Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7397/14.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
AÇÃO INIBITÓRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
CONTA BANCÁRIA
OBJECTO INDETERMINAVEL
OBJETO INDETERMINÁVEL
BANCO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
NULIDADE
OPERAÇÃO BANCÁRIA
IMPOSTO
DESPESAS
ENCARGOS
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE MANDATO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / OBJECTO NEGOCIAL, NEGÓCIOS USUÁRIOS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTEÚDO DA OBRIGAÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
DIREITO DO CONSUMO – INCLUSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS EM CONTRATOS SINGULARES / CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS PROIBIDAS / DISPOSIÇÕES COMUNS POR NATUREZA / RELAÇÕES ENTRE EMPRESÁRIOS OU ENTIDADES EQUIPARADAS.
Doutrina:
-Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2013, p. 297 e ss.;
-António de Azevedo Ferreira, A Relação Negocial Bancária, Quid Iuris, Lisboa, 2005, p. 616 e 617;
-Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 539 e 543 a 545;
-Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2017, p. 84 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 280.º, N.º 1, 400.º E 1156.º.
LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG), APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 15.º, 16.º, 18.º E 19.º, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 16-10-2014, PROCESSO N.º 2476/10.9YXLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-02-2017, PROCESSO N.º 7403/14.1T8LSB.L1.S1, SJC-STJ, IN WWW.STJ.PT;
- DE 12-10-2017, PROCESSO N.º 8974/14.8T8LSB, SJC-STJ, IN WWW.STJ.PT;
- DE 24-10-2017, PROCESSO N.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1, SJC-STJ, IN WWW.STJ.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 07-09-2015, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Na orgânica do regime legal das cláusulas contratuais gerais, a protecção dos aderentes alcança-se por meio de duas vias distintas, uma pela consagração de deveres de comunicação e de informação das cláusulas, cuja violação conduz à respectiva exclusão dos contratos singulares; a outra pela exigência de conformação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais com a boa fé, concretizada através dos valores fundamentais do direito (art. 16º da LCCG) ou do confronto com as proibições constantes dos arts. 18º e ss. da LCCG.

II - A acção inibitória destina-se a reconhecer a nulidade de determinadas cláusulas e, consequentemente, a impedir a sua inclusão em contratos singulares a celebrar futuramente. O que não se confunde com a tutela prevista nos arts. 5º a 8º da LCCG, que visa a exclusão de cláusulas inseridas em contratos singulares já celebrados, por violação dos deveres de comunicação ou de informação.

III - Em termos gerais, a indeterminabilidade das obrigações negociais gera nulidade (art. 280º, nº 1, do CC). Quanto à simples indeterminação, não estando excluída pelo regime do CC (cfr. art. 400º), poderá contudo, no domínio mais exigente do regime das cláusulas contratuais gerais, configurar violação da boa fé, na medida em que afecte de forma desproporcionada, a previsibilidade das obrigações assumidas por parte dos futuros aderentes.

IV - O contrato de abertura de conta corresponde a um contrato socialmente tipificado – reconhecido pelo Aviso do BP nº 11/2005, de 21-07, entretanto substituído pelo Aviso nº 5/2013, de 11-12 –, inserindo-se no vasto âmbito dos contratos de prestação de serviços, devendo o seu regime ser colmatado com recurso ao regime do mandato nos termos do art. 1156º do CC.

V - Sendo o contrato de abertura de conta caracterizado como um “contrato normativo, uma vez que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa”, compreende-se que o conteúdo das suas cláusulas se revista de um certo grau de indeterminação, sem que se possa considerar que tal constitua, por si só, um desrespeito dos parâmetros da boa fé. 

VI - Constando das cláusulas contratuais gerais dos contratos de abertura de conta que o Banco apresenta aos seus Clientes, no que respeita à responsabilidade pelo pagamento dos impostos, que “São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da [nome da conta] e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão”, na impossibilidade de enunciar os concretos impostos a que os clientes, no futuro, se encontram sujeitos por força desse contrato, devem tais cláusulas ser consideradas válidas à luz da LCCG.

VII - Da mesma forma, são igualmente válidas as cláusulas contratuais gerais que, a respeito do pagamento de despesas e encargos inerentes a operações bancárias, dispõem que “São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido” uma vez que, considerando a natureza do contrato de abertura de conta referida em V, configura-se como aceitável que o conteúdo das respectivas cláusulas se revista de um certo grau de generalidade, sem que se possa considerar que tais cláusulas impõem “ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes” (art. 19º, alínea d), da LCCG) ou desrespeitam valores fundamentais do direito, tutelados genericamente pela exigência de conformidade com a boa fé.

VIII - Relevante para este efeito será que, tanto no momento da celebração de cada contrato singular de abertura de conta, como ao longo da execução do mesmo, sejam cumpridos os deveres de comunicação e de informação em relação a cada cliente quanto ao preçário das operações bancárias em vigor, não ocorrendo a invalidade das cláusulas impugnadas referidas em VII uma vez que estas devem ser conjugadas com as Condições Gerais do contrato das quais consta a previsão de um Preçário com “as taxas de juros em vigor, indexantes, comissões e preços cobrados pelo Banco em contrapartida dos serviços por si efectuados, ou o modo de os determinar”.

IX - Já as cláusulas contratuais gerais que, a respeito do pagamento de despesas e encargos que o Banco venha a suportar, dispõem que “São da conta do Cliente todas as despesas e encargos (…) incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.”, afectam o necessário equilíbrio entre as partes ao impor aos aderentes encargos indetermináveis e eventualmente desproporcionados, estando, por isso, feridas de nulidade por desconformidade com as exigências da boa fé (art. 15º da LCCG).

X - Tal nulidade emerge de tais cláusulas: (i) não preverem a exigência de relação causal entre o incumprimento contratual e as despesas e encargos a suportar pelo cliente; (ii) não esclarecerem se o pagamento “se efectiva pela via do reembolso das custas de parte ou directamente perante o Banco, com o consequente risco, neste caso, de duplicação de pagamento”, ainda que o valor das despesas judiciais esteja, em cada momento, fixado por lei e, (iii) quanto às despesas extrajudiciais (honorários de advogados ou outras), verifica-se a “ausência de um critério definidor quer do respectivo âmbito, quer do respectivo montante”, assim como da “sua necessidade e justificação”.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. O Ministério Público propôs acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra Banco AA, S.A.., ao abrigo do disposto nos arts. 24º e seguintes do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro; e do disposto no art. 13º, nº 1, alínea c), da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10/2013, de 28 de Janeiro), peticionando:

“1. Serem declaradas nulas as cláusulas 2ª, nº 5 (I), 3ª (I), 4ª, nº 2 (I), 1ª, nº 2 (II), 5ª, nº 3 (I), 2ª, nº 3 (II), 5ª, nº 7 (I), 2ª, nº 7 (II), 7ª, nº 2 (I), 4ª, nº 2 (II), 8ª, nº 3 (I), 5ª, nº 3 (II), 10ª, nºs 1 e 2 (I), 7ª, nºs 1 e 2 (II), 11ª (I), 8ª (II), 12ª (I), 13ª (I), 14ª (I) e 9ª (II) dos contratos denominados "Condições Especiais - Conta Ordenado" e "Documento Autónomo Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto - Super Conta Protocolo", juntos como documentos 3 e 4, condenando-se o R. a abster-se de as utilizar em contratos que, de futuro, venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (Art. 30º, nº 1 da LCCG/ DL nº 446/85, de 25.10);

2. Condenar-se o R. a dar publicidade à decisão e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três (3) dias consecutivos de tamanho não inferior a 1/4 (um quarto) de página. (Art. 30º, nº 2 da LCCG/ DL nº 446/85, de 25.10) e;

3. Dar-se cumprimento ao disposto no Art. 34° da LCCG, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da Sentença para efeitos do estatuído na Portaria nº 1093, de 06.09.”

Alega para o efeito, e em síntese, que o R. inclui nos referidos contratos, que celebra com os seus clientes, as identificadas cláusulas gerais, e que as mesmas são nulas por violarem disposições da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

O R. contestou, com vista à improcedência da acção e à sua absolvição dos pedidos.

Por sentença de fls. 145, foi proferida a seguinte decisão:

“Pelos fundamentos expostos, a presente acção instaurada pelo Ministério Público contra o Banco AA, S.A.. é julgada parcialmente procedente por provada e, em consequência, decide-se:

1) Declarar nulas as cláusulas 10º, nº 1 e nº 2 das Condições Especiais - Conta Ordenado e 7º, nº 1 e nº 2 do Documento Autónomo - Condições Aplicáveis à facilidade de descoberto - Super Conta Ordenado Protocolo, ambas sob a epígrafe "Comissões e Despesas" com a seguinte redacção:

“1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Conta Ordenado" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão.

2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem como as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.”

2) Condenar o Réu a abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas acima mencionadas;

3) Condenar o Réu a, no prazo de 30 (trinta) dias, dar publicidade à parte decisória da presente sentença, através de anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página, comprovando o acto nos presentes autos até 10 (dez) dias após o termo do prazo supra referido e;

4) Absolver o Réu do demais peticionado.

- Custas pela R.

- Notifique e registe.

Remeta, em 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado, certidão da presente decisão ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça, nos termos do artigo 34º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.”


Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 316, foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, com um voto de vencido.


2. Veio o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes termos:

- relativamente aos segmentos decisórios desse acórdão que, com um voto de vencido, julgaram improcedente a Apelação do Recorrente e mantiveram a decisão proferida em 1ª instância, desfavorável ao Banco, interpor Recurso de Revista, em termos normais

- relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença da 1ª instância, por estarem em causa questões cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito e que, além disso, envolvem interesses de particular relevância social, interpor Recurso de Revista Excecional.”


3. Por acórdão da formação a que alude o nº 3, do art. 673º, do Código de Processo Civil, foi o processo remetido à distribuição para apreciação da admissibilidade como revista normal.

       A fls. 477, foi proferido o seguinte despacho:

       “Tendo o Ministério Público invocado a nulidade de vinte e duas cláusulas dos contratos dos autos, a sentença de 1ª instância reconheceu a nulidade de quatro dessas cláusulas (assim contabilizadas: os dois nºs 1 da Cláusula 10º do Contrato I e os dois nºs da Cláusula 7ª do Contrato II), decisão que foi confirmada pelo acórdão da Relação, com um voto de vencido, o que, nos termos do nº 3, do art. 671º, do CPC, descaracteriza a dupla conforme.

        Para o efeito, é irrelevante que a posição vencida respeite ao nº 1 e ao nº 2 (primeira parte) da Cláusula 10º do Contrato I, igual ao nº 1 e ao nº 2 (primeira parte) da Cláusula 7ª do Contrato II, mas não ao nº 2 (segunda parte) de ambas as cláusulas. A apreciação da validade das mesmas cláusulas impõe a consideração do texto integral de cada um dos números, o que se afigura incompatível com a segmentação que o Recorrente opera.

        Conclui-se, assim, pela admissibilidade do recurso.


4. Quanto ao mérito, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1) O coletivo do Tribunal da Relação de … que proferiu o acórdão recorrido deveria ter corrigido a infração legal cometida na 1ª instância, contra a qual o Recorrente havia reagido na sua Apelação; não o tendo feito, esse coletivo cometeu uma omissão pronúncia, visto que, no final do acórdão, apenas decidiu quanto à alocação das custas do recurso.

2) Tendo o Tribunal da Relação de …, no acórdão recorrido, cometido uma manifesta omissão de pronúncia, geradora de nulidade do acórdão recorrido (ex vi do disposto nos arts. 615.°, n.° 1, d) e 666.°, n.° 1, do CPC), deverá ela ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação dos presentes recursos de revista.

3) Ao confirmar a declaração de nulidade, decretada pela 1ª instância, em relação às cláusulas que autorizam o Banco a debitar ao cliente os montantes de "todos os impostos, incluindo o imposto de selo sobre os juros, que sejam devidos por força da 'Conta Ordenado' e de outras operações e contratos que com ela se encontrem e conexão", o acórdão recorrido incorreu na mesma incongruência que fora apontada à sentença da 1ª instância, visto que

4) ao proceder como se prevê nas citadas cláusulas, o Banco não mais fará do que dar pleno cumprimento ao preceituado na lei.

5) Não se consegue imaginar como poderia ser mais precisa a letra de tais cláusulas, no que concerne à incidência dos impostos incidentes sobre a utilização das vantagens que esta Super Conta proporciona aos clientes aderentes, a não ser que se reproduzisse nos clausulados em questão as inúmeras páginas dos diplomas fiscais que podem ter aplicação neste domínio, alternativa esta patentemente absurda.

6) Mesmo que porventura fosse viável fazer o que se mostrou na conclusão antecedente ser impensável, isso só seria remédio (na lógica subjacente às decisões da instâncias) em relação às leis fiscais que estivessem em vigor à data da primeira utilização das cláusulas contratuais gerais em questão, pois não poderia contemplar as leis fiscais supervenientes.

7) Acresce que, ainda que não existissem as Cls. 10.ª, n.° 1, das CEs, e 7ª, n.° 1, do DA, sempre teria o Banco Recorrente de fazer precisamente o que nelas se prevê, sob pena de se sujeitar a pesadas coimas aplicadas pela Administração Fiscal, para além da responsabilidade fiscal subsidiária, pelo pagamento dos impostos não cobrados, em que ele incorreria.

8) Pelo exposto, deve tal segmento decisório do acórdão recorrido ser revogado por esse Alto Tribunal, por nele se ter interpretado e aplicado erradamente os arts. 5.°. 8.°. n.° 1. a) 15.°. 16.°. 19.°. n.° 1. d), e 21.° do RJCCG (nesse acórdão invocados, embora, quanto à maioria desse preceitos, não se consiga compreender o raciocínio jurídico que neles se quis fundar) e violado o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405." do CC, que nenhuma razão de interesse e ordem pública impõe derrogar nos casos a que são aplicáveis as cláusulas contratuais gerais suprarreferidas.

9) A primeira crítica que suscitam as decisões proferidas pelas instâncias relativamente ao teor das Cláusulas 10.º, n.º 2, das CEs e 7.ª, n.º 2, do DA, é a de neles não se haver feito a distinção, que se impunha ao apreciar-se tais cláusulas, entre a sua 1ª parte, que se reporta às "despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas [do cliente] ordens de aplicação de capitais, bem como as da utilização do crédito concedido", e a sua 2.ª parte, que se refere as "despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos".

10) E que são diferentes as situações de facto contempladas por uma e outra parte dessas cláusulas, assim como são distintos os juízos valorativos que convocam, como se realçou no voto de vencido lavrado neste acórdão e num acórdão proferido por outro coletivo da Relação de …, que se pronunciou sobre a invocada nulidade de cláusulas contratuais gerais de teor precisamente igual ao das que estão em causa no presente recurso.

11) Em relação ao teor da 1.ª parte das Cls. 10.ª, n.º 2, da CEs e 7.ª, n.º 2, do DA, há que frisar que as "despesas e encargos" aí referidos são originados pelo cumprimento de ordens de aplicação de capitais' [dadas pelos clientes] ou 'pela utilização do crédito concedido' [no âmbito desta Super Conta], correspondendo à "prestação de serviços bancários" previstos e regulados nas "Condições Gerais de Abertura de Conta", para as quais remete, incorporando-as em bloco, o art. 1.°, n.° 2, das CEs desta Super Conta.

12) Nos termos das Cls. III-10 e V-48 e V-49 dessas 'Condições Gerais', entre outras cláusulas das mesmas também aplicáveis às operações em causa, o Banco têm o direito de receber, pela prestação desses serviços, as comissões, encargos e despesas detalhadamente especificados no seu Preçário, disponível tanto nos balcões do Banco recorrido como no seu portal na Internet.

13) Portanto, antes de utilizarem tais serviços oferecidos pelo Banco, no âmbito desta Super Conta, os aderentes às CEs podem conhecer, perfeitamente, as comissões, encargos e despesas a que, por esse motivo, ficarão sujeitos.

14) É descabida a imputação feita a tais subcláusulas, no acórdão recorrido, de que "ao imputar ao "consumidor" a responsabilidade por todos os impostos e despesas relativas à actividade bancária que desencadear, nomeadamente, de "natureza externa", como esclareceu o recorrente, o clausulado em causa é objectivamente ofensivo dos incontornáveis princípios da boa fé, leia-se na vertente de transparência e igualdade na relação contratual e da proporcionalidade".

15) Em primeiro lugar, é incorreto pressupor-se, como se fez naquele excerto, que os possíveis aderentes às cláusulas contratuais gerais em causa nesta ação e recurso, seriam necessariamente "consumidores".

16) Isto, porque podem aderir à 'Super Conta' em causa nesta ação, tanto consumidores quanto outras pessoas singulares que contratem a abertura de uma conta para fins atinentes à sua atividade profissional.

17) Em segundo lugar, afirmar-se (como se fez naquele excerto do acórdão recorrido) que o teor destas cláusulas é "objetivamente ofensivo do princípio da boa fé" é uma asserção que, em si mesma, é vazia de qualquer conteúdo dogmático-valorativo que seja apreensível e permita aferir a validade jurídica de negócios ou outros atos jurídicos.

18) Como escreveu o autor que, entre nós mais aprofundadamente estudou esta temática, da boa fé objetiva, pela sua vaguidade, não seria possível retirar seja o que for, pelo menos, sem haver recurso aos fatores de mediação entre boa-fé e o institutos em que ela se concretiza.

19) Desses princípios mediantes, que são concretizações da boa fé, aquele que mais interessa para a decisão sobre a validade da subcláusulas em apreço, é o "princípio da materialidade subjacente", sendo, no âmbito deste, a via de concretização mais relevante para a decisão do presente recurso, a que veda o grave desequilíbrio no exercício das posições jurídicas, correspondente ao que doutrina civilista designa, frequentemente, por 'princípio da proporcionalidade'.

20) Ora, tendo presente este último princípio, quando, nas cláusulas em apreço, se alerta os clientes aderentes para o facto de, quando dêem ordens de aplicações de capitais ou utilizem o crédito que lhes é facultado no âmbito desta " Super Conta", ficarem sujeitos ao pagamento das 'despesas e encargos' indicadas para tais operações no Preçário do Banco, ninguém poderá, seriamente, ver aí um grave desequilíbrio no exercício das posições jurídicas.

21) Igualmente descabida é a qualificação, feita no acórdão recorrido, os referidos clausulados como "ofensivos dos princípios da transparência, igualdade na relação contratual e da proporcionalidade ".

22) Relativamente ao suposto "princípio da transparência", em matéria de cláusulas contratuais gerais, não se descortina o que possa significar a sua invocação, porque nenhum preceito legal ou comentário da doutrina a ele se refere.

23) O que existe é um feixe de deveres legais de informação e de comunicação (nos arts. 5.°, 6.° e 8.° do RLCCG) tendente assegurar que o aderente a clausulados contratuais gerais deles tome efetivo conhecimento, antes de se vincular válida e eficazmente a eles.

24) Mas este problema coloca-se, logicamente, em momento anterior ao do 'controlo do conteúdo das ccg', de que tratam os arts. 15.° a 22.° do RLCCG, porquanto,

25) Ainda menos se compreende o que significa a referência feita no acórdão recorrido a um suposto "princípio da igualdade contratual", dado que 'igualdade contratual' é coisa que, em regra, não existe, na nossa ou em qualquer outra ordem jurídica: neste domínio, a regra é a da desigualdade, como ensina a sociologia jurídica e a experiência comum das pessoas.

26) Em face da realidade incontornável que é a desigualdade na negociação e celebração dos contratos e, consequentemente, na conformação das posições jurídicas deles resultantes, aquilo que o Direito pode fazer é intervir pontualmente, para prevenir ou corrigir situações de grave desequilíbrio no exercício das posições jurídicas resultantes da contratação.

27) Não intentando, manifestamente, assegurar a "igualdade na relação contratual" invocada na fundamentação do acórdão recorrido, o que o sistema jurídico pode visar é a correção das situações de grave desequilíbrio no exercício das posições jurídicas resultantes da contratação, em homenagem aquela vertente do 'princípio da materialidade subjacente' que a doutrina civilista frequentemente designa por "princípio da proporcionalidade".

28) Dos princípios jurídicos invocados no acórdão recorrido, o único que tem reconhecimento na doutrina e, em abstrato, poderia ser pertinente para a decisão do presente recurso é o "princípio da proporcionalidade", mas a sua invocação neste acórdão improcede inteiramente.

29) Embora este princípio não seja enunciado nem referido no articulado da RLCCG, a maioria da doutrina civilista portuguesa, ao fazer uma interpretação das proibições contidas nos arts. 18 a 22.° do RLCCG, de modo a identificar nelas um critério que, sendo mais determinado e mais preciso do que o princípio da boa fé, seja capaz de utilização geral, em sede de controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, vem a concluir que esse critério corresponde ao "princípio da proporcionalidade".

30) Aplicando este princípio à matéria aqui em causa, conclui essa doutrina que "o julgador deverá ponderar os interesses contrapostos da parte que define as cláusulas contratuais não negociadas, de modo a encontrar uma medida de liberdade conformadora que faculte [ao utilizador] uma flexível adaptação do conteúdo negocial às suas conveniências, mas sem desatender completamente, de forma arbitrária, os interesses da contraparte".

31) Tendo presente esta conclusão, não faz o menor sentido entender-se que o consignado na 1.ª parte da Cláusulas 10.ª, n.º 2, das CEs e 7.ª, n.º 2, do DA, que se limita a alertar os clientes aderentes para o facto de, quando derem ordens de aplicações de capitais ou utilizem o crédito que lhes é facultado no âmbito desta Super Conta, ficarem sujeitos às inerentes "despesas e encargos", que são as discriminadas no Preçário do Banco, constitui um uso unilateral da liberdade de conformação contratual por parte do utilizador [das ccg] de que este retire, à custa do aderente, vantagens excessivas e desproporcionadas.

32) Não tem, ademais, nenhum cabimento a crítica que, por vezes, se vê fazer ao conteúdo destas cláusulas ou doutra de teor idêntico, qualificando-as como uma "ficção de aceitação" ou uma "confissão de dívida".

33) Da leitura atenta de tais cláusulas resulta claro que a declaração constante de tais cláusulas, de serem "da conta do cliente" as despesas e encargos aí referidos, não pode ter outro significado e alcance que não seja o de "alerta" ou "chamada de atenção" ao cliente aderente, para o facto de, se se verificarem as circunstâncias aí referidas (que dependem inteiramente da sua vontade), lhe virem a ser debitadas as correspondentes "despesas e encargos".

34) Do disposto nos arts. 10.° (in fine) e 19.° (proémio) do RLCCG resulta que, se, por força deles, o julgador não é remetido para uma análise de tipo casuístico, é certo que deles resulta a necessidade de o julgador atender ao "tipo de contrato em jogo", que, no caso vertente, é um contrato de abertura de conta bancária que proporciona ao aderente um conjunto de vantagens não oferecido pelas normais aberturas de contas bancárias.

35) Não se percebe, minimente, que argumento pretendeu quem proferiu o acórdão recorrido, fundar nas alíneas que aparecem citadas no final da fundamentação desse acórdão, uma vez que: as subcláusulas em exame no presente recurso não conferem, de modo direto ou indireto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos /não permitem a não correspondência entre as prestações a efetuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação/não alteram as regras respeitantes à distribuição do risco/não excluem ou limitam de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre as partes contratantes nem prevêem modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.

36) Pelas razões expostas, deverá também ser revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça o segmento do acórdão recorrido que confirmou a declaração de nulidade da 1.ª parte do n.º 2 da Cláusula 10.ª das CEs e da 1.ª parte do n.º 2 da Cl. 7.ª do DA, por tal segmento decisório ter interpretado e aplicado erradamente os arts. 5.°. 8.°. n.° 1, a). 15.°. 16.°. 19.°. n.° 1 d), e 21.° do RLCCG, neste acórdão invocados (embora, quanto à maioria desse preceitos, não se consiga compreender o raciocínio jurídico que neles se quis fundar) e ter também violado o princípio da liberdade contratual consagrado no art 405.° do CC. que nenhuma razão de interesse e ordem pública impõe derrogar nos casos em que se apliquem as cláusulas contratuais gerais suprarreferidas.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade de parte do recurso como revista excepcional]

44) [Relativamente ao objeto do presente recurso de revista excecional,] há que notar que o referido segmento das cláusulas em apreço só abrange a despesas e encargos efetuados ou incorridos com a finalidade de obviar ao incumprimento do cliente, isto é, para permitir ao Banco reaver o que aquele deveria liquidar e não liquidou.

45) É infundada a crítica dirigida a cláusulas deste teor, qualificando-as como uma "ficção de aceitação" ou uma "confissão de dívida", porque elas apenas advertem que são da conta do cliente as despesas que o Banco vier a realizar "para garantia e cobrança do crédito do Banco".

46) Não faz nenhum sentido entender-se que, ao subscrever as cláusulas examinadas no texto, o cliente aderente teria aceitado ou confessado uma dívida para com o Banco, numa altura em que tal dívida ainda não nascera nem era determinável.

47) A declaração constante de tais cláusulas, de serem "da conta do cliente" a despesas que o Banco venha realizar para garantia e cobrança do crédito do Banco', não pode ter outro significado e alcance que não seja o de "alerta" ou "chamada de atenção" ao aderente, para a possibilidade de, se se verificarem as circunstâncias aí referidas e por efeito da sua ocorrência, lhe serem imputadas dívidas de montante determinado.

48) Por outro lado, tais despesas e encargos são, por natureza, insuscetíveis de determinação antecipada, porque variam muitíssimo de caso para caso, não podendo pretender-se, razoavelmente, que os montantes de tais custas e honorários estejam antecipadamente quantificados ou sequer sujeitos a limites máximos.

49) No que concerne às despesas efetuadas pelo Banco com o recurso aos tribunais, causado pelo incumprimento do cliente, se o cliente obtiver ganho de causa, em sede judicial, nada poderá o Banco debitar ao cliente, no que toca aos montantes despendidos com taxas de justiça e advogados contratados para esse efeito, como decorre da aplicação dos princípios gerais sobre a responsabilidade civil.

50) Não vale argumentar contra a validade e eficácia das cláusulas em apreço, com as disposições do Regulamento das Custas Processuais atinentes ao reembolso das custas de parte, por tal argumento não atender à diferença entre o regime de reembolso de custas de parte, que é aplicável na falta de acordo expresso sobre a matéria, e aquilo que se estipule em específica convenção, que é plenamente conforme aos princípios gerais do direito português.

51) As "despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos", mencionadas nas cláusulas questionadas, não são custos incorridos no seio da organização do Banco, que pudessem ser incluídos no seu Preçário, mas antes despesas e encargos incorridos por aquele junto de entidades exteriores, que não são passíveis de determinação nem de quantificação antecipada.

52) Foi por isso que o art. 9.°, n.° 8, do Decreto-Lei n.° 58/2013, de 8 de maio, condicionou unicamente a repercussão (sobre os seus clientes) das despesas que os bancos tivessem suportado por causa do incumprimento daqueles, ao facto de essa repercussão ser acompanhada da respetiva justificação documental.

53) Neste preceito legal, sujeitou-se a possibilidade de os bancos repercutirem as sobreditas despesas e encargos nos clientes aderentes, a uma dupla exigência: o banco deverá justificar as despesas que pretendam imputar a determinado cliente, mostrando-se que elas foram feitas "para garantia e cobrança do crédito daquele" e não com outra finalidade ou destinação; além disso, o montante das despesas a imputar ao cliente deve ter suporte documental bastante.

54) Não existe nenhum impedimento a que os tribunais possam sindicar o preenchimento desta dupla exigência a pedido dos clientes aderentes que discordem dos débitos (em si ou no seu quantitativo) que os bancos Lhes queiram fazer, a este título, nomeadamente, à luz do "princípio da proporcionalidade".

55) É também improcedente argumentar-se contra a invocação do disposto no art. 9.°, n.° 8, do Decreto-Lei n n.° 58/2013, de 8 de maio, dizendo-se que uma coisa é um princípio geral e abstrato estabelecido a lei, outra a sua necessária concretização num contrato entre particulares.

56) Isto, porque se trata aqui de clausulados contratuais gerais destinados a regular milhões de contas bancárias, num horizonte de vários anos, que têm, forçosamente, em relação à imensa variedade das situações concretas que eles irão ser chamados a reger, uma 'distância' tão grande quanto a que enfrentava o diploma legal supracitado.

57) Pelo exposto, o acórdão recorrido, ao confirmar a declaração de nulidade decretada pela sentença da 1.ª instância, relativamente à possibilidade de o Banco vir debitar aos aderentes a esta Super Conta, "despesas e encargos" subsumíveis à previsão da 2.ª parte das Cláusulas 10.ª, n.º 2, das CEs e da Cl. 7.ª, n.º 2, do DA, interpretou e aplicou erradamente os arts. 5.°. 8.°. n.° 1. a) 15.°. 16.°. 19.°. n.° 1 d), e 21.° do RLCCG, nesse acórdão invocados (embora, quanto à maioria desse preceitos, não se consiga compreender o raciocínio jurídico que neles se quis fundar) e, por outro lado, violou os arts. 798.º e 562.° a 566.° do CC bem como o n.º 8 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 58/2013. de 8 de maio, e ainda o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.° do CC, que nenhuma razão de interesse e ordem pública impõe derrogar nos casos a que são aplicáveis as cláusulas contratuais gerais suprarreferidas.

Termos em que

a) Deve ser reformada a sentença da 1ª instância, quanto à alocação de custas nela feita, relativamente à qual o acórdão recorrido omitiu, ilegalmente, pronunciar-se, contra o que lhe fora requerido pelo Recorrente, suprindo assim o Supremo Tribunal de Justiça tal omissão de pronúncia;

b) Deve ser revogado o acórdão recorrido, declarando-se a plena validade das cláusulas declaradas nulas pelas instâncias, constantes dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 10.ª das Condições Especiais da 'Super Conta Protocolo' e dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 7.ª do 'Documento Autónomo' a elas anexo


    O Ministério Público contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

1 - A interpretação de toda e qualquer cláusula contratual deve obedecer aos princípios do artigo 9.° do Código Civil, e, ainda aos princípios da boa-fé contratual.

2 - No âmbito da sua actividade o Réu apresenta aos consumidores que com ele pretendem contratar, contratos de contas análogos aos que constam dos autos, cujos clausulados previamente elaborou, sem qualquer negociação individual com a contraparte, e que destina a um número indeterminado de clientes.

3 - Os factos em causa nestes autos são relevantes não só para a caracterização dos contratos das contas sindicados na presente acção, mas também para a determinação do quadro negocial padronizado em que se inserem e o consequente regime jurídico a que se encontram submetidos.

4 - Às acções inibitórias aplica-se a regra constante do artigo 1.° n.° 3 do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de Outubro segundo a qual "O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo."

O questionado acórdão:

- Ateve-se à factualidade dada como provada;

- Fez acertada qualificação jurídica da matéria de facto dada como provada;

- Encontrou dosimetria consentânea com a aludida factualidade e com a realidade espelhada pelos factos dados como provados, pelo que, deve ser mantido em toda a sua extensão.


      Cumpre decidir.


5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

Da petição inicial:

1) O Réu encontra-se matriculado sob o nº 50…1 na Conservatória do Registo Comercial de ….

2) O Réu tem por objecto social, para além do mais, o exercício da actividade bancária, recebendo depósitos ou outros fundos reembolsáveis, concedendo crédito por sua própria conta e praticando toda a universalidade das operações e actos de prestação de serviços permitidos por lei aos Bancos.

3) No exercício da sua actividade, o Réu celebra contratos de depósitos bancários à ordem destinadas a receber ordenados, remunerações, pensões ou reformas dos clientes pessoas singulares.

4) Para tanto, o Réu apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar dois clausulados já impressos, previamente elaborados pelo Réu, um deles com o título: "Condições especiais-Conta Ordenado" e, o outro com denominação: "Documento Autónomo- Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto - Super Conta Ordenado Protocolo", tendo em conta o valor do crédito concedido.

5) O primeiro clausulado ("Condições especiais-Conta Ordenado") contém quatro páginas impressas, inclusive no verso, enquanto o segundo clausulado ("Documento Autónomo- Condições Aplicáveis à Facilidade de Descoberto Super Conta Ordenado Protocolo") contém duas páginas impressas, apenas no rosto, não incluindo ambos os clausulados quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção dos reservados ao "Nº da Conta" e dos destinados à data, às assinaturas dos titulares da conta e do empregado do Réu.

6) O clausulado é da iniciativa exclusiva do Réu proponente, constando de impressos tipificados e previamente elaborados que são apresentados aos clientes do Réu para os assinar, caso concorde com a proposta apresentada.

7) Os referidos impressos, com as cláusulas aí incertas, foram utilizados pela R., tendo sido celebrados contratos com clientes do Réu que continuam a produzir efeitos.

8) Estipula a cláusula 2ª, nº 5, sob a epígrafe "Valor mínimo domiciliado" do 1º clausulado (doravante I) com a denominação "Condições Especiais- Conta Ordenado" o seguinte: "O valor mínimo estipulado para o ordenado domiciliado nas "Contas Ordenado (…) poderá ser alterado pelo Banco através de comunicação escrita ao Cliente, nomeadamente por extracto da "Conta Ordenado".

9) Determina a cláusula 3ª (I), sob a epígrafe "Remuneração da Conta Ordenado" que "As importâncias que constituem o saldo credor da Conta Ordenado serão remuneradas nos termos seguintes: (…) se outra taxa não for aplicável na data do pagamento da remuneração do saldo se encontrar afixada no Preçário do Banco devidamente publicitado em todos os seus Balcões, nos termos do Aviso 8/2009 do Banco de Portugal".

10) Estipula a cláusula 4º, nº 2, (I), sob a epígrafe "Crédito a Descoberto por Domiciliação de Ordenado" que: "Este limite poderá ser alterado pelo Banco através de prévia comunicação escrita ao Cliente, nomeadamente por meio de extracto da "Conta Ordenado".

11) Por sua vez, a cláusula 1º, nº 2, sob a epígrafe "Crédito a Descoberto por Domiciliação de Ordenado", do 2º clausulado (doravante II) com a denominação "Documento autónomo - Condições Aplicáveis à facilidade de descoberto - Super Conta Ordenado Protocolo", determina: "Este limite poderá ser alterado pelo Banco através de prévia comunicação escrita ao Cliente, nomeadamente por meio de extracto da "Super Conta Protocolo".

12) Estipula também a cláusula 5ª, nº 3 (I), sob a epígrafe "Crédito a Descoberto por Saldo de Recursos" que: "O crédito utilizado será reembolsado no dia seguinte ao da sua utilização e não poderá exceder o montante mencionado no número um desta cláusula para cada modalidade de "Conta Ordenado" e podendo, em cada momento, ser utilizado até ao valor correspondente a metade do saldo pontual de Recursos do dia anterior. Este limite poderá ser alterado pelo Banco através de prévia comunicação escrita ao Cliente, nomeadamente por meio de extracto da "Conta Ordenado".

13) Por sua vez, a cláusula 2ª, nº 3 (II), sob a epígrafe: “Crédito a Descoberto por Saldo de Recursos” estipula igualmente que: “O crédito utilizado será reembolsado no dia seguinte ao da sua utilização e não poderá exceder o montante mencionado no número um desta cláusula e podendo, em cada momento, ser utilizado até ao valor correspondente a metade do saldo pontual de Recursos do dia anterior. Este limite poderá ser alterado pelo Banco através de prévia comunicação escrita ao Cliente, nomeadamente por meio de extracto da "Super Conta Protocolo".

14) Determina a cláusula 5ª, nº 7 (I), que: "O produto das mobilizações de aplicações de capital, que hajam sido ordenadas pelo Cliente, destinar-se-ão prioritariamente à liquidação dos montantes que excederem o novo limite de crédito, nos termos do número anterior ficando o Banco expressamente autorizado a proceder ao respectivo débito da conta do Cliente pelos montantes que forem necessários para o efeito".

15) Por sua vez, a cláusula 2ª, nº 7 (II), estipula o mesmo, ou seja, que: "O produto das mobilizações de aplicações de capital, que hajam sido ordenadas pelo Cliente, destinar-se-ão prioritariamente à liquidação dos montantes que excederem o novo limite de crédito, nos termos do número anterior ficando o Banco expressamente autorizado a proceder ao respectivo débito da conta do Cliente pelos montantes que forem necessários para o efeito."

16) Estipula a cláusula 7º, nº 2 (I), sob a epígrafe "Alteração da taxa de Juro e dias de isenção de juros" que: "O Banco comunicará ao Cliente qualquer alteração da taxa de juro anual a pagar pelo Cliente, através do extracto da " Conta Ordenado" ou outra forma de comunicação por escrito, a qual será aplicável a partir da data da comunicação".

17) Por sua vez, estipula a cláusula 4ª, nº 2 (II), sob a epígrafe "Alteração da taxa de Juro e dias de isenção de juros" que: "O Banco comunicará ao Cliente qualquer alteração da taxa de juro anual a pagar pelo Cliente, através do extracto da "Super 5 Conta Protocolo" ou outra forma de comunicação por escrito, a qual será aplicável a partir da data da comunicação".

18) Estipula a cláusula 8ª, nº 3 (I), sob a epígrafe "Movimentação a Descoberto" que: "Pelo contrário, se o Banco entender autorizar os pagamentos, os montantes que excedam o limite de crédito aberto vencerão juros a pagar mensalmente pelo cliente e contados à taxa de 26,75 % ao ano se outra taxa não for aplicável na data da cobrança dos juros e se encontrar afixada no Preçário do Banco devidamente publicitado em todos os seus Balcões, no termos do Aviso 8/2009 do Banco de Portugal, sem prejuízo de se tornar exigível de imediato o montante do crédito excedido, o qual em caso algum se pode considerar implicitamente aumentado."

19) Por sua vez, estipula a cláusula 5ª, nº 3 (II), sob a epígrafe "Movimentação a Descoberto" que: "Pelo contrário, se o Banco entender autorizar os pagamentos, os montantes que excedam o limite de crédito aberto vencerão juros a pagar mensalmente pelo cliente e contados à taxa de 26,75 % ao ano se outra taxa não for aplicável na data da cobrança dos juros e se encontrar afixada no Preçário do Banco devidamente publicitado em todos os seus Balcões, no termos do Aviso 8/2009 do Banco de Portugal, sem prejuízo de se tornar exigível de imediato o montante do crédito excedido, o qual em caso algum se pode considerar implicitamente aumentado".

20) A cláusula 10ª, nºs 1 e 2 (I), sob a epígrafe "Comissões e despesas" determina o seguinte: "1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Conta Ordenado" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão. 2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos."

21) Por sua vez, a cláusula 7ª, nºs 1 e 2 (II), sob a epígrafe "Comissões e despesas" determina o seguinte: "1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Super Conta Protocolo" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão". 2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos."

22) A cláusula 11ª (I), sob a epígrafe "Provisionamento da Conta Ordenado" tem a seguinte redacção: "O Cliente compromete-se a manter a sua "Conta Ordenado" devidamente provisionada a fim de que, no respectivo vencimento, nela possam ser debitadas todas as quantias devidas, seja a título de reembolso de capital ou de pagamento de juros ou outros quaisquer encargos, ficando o Banco expressamente autorizado a proceder aos respectivos débitos sem precedência de qualquer tipo de ordem, fazendo seus os montantes correspondentes".

23) Por sua vez, a cláusula 8ª (II), sob a epígrafe "Provisionamento da "Super Conta Protocolo" tem igual redacção: "O Cliente compromete-se a manter a sua "Super Conta Protocolo" devidamente provisionada a fim de que, no respectivo vencimento, nela possam ser debitadas todas as quantias devidas, seja a título de reembolso de capital ou de pagamento de juros ou outros quaisquer encargos, ficando o Banco expressamente autorizado a proceder aos respectivos débitos sem precedência de qualquer tipo de ordem, fazendo seus os montantes correspondentes".

24) Estipula a cláusula 12ª (I), sob a epígrafe "Outras vantagens em Produtos e Serviços" que: "O Banco atribui ao Cliente da "Super Conta Ordenado Premium" da "Super Conta Ordenado, da "Super Conta Protocolo" e, ainda, ao Cliente da "Super Conta Ordenado Global "os seguintes benefícios: (…), 1.1. Ao Crédito Habitação serão aplicáveis as demais condições praticadas pelo Banco e fixadas no seu Preçário, devidamente publicado em todos os seus Balcões, no termos do Aviso 8/2009 do Banco de Portugal. (…) "2.2. O Crédito Pessoal concedido ao Cliente ficará sujeito às demais condições praticadas pelo Banco e fixadas no seu Preçário devidamente publicado em todos os seus Balcões, no termos do Aviso 8/2009 do Banco de Portugal".

25) Determina a cláusula 13ª (I), sob a epígrafe "Compensação de créditos" que: "1. Em caso de insuficiente aprovisionamento da "Conta ordenado" do Cliente, poderá o Banco reter e utilizar todos e quaisquer fundos provenientes de saldos de contas ou valores detidos pelo cliente no Banco, compensando o respectivo montante com débitos de igual valor e independentemente da verificação dos requisitos de compensação legal. 2. O Banco fica expressa e irrevogavelmente mandatado para, na medida em que isso seja necessário ao reembolso do que lhe for devido, proceder à mobilização, ainda que antecipada, das quantias aplicadas em qualquer dos produtos indicados nas ordens de aquisição do Cliente no âmbito dos poderes previstos na Cláusula 4ª ou em quaisquer outros Recursos constituídos junto do Banco, fazendo-o pela ordem que entender."

26) Estipula a cláusula 14ª (I), sob a epígrafe "Incumprimento" que: "1. Sem prejuízo da faculdade de resolução deste contrato que assiste ao Banco, em caso de mora no cumprimento de qualquer prestação de capital, juros remuneratórios, comissões ou outros encargos, são devidos juros moratórios à taxa contratada acrescida a título de cláusula penal de uma sobretaxa de 4 % ou, sendo menor, da máxima legalmente permitida."

27) Estipula a cláusula 9ª (II), sob a epígrafe "Incumprimento" que: "1. Sem prejuízo da faculdade de resolução deste contrato que assiste ao Banco, em caso de mora no cumprimento de qualquer prestação de capital, juros remuneratórios, comissões ou outros encargos, são devidos juros moratórios à taxa contratada acrescida a título de cláusula penal de uma sobretaxa de 4% ou, sendo menor, da máxima legalmente permitida."

Da contestação:

28) O produto "Super Conta Ordenado Premium" é actualmente designada[o] por "Super Conta Ordenado Select" e sofreu ligeiras modificações.

29) Aquando da abertura de conta, o Réu apresenta ainda aos seus clientes os clausulados já impressos previamente elaborados, com o título "Condições Gerais - Cliente - Particular" e "Serviços de Pagamentos - Informações Gerais Pré-Contratuais".

30) Estipula a cláusula 1.1 do clausulado denominado "Condições Gerais - Cliente - Particular", sob a epígrafe "PARTE GERAL OBJECTO" que: "As presentes Condições Gerais regulam, em tudo o que não for contrariado por condições particulares acordadas entre as partes, a relação estabelecida entre o BANCO AA, S.A.. (…) e o cliente (…) decorrente desta abertura de conta de depósito à ordem nos termos abaixo indicados".

31) Estipula a cláusula 1.2 do clausulado denominado "Condições Gerais - Cliente - Particular", sob a epígrafe "ÂMBITO" que: "Sem prejuízo das Condições Gerais e Particulares que tenham sido acordadas pontual e especificadamente com cada um, as presentes Cláusulas Gerais são aplicáveis a todos os Clientes PARTICULARES e abrangem todos os produtos e serviços nelas referidos (…)".

32) As Condições Especiais constantes dos clausulados referidos em 4)., relativas às modalidades dotadas de regimes particulares, como é o caso da "Super Conta Ordenado", encontram-se subordinadas às condições gerais referidas em 29).

33) A cláusula I.12 do clausulado com a denominação de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "Os extractos e avisos a que se refere a cláusula anterior poderá ser enviados em formato digital ao Cliente utilizador do NetBanco onde serão disponibilizados, ou para o endereço electrónico indicado na Ficha do Cliente ou fornecido e registado no Banco, se o envio em formato papel não tiver sido acordado com o Banco ou o Cliente não for utilizador do Net Banco ou não tenha fornecido ao Banco o endereço electrónico, caso em que lhe serão enviados por via postal para o domicílio indicado, implicando ou não o pagamento de portes e comissões conforme estiver determinado no preçário do Banco aplicável à generalidade dos Clientes para os mesmos actos."

34) A cláusula I.7 do clausulado com a denominação de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "Toda a correspondência a dirigir a Cliente poderá ser-lhe enviada em formato digital através do NetBanco se for utilizador deste meio de comunicação, ou para o endereço electrónico indicado na Ficha de Cliente, a não ser que o Cliente não seja utilizador do NetBanco nem tenha fornecido endereço electrónico ou o envio da correspondência em formato papel tenha sido acordado com o Banco, caso em que será enviada ao Cliente por via postal para o domicílio indicado. O Cliente e o Banco podem, porém, a todo o tempo, acordar a alteração do formato da informação e o domicílio do destino."

35) A cláusula I.11 do clausulado com a denominação de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "O Banco remeterá periodicamente ao Cliente extractos dos movimentos efectuados nas suas contas. Além disso, sempre que a lei o imponha ou quando o entender conveniente, o Banco remeterá avisos à realização de operações efectuadas (…)".

36) A cláusula I.13 do clausulado com a denominação de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "O Cliente pode, porém, suportando os custos correspondentes, solicitar ao Banco o envio de extractos com periodicidade inferior à geralmente praticada, bem como solicitar extractos avulsos."

37) A cláusula I.14 do clausulado com a denominação de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "O Cliente autoriza o Banco a, por qualquer meio, comunicar com o Cliente, nomeadamente por via electrónica, postal, telecópia ou telefone, com a utilização ou não de sistemas automáticos com mensagens vocais pré-gravadas, promovendo directa u indirectamente a comercialização de quaisquer bens ou serviços objecto da sua actividade comercial e, bem assim, transmitindo factos decorrentes das suas relações negociais ou de iniciativas do Banco conexas com a sua actividade comercial."

38) A cláusula I.18 do clausulado denominado de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "Salvo quando ocorra justo motivo devidamente demonstrado ou quando a lei imponha prazos mais longos, toda a reclamação de actos do Banco deve ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias contados do envio do extracto, aviso, ou qualquer outro documento onde a prática do acto em questão esteja evidenciada, sem o que não poderá ser atendida. A reclamação deve, à escolha do Cliente, ser dirigida ao Balcão onde se encontra domiciliada a conta ou à direcção de Qualidade."

39) A cláusula I.19 do clausulado denominado de "Condições Gerais - Cliente - Particular" estipula o seguinte: "Quando o acto não seja objecto de informação documental ao Cliente o prazo referido na cláusula anterior conta-se a partir do respectivo conhecimento por ele.".

40) A cláusula 1.25 e a cláusula 1.27, do clausulado, denominado de "Condições Gerais - Cliente - Particular", estipulam o seguinte: "Quando seja credor do Cliente por dívida vencida, o Banco pode, sem prejuízo das demais faculdades que lhe caibam nos termos da Lei ou do título de onde a divide emerge, reter e utilizar, para o seu reembolso, todos e quaisquer fundos provenientes de saldos, contas ou valores detidos pelo Cliente no Banco, compensando o respectivo montante com débitos de igual valor e independentemente da verificação dos requisitos da compensação legal." "Fica o Banco autorizado a compensar créditos vencidos seus sobre Clientes que sejam contitulares de contas Colectivas nele abertas, com quaisquer saldos fundos ou valores aí existentes, com dispensa de aviso prévio e dos requisitos da compensação legal, incluindo o da reciprocidade dos créditos, na medida do necessário para liquidação do que lhe seja devido".

41) O Réu dispõe de um preçário que disponibiliza aos seus clientes em suporte físico, nos balcões como na internet.


6. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, no presente recurso estão em causa as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à questão da reforma da decisão de condenação em custas pela sentença;

- Validade das cláusulas declaradas nulas pelas instâncias, constantes dos nºs 1 e 2 da Cláusula 10ª das Condições Especiais da Super Conta Protocolo e dos nºs 1 e 2 da Cláusula 7ª do Documento Autónomo a elas anexo.


Como a resolução da primeira questão em matéria de custas poderá ser prejudicada pela solução dada à questão de mérito, será conhecida a final, se tal não ocorrer.


7. Coloca-se a questão da alegada validade das cláusulas declaradas nulas pelas instâncias, constantes dos nºs 1 e 2 da Cláusula 10ª das Condições Especiais da Super Conta Protocolo (Contrato I) e dos nºs 1 e 2 da Cláusula 7ª do Documento Autónomo (Contrato II) a elas anexo.

       Trata-se de dois contratos, unidos entre si, abrangidos pelo regime do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro (identificada como Lei das Cláusulas Contratuais Gerais ou simplesmente LCCG), na medida em que as cláusulas que os integram foram elaboradas sem prévia negociação, destinando-se a ser propostas a destinatários indeterminados (cfr. art. 1º, nº 1, da LCCG). No âmbito da presente acção inibitória veio o Ministério Público invocar a nulidade de vinte e duas cláusulas dos indicados contratos, a qual, porém, apenas foi reconhecida em relação às supra indicadas cláusulas 10ª do Contrato I e 7ª do Contrato II. O objecto do presente recurso circunscreve-se, assim, a tais cláusulas.

       Antes de prosseguir, importa qualificar os contratos dos autos uma vez que, por um lado, as cláusulas contratuais gerais têm de ser “interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (art. 10º, nº 1, da LCCG); e, por outro lado, na aferição da conformidade do conteúdo das mesmas cláusulas com o princípio da boa fé, há que ponderar “O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado (art. 16º, alínea b), da LCCG), devendo as cláusulas, para efeitos do disposto nos arts. 19º e 22º,  ser avaliadas consoante o quadro negocial padronizado.

      As Condições Especiais da Super Conta Protocolo (Contrato I) e o Documento Autónomo (Contrato II) destinam-se a regular, em conjugação com as Condições Gerais juntas com a contestação (doc. 1), contratos de abertura de conta no Banco R.. Segundo Menezes Cordeiro, “A abertura de conta é um contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Trata-se do contrato que marca o início de uma relação bancária complexa e duradoura, fixando as margens fundamentais em que ela se irá desenrolar. A abertura de conta não deve ser tomada como um simples contrato bancário, a ordenar entre diversos outros contratos dessa natureza: ela opera como um acto nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos diversos actos bancários subsequentes” (Manual de Direito Bancário, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 539). Assim sendo, a abertura de conta “surge como um contrato normativo, uma vez que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa” (cit., pág. 544). Em sentido próximo, e nas palavras de António de Azevedo Ferreira (A Relação Negocial Bancária, Quid Iuris, Lisboa, 2005, págs. 616-617), da figura da conta bancária “transparece, portanto, uma natureza de enquadramento convencional que acolhe e regista, genericamente, a concretização dos negócios que, de acordo com a vontade concreta das partes, vierem a integrar o relacionamento entre os bancos e os seus clientes”. Há mesmo quem o considere como um “contrato-quadro” (Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 84 e seg.).

Corresponde a um contrato socialmente tipificado, reconhecido pelo Aviso do Banco de Portugal nº 11/2005, de 21 de Julho, entretanto substituído pelo Aviso nº 5/2013, de 11 de Dezembro, e insere-se no vasto âmbito dos contratos de prestação de serviços, devendo o seu regime ser colmatado com recurso ao regime do mandato nos termos do art. 1156º do CC (cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., págs. 543 e 545).

       A caracterização dos contratos (unidos entre si) dos autos como originando uma relação contratual base, a que se seguirão, facultativamente, múltiplos actos jurídicos concretos, é extremamente relevante para se poder equacionar devidamente a questão objecto do presente recurso, qual seja a da validade ou invalidade das seguintes cláusulas:


Cláusula 10ª, nºs 1 e 2 do Contrato (I)

Comissões e despesas

"1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Conta Ordenado" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão.

2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos."


Cláusula 7ª, nºs 1 e 2 do Contrato (II)

Comissões e despesas

"1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Super Conta Protocolo" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão".

2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido, incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos."


      As instâncias consideraram estas cláusulas nulas por serem contrárias à boa fé (cfr. arts. 12º e 15º da LCCG). É a seguinte a fundamentação da sentença, que o acórdão recorrido reproduziu, a ela aderindo:


“Alega o Ministério Público na sua petição inicial que o Réu impõe ao mutuário a aceitação de dívidas a título de despesas, encargos e impostos, bem como outras despesas que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos, sem que, previamente à respectiva cobrança, seja dada a possibilidade do cliente colocar em causa a natureza ou os valores que seriam efectivamente devidos.

O Autor defende que estando em causa uma situação de completa incerteza desde a celebração do contrato relativamente às despesas, encargos e impostos a que o cliente se encontra sujeito, existe uma clara violação do disposto nos artigos 5º e 8º, alínea a) do RJCCG.

Invoca ainda que essas cláusulas têm uma redacção muito vaga, violando assim o princípio da boa-fé consagrado nos artigos 15º e 16º do RJCCG, bem como o facto de imporem uma ficção de aceitação de pagamento de diversas quantias com base em factos insuficientes, violando assim o disposto no artigo 19º, nº 1, alínea d) do RJCCG.

Aqui não há qualquer violação do disposto no artigo 19º, nº 1, alínea d) do RJCCG, porquanto, não consta que seja imposto qualquer ficção de aceitação dos montantes cobrados, não estando vedado ao Cliente reclamar da cobrança de quaisquer despesas ou encargos, podendo ser-lhe estornado o valor cobrado e não aceite.

O Réu tem legitimidade para cobrar impostos devidos sobre juros de descoberto bancário, devendo esse custo ser suportado pelo cliente.

Apesar disso, a expressão demasiada genérica contida nas cláusulas sob análise não permite aos clientes determinar as despesas e encargos que poderão a vir a ser imputados ao longo da vigência do contrato.

Há um desconhecimento por parte do cliente sobre as despesas e/ ou encargos administrativos, bem como sobre o critério da sua determinação.

Apesar de tais despesas e encargos deverem se encontrar discriminados no preçário, não estando as rubricas a que se referem estas cláusulas devidamente individualizadas, cria no Cliente uma indefinição e incerteza susceptível de agravar de forma danosa o equilíbrio das prestações.

De referir ainda que a não concretização do tipo de despesas ou encargos que podem vir a ser imputadas ao cliente resulta numa omissão de informação, omissão essa que viola o disposto no artigo 5º e no artigo 8º, nº 1, alínea a) do RJCCG.”


     A esta fundamentação, acrescenta a Relação a invocação do regime do art. 21º, alíneas b), c), f) e h), da LCCG, reconhecendo que estas alíneas não serão directamente aplicáveis às cláusulas dos autos, mas considerando que a razão de ser da proibição é equivalente.

      Assim, e em síntese, as cláusulas objecto do presente recurso foram declaradas nulas com base: na violação do regime dos arts. 5º e 8º, nº 1, alínea a), da LCCG; por se entender que a sua formulação genérica conduz à indeterminação ou indeterminabilidade das vinculações assumidas pelos futuros aderentes; em analogia com as situações previstas nas alíneas b), c), f) e h) do art. 21º da LCCG.

       Antes de prosseguirmos, importa esclarecer se a questão da validade das cláusulas sub judice poderá, efectivamente, ser apreciada à luz de todos estes fundamentos.

       A resposta é claramente negativa no que à invocação do regime dos arts. 5º e 8º da LCCG diz respeito. Na orgânica do regime legal das cláusulas contratuais gerais, a protecção dos aderentes alcança-se por meio de duas vias distintas, uma pela consagração de deveres de comunicação e de informação das cláusulas, cuja violação conduz à respectiva exclusão dos contratos singulares; a outra pela exigência de conformação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais com a boa fé, concretizada através dos valores fundamentais do direito (art. 16º) ou do confronto com as proibições constantes dos arts. 18º e segs.

      Destina-se a acção inibitória a reconhecer a nulidade de determinadas cláusulas e, consequentemente, a impedir a sua inclusão em contratos singulares a celebrar futuramente. O que não se confunde com a tutela prevista nos arts. 5º a 8º da LCCG, que visa a exclusão de cláusulas inseridas em contratos singulares já celebrados, por violação dos deveres de comunicação ou de informação. O que, manifestamente, não corresponde à situação dos autos.

       Assim, a questão da nulidade das cláusulas objecto do recurso deve ser apreciada exclusivamente à luz do regime dos arts. 15º a 22º da LCCG.

       Dentro deste regime, é também de excluir a aplicação analógica das previsões das alíneas b), c), f) e h) do art. 21º (São proibidas cláusulas que “b) Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos; c) Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação; f) Alterem as regras respeitantes á distribuição do risco; h) Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.”) por manifesta falta dos respectivos pressupostos.

Admite-se a convocação da alínea d) do art. 19º (São proibidas cláusulas que “Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes”), ainda que a sua aplicação dependa de se esclarecer o significado a atribuir-lhe que não se afigura evidente. Nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes (Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2013, págs. 297 e seg.) “Esta proibição permite alicerçar a inadmissibilidade de cláusulas que imponham unilateralmente a relevância do silêncio como manifestação da vontade, ao arrepio do princípio plasmado no artigo 218º do C.C., nomeadamente em hipóteses de alteração das condições contratuais por parte da entidade predisponente.”

Tendo presente o teor das supra transcritas cláusulas 10ª do Contrato I e 7ª do Contrato II, será de ponderar a sua validade à luz da citada alínea d) do art. 19º, mas, sobretudo, em função dos princípios gerais dos arts. 15º e 16º da LCCG, designadamente verificando-se se a forma genérica como se encontram formuladas implica ou não a indeterminação excessiva ou até a indeterminabilidade das vinculações assumidas pelos destinatários das propostas contratuais dos autos.


8. Em termos gerais, a indeterminabilidade das obrigações negociais gera nulidade (art. 280º, nº 1, do Código Civil). Quanto à simples indeterminação, não estando excluída pelo regime do Código Civil (cfr. art. 400º), poderá contudo, no domínio mais exigente do regime das cláusulas contratuais gerais, configurar violação da boa fé, na medida em que afecte de forma desproporcionada, a previsibilidade das obrigações assumidas por parte dos futuros aderentes.

       Tem razão o Recorrente quando alega que a apreciação da validade das cláusulas importa, diversamente do que entenderam as instâncias, a sua autonomização em três segmentos distintos:

- O nº 1 da Cláusula 10ª (Contrato I), com o mesmo teor do nº 1 da Cláusula 7ª (Contrato II), ambos relativos à responsabilidade pelo pagamento de impostos;

- O nº 2, primeira parte, da Cláusula 10ª (Contrato I), com o mesmo teor do nº 2, primeira parte, da Cláusula 7ª (Contrato II), ambos relativos ao pagamento de despesas e encargos inerentes a operações bancárias;

- O nº 2, segunda parte, da Cláusula 10ª (Contrato I), com o mesmo teor do nº 2, segunda parte, da Cláusula 7ª (Contrato II), ambos relativos ao pagamento de despesas e encargos que o Banco venha a suportar “para garantia e cobrança dos seus créditos”.


Não deve, porém, ignorar-se não ser a primeira vez que este Supremo Tribunal é chamado a decidir da validade de cláusulas contratuais (ou de partes delas) inseridas pelo R. Recorrente em contratos de abertura de conta oferecidos ao público no decurso da sua actividade bancária com conteúdo inteiramente sobreponível ao das cláusulas objecto do presente recurso. Referimo-nos às situações apreciadas e decididas pelos acórdãos de 07/02/2017 (proc. n.º 7403/14.1T8LSB.L1.S1), de 12/10/2017 (proc. n.º 8974/14.8T8LSB) e de 24/10/2017 (proc. n.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1), consultáveis em sumários da jurisprudência cível do STJ (www.stj.pt).

Tendo presentes todos os dados enunciados, passemos a considerar separadamente cada um dos três segmentos das duas cláusulas.


9. Quanto a cláusulas contratuais de teor igual ao do nº 1 de ambas as cláusulas objecto do recurso, salvo quanto à designação da conta (“São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da [nome da conta] e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão”), pronunciou-se o referido acórdão deste Supremo Tribunal de 24/10/2017 (proc. n.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1) nos seguintes termos sintéticos:


“Contrariamente ao alegado pelo recorrente [naquele caso o Ministério Público], estão previamente definidas as situações em que são devidos os impostos.

(…)

Os impostos são devidos nas hipóteses previstas pelas leis fiscais, com os valores aí estabelecidos.”


     Concluindo pela validade das referidas cláusulas de conteúdo coincidente com o do nº 1 das cláusulas contratuais em causa.

      Tendo presente a caracterização do contrato de abertura de conta como um “contrato normativo, uma vez que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa”, compreende-se que o conteúdo das suas cláusulas se revista de um certo grau de indeterminação, sem que se possa considerar que tal constitua, por si só, um desrespeito dos parâmetros da boa fé.  

No que respeita à responsabilidade pelo pagamento dos impostos, aceita-se como válida a perspectiva do Recorrente, segundo a qual, não se tratando de cláusulas pelas quais sejam criados impostos a suportar pelos clientes, mas tão só cláusulas que alertam ou avisam os possíveis aderentes para o facto de se encontrarem sujeitos ao cumprimento das obrigações fiscais “que sejam devidos [as] por força da "Conta Ordenado" [ou da "Super Conta Protocolo"] e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão”. Aceita-se também que – na impossibilidade de enunciar os concretos impostos a que os clientes que, no futuro, venham a celebrar com o Banco contratos singulares de abertura de conta regulados pelas presentes cláusulas contratuais gerais, se encontrem sujeitos – se admita que o Banco proponente se limite ao enunciado, genérico e abstracto, do nº 1 de ambas as cláusulas aqui em apreciação.

Esta mesma conclusão foi formulada em caso decidido por este Supremo Tribunal (acórdão de 16/10/2014 (proc. nº 2476/10.9YXLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt), no qual se apreciou da validade de cláusulas de um outro contrato de abertura de conta bancária, entre as quais se contava uma cláusula relativa à responsabilidade pelo pagamento de impostos de conteúdo equivalente ao do nº 1, da Cláusula 10ª do Contrato I e do nº 1, da Cláusula 7ª do Contrato II.

       Conclui-se, assim, pela validade das cláusulas insertas no nº 1 da Cláusula 10ª do Contrato (I) e no nº 1 da Cláusula 7ª do Contrato (II).


10. Quanto ao nº 2, primeira parte, de ambas as cláusulas objecto do recurso (“São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem com as da utilização do crédito concedido”), deve ter-se presente que, relativamente a cláusulas de outros contratos de abertura de conta com redacção inteiramente sobreponível, pronunciaram-se já os referidos acórdãos de 12/10/2017 (proc. n.º 8974/14.8T8LSB) e de 24/10/2017 (proc. n.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1).


    No acórdão de 12/10/2017 encontra-se a seguinte fundamentação:


“Já os encargos e comissões são devidos pelos serviços prestados pelo recorrido ao cliente, cumprimento das ordens do cliente de aplicação de capitais ou da utilização do crédito concedido, constando o respectivo valor do preçário aprovado e divulgado pelo Banco.

O cliente conhece os serviços que o Banco lhe pode prestar e conhece o respectivo custo, pelo que lhe é possível decidir conscientemente se tal prestação lhe interessa.”


     Concluindo pela validade das cláusulas com conteúdo igual ao do nº 2, primeira parte, das cláusulas dos autos.

       Quanto ao acórdão de 24/10/2017, é o seguinte o teor da fundamentação, quanto à apreciação da validade desta cláusula com base na falta de critérios para a determinação do conteúdo das obrigações assumidas pelo cliente:


“Bem ao invés, a cláusula seria nula porque não fornece nem os montantes, nem os critérios para a sua determinação, não determina quais as operações concretas que originam despesas e encargos, nem define critérios e limites de quantificação.

Ao que a recorrente objecta, alegando que tal cláusula não acarreta qualquer confissão ou reconhecimento de dívida e que as despesas e encargos são, por natureza, insusceptíveis de determinação antecipada, porque variam muitíssimo de caso para caso, não se podendo pretender, razoavelmente, que os montantes de tais custas e honorários estejam antecipadamente quantificados ou sequer sujeitos a limites máximos.

É certo que a estipulação "contratual” ainda que unilateralmente predisposta por um das partes da imposição de responsabilidade pelas despesas e encargos com o cumprimento de ordens de aplicação de capitais não se confunde com qualquer confissão ou reconhecimento de dívida por banda do cliente.

Mas a invocação pelo Banco da insusceptibilidade e impossibilidade de determinação antecipada das despesas e encargos contraria a argumentação de que as mesmas seriam susceptíveis de antecipação a partir do "Preçário" que o Banco deve disponibilizar e exibir aos seus clientes, informando-os do custo das operações que solicitam.

Com efeito, sobre o Banco, como intermediário financeiro, recai a obrigação de, em execução de ordens de aplicação de capitais, informar sobre os custos de tais serviços, incluindo, sempre que relevante:

a) O preço total a pagar pelo investidor relativamente ao instrumento financeiro ou à actividade de intermediação financeira, incluindo todas as remunerações, comissões discriminadas, encargos e despesas conexos e todos os impostos a pagar através do intermediário financeiro ou, caso não possa ser indicado um preço exacto, a base de cálculo do preço total, de modo que o investidor o possa verificar;

b) A indicação da moeda envolvida e das taxas e custos de conversão cambial aplicáveis, sempre que qualquer parte do preço total deva ser paga ou represente um montante em moeda estrangeira;

c) Comunicação da cobrança ao cliente de outros custos, incluindo impostos relacionados com operações referentes ao instrumento financeiro ou à actividade de intermediação financeira, que não sejam pagos através do intermediário financeiro;

d) Modalidades de pagamento ou outras eventuais formalidades (art, 312°-G nº 1 do Cód Valores Mobiliários).  

Tal informação deve ser entendida como prévia à emissão das ordens - só assim estas procederão de clientes informados e esclarecidos - e deve ser "divulgada, de forma bem visível, em todos os canais de contacto com o público e deve ser entregue ao investidor no momento da abertura de conta e sempre que no mesmo se introduzam alterações desfavoráveis a este, antes destas entrarem em vigor" (art. 312°-G nº2 do Cód. Valores Mobiliários).

Logo, por força desta publicidade, aquando das ordens de aplicação de capitais, o cliente tem possibilidade de conhecer antecipadamente os respectivos custos (se não em valor exacto, pelo menos seguramente em valor aproximado...), podendo, no entanto, ignorar as despesas que o Banco tenha eventualmente de efectuar para cumprir tais ordens.

Mas, estas serão à partida insusceptíveis de quantificação e determinação antecipada, variando caso a caso e devendo ser apreciadas à luz de um critério de razoabilidade, o que nos remete para o critério enunciado no artigo 1167°-c) do Ccivil que obriga o cliente (mandante) a reembolsar o Banco (mandatário) das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis.

Assim sendo; as razões invocadas no acórdão recorrido para a nulidade da cláusula que responsabiliza o cliente de um Banco pelas despesas e encargos por este suportados com o cumprimento de ordens de aplicação de capitais e de utilização do crédito concedido dadas por este não procedem.”


Concluindo pela validade das cláusulas com conteúdo igual ao do nº 2, primeira parte, das cláusulas objecto do presente recurso.


      Vejamos.

       Também aqui, considerando a natureza do contrato de abertura de conta como “contrato normativo”, “que regula toda uma actividade jurídica ulterior, ainda que facultativa”, configura-se como aceitável que o conteúdo das respectivas cláusulas se revista de um certo grau de generalidade, sem que se possa considerar que tal conduza, sem mais, ao desrespeito dos parâmetros da boa fé. O que importa é que, tanto no momento da celebração de cada contrato singular de abertura de conta, como ao longo da execução do mesmo, sejam cumpridos os deveres de comunicação e de informação em relação a cada cliente quanto ao preçário das operações bancárias em vigor. Ora, como resulta da matéria dada como provada (factos 29 a 40) as Condições Especiais da “Super Conta Protocolo” (Contrato I), e as cláusulas do “Documento Autónomo” (Contrato II) a elas anexo, têm de ser conjugadas com as Condições Gerais (doc. 1 junto com a contestação) das quais consta a previsão de um Preçário com “as taxas de juros em vigor, indexantes, comissões e preços cobrados pelo Banco em contrapartida dos serviços por si efectuados, ou o modo de os determinar”.

      Afigura-se que o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação acerca dos custos inerentes às operações bancárias oferecidas pelo proponente se coloca em dois momentos futuros (que não em sede de elaboração das cláusulas contratuais), quais sejam: no momento da adesão de cada cliente; e (durante a execução do contrato) no momento em que seja ordenada a realização de uma concreta operação bancária.

       Para a validade da cláusula geral basta que, como foi provado, as Condições Gerais que, em conjugação com os instrumentos contratuais dos autos, regulam os futuros contratos de abertura de conta, contenham a previsão de um preçário que o aderente poderá consultar antes de qualquer ordem. Deste modo, as cláusulas contratuais gerais em apreciação não impõem “ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes” (art. 19º, alínea d), da LCCG) nem desrespeitam valores fundamentais do direito, tutelados genericamente pela exigência de conformidade com a boa fé.

      Retome-se o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 16/10/2014 (proc. nº 2476/10.9YXLSB.L1.S1), no qual foram apreciadas – sob o prisma do grau de determinabilidade exigível – cláusulas de um outro contrato de abertura de conta bancária, cujo conteúdo se aproxima de tal forma do conteúdo do nº 2, primeira parte, da Cláusula 10ª do Contrato I e do nº 2, primeira parte, da Cláusula 7ª do Contrato II, que se justifica considerar os termos da respectiva fundamentação:

    

“6. A decisão impugnada na presente revista julgou também nulas as cláusulas 20.1, 20.2 e 20.3.

A cláusula 20.1 considera o mutuário e fiadores responsáveis pelas despesas e encargos aplicáveis ao mútuo celebrado, nos termos previstos no preçário do Banco e nas cláusulas contratuais estipuladas, incluindo, sem limitação, as despesas de formalização do contrato especificadas nas Condições Particulares, bem como pelos encargos tributários aplicáveis.

Mais uma vez, temos como seguro que esta cláusula carece de ser interpretada em termos adequados, só se verificando a responsabilidade do mutuário por quaisquer despesas e encargos que estiverem devidamente previstos no texto do contrato – e resultando os respectivos montantes do que estiver consagrado no preçário do Banco.

Em primeiro lugar, afigura-se que não seria efectivamente razoável obrigar a prever a concretização dos montantes correspondentes a despesas e encargos contratuais da responsabilidade do mutuário nas próprias cláusulas contratuais gerais – parecendo perfeitamente admissível que estas – por natureza dotadas de algum grau de generalidade e abstracção, por aplicáveis a uma multiplicidade de contratos concretamente celebrados – possa remeter para outros instrumentos, desde que facilmente acessíveis aos clientes/mutuários (como sucederá com o preçário praticado pelo Banco). Ou seja: a circunstância de a cláusula contratual geral remeter a concretização ou liquidação dos encargos e despesas postas contratualmente a cargo do mutuário para o dito preçário não representa, só por si, estando este facilmente acessível aos interessados, uma aceitação fictícia e em branco de responsabilidade pelo aderente, com base em factos insuficientemente determinados.

É certo que este método de densificação ou concretização do valor das despesas e encargos, por remissão para outros instrumentos que sejam acessíveis ao aderente, não preclude o dever de esclarecimento e informação adequada: porém, este dever do Banco/mutuante tem de ser cumprido, não no perímetro do regime das cláusulas contratuais gerais, mas antes no âmbito das relações contratuais concretamente celebradas, cabendo aos respectivos funcionários prestarem ao aderente todas as informações, nomeadamente acerca do dito preçário, que lhe permitam ter uma ideia consistente acerca das respectivas responsabilidades patrimoniais, ligadas ou decorrentes da celebração e das vicissitudes do contrato. A prestação da informação legalmente devida ao aderente terá, deste modo, de resultar, não integralmente do teor e conteúdo auto-suficiente das próprias cláusulas contratuais gerais, mas do concreto e casuístico cumprimento pelos funcionários do R. de um dever de informação, de modo a que, no momento da celebração do contrato, o aderente esteja consciente dos montantes que essencialmente poderão sobre ele ser repercutidos pelo Banco:

Ora, como é evidente, tal dever de esclarecimento e informação coloca-se a propósito e no momento da celebração de cada contrato de adesão, nada tendo que ver um eventual incumprimento - ou cumprimento deficiente - de tal dever com o plano da validade das ditas cláusulas contratuais gerais.

Por outro lado, importa salientar que não se vê qualquer obstáculo em colocar a cargo do mutuário/aderente as despesas de formalização do contrato especificadas nas Condições Particulares, bem como quaisquer encargos tributários legalmente devidos – e repercutidos pelo Banco no cliente (sendo evidente que a determinação do respectivo montante dependerá essencialmente das normas tributárias aplicáveis, e não de qualquer livre discricionariedade do mutuante).

Pelas mesmas razões, entende-se que a cláusula 20.3, ao remeter para o preçário do Banco o montante da comissão de cobrança ali estipulada, no caso de incumprimento, não viola as disposições legais invocadas, podendo o dever de informação e esclarecimento essencialmente devidos ao aderente decorrer, não do teor necessariamente auto-suficiente da referida cláusula, mas do comportamento dos funcionários da R., no momento em que sejam celebrados os concretos contratos de adesão a que se aplique tal cláusula contratual.” (negrito nosso)

        

     A fundamentação aqui exposta permite reforçar o que se disse supra acerca da distinção entre a fase de preparação das cláusulas contratuais e a fase de adesão à proposta contratual e, posteriormente, de execução do contrato. Naquela primeira fase será suficiente a conjugação das cláusulas dos nºs 2, segunda parte, aqui em apreciação, com a previsão de um preçário. No momento da celebração de cada contrato e, posteriormente, aquando da emissão de ordens concretas, é que será necessário cumprir os deveres de comunicação e informação acerca da tabela de custos em vigor.

     Conclui-se, assim, pela validade das cláusulas insertas no nº 2, primeira parte, da Cláusula 10ª do Contrato (I) e no nº 2, primeira parte, da Cláusula 7ª do Contrato (II)).


11. Finalmente passa-se a apreciar da validade do nº 2, segunda parte, da Cláusula 10ª do Contrato I, e do nº 2, segunda parte, do Contrato II: São da conta do Cliente todas as despesas e encargos (…) incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.”

Sobre cláusulas de outros contratos de abertura de conta com conteúdo inteiramente sobreponível, pronunciaram-se já os referidos acórdãos de 07/02/2017 (proc. n.º 7403/14.1T8LSB.L1.S1), de 12/10/2017 (proc. n.º 8974/14.8T8LSB) e de 24/10/2017 (proc. n.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1) em sentidos não coincidentes, como em seguida se explicita:

 - No acórdão de 07/02/2017 (proc. n.º 7403/14.1T8LSB.L1.S1):

“O acórdão recorrido considerou nulas as cláusulas 10ª nº 2 das Condições Especiais - Conta Ordenado e 7ª nº 2 do Documento Autónomo - Condições aplicáveis à facilidade de descoberto - Super Conta Ordenado Premium, na parte que apresentam a seguinte redacção:

"São da conta do cliente todas as despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos".

O tribunal recorrido entendeu que tal cláusula tem demasiada amplitude, uma natureza vaga e indeterminada, que coloca o cliente na inteira disponibilidade do Banco, para além de não prever similar responsabilidade do próprio Banco, no caso do incumprimento parcial ou total ser seu.

Entendeu, assim, que a cláusula em causa viola as regras da boa-fé, previstas nos artºs. 15º e 16º do DL 446/85, de 25/10.

Não restam dúvidas que estamos perante um contrato de adesão e que a cláusula em questão está sujeita ao regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

Também concordamos que a redacção da cláusula é demasiado vaga e genérica, transmitindo a ideia que o cliente é sempre responsável por todas as despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos, independentemente do respectivo direito, das suas necessidade ou proporcionalidade.

O próprio Banco entende que a cláusula não tem este alcance, já que apenas pretendeu consagrar o direito que lhe é reconhecido pelo DL nº 58/2013, de 08/05.

Mais entende o Banco que os tribunais podem sempre sindicar se o pedido do banco obedece àquele diploma legal e ao princípio da proporcionalidade.

É por demais evidente a inutilidade da cláusula e do esforço do recorrente em mantê-la se a mesma se limita a consagrar o regime legal.

Por outro lado, é falacioso o argumento de que o tribunal pode sempre sindicar se o pedido do banco é conforme à lei e ao princípio da proporcionalidade.

Esta possibilidade existe sempre, mas obriga o cliente a propor ou a contestar acções, sendo certo que a lei prevê a possibilidade de intentar acções inibitórias para a declaração de nulidade das cláusulas contratuais gerais proibidas, independentemente da respectiva inclusão em qualquer concreto contrato (artº. 25º do DL446/85).

A redacção da cláusula, na parte em que afirma serem da responsabilidade do cliente todas as despesas e encargos que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos, viola manifestamente as regras da boa-fé e do equilíbrio das prestações, pois responsabiliza também o cliente por despesas e encargos a que pode não ter dado causa, eventualmente desnecessários ou desproporcionados (artºs, 15º e 16º do DL446/85).” (negrito nosso)


- No Acórdão de 12/10/2017 (proc. n.º 8974/14.8T8LSB):

“Consideremos, por fim, a responsabilização do cliente pelas despesas que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.

Sobre esta, o douto acórdão recorrido, louvando-se em jurisprudência do STJ e da Relação de … sobre cláusulas similares, considerou que tal imputação de responsabilidade ao cliente bancário, sem qualquer critério ou limite, implicaria a imposição de uma responsabilidade ilimitada e autónoma por todas e quaisquer despesas e honorários que o Banco realize, em caso de incumprimento contratual, desconsiderando o preceituado na lei de processo e de custas processuais para as quais não remete e sem qualquer critério objectivo definidor dos montantes de tais despesas e honorários.

Assim, nos termos em que se encontra redigida a cláusula, a ausência de um critério definidor quer das despesas relevantes para efeito de cobrança do crédito quer dos limites e montantes a cobrar redundaria num grau total de indeterminação, impondo ao cliente e aderente "uma responsabilidade por encargos indeterminados e indetermináveis, aparentemente para além daqueles que já lhe incumbiria suportar por via da aplicação directa das disposições atinentes às custas de parte" e independentemente de demonstrar a eventual inexigibilidade da dívida ou ganho de causa que obtenha no litígio com o Banco.

Que dizer?

Como princípio geral de direito, é inquestionável que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação é responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º CC), presumindo-se a culpa do devedor, pois que sobre ele recai o ónus de provar que a falta de cumprimento e o cumprimento defeituoso não procedem de culpa sua (art. 799º CC).

A imputação ao cliente das despesas que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos mais não é que a responsabilização daquele pelas despesas de realização do crédito.

Que, por sua vez, configuram um prejuízo do Banco, na medida em que representam para ele uma diminuição patrimonial imposta pela necessidade de satisfazer o seu direito.

Sendo certo que, reconduzindo a relação negocial bancária a um contrato de prestação de serviços a que se aplicam as regras do mandato, o cliente, como beneficiário dos serviços, está obrigado a indemnizar o Banco, como prestador dos mesmos, do prejuízo por este sofrido em consequência deles (art. 1167º-d) CC).

Mas se a imputação ao cliente de tal responsabilidade é conforme ao Direito, já o objecto da imputação - "despesas de garantia e cobrança" - padece de generalidade, indefinição e indeterminação que comprometem a sua conformidade à boa-fé e são susceptíveis de violar a confiança do aderente.

Com efeito, não esclarecendo o que sejam despesas de garantia nem despesas de cobrança, nem distinguindo nestas as de natureza judicial e extra-judicial, como se escreveu no ac deste STJ de 16-10-2014, a propósito de cláusula similar, o que daquela cláusula resulta é a "imposição de uma responsabilidade ilimitada e autónoma por todas e quaisquer despesas e honorários que o Banco realize" sem remissão para, designadamente, a lei de custas, "nem o estabelecimento de qualquer critério objectivo de determinação do montante de tais despesas e honorários".

E na impossibilidade de suprir a indeterminabilidade do montante de tais despesas pelo recurso a tabela de preços (preçário) - como acontece na outra cláusula em questão - constata-se nesta cláusula "um grau total de indeterminação, impondo-se ao aderente/mutuário uma responsabilidade por encargos indeterminados e indetermináveis, aparentemente para além daqueles que já lhe incumbiria suportar por via da aplicação directa das disposições atinentes às custas de parte (cfr. http://www.dgsi.pt).

E, nesta perspectiva, nenhuma censura merece, nesta parte, o acórdão recorrido, ao concluir que tal cláusula, inserida em contrato de adesão, viola o indispensável equilíbrio contratual, ao impor encargos indetermináveis e potencialmente desproporcionados à parte mais fraca e desprotegida na relação contratual. "

Neste mesmo sentido, o Ac Relação de … de 07-09-2015, também acessível através de http://www.dgsi.pt.

Sendo as despesas judiciais reembolsadas pela via das custas de parte, mesmo, em valor significativo, as suportadas com honorários (cfr. art. 25° e 26º do Regulamento das Custas Processuais), fica-se sem saber se a responsabilidade pelas despesas judiciais se efectiva pela via do reembolso das custas de parte ou directamente perante o Banco, com o consequente risco, neste caso, de duplicação de pagamento.

E quanto às despesas extra-judiciais, a omissão da sua concretização, patente na ausência de um critério definidor quer do respectivo âmbito, quer do respectivo montante, bem como do nexo causal e funcional que deve existir entre elas e a realização do crédito, deixa desde logo a porta aberta à controvérsia relativamente à natureza das despesas, ao montante e à sua necessidade e justificação, sendo susceptível de gerar desequilíbrio entre as prestações e de comprometer a confiança do cliente.

Sem operar qualquer distinção entre as situações concretas em que este fica obrigado a suportar as despesas de garantia e cobrança, restringindo-as ao incumprimento contratual ou à perda de demanda judicial, a cláusula onera o cliente com as mesmas despesas em todos os casos em que o réu actue com a finalidade de proteger ou no exercício dos seus direitos e, designadamente, caso recorra à via judicial, independentemente de por essa via obter ou não ganho de causa: o cliente arcaria sempre com as despesas efectuadas pelo Banco.

Por outro lado, concedendo que o cliente suporte as despesas efectuadas pelo Banco em caso de incumprimento seu, nada se prevê quanto à eventual repercussão das despesas efectuadas pelo cliente em caso de incumprimento do Banco; logo, tais despesas seriam por ele suportadas em exclusivo, a menos que se tratasse de despesas judiciais, reembolsáveis pela via das custas de parte e nos termos e condições legalmente previstos para tal recuperação.

O que, seguramente no que concerne às despesas extra-judiciais, redunda numa desigualdade de tratamento, logo, num desequilíbrio prestacional intolerável para o Direito, beneficiando o Banco em detrimento do seu cliente.

Consequentemente, não merece reparo a censura que o acórdão recorrido dirigiu a esta responsabilização do cliente pelas despesas de garantia e cobrança do seu crédito efectuadas pelo Banco.

Tal cláusula nos termos em que se encontra formulada é nula por violação da regra básica da boa-fé e da confiança contratual (art. 15° do DL nº 446/65).”


- O Acórdão de 24/10/2017 (proc. n.º 6792/14.2T8LSB.L1.S1):

“No entanto, a última parte dos nºs. 2 (I) e (II) das cláusulas 10ª e 7ª, respectivamente, consagra serem da conta do cliente as despesas que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos.

Não restam dúvidas que tais despesas devem ser suportadas pelo cliente.

Também não há dúvidas que o respectivo valor não pode ser pré-determinado.

É, por outro lado, evidente que o cliente não deve ser responsabilizado por todas e quaisquer despesas feitas pelo Banco para cobrança dos seus créditos, designadamente em diligências desnecessárias, inadequadas ou ineficazes.

No entanto, a introdução de qualquer conceito para limitar tal responsabilidade traria, provavelmente, mais dúvidas e incertezas do que a fórmula utilizada.

Assim, mesmo admitindo que a redacção da cláusula não é perfeita, entendemos não se justificar a declaração da sua nulidade.” (negrito nosso)


     Perante soluções divergentes, acompanha-se a fundamentação dos acórdãos de 07/02/2017 e de 12/10/2017; este último, por sua vez, assentou em grande medida na fundamentação do supra citado acórdão deste Supremo Tribunal de 16/10/2014 (proc. nº 2476/10.9YXLSB.L1.S1), no qual foram apreciadas cláusulas contratuais gerais de um outro contrato de abertura de conta bancária, de conteúdo equivalente ao conteúdo do nº 2, segunda parte, da Cláusula 10ª do Contrato I, e do nº 2, segunda parte, da Cláusula 7ª do Contrato II.

     Ao dispor que “São da conta do Cliente todas as despesas e encargos (…) incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos”, tais cláusulas padecem das seguintes fragilidades:

- Não prevêem a exigência de relação causal entre o incumprimento contratual e as despesas e encargos a suportar pelo cliente;

- Se é certo que o valor das despesas judiciais estará, em cada momento, fixado por lei, o teor das cláusulas não esclarece se o pagamento “se efectiva pela via do reembolso das custas de parte ou directamente perante o Banco, com o consequente risco, neste caso, de duplicação de pagamento”;

- Quando às despesas extrajudiciais (honorários de advogados ou outras), verifica-se a “ausência de um critério definidor quer do respectivo âmbito, quer do respectivo montante”, assim como da “sua necessidade e justificação”.


      Deste modo, entende-que as cláusulas contratuais em causa afectam o necessário equilíbrio entre as partes ao impor aos aderentes encargos indetermináveis e eventualmente desproporcionados, estando, por isso, feridas de nulidade por desconformidade com as exigências da boa fé (arts. 15º da LCCG).

      A invocação, feita pelo Recorrente, do regime do Decreto-Lei nº 58/2013, de 8 de Maio, em concreto do regime do art. 9º, nº 8, deste diploma legal (“O disposto nos números anteriores não impede a repercussão nos clientes bancários das despesas posteriores à entrada em incumprimento, que, por conta daquele, tenham sido suportadas pelas instituições perante terceiros, mediante apresentação da respetiva justificação documental.”) não é de molde a alterar a apreciação feita. Com efeito, este regime legal está longe de proteger o cliente em todos os aspectos relevantes. Bastará salientar que um documento justificativo de despesas não permite, só por si, assegurar a razoabilidade das mesmas despesas.

       Em suma, conclui-se pela nulidade das cláusulas insertas no nº 2, segunda parte, da Cláusula 10ª do Contrato (I) e no nº 2, segunda parte, da Cláusula 7ª do Contrato (II).


12. Tendo havido alteração da decisão do acórdão recorrido fica prejudicada a questão da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia relativamente à questão da reforma da decisão de condenação em custas pela sentença.


13. Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a) Revogar parcialmente o acórdão recorrido, na parte em que declarou a nulidade do nº 1 e do nº 2, primeira parte, da Cláusula 10ª do Contrato I, e do nº 1 e do nº 2, primeira parte, da Cláusula 7ª do Contrato II, nos quais se estabelece:

“1. São da responsabilidade do Cliente todos os impostos, incluindo o imposto do selo sobre os juros, que sejam devidos por força da "Conta Ordenado" e de outras operações com contratos que com ela se encontrem em conexão.

2. São da conta do Cliente todas as despesas e encargos a que der lugar o cumprimento das suas ordens de aplicação de capitais, bem como as da utilização do crédito concedido”

declarando-as válidas;

b) Manter o acórdão recorrido, na parte em que manteve a declaração de nulidade do nº 2, segunda parte, da Cláusula 10ª do Contrato I, e do nº 2, segunda parte, da Cláusula 7ª do Contrato II, nos quais se estabelece:

São da conta do Cliente todas as despesas e encargos (…) incluindo as que o Banco venha a realizar para garantia e cobrança dos seus créditos”;

c) Manter a condenação do R. a abster-se do uso, em qualquer contrato, da cláusula indicada em b), absolvendo-o da condenação a abster-se do uso das cláusulas indicadas em a);

d) Manter a condenação do R. a publicitar a decisão em conformidade com o decidido nas alíneas anteriores;

e) No mais, manter a decisão do acórdão recorrido.


Custas da acção pelo Banco R. na proporção de 1/22, estando o Ministério Público isento de custas

Custas no recurso pelo Recorrente na proporção de 1/3, estando o Ministério Público isento de custas.


Lisboa, 8 de Março de 2018


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho