Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
571/15.7T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: GESTOR PÚBLICO
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
ESTADO
EMPRESA PARTICIPADA
INCONSTITUCIONALIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RETROACTIVIDADE
RETROATIVIDADE
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ E NEGADA A REVISTA DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / INTERPRETAÇÃO DA LEI.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 617.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º, N.º 1.
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2010, APROVADO PELA LEI N.º 3-B/2010, DE 28 DE ABRIL: - ARTIGO 172.º.
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2011, APROVADO PELA LEI N.º 55-A/2010, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 29.º.
DL N.º 8/2012, DE 18 DE JANEIRO: - ARTIGOS 4.º E 7.º, N.º 1.
DL N.º 71/2007, DE 27 DE MARÇO: - ARTIGO 30.º.
Sumário :
I. Durante os anos de execução do Programa de Estabilidade e Crescimento e vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, as empresas participadas do Estado não podem, por lei, atribuir aos gestores remunerações variáveis de desempenho.

II. Face às circunstâncias financeiras excecionais do Estado, essa proibição tem de entender-se como reportada ao momento do pagamento variável, independentemente do ano a que a remuneração possa respeitar.

III. Tal lei não é inconstitucional.

IV. Sendo a remuneração variável dos anos 2008 e 2009 devida apenas no termo do mandato, quando já estava proibida a sua atribuição, não pode tal remuneração variável ser paga ao gestor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


      AA instaurou, em 18 de janeiro de 2015, no Juízo Cível da Instância Central de …, Comarca de Lisboa, contra EP – Estradas de Portugal, S.A. (que, entretanto, passou a denominar-se IP – Infraestruturas de Portugal, S.A.), ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 81 627,00, acrescida de juros mora, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, como gestor público, foi membro do concelho de administração da R., no triénio 2007/2009, tendo assinado com o Estado Português, em 3 de março de 2008, um contrato de gestão; pelo exercício dessas funções era devido o pagamento de uma remuneração fixa e outra variável; esta remuneração, porém, não foi paga, correspondendo em 2008 e 2009 às quantias de € 44 597,00 e € 37 030,00, respetivamente.

Contestou a Ré por exceção, alegando a incompetência material do tribunal e a sua legitimidade, e, por impugnação, invocou não estarem reunidas as condições para o pagamento da remuneração variável, concluindo, pela improcedência da ação.

Replicou o A., onde concluiu pela competência material do tribunal.

Requerida e admitida a intervenção principal provocada do Estado Português, contestou este, concluindo também pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as alegadas exceções, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, que ficaram determinados após reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 3 de fevereiro de 2017, sentença, que, julgando a ação improcedente, absolveu a Ré e o Interveniente do pedido.

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 26 de outubro de 2017, julgando a apelação procedente, revogou a sentença e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 81 672,00, acrescida de juros de mora, de 4 % ao ano, desde a citação até integral pagamento.


Inconformada, a Ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) O Tribunal da Relação de … nada referiu acerca do Estado Português, apesar de figurar com parte, na posição de co Réu.

b) Com essa omissão, o acórdão enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

c) Ao reduzir-se a uma relação jurídica contratual entre privados, sujeitando-a exclusivamente às normas do direito civil, o acórdão violou, designadamente, as normas contidas nos arts. 6.º, n.º 3, e 23.º, do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo DL n.º 71/2007, de 27 de março, já que o pagamento da retribuição variável estava dependente não apenas dos objetivos alcançados mas também da tomada de decisões e em atos estabelecidos nas normas aplicáveis.

d) O acórdão violou, consequentemente, o art. 7.º, n.º 5, alínea l), dos Estatutos da EP, aprovados pelo DL n.º 374/2007, nos termos dos quais compete à assembleia geral deliberar sobre as remunerações dos membros dos corpos sociais, podendo, para o efeito, designar uma comissão de fixação de remunerações, com poderes para fixar essas remunerações nos termos do Estatuto do Gestor Público.

e) A deliberação tomada nas duas assembleias gerais e da declaração emitida pela comissão de fixação de remunerações sustentaram-se no art. 172.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, bem como no Despacho n.º 5696-A/2010, de 25 de março, e na Lei n.º 55-A/2010.

f) Essas disposições legais não podem senão reportar-se a todas e quaisquer remunerações variáveis dos anos de 2010 e 2011, independentemente do ano em que a atividade tivesse lugar, incorrendo o acórdão em erro de interpretação, ao recusar a sua aplicação.

g) A 1.ª instância não deu como demonstrados os objetivos fixados e os resultados alcançados no ano de 2009.

h) A Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2007 não atribui competência de proceder à avaliação de desempenho a que se reporta o art. 7.º do DL n.º 71/2007, como nem sequer seria admissível, sob pena de violação do art. 112.º, n.º s 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

i) O acórdão violou ainda as normas de repartição do ónus da prova, designadamente o n.º 1 do art. 341.º do Código Civil


Com a revista, a Ré pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido formulado na ação.


Subordinadamente, também o Autor recorreu e, tendo alegado, formulou as conclusões:


a) Deve a condenação do acórdão incidir também sobre o Estado Português, em solidariedade com a R.

b) A decisão recorrida, nesta parte, violou os arts. 261.º, 316.º e 607.º do CPC.


Com a revista, o Autor pretende que a condenação incida solidariamente sobre a Ré e o Interveniente.


O Autor contra-alegou ainda, no sentido de ser mantida a condenação da Ré, em solidariedade com o Estado Português.

O Interveniente contra-alegou, quanto ao recurso subordinado, aderindo às alegações do recurso interposto pela Ré, na parte em que pugna pela revogação da decisão impugnada e consequente absolvição do pedido.


Por acórdão de 22 de março de 2018, o Tribunal da Relação de …, suprindo a nulidade, por omissão de pronúncia, julgou a ação improcedente contra o Estado Português, absolvendo-o do pedido.


Na sequência desse acórdão, a R., depois de ter vindo alargar o âmbito do recurso, nos termos do art. 617.º, n.º 3, do CPC, desistiu desse alargamento através do requerimento de fls. 855.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão o direito ao recebimento das remunerações variáveis respeitantes a 2008 e 2009 por parte do Autor, enquanto membro do conselho de administração da Ré.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram considerados os seguintes factos:


1. O A. exerceu as funções de gestor público, como membro do conselho de administração da R., para o mandato correspondente ao triénio 2007/2009, por deliberação da sua assembleia geral de 22 de novembro de 2007.

2. O A. assinou, em 3 de março de 2008, contrato de gestão com o Estado, na qualidade de único acionista da R., onde estão definidos os “termos e as condições do exercício das funções do gestor como membro do CA da ré […] para o mandato de 2007/2009”.

3. Através desse contrato, o A. obrigou-se, conjuntamente com os demais gestores, a “apresentar, ao acionista, até ao final do 3.º trimestre de 2008, o plano estratégico a médio prazo, na sequência do qual se procederá à fixação dos objetivos anuais para 2009 e aos objetivos plurianuais que se venham a mostrar adequados ”.

4. No que concerne à remuneração, dispunha a cláusula 6.ª do contrato de gestão que “em contrapartida do cumprimento do mandato a que se refere o presente contrato e do desempenho das funções neste previstas, é devida ao gestor uma remuneração fixa anual paga em 14 meses e uma remuneração variável, a qual tem o valor definido no anexo II ao presente contrato.”

5. De acordo com o anexo I ao contrato de gestão, foi acordado que os objetivos anuais para 2008 seriam aqueles que estão vertidos no referido documento.

6. Também ficaram definidos os objetivos globais plurianuais da R. para o período de 2008 a 2009, fixados de acordo com os critérios constantes desse documento.

7. A remuneração fixa do A. encontra-se discriminada no anexo II do contrato de gestão, correspondendo a € 161 000,00, paga em 14 prestações.

8. Nesse anexo, também está explicitada a fórmula de cálculo da remuneração variável, indexada ao nível de cumprimento dos objetivos definidos previamente, onde se pode ler: “A remuneração variável a atribuir aos membros do conselho de administração da EP – Estradas de Portugal, S.A., ré será função do nível médio de consecução dos objetivos estabelecidos”, nos termos da tabela constante do mesmo anexo, correspondendo V à remuneração variável anual e F à remuneração fixa anual.

9. De acordo com a fórmula de cálculo, a remuneração variável anual corresponderia a uma percentagem da remuneração fixa anual, oscilando em função da percentagem atribuída ao atendimento dos “objetivos”, a saber: - Se a percentagem de realização dos objetivos tivesse sido superior a 115 % dos “objetivos”, a remuneração variável anual corresponderia a 35 %; - Se a percentagem se tivesse situado entre 107,5 % e 114,9 %, a variável respeitaria, pelo menos, a 30 % da fixa; - Se a percentagem se tivesse situado entre 100 % e 107,4 %, a variável respeitaria, pelo menos, a 25 % da fixa; - Se a percentagem se tivesse situado entre 90 % e 99,9 %, a variável respeitaria, pelo menos, a 15 % da fixa; - Se a percentagem se tivesse situado entre 80 % e 89,9 %, a variável respeitaria, pelo menos, a 10 % da fixa; - Se a percentagem houvesse sido inferior a 80 %, não haveria lugar a remuneração variável.

10. Dentro de cada um dos escalões, a percentagem oscilaria entre o limite inferior e o limite superior em função da percentagem concreta alcançada, para que o cumprimento do limite mínimo do escalão fosse valorizado diferentemente daquele que atinge o limite máximo do escalão.

11. A remuneração variável não foi paga.

12. O acionista Estado aprovou, na assembleia geral realizada a 30 de junho de 2010, uma deliberação relativa ao prémio de gestão de 2008: “Considerando os objetivos fixados aos membros do CA, vertidos nos contratos de gestão assinados em março de 2008; Considerando o relatório do conselho fiscal relativo ao desempenho dos membros do CA no exercício de 2008: O acionista reconhece que o grau de cumprimento dos objetivos fixados aos membros do CA, relativos ao exercício de 2008, é de 104 %, sem prejuízo da decisão constante do ponto 7 da presente ordem de trabalhos ”.

13. A propósito da “EP. Avaliação do cumprimento dos indicadores dos objetivos fixados no “Um compromisso com a excelência na gestão das empresas e organismos tutelados”, o SEAOPC proferiu despacho, a 10/10/2009, com o seguinte teor: “Concordo. Ao SETF.”

14. Esse despacho foi exarado na nota informativa n.º 35/2009/IN, do gabinete do SEAOPC, na qual se escreveu que: “1. Na avaliação do cumprimento dos objetivos de gestão anuais individuais de 2008, considerou-se o relatório e contas 2008 da EP. 2. O score global alcançado pela empresa após avaliação do cumprimento dos objetivos 2008 foi de 104 %, conforme quadro anexo. 3. Com base no score, a proposta de atribuição de remuneração variável situa-se no escalão entre 100 % - 107,4 %. Após cálculo exato do montante de bónus anual em função do grau de cumprimento dos objetivos e do valor do limite inferior e superior de cada intervalo, obtém-se a remuneração variável a atribuir ao CA de 27,7 %. 4. Para que o processo fique completo é necessário transmitir à Comissão de Fixação de Remunerações para deliberar sobre o valor do prémio a atribuir à EP. (…) Face ao exposto propomos a atribuição da remuneração variável anual no valor de 27,7 % da remuneração fixa anual para os membros do CA da EP, de acordo com o anexo II dos contratos de gestão assinados.”

15. E os 27,7 % resultam do objetivo atingido ter sido superior a 100 %, que lhe daria uma remuneração variável de 25 %, e inferior a 107,5 %, a qual asseguraria uma remuneração variável de 30 %, pelo que ponderada a percentagem de cumprimento alcança-se o valor de 27,7 %.

16. Para o ano de 2009, o então conselho de administração da R. foi informado dos objetivos fixados por ofício de maio de 2009, elaborado pelo gabinete do SEAOPC, tendo este ofício sido remetido para o SETF.

17. Aqueles objetivos mereceram a concordância do SEAOPC.

18. Em ofícios remetidos pelo conselho de administração da R. ao SEAOPC e ao SETF, a 06/12/2010, com respeito ao “EP. Avaliação do desempenho dos gestores e do cumprimento dos objetivos fixados para 2009”, escreveu-se que “no âmbito do assunto supra mencionado, junto se remete o relatório emitido pelo CF da EP, nos termos previstos no n.º 17 da Resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03. Para os efeitos previstos no art. 11.º do DL 300/2007 e arts. 6.º e 28.º do DL 71/2007, de 27/03, enviam-se ainda os quadros com os elementos relativos ao cumprimento dos objetivos anuais e plurianuais fixados para 2009.”

19. Consta do anexo a esses ofícios que “a EP não cumpriu a totalidade dos objetivos fixados para 2009, sendo de registar os seguintes indicadores: Resultados líquidos: a principal causa do seu não cumprimento foi a não introdução de portagens pelo Estado. Custos operacionais por km de rede: verificou-se a redução do objetivo deste indicador de 21 em 2008, para 8,5 em 2009. Contudo a EP ficou apenas a 0,5 do objetivo e abaixo do valor real do ano anterior (9,3). Grau de cumprimento do plano de investimento: face à execução financeira foram feitas opções com vista à redução do volume de investimento. Grau de cumprimento do endividamento orçamentado: a não introdução de portagens, bem como o não reembolso do IVA durante 2009 contribuíram claramente para o não cumprimento deste objetivo.”

20. Quando os objetivos foram definidos com o A., o resultado líquido da R. para 2009 tinha como pressuposto a introdução das portagens.

21. Apesar da redução do volume de investimento, foi realizado um investimento de € 934 886,00, quando estava projetado um investimento de € 1 115 989,00.

22. O CF teve oportunidade de apreciar os diversos “objetivos” prosseguidos pela R. no ano de 2009, o que fez através de relatório, em que reconhece que o cumprimento dos “objetivos” corresponde a 98 % das metas fixadas.

23. O CF concluiu que foram ultrapassados os objetivos para a margem EBITDA e para o grau de cumprimento de performance orçamentada.

24. E quanto ao grau de cumprimento do contrato de concessão, apurado com base em três indicadores, concluiu que dois deles foram atingidos, designadamente os relacionados com a sinistralidade e com as externalidades ambientais, ficando o terceiro, o nível de serviço, cumprido em 98 % da meta fixada para 2009.

25. Quanto a este terceiro indicador, o CF reconhece que o cumprimento se ficou a dever a uma capacidade limitada de recursos em relação ao previamente previsto.

26. O CF reconheceu, ainda, que os restantes objetivos anuais – custos operacionais por km de rede, resultado líquido e grau de cumprimento do investimento – não foram cumpridos devido ao Governo não ter avançado com a introdução de portagens, ao contrário do inicialmente previsto.

27. Quanto aos objetivos plurianuais, o CF reconhece que foram atingidos os relacionados com o número de km colocados em exploração e com o índice de gravidade dos acidentes rodoviários.

28. Quanto ao grau de endividamento orçamentado, concluiu o CF que o mesmo foi ultrapassado, devido a não terem sido portajadas as SCUTS, bem como devido à R. não ter sido reembolsado do IVA.

29. Quanto aos restantes três objetivos – performance do índice de sustentabilidade, clima organizacional e capacidade de mudança e cumprimento de metas estratégicas – “foi o CF informado de que ainda não havia sido apurado o respetivo cumprimento, que cabe ou a uma entidade independente ou, no último caso, ao próprio acionista.

30. Na “conclusão” do relatório, exarou o CF que “é de opinião que o apuramento do grau de cumprimento dos objetivos refletido no relatório do CA de 2009, foi em grande medida prejudicado por razões externas à própria empresa.”

31. A R. ainda não teve resposta aos ofícios aludidos em 18.

32. A 29/06/2010, a comissão de fixação de remunerações da R. propôs as seguintes orientações para os órgãos de administração, contidas em documento designado “declaração sobre política de remuneração dos membros dos órgãos da administração e de fiscalização da EP”: “As remunerações dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das empresas públicas devem ser fixadas em função da complexidade, exigência e responsabilidade inerente às respetivas funções e atendendo às práticas normais no respetivo sector de atividade, tendo em conta igualmente os princípios e orientações estabelecidas pelos acionistas e a situação do mercado. No atual enquadramento e em conformidade com o DL 71/2007, que aprova o Estatuto do Gestor Público, a resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03, que define os princípios de bom governo das empresas do sector empresarial do Estado, e o Despacho n.º 11420, de 30/04, do SETF, exige-se a definição de política de remuneração consistente com uma eficiente gestão dos riscos, de modo coerente com a natureza da atividade e estratégia de negócio da empresa, promovendo o seu crescimento sustentado. Neste contexto, assume particular relevo a necessidade de adotar um regime remuneratório que traduza uma efetiva moderação salarial, ajustada às especificidades da empresa, devendo, igualmente, ser assegurada a total transparência no que se refere à definição das políticas remuneratórias e à sua aplicação efetiva. Assim, neste âmbito e em cumprimento do disposto no art. 2.º da Lei n.º 28/2009, de 19/06, a CFR propõe, por maioria, as seguintes orientações sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização da EP: Conselho de Administração: a) Mantêm-se as remunerações dos membros do órgão de administração que constam da ata n.º 1/2009, de 09/02, da CFR; b) Tal como previsto no art. 172.º da Lei 3-B/2010, de 28/04, bem como no Despacho 5696-A/2010, de 25/03, proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 61, de 29/03, deverá ser adotada uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à remuneração dos titulares do órgão da administração, designadamente não havendo lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração”.

33. Tendo por base a conclusão do CF de que os objetivos foram alcançados em 98 %, o valor da remuneração variável seria fixável entre 15 % e 25 % (limites máximo e mínimo do escalão, respetivamente) da remuneração fixa anual.

34. A percentagem da remuneração variável deveria fixar-se em 23 % da remuneração fixa anual.

35. A remuneração do A. foi determinada pela assembleia geral da R. de 22/11/2007, que deliberou ainda “a designação de uma CFR para o mandato de 2007/2009”.

36. A CFR, na sua reunião de 09/02/2009, deliberou fixar as remunerações dos membros dos órgãos sociais da EP, eleitos em 22/11/2007, para o triénio de 2007/2009, e com efeitos a partir da data da respetiva eleição, nos seguintes termos: “Conselho de Administração: (…) Vice-Presidente: Remuneração fixa: remuneração mensal ilíquida de € 11 500,00, paga em 14 meses por ano. Remuneração variável: atribuição de componente variável da remuneração, que se fixa num máximo de 35 % da respetiva componente fixa da remuneração, em função do cumprimento dos objetivos definidos anual e plurianualmente para o mandato, nos termos previstos para os respetivos contratos de gestão.

37. A CFR não deliberou sobre o valor do prémio a atribuir à R.

38. O ponto 7 da ordem de trabalhos aludido em 12 refere-se a deliberação “sobre a declaração relativa à política de remunerações dos membros dos órgãos de administração e fiscalização da EP, apresentada pela CFR.”

39. Declaração essa que, devido a suspensão dos trabalhos na assembleia geral de 30/06/2010, viria a ser apresentada e aprovada na assembleia geral de 23/07/2010, “com os ajustamentos decorrentes do artigo 12.º da Lei 12-A/2010, de 30/06.”

40. Na ata desta última assembleia geral, foi consignado que “a palavra foi pedida e concedida ao presidente do CA que registou o facto de não ser clara a interpretação da declaração no que respeita à remuneração variável relativa aos anos anteriores, e solicitou ao representante do acionista único que lhe fossem prestados os esclarecimentos pertinentes com a brevidade possível.

41. O A. sabia que não se encontrava temporalmente definida a introdução de portagens e que essa definição dependia do Estado.

42. Em ofício de 13/05/2014, remetido pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças a BB, relativo à “regularização dos pagamentos da componente variável de gestão na EP”, escreveu-se que: Nos termos dos despachos 543/11-SETF, de 21/04, e 765/11-SETF, de 30/05, foi dada concordância à impossibilidade legal, atento o despacho 5696-A/2010, de 25/03, do MEF, os arts. 172.º e 29.º dos OE para 2010 e 2011, respetivamente, e o art. 4.º do DL 8/2012, de 18/01, de proceder ao pagamento de qualquer remuneração variável, maxime a relativa ao ano de 2008, ao ex-vogal do CA da EP, e ao ex-presidente do CA da EP, independentemente do ano a que respeita o cumprimento dos objetivos fixados ao gestor. Nos termos dos despachos 191/14-SET, de 10/02, e 582/14-SET, de 07/04, em casos idênticos ao da EP, que sucederam, respetivamente, na CC, S.A.., e na DD, SGPS, S.A., foi manifestada concordância com o entendimento de que releva o ano em que ocorre a respetiva avaliação e deliberação sobre a atribuição do prémio de gestão, independentemente do ano a que respeita o cumprimento dos objetivos fixados aos gestores, motivo pelo qual nada parece obstar a que o acionista, após o período de execução e de vigência do PAEF, e caso as normas orçamentais assim o admitam, pondere a possibilidade e a oportunidade de proceder à avaliação do cumprimento dos objetivos estabelecidos para 2008 e 2009 e, em caso favorável, tome uma deliberação sobre a atribuição do correspondente prémio de gestão.”

43. Através de ofícios remetidos pelo conselho de administração da R. ao SEAOPC e ao SETF, a 11/12/2009, com respeito à “EP. Avaliação do cumprimento dos indicadores dos objetivos fixados no “um compromisso com a excelência na gestão das empresas e organismos tutelados”, foi escrito: No âmbito do assunto supra mencionado, remete-se o relatório emitido pelo CF da EP, nos termos previstos no n.º 17 da resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03, para juntar ao processo referido no n.º 4 da nota informativa n.º 35/2009/IN, anexa ao ofício em referência, do gabinete do SEAOPC.”

44. No relatório anexo a esses ofícios, escreveu-se na “conclusão”, que “o CF é de opinião que o apuramento do grau de cumprimento dos objetivos refletido no relatório & contas de 2008, do CA, se afigura adequado.

45. O conselho de administração da EP enviou à tutela o plano e orçamento em março de 2009, com base no qual a tutela elaborou os objetivos anuais e plurianuais para esse ano, pelo que tinha conhecimento desses objetivos para 2009 e a gestão devia ser feita com base neles (aditado pela Relação).

2.2. Delimitada a matéria de facto, com a modificação introduzida pela Relação e o expurgo de redundâncias e juízos de valor, importa conhecer do objeto dos recursos, principal e subordinado, definido pelas respetivas conclusões.

A questão da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, entretanto, foi suprida, mediante a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de março de 2018, nos termos do qual, conhecendo da questão omissa, absolveu o Interveniente do pedido formulado na ação, ficando aquele acórdão a constituir parte integrante do acórdão recorrido, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 617.º do Código de Processo Civil (CPC), motivo pelo qual a questão da nulidade do acórdão recorrido ficou, entretanto, prejudicada no seu conhecimento.


2.3. A controvérsia emergente dos autos gira em torno do direito ao recebimento da remuneração variável, respeitante aos anos de 2008 e 2009, por parte do Autor, enquanto membro do conselho de administração da Ré, e, por outro lado, se o Interveniente está obrigado também ao pagamento dessa mesma remuneração.

As instâncias divergiram na decisão, pois, enquanto a 1.ª instância entendeu não existir tal direito, a Relação, por sua vez, concluiu em sentido contrário, condenando a Ré no correspondente pagamento, acrescido ainda dos juros de mora legais.

Já em relação ao Interveniente, houve conformidade de decisões, nomeadamente no sentido da absolvição do pedido, embora por diversa fundamentação.

Definidos, genericamente, os termos da controvérsia jurídica do caso sub judice, vejamos então o direito aplicável.


O Autor, na qualidade de gestor público (cujo estatuto está regulado no DL n.º 71/2007, de 27 de março) celebrou com o Interveniente, acionista (único) da Ré, em 3 de março de 2008, um contrato escrito de gestão, para o exercício das funções de membro do concelho de administração da Ré, no mandato de 2007/2009, para o qual foi eleito na assembleia geral da Ré de 22 de novembro de 2007.

No âmbito desse contrato de gestão, foi estabelecido ser devida ao Autor uma remuneração fixa anual, a pagar em 14 meses, correspondente a € 161 000,00, e uma remuneração variável, com o valor definido no Anexo II do contrato, a qual “apenas” seria “paga no final do mandato, desde que este fosse integralmente cumprido” (Anexo II).

O cálculo da remuneração variável estava indexado ao nível de cumprimento dos objetivos estabelecidos, em conformidade com a fórmula também constante do referido Anexo II, o qual não podia ser inferior a 80 %.

O Autor, no entanto, não chegou a receber a remuneração variável, nomeadamente a referente aos anos de 2008 e 2009, cujo pagamento, no valor de € 44 597,00 e € 37 030,00, respetivamente, é exigido na ação.


Embora tivesse sido reconhecido, nomeadamente na assembleia geral da Ré, de 30 de junho de 2010, ter-se alcançado um grau de cumprimento de 104 % dos objetivos fixados, relativo ao exercício de 2008, a assembleia geral, continuada em 23 de julho de 2010, não deliberou sobre a atribuição da remuneração variável, ficando apenas registada na respetiva ata a declaração do presidente do conselho de administração da Ré, nomeadamente quanto a “não ser clara a interpretação da declaração no que respeita à remuneração variável relativa aos anos anteriores.

Como se aludiu, o pagamento da remuneração variável, sendo atingidos os objetivos fixados, ocorria apenas no final do mandato, ainda que a aferição do grau de cumprimento fosse anual, como consta do Anexo II ao contrato de gestão celebrado.

Todavia, no termo do mandato do Autor, encontrava-se em vigor a norma do art. 172.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Orçamento do Estado para 2010), nos termos da qual, durante o ano de 2010, dadas as “circunstâncias financeiras excecionais” que o País atravessa, as empresas participadas do Estado “não podem retribuir os seus gestores com remunerações variáveis de desempenho”.

Esta norma foi replicada no art. 29.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011), especificando que era aplicável “durante o período de execução do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013”.

Por sua vez, o art. 4.º do DL n.º 8/2012, de 18 de janeiro, veio a dispor que “durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, não há lugar à atribuição de prémios de gestão prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na redação dada pelo presente diploma”.

Estipulava-se ainda que as alterações ao DL n.º 71/2007 produzem efeitos com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2012 e aplicam-se aos gestores públicos designados ou a designar (art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 8/2012).

Assim, independentemente da questão da falta de deliberação da assembleia geral da R., questão prejudicada, o pagamento da remuneração variável estava proibido por lei, não podendo a R., enquanto empresa participada do Estado, proceder ao seu pagamento, mesmo que os objetivos fixados tivessem sido atingidos.

Sendo as circunstâncias financeiras do Estado excecionais, tanto durante a execução do PEC como, mais tarde, do PAEF, a proibição do pagamento da remuneração variável tem de entender-se como reportada ao momento do seu pagamento, independentemente do ano a que a remuneração possa respeitar. Com efeito, as circunstâncias financeiras excecionais decorriam do Estado estar atravessar enormes dificuldades de tesouraria que comprometiam, muito seriamente, o cumprimento das suas obrigações, designadamente de natureza financeira. De outro modo, os efeitos da medida legislativa ficariam limitados, frustrando fatalmente as intenções do legislador, que pretendeu suster consideravelmente a despesa pública.

Na verdade, o intérprete, para obter o sentido da norma, para além do texto da lei, deve tomar em consideração o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Neste contexto, relevando o momento do pagamento da remuneração variável, a ter lugar apenas no termo do mandato de gestão, torna-se claro que não se verifica qualquer retroatividade da lei, obstando à ocorrência de qualquer inconstitucionalidade.


Ainda no âmbito da constitucionalidade, o processo também não fornece elementos (nem tão pouco foram alegados) que permitam concluir pela violação concreta do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, quanto à não atribuição da remuneração variável.

O mesmo se diga em relação à alegada violação do princípio da proporcionalidade, também sem factos que a possam fundamentar em concreto.


Perante quanto fica exposto, conclui-se que, sendo a remuneração variável dos anos 2008 e 2009 devida apenas no termo do mandato, quando já estava proibida por lei a sua atribuição, não pode tal remuneração variável ser paga ao Autor.

Não pode, por isso, nesta parte, manter-se o acórdão recorrido.

Consequentemente, concedendo-se a revista à Ré, revoga-se o acórdão recorrido e repristina-se a sentença, absolvendo a Ré e o Interveniente do pedido formulado na ação.


2.4. Concluindo-se não dispor o Autor do direito de crédito exigido na ação, fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento do recurso subordinado, que tinha por objeto a condenação solidário do Interveniente.

Nega-se, por isso, a revista do Autor. 


2.5. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Durante os anos de execução do Programa de Estabilidade e Crescimento e vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira, as empresas participadas do Estado não podem, por lei, atribuir aos gestores remunerações variáveis de desempenho.

II. Face às circunstâncias financeiras excecionais do Estado, essa proibição tem de entender-se como reportada ao momento do pagamento variável, independentemente do ano a que a remuneração possa respeitar.

III. Tal lei não é inconstitucional.

IV. Sendo a remuneração variável dos anos 2008 e 2009 devida apenas no termo do mandato, quando já estava proibida a sua atribuição, não pode tal remuneração variável ser paga ao gestor.


2.6. O Autor, ao ficar vencido por decaimento, nas revistas e na apelação, é responsável pelo pagamento das respetivas custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder a revista à Ré, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, repristinando a decisão da 1.ª instância.


2) Negar a revista (subordinada) ao Autor, confirmando o acórdão recorrido.


3) Condenar o Autor no pagamento das custas nas revistas e na apelação.


Lisboa, 18 de setembro de 2018


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira