 2017, www.dgsi.pt.proc. nº 1523/13.7T2AVR.P1.S1, no qual também se analisou uma questão de cobertura de um contrato de seguro, “um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata; em regra, é produto de um encadeamento ou sequência de causas” (ponto IV do respectivo sumário).

Não será questionável que o que desencadeou essa sucessão foi a omissão, pela BB – vem provado que foi uma trabalhadora sua –, de solicitar à Companhia de seguros DD da inclusão do semi-reboque C-6... no seguro CMR com a apólice 0…/0010…1. Vem provada a causalidade naturalística e não haverá dúvidas de que se trata de uma omissão causalmente adequada à não cobertura da perda de mercadorias pelo seguro (artigo 563º do Código Civil); e de uma omissão ilícita, pois a ré BB estava contratualmente vinculada a gerir os seguros da autora.

As rés sustentam que (1) a autora não tinha pago o prémio do seguro, que portanto tinha caducado quando o acidente ocorreu; (2) que a mediadora BB desenvolveu esforços no sentido da reconstituição do seguro, abrangendo o semi-reboque acidentado e a mercadoria perdida, pagando a autora o prédio devido, o que veio a acontecer (pontos cc) e ff)); que, portanto, a responsabilidade pelo dano sofrido pela autora é da Companhia de Seguros DD, que devia ter pago a indemnização e não pagou; a segunda ré fala mesmo em abuso de direito por parte da DD, Seguros, SA.

Com o primeiro argumento, estão a invocar uma causa virtual do dano (a falta de pagamento do prémio). No entanto, nunca essa falta de pagamento seria sequer uma causa virtual, susceptível de influir no montante da indemnização (cfr.ac deste Supremo Tribunal de 21 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc.nº 08B1567), por se ter concluído que o semi-reboque não estava incluído no seguro.

Quanto ao segundo argumento, a verdade, todavia, é que essa intervenção da mediadora BB não conseguiu que a Companhia de Seguros DD indemnizasse a autora; não que se possa dizer que, ao aceitar gerir os seguros da autora, a mediadora assumiu a obrigação de resultado de garantir que os sinistros que viessem a ocorrer, abrangidos pelos seguros, seriam efectivamente pagos pela Companhia de Seguros DD; mas sim no sentido de que essa intervenção não foi eficaz na neutralização da omissão da indicação do semi-reboque para inclusão no seguro CMR nº 0…/0010…1 que continua a ser a causa inicial do dano da autora.

Quando há uma concorrência de causas, todas elas aptas a produzir o dano, o agente de qualquer delas é responsável perante o lesado.

Sendo imputável à BB a omissão da sua trabalhadora – não sabemos exactamente qual era o vínculo que as ligava, mas sempre seria aplicável a regra do artigo 800º do Código Civil –, a ré BB é responsável pelo dano correspondente às mercadorias perdidas. Ou, dizendo melhor, pela quantia ajustada com a proprietária das mesmas.

A ocorrência eventual de abuso de direito poderá ser discutida entre a BB, ou a sua Seguradora, e a Companhia de Seguros DD; mas não afasta a responsabilidade da BB, que foi quem desencadeou o processo causal que provocou o dano.


9. As rés sustentam que foi a má estratégia processual da autora, na primeira acção que propôs, que conduziu à impossibilidade de ressarcimento.

    Mas essa estratégia, por criticável que possa ser, não é causa adequada do dano sofrido, que resulta da não inclusão no contrato de seguro CMR nº 0…/0010…1 e, naturalmente, do acidente de 3 de Julho de 2013.

A terminar, note-se que o caso julgado material formado pela sentença proferida na primeira acção não impede as rés de virem discutir judicialmente com a Companhia de Seguros DD sobre quem deve recair, a final, a responsabilidade pelos danos sofridos pela autora.


10. Há, portanto, que repristinar o que foi decidido na sentença, nomeadamente quanto ao cálculo da indemnização a suportar por cada uma das rés, pois há duas franquias a deduzir dos € 71.287,41, cada uma de 10%: a que figura no contrato de seguro CMR nº 0…/0010…1 (porque a autora não a poderia receber, se o sinistro estivesse abrangido pelo seguro) e a que consta do contrato de seguro celebrado entre as rés.

Assim, decide-se:

a) Conceder provimento à revista da autora AA transportes, Lda e negar provimento à ampliação subsidiária da revista, da ré FF, S.A.;

b) Condenar a ré BB, Lda. a pagar à autora a quantia de € 6.415,87, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

c) Condenar a ré FF, S.A.. a pagar à autora a quantia de € 57.742,80, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.


Custas pelas recorridas, na proporção do vencimento.


Lisboa, 4 de Julho de 2019


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado