Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3588/10.4TBOER-B.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: LEGITIMIDADE
HERANÇA
CABEÇA DE CASAL
HERDEIRO
CURADOR
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS SUCESSÕES / ENCARGOS DA HERANÇA / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO ( AÇÃO ) / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 286.º, 2074.º, 2087.º, 2088.º, 2091.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 26.º, 668.º, N.º 1, AL. B), C), D) E E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8 DE JANEIRO DE 1992, IN BMJ N.º 413, P. 360.
Sumário :
I - A legitimidade é, fundamentalmente, uma posição perante uma determinada pretensão deduzida em juízo, e, no caso do autor, afere-se pelo interesse em demandar, que, por sua vez, se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção.

II - O art. 2074.º do CC está relacionado com o exercício dos direitos e obrigações que o herdeiro tinha contra o falecido, naturalmente em vida dele, os quais, por força do seu n.º 1, se conservam em relação à herança e até à liquidação e partilha, podendo tal exercício ser conflituante, se o herdeiro for o cabeça de casal.

III - Do art. 2074.º, n.º 3, do CC, decorre que se, por qualquer circunstância, houver necessidade de recorrer a juízo para cobrar o crédito da herança contra o herdeiro, ou o crédito do herdeiro contra a herança e o herdeiro, seja ele credor ou o devedor, e este for o cabeça de casal, nomear-se-á, para a respectiva acção (de cobrança judicial), um curador especial.

IV - Aquele preceito legal é aplicável, também, na situação em que um herdeiro reclama da herança um seu direito, ou a herança reclama dele uma obrigação, sendo que, no momento da propositura da acção, o herdeiro não era cabeça de casal, tendo passado a sê-lo posteriormente.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3588/10.4TBOER-B.L1.S1[1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Na acção de restituição de posse que AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB contra CC foi proferida, em audiência preliminar em 15/4/2013, despacho em que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 508.º, n.º 1, al. a) e 265.º, n.º 2 do CPC convidou o Autor para, no prazo de 10 dias suprir a ilegitimidade activa, por a lei (art.º 2091.º do CCiv) impor o litisconsórcio activo de todos os herdeiros interessados.

Inconformada com a decisão, dela apelou a Ré.

Não houve contra-alegações.

Por despacho do Relator de 24/4/2014 ordenou-se o contraditório das partes sobre a excepção dilatória inominada que resultará da procedência parcial do recurso, no segmento de que a acção se funda no art.º 2088.º do CCiv, para o qual o cabeça-de-casal tem legitimidade activa exclusiva, cargo esse que, sendo inicialmente desempenhado por AA passou a ser exercido pela Ré CC, o que inviabiliza o prosseguimento da acção.

Sobre tal se pronunciou CC que, em suma, refere:

Questão prévia: o recorrido exerceu legitimamente as suas funções como cabeça-de-casal sem afrontar qualquer disposição legal entre 5/3/09 e 18/10/2011; por ter deixado de ter legitimidade para tanto desistiu da instância relativamente ao pedido de restituição da posse das fracções discriminadas em fls. 48/49, requerendo que os autos prosseguissem relativamente às indemnizações reivindicadas à recém-nomeada cabeça-de-casal;

O despacho é inapreensível, porquanto ao considerar que a acção se funda no art.º … do CCiv oblitera o termo de desistência de fls. 181, porquanto o apelado desistiu da instância relativamente ao pedido deduzido a fls. 48/49, no sentido de devolução das fracções cuja posse a actual cabeça-de-casal detinha, mas, se se quiser perspectivar a situação no âmbito das excepções, poderá argumentar-se que ocorre uma excepção peremptória de carácter substantivo que impediu o apelado de prosseguir a acção de restituição da posse, daí o termo da desistência de fls. 181; a situação em causa não impede que a acção prossiga relativamente ao pedido múltiplo que foi deduzido na p.i. e não foi afectado pela substituição ilegal do cabeça de casal, a indemnizações reivindicadas à actual cabeça de casal pelo gozo indevido das fracções de que se apossou e a substituição do cabeça-de-‑casal não tem efeitos retroactivos, como erradamente, pretende a apelante e é sobre esta questão que o Tribunal Superior se tem de pronunciar

A final, a Relação de Lisboa veio a proferir acórdão:

a) a julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida por não haver lugar ao litisconsórcio necessário activo e improcedente quanto ao julgamento da ilegitimidade do Autor na medida em que Autor na acção dos autos é o cabeça-de-casal e esse tem, como acima se disse, legitimidade para a acção e,

b) a considerar que ocorre, no caso dos autos, a excepção dilatória inominada traduzida na circunstância de se ter passado a reunir na mesma pessoa física, a que passou a exercer o cargo de cabeça-de-casal da herança, autora da acção, e a Ré da acção, excepção essa que é insuprível, absolvendo-se a Ré da instância, por força das disposições conjugadas dos art.os 493.º, n.º2, 494.º e 495.º do CPC.

Interpôs, o A. recurso, ora de revista, recurso que foi admitido.

Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido é nulo, nos termos do art.º 716 n.º 1 do C.P.C, uma vez que os fundamentos de Direito invocados, os art.ºs 493/2, 494 e 495 do C.P.C. que regulam, expressamente, as exceções dilatórias, são inaplicáveis à questão em apreço.

2. O Recorrente deixou de exercer o Cabeçalato em 18 de Outubro de 2011.

3. Até essa data, exerceu todos os poderes de administração que a lei lhe facultou, designadamente por via judicial, pois a ação em questão foi intentada em 19 de maio de 2010.

4. Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 2087 do C.Civ

5. O Recorrente encontra-se sujeito aos deveres que impenderam sobre o Cabeça de Casal e, até com uma ação de prestação de contas pendente em Juízo, pelo que a impossibilidade de exercer os seus Direitos, no período em exerceu o cabeçalato, acabaria por impossibilitar e comprometer a defesa da ação de prestação de contas em que é Réu.

Houve contralegações, nas quais se defendeu a improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

II.1. Foi considerada relevante a seguinte factualidade:

1. É do seguinte teor o despacho recorrido de 15/4/2013 proferido no referido processo 3588/10.4TBOER a correr termos no 3.º Juízo do Tribunal de Oeiras:

"Conforme supra exarado, os pedidos do Autor fundam-se no disposto nos art.ºs 2078 e 2091 do CCiv. Decorre do processado que o Autor veio aos autos apresentar a desistência da instância sob o pedido apresentado sob a al. a) alegando que já não teria interesse no mesmo, uma vez que deixou de exercer o cabeçalato. A Ré, notificada da desistência pelo Autor e ao abrigo do disposto no art.º 296, n.º 1, do CPC, veio declarar que não aceitava a desistência apresentada, faculdade legal que lhe assiste, uma vez que já havia deduzido contestação. Ora, não obstante tenha existido uma desistência da instância que não foi aceite pela outra parte contrária quanto ao pedido deduzido sob a al. a), há que considerar que no caso vertente, atenta a concreta caracterização do pedido em apreço, não obstante a não aceitação da desistência da instância, o Tribunal tem aqui que considerar, pelo menos, a existência de uma inutilidade superveniente quanto a esse pedido concreto, uma vez que nunca poderia a final condenar a Ré no mesmo, atento o já declarado nos autos pelo Autor. Assim, conforme já havíamos supra aduzido, a presente acção assenta nos normativos constantes dos art.ºs 2075 e 2091 do CCiv, em concreto a al. a) radica no art.º 2075 e seguintes e as als. b) e c) no previsto no art.º 2091 do CCiv. Ora, se para o pedido deduzido sob a al. a) o CCiv prevê expressamente que sendo vários os herdeiros qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro, já no que concerne ao art.º 2091 este sob a epígrafe "exercício de outros direitos" prescreve que fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art.º 2078 os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros – n.º 1 do normativo sob transcrição. A título do referido sobre esta matéria, podemos citar aqui de forma exemplificativa o acórdão do Tribunal a Relação de Évora de 14/10/04 consultado em www.dgsi.pt, no qual foi Relatora a Ex.ma Desembargadora Dr.ª Maria Alexandra constando do sumário sob os pontos III e IV respectivamente, que: "o art.º 2078 do CCiv refere-se à legitimidade activa nas acções de petição de herança reconhecendo a qualquer dos herdeiros o poder de reivindicar os bens da herança, desacompanhados dos restantes co-herdeiros, caso só alguns herdeiros instaurem uma acção de condenação de um Réu a pagar-lhe uma indemnização por perdas e danos resultantes da ocupação de um prédio pertencendo ao acervo hereditário, já deparamos com uma ilegitimidade activa pois a lei impõe o litisconsórcio necessário de todos os herdeiros, nos termos do art.º 2091 do CCiv. Assim sendo, resultando dos autos que apenas um dos herdeiros se encontra a demandar a Ré na presente acção, decorrendo, ainda, do processado que, para além do Autor e para além da Ré, existem outros herdeiros interessados e, atendendo ao supra exarado, à ora utilidade de apreciação dos pedidos constantes nas als. b) e c) o Tribunal ao abrigo do disposto no art.º 508, n.º 1, aI. a) e 265, n.º 2 do CPC convida o Autor, para, querendo, no prazo de 10 dias, suprir a apontada ilegitimidade activa, suscitando a intervenção principal a seu lado dos demais herdeiros interessados."

2. Está, ainda, documentalmente provado, com interesse o seguinte:

• O Autor propôs contra a Ré acção declarativa com processo comum ordinário "ao abrigo do disposto nos art.ºs 2088 e 1278, para restituição de posse e dos art.ºs 562 e 483 e ss todos do Código Civil... " Pedindo a condenação da Ré ao abrigo do disposto no art.º 2088 do CCiv a abrir mão das fracções "…” e "…" que correspondem respectivamente ao 9.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Av. … n.º …, em … e ao …º andar … do prédio urbano sito na Praceta …, n.º …em … e que se encontram descritas na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob os n.º …  e … das freguesias de … e de … respectivamente e o Autor investido judicialmente na posse de ambas as fracções atenta a sua qualidade de cabeça-de-casal aberta por óbito de BB (a); condenar-se a Ré no pagamento da importância total de €32.627,27 que se reporta aos frutos civis produzidos pelas duas fracções e, ainda, nas despesas de condomínio e de encargos fiscais, suportados pela Herança, durante o período em que a Ré se apossou abusiva e ilegitimamente de' ambas as fracções e ainda nos juros legais contados a partir da data da citação para os termos da presente acção à taxa legal (b) condenar-se a Ré in futurum ao abrigo do disposto no art.º 472/1 do C.P:C. no pagamento dos frutos civis vincendos de cada uma das fracções, bem como nas despesas dos condomínios e respectivos encargos fiscais de cada uma das fracções, à razão de €1.211,91 por mês, relativamente à fracção de … e de € 369,49 por mês relativamente à fracção de … (c).

• Como fundamento do pedido em suma diz o Autor que ele e a Ré são herdeiros legítimos de BB que faleceu em 3/2/08 e teve residência na Avenida …, n.º … em …; a Ré que esteve emigrada no ... desde 1978 com raras visitas a Portugal, reside actualmente no ..., não esteve presente no funeral da mãe nem em qualquer cerimónia fúnebre a ela relativa mas em 18/2/08 apareceu inopinadamente a reivindicar o cabeçalato da herança instalou-se naquela última morada da falecida mãe, sem pedir autorização aos demais herdeiros, passou a gozar a fracção de forma exclusiva, envolveu-se com uma senhora DD com quem passou a coabitar naquela residência até Abril de 2008 período durante o qual se procedeu à inventariação do recheio da casa da falecida; a mulher do- Autor após o falecimento de BB, mudou o canhão da fechadura da porta da entrada da residência e entregou a cada um dos herdeiros um exemplar da chave, mas em 24/4/08 a Ré sem dar conhecimento a qualquer um dos outros herdeiros decidiu colocar na porta da entrada do andar de … uma nova fechadura impossibilitando, assim, o acesso dos demais herdeiros àquele andar, inclusive para remover os bens móveis que integravam os lotes de bens que já haviam sido partilhados e, a partir dessa data a fracção tem estado ao serviço exclusivo da Ré; em Maio de 2008 a Ré regressou ao ..., regressando ao andar em Setembro de 2008 mantendo-se em Portugal até Novembro de 2008, regressando, depois, ao ..., em 10/2/09 o Autor intentou processo de inventário a fim de por termo à comunhão hereditária da falecida BB que corre termos em … no qual foi designado cabeça-de-casal daquela herança do Autor AA; em 1512/09 a Ré ressurge em … acompanhada do seu marido, instalam-se naquela residência e aí permanecem até 29/3/098, regressando, nessa data ao ... nesse período deslocando-se a … onde existe um outro prédio da herança cujas chaves exclusivamente a mencionada CC possui tendo sido baldadas todas as diligências no sentido do cabeça-de-casal por cobro a estes desmandos da Ré, impedindo o Autor de exercer o seu múnus; a actuação da Ré causa prejuízo ao património hereditário na medida em que o prédio de … que é um T5 bem situado junto à estação, servido de transportes públicos, se fosse arrendado, teria sido arrendado com um rendimento anual mínimo de 12.000,00 EUR, sendo que a herança suporta despesas de condomínio dessa fracção de 1.559,00 EUR e fiscais de 926,02 EUR e 57,91 EUR de taxa de esgotos, sendo que a herança de que o Autor é cabeça-de-casal, é credora da Ré no valor de 30.297,77 EUR, por outro lado a fracção de … é um TO que se fosse arrendada a renda anula seria de 3.900 EUR/ano, suportando-a herança anualmente a importância de 287,88 EUR de despesas de condomínio e encargos fiscais anuais de 246,46 EUR, pelo que nesta data deve a Ré à herança a quantia de 4.433,88 EUR

• A Ré veio contestar essa acção excepcionando a ilegitimidade do Autor para a propositura da acção na medida em que no processo de inventário apresentou oposição à nomeação do Autor como cabeça-de-casal por entender ser ela a cabeça-de-casal, sendo previsível a substituição do cabeçalato pela Ré razão pela qual deve ser suspensa a instância; excepcionou, também, a caducidade da acção possessória relativamente à fracção de … por ter decorrido o prazo de um ano sobre a data da mudança da fechadura, O Autor nunca viu inconveniente em a Ré ficar na casa de … tendo as chaves sido entregues pelo Autor, numa reunião de família de 18/2/2008 a Ré afirmou que iria exercer o cabeçalato por ser a mais velha e que permaneceria em Portugal o tempo necessário para o exercício dessa função, tendo o Autor e os demais herdeiros aceite o exercício do cargo pela Ré, a Ré solicitou elementos ao Autor para iniciar as obrigações fiscais que se encontravam por cumprir, o Autor remeteu-se ao silêncio e entregou quatro dossiers sem qualquer elemento; na reunião de 9/2/08 ficou definido e corroborado na reunião subsequente de 18/2/09 que se procederia à divisão dos saldos das contas bancárias e dos móveis e à venda dos imóveis à medida que se encontrassem devolutos, sendo o produto da venda distribuído pelos quatro herdeiros, nessa reunião fi. Ré comunicou que pretendia exercer as funções de cabeça-de-casal, o Autor entregou uma lista que, segundo o Autor continha todos os bens móveis que se encontravam no quarto de dormir, a contestante aceitou a lista e com a colaboração da D. DD e de um avaliador organizaram 4 lotes de idêntico valor, paralelamente contactou um escritório de advogados para diligenciar pelo cumprimento das obrigações fiscais e registrais e para proceder ao apuramento dos movimentos bancários realizados pelo Autor, tendo aquele escritório delegado na Dr.ª EE os poderes conferidos o que esta realizou; relativamente às 5 fracções da herança todas construídas depois de 1951 tornou-se obrigatória a junção das plantas de localização, telas finais e licença de utilização com preenchimento do modelo 1, campos 59 e 60 com as áreas bruta dependente e área bruta privativa com medição exacta da área de acordo com as telas finais, assim como junto do CMVM foi necessário obter certidão dos activos financeiros com indicações de valores para além da junção dos respectivos extractos bancários, juntou esses documentos na Repartição de Finanças e procedeu à demonstração formal junto das 3w entidades bancárias do falecimento do titular das contas e do cumprimento das obrigações tributárias em sede de IS-Imposto de Selo, indispensáveis à desmobilização das contas e resgate das aplicações financeiras; a 23/4/08 o Autor contrariamente ao que se comprometera, recusou-se a facultar documento ou a prestar informação; aos 17/6/08 o Autor, enquanto acto preparatório do inventário que se seguiria para partilha dos bens da herança de BB requereu o arrolamento dos móveis existentes na residência da falecida e providência cautelar inominada para que as funções de depositário dos bens e as de cabeça-de-casal fossem confiadas ao Requerente, a qual, por decisão de 14/4/09 veio a ser julgada improcedente, em 10/2/09 o Autor e António Tamagnini requereram a designação para o exercício do cargo de cabeça-de-casal o ora Autor, o que foi impugnado; a contestante até 30/09/09 data em que foi citada para o inventário que está pendente e em compromisso de honra do ora Autor, desempenhou com conhecimento e aceitação de todos os herdeiros as funções de cabeça-de-casal, até pelo facto de ser a filha mais velha da falecida tendo administrado a herança, pelo que os actos que praticou foram-no legitimamente, não se podendo sequer asseverar a existência de acto de esbulho que implica o apossamento indevido de um bem contra a vontade do legítimo possuidor ou a prática de actos ilegítimos que impeçam o possuidor da aceder ao mesmo e por isso deve encarar-se com naturalidade da mudança da fechadura pela Ré por forma a obstar à entrada de terceiros na fracção autónoma assim como a obstar a que o Autor na sua ausência ou de testemunhas levantasse bens móveis permitindo-lhe depois invocar falsamente a sua falta, pelo que inexistem elementos que permitam concluir pela acção possessória do art.º 2088 do CCiv, até porque nenhum dos herdeiros quer celebrar contratos de arrendamento e dessa forma onerar o património da herança, não havendo assim qualquer prejuízo, sequer direito á indemnização pelas despesas decorrentes do Imposto Municipal sobre Imóveis e Condomínio das fracções que consistem em encargos da herança e são da responsabilidade desta nos termos do art.º 2068 do Cciv;

• Houve incidente de intervenção do co-herdeiro FF nos termos do art.º 325/1 por ser o possuidor das novas chaves das fechaduras que a Ré mandou substituir.

• Houve Réplica onde o Autor sustenta que a acção é uma acção de restituição da posse das duas fracções que se encontram indevidamente na posse da Ré deduzida ao abrigo dos art.ºs 1278 e 2088/1 do CCiv e também de condenação na indemnização cível pela apropriação ilegítima das referidas fracções, por a posse da Ré ser ilegítima e estar assim obrigada a indemnizar a herança de acordo com as regras dos art.ºs 1275 do CCiv; devem as excepções ser julgadas improcedentes; reitera que nenhuma das fracções que estão devolutas após o decesso da de cujus foi posta à venda por exclusiva culpa da Ré, não obstante terem aparecido compradores, a actividade da Dr,ª EE teve de ser ratificada e rectificada pelo Autor que pagou as multas correspondentes aos erros.

• Em resposta ao requerimento do incidente de intervenção de FF a Ré veio dizer que se limitou a pedir ao mesmo que guardasse as chaves, não tendo qualquer interesse em contradizer, devendo ser julgado improcedente o incidente; na Tréplica reitera o que referiu na contestação e a improcedência dos pedidos do Autor.

• Nessa referida acção sob o n.º 3588/1O.4TBOER o Autor CC, por termo de 2/12/2011, veio desistir da instância relativamente ao pedido formulado na petição inicial e constante da alínea a) por no dia 18/10/2011 ter deixado de assumir o cabeçalato na herança por morte de sua mãe, mais pedindo que a condenação in futurum constante da alínea c) da petição inicial deixe de ser uma obrigação pura mas sim até 18/10/2011, data em que se extinguiu a legitimidade do Autor para deduzir o pedido constante da petição inicial.

• No processo de inventário sob o n.º 1076/09 a correr termos no 4.º Juízo de Competência Cível de Lisboa, na sequência do incidente de impugnação da legitimidade do cabeça-de-casal AA, foi decidido, aos 8/11/2010 remover AA do cabeçalato e nomear em sua substituição CC, conforme consta de fls. 186/192 cujo teor aqui na íntegra se reproduz;

• Essa decisão de 8/10/2010 transitou em julgado, estando pendente incidente de remoção do cabeça-de-casal CC, naquele despacho nomeado, conforme informação de fls. 197.

II.2. – Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.

São, consequentemente, apenas objecto do recurso as seguintes:

a) Nulidade do acórdão por violação do comando do artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;

b) Violação do artigo 2087.º do CC.

II.3.

Começaremos pela nulidade, dada a sua precedência lógica e prejudicialidade relativamente às restantes (artigos 726.º, 713.º, n.º 2 e 660.º do Código de Processo Civil).

Entende o R. recorrente que a sentença é nula, sem apontar claramente um dos casos de nulidade, nos termos do art. 668.º, n. º 1, do Código de Processo Civil.

No fundo, o recorrente entende que a fundamentação de direito é errada, porquanto os artigos 493/2, 494 e 495 do C.P.C. se não aplicam ao caso vertente.

Isto não configura a falta de fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil], porquanto, como é jurisprudência uniforme, só existe tal nulidade no caso de falta absoluta de fundamentação e não no caso de mera insuficiência ou deficiência da mesma (v. por todos o Acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 1992, in BMJ n.º 413, p. 360).

Também não se vê como a razão apontada pudesse justificar o preenchimento das nulidades das alíneas c) d) e e) do mesmo n.º e artigo.

No fundo o que o recorrente diz é que foi feita uma má aplicação do direito ou seja, que, na sua perspectiva, foi cometido um erro de direito.

Isso, podendo ser objecto do recurso, não configura, no entanto, qualquer nulidade.

II.4. – Sobre a segunda questão que passa a incidir sobre a totalidade da fundamentação de direito do despacho, parece-nos evidente a sem razão do recorrente.

A legitimidade processual é acima de tudo uma posição perante uma determinada pretensão deduzida em juízo.

A legitimidade do Autor ou autores afere-se pelo interesse em demandar que, por sua vez se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção (art.º 26.º, n.ºs 1 e 2 do CPC); na falta de indicação da lei em contrário, e aqui a lei substantiva não dispõe de forma contrária ou diversa (cfr. art.º 286.º do CCiv), são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor (art.º 26.º, n.º 3 do CPC).

A acção foi intentada pelo cabeça-de-casal e fundada no art.º 2088.º do CCiv. Não é a pessoa em concreto que está em causa nessa legitimidade ad causam é a função de cabeça de casal que pode ser exercida por pessoas diferentes ao longo do tempo durante o qual os respectivos poderes e deveres se mantêm.

Ora a legitimidade processual para a acção afere-se com referência ao momento da propositura da acção, sendo que nessa ocasião o cabeçalato estava deferido ao Autor, pelo que não se controverte a sua legitimidade.

Entendeu-se no acórdão recorrido que o pedido indemnizatório formulado se estriba muito justamente na alegada posse ilegítima por parte da Ré pelo que aquele não tem autonomia, o que justifica que o cabeça-de-casal possa formular ambos os pedidos conjuntamente, não sendo consentâneo com a economia processual que o cabeça-de-casal tenha apenas legitimidade para a acção de restituição da coisa, intentando a respectiva acção e que tenham já de ser todos os herdeiros, nos termos do art.º 2091 do CCiv, a intentar acção subsequente à precedente e procedente acção do cabeça-de-casal, com vista a obter uma indemnização pela reconhecida ocupação ilegítima.

Porém, a perda da qualidade de cabeça-de-casal por parte do A. inicial fez com que a legitimidade se radicasse no novo cabeça-de-casal, mesmo para o pedido de indemnização a favor da herança e derivado do alegado esbulho.

É até de considerar inválida a desistência relativamente à restituição de posse, porquanto a legitimidade é do cabeça de casal que o desistente deixou de ser e porque, se se devesse entender que o pedido de restituição de posse deixara de subsistir já não faria sentido considerar autonomamente o pedido indemnizatório, sem ser com fundamento no artigo 2091.º do CC (aqui divergimos do entendimento sufragado no acórdão recorrido).

Porém, ocorre uma dificuldade superveniente, decorrente de os interesses da herança serem defendidos pelo cabeça de casal que, em contrapartida, como réu, terá naturalmente propensão a defender os seus interesses pessoais, opostos ou contraditórios com aqueles.

Será possível encontrar no ordenamento jurídico forma de contornar esta dificuldade?

Existe a norma do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv (no capítulo encargos da herança) que estatui: "Se houver necessidade de fazer valer em juízo os direitos e obrigações do herdeiro e este for o cabeça-de-casal, será nomeado à herança para esse fim um curador especial".

Se, por qualquer circunstância, houver necessidade de recorrer a juízo para cobrar o crédito da herança contra o herdeiro, ou o crédito do herdeiro contra a herança e o herdeiro, seja ele o credor ou o devedor, for o cabeça-de-casal, nomear-se-á para a acção de cobrança judicial um curador especial, para não se colocar o cabeça-de-casal na posição difícil e ingrata de representar simultaneamente duas posições contrárias ou interesses.

A situação concreta dos autos não está expressamente regulada na lei.

Muito embora diferentes as situações em apreço e aquela para a qual foi pensada a norma do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv, será que as razões justificativas da regulamentação do art.º 2074.º, n.º 3 do CCiv procedem em relação ao caso em apreço, por forma a poder aplicar-se analogicamente?

O art.º 2074.º do CCiv tem a ver com o exercício dos direitos e obrigações que o herdeiro tinha para com o falecido, naturalmente em vida dele, direitos e obrigações que, por força do seu n.º 1 se conservam em relação à herança e até à liquidação e partilha, podendo tal exercício ser conflituante, se o herdeiro for o cabeça-de-casal.

No caso vertente não existia, no início do processo, qualquer conflito entre a pessoa que exercia o cabeçalato e a herdeira Ré, mas esse conflito passou a existir a partir do momento em que a pessoa que passou a exercer o cabeçalato e a Ré são uma e a mesma.

Entendeu-se no acórdão recorrido que as razões justificativas do art.º 2074.º, n.º 3, do CCiv se impõem-se no início do processo, ou seja, quem intenta a acção não é o cabeça-de-casal em representação da herança antes a herança representada pelo curador especial, ou seja, na hipótese do art.º 2074.º,n.º 3 do CCiv não ocorre a legitimidade do cabeça-de-casal para intentar a acção, antes ao curador especial, desde o seu início.

Entendemos que é possível configurar a situação em que um herdeiro reclama da herança um seu direito ou a herança reclama dele uma obrigação, sendo que, no momento da propositura da acção, o herdeiro não era cabeça de casal, tendo passado a sê-lo posteriormente.

Parece-nos que a norma não deixa de se aplicar, não se nos afigurando sequer, estarmos perante uma aplicação analógica.

Embora no caso do artigo 2074.º haja já uma obrigação ou um direito constituído relativamente ao de cujus o que aqui não acontece, o que o artigo 2074.º visa resolver é o impasse decorrente de o cabeça de casal ter que assumir em determinada acção a defesa de dois interesses incompatíveis, situação que aqui também se coloca.

Ao contrário do decidido no acórdão recorrido temos que se justifica plenamente aplicar ao caso presente a referida regra por analogia, ou seja, determinar-se que a posição da cabeça de casal como A. (na defesa dos interesses que lhe incumbem nos termos do artigo 2088.º) seja assumida por um curador especial.

III – Termos em que se acorda em conceder a revista, revogando a decisão recorrida que decretou a absolvição da instância e determinando que a acção prossiga os seus ulteriores termos, sendo a posição do A. assegurada por um curador especial.

Custas a determinar a final.


Lisboa, 12 de Março de 2015


Paulo Sá (Relator)

Garcia Calejo

Helder Roque

___________________
[1]              N.º 681
                Relator:    Paulo Sá
                Adjuntos: Garcia Calejo e
                                  Hélder Roque