Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B626
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
CULPA
ACTIVIDADES PERIGOSAS
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
LIQUIDAÇÃO SUBSEQUENTE
EQUIDADE
JUROS DE MORA
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Nº do Documento: SJ2008042206267
Data do Acordão: 04/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1. Tendo a Relação deixado de conhecer no recurso de apelação da alegação de um dos recorrentes sobre o âmbito quantitativo da indemnização por virtude de ter concluído pela inexistência do facto ilícito e culposo por aquele perpetrado, não é caso de ampliação do recurso de revista interposto pela outra parte para prevenir a possibilidade do seu provimento na parte recorrida, porque do que se trata é de substituição do tribunal ad quem ao tribunal recorrido a que se reportam os artigos 715º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil.
2. O Supremo Tribunal de Justiça tem competência funcional para conhecer da questão da presunção de culpa na actividade perigosa de construção civil de que resultaram danos reparáveis.
3. É actividade perigosa para efeito do disposto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil aquela que, face às circunstâncias envolventes, implica para outrem uma situação de perigo agravado de dano face à normalidade das coisas, o que não ocorre com os trabalhos de construção civil em geral.
4. Mas uma particular actividade de construção civil é susceptível de ser qualificada de actividade perigosa para aquele efeito face a específico circunstancialismo envolvente, por exemplo a escavação por máquinas pesadas na proximidade das fundações de prédio contíguo, de construção antiga, assente em terreno lodoso, já assaz deteriorado pelo seu tempo de duração.
5. A circunstância de a empreiteira ter cumprido o projecto de construção fornecido pelo dono da obra e sob a fiscalização deste, e de aquela ter usado técnicas normalmente usadas em tal tipo de construção, é insusceptível, só por si, face a omissões de diligências tendentes a prevenir o dano, de implicar o afastamento da referida presunção de culpa.
6. O dono da obra, independentemente de culpa, é responsável pelos danos causados a terceiros pela actividade de escavação realizada pelo empreiteiro, em solidariedade com este último no âmbito da responsabilidade civil extracontratual a título de culpa.
7. No quadro da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, são devidos juros de mora desde a data da citação dos demandados não obstante algumas das verbas integrantes do dano tenham sido pagas depois disso.
8. A cláusula do contrato de seguro do ramo obras e montagens que exclui da cobertura as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção a realizar em quadro de necessidade durante a execução dos trabalhos, interpretada em conformidade com o princípio da impressão de um declaratário normal, não abrange as relativas aos a trabalhos de escoramento realizados pelo lesado a fim de prevenir a ruína iminente do seu prédio.
9. Há nexo de causalidade cumulativa adequada e relevante entre o dano global produzido num edifício contíguo ao espaço em que ocorreu a actividade de construção civil de demolição por determinado empreiteiro e a de escavação de fundações e de construção do novo edifício por empreiteiro diverso.
10. À míngua de factos assentes suficientes para a determinação do quantum indemnizatório por equivalente pecuniário, se não se revelar viável a prova de factos relevantes para o efeito no subsequente incidente de liquidação, deve o mesmo ser calculado na própria sentença com base nos factos disponíveis e em juízos de equidade, sem abstrair do estado de deterioração em que o edifício danificado se encontrava e a referida causalidade cumulativa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
O Estado Português intentou, no dia 23 de Janeiro de 1997, contra AA-Construções de Habitações, Ldª, BB – Engenharia e Construções, Ldª e Companhia de Seguros CC SA, a que sucedeu a Companhia de Seguros CC, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de 4 195 386$ referentes a trabalhos de limpeza e da reparação da cobertura do edifício, 13 972 374$ referentes a materiais e serviços relativos ao escoramento do edifício, 5 733 000$ relativos ao projecto de empreitada de reforço das fundações, 5 557 500$, concernentes ao projecto de recuperação do edifício, 1 792 440$ relativos ao custo do estudo geológico/geotécnico, 482 887 338$ correspondentes ao custo da recuperação global do edifício e para reparação dos danos nele causados, 193 815 248$ para fundações e 218 908 973$ para a sua recuperação na parte acima do solo, mais o imposto sobre o valor acrescentado de 32 948 592$ e 37 214 525$, 2 029 738$ relativos a trabalhos a mais, referentes à empreitada de restauro das fundações, 2 272 725$ referentes a erros e omissões relativos ao restauro, 4 711 854$ relativos a trabalhos a mais referentes ao reforço das fundações do edifício, 2 281 500$ concernentes a trabalhos de acessoria à fiscalização e assistência técnica pagos, 1 123 200$ por trabalhos de acessoria à fiscalização técnica pagos, 2 246 400$ relativos a trabalhos de assistência técnica pagos, 35 738$ referentes a despesas com fotocópias, 678 600$ relativos a despesas com a mudança de mobiliário, 9 437 172$ concernentes a rendas pagas da casa de residência do capitão do porto, o que se liquidasse em execução de sentença com o acréscimo das despesas com a recuperação da parte externa do edifício, com o arrendamento da habitação para o capitão do porto e outros gastos a realizar relacionados com os danos no edifício na parte acima do solo e com a sua recuperação, juros de mora desde a citação e as actualizações dos montantes supra indicados em consequência da desvalorização do valor da moeda que, após a citação das rés, se verificasse.
E, a título subsidiário, para a hipótese de as rés não serem condenadas no pagamento das indemnizações correspondentes à reparação dos danos no edifício e a recuperação se fazer com o aproveitamento possível de todos os elementos que, presentemente, o integram, acima do solo, pediu a sua condenação no pagamento das correspondentes indemnizações que vierem a liquidar-se na acção ou em execução de sentença.
Fundou a sua pretensão, por um lado, na circunstância de AA, Ldª ter levado a efeito a construção de um edifício novo onde estavam dois antigos, terem as escavações e a construção das fundações sido efectuadas pela ré BB, SA, terem as obras provocado danos graves no seu edifício, incluindo as fundações, e levado à sua progressiva e acelerada degradação e ruína.
E, por outro, que isso o obrigou a mudar a residência do Capitão do Porto de Aveiro, com dispêndio em rendas e transportes de mobílias, a suportar custos com a realização de obras no edifício, incluindo ao nível das fundações, com os inerentes estudos e projectos, e na realização de outras despesas necessárias.
Finalmente, invocou dois contratos de seguro, um celebrado entre AA, Ldª e a Companhia de Seguros DD, SA, e o outro entre BB, SA e a Companhia de Seguros Fidelidade, SA.
AA, Ldª, em contestação, afirmou ter o autor empolado o valor dos alegados danos, que o edifício em causa já estava em degradação por desleixo de manutenção, e requereu a intervenção da Companhia de Seguros DD, SA, com fundamento em ter celebrado com ela um contrato de seguro, a qual foi admitida a intervir do lado passivo, a título principal acessório, mas não apresentou articulado.
BB, SA aderiu à contestação da AA, Ldª e referiu ter executado as obras segundo o projecto e as técnicas mais adequadas, e CC SA referiu a ruína do edifício do autor por desleixo de manutenção e que os danos foram causados pela influência das marés no canal da Ria.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 8 de Janeiro de 2007, por via da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e condenadas solidariamente as rés no pagamento ao autor de € 274 195,37, BB, SA até ao limite da franquia do contrato de seguro e a Companhia de Seguros CC, SA até ao limite dessa franquia, e juros à taxas sucessivas de 10%, 7% e 4%, a partir de 28 de Janeiro de 1997, da qual o Estado Português, BB, SA e a CC SA apelaram.
O Estado Português invocou, no recurso, a culpa de BB, SA na produção dos danos e o seu direito à indemnização em conformidade com o pedido que formulara, e a última invocou que não agira com culpa.
CC, SA secundou BB, SA quanto à não verificação da culpa desta e alegou discordar da exclusão da responsabilidade de AA, Ldª quando aos danos provocados pela demolição dos imóveis e a imputação exclusiva àquela empreiteira da responsabilidade pelos prejuízos, à condenação no pagamento de € 69 693,31 relativos ao escoramento do edifício, no montante das rendas e despesas com a mudança de residência do Capitão do Porto e quanto ao período de cálculo dos juros moratórios.
O Estado Português, na resposta, pronunciou-se sobre as questões colocadas pelas recorrentes BB, SA e CC, SA.
A Relação, por acórdão proferido no dia 18 de Julho de 2007, julgou procedentes os recursos interpostos por BB, SA e CC, SA últimas e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Estado Português, e condenou AA, Ldª a pagar-lhe € 1 269 501 e uma quantia com o limite de € 1 280 934,36 a título de indemnização pelos danos causados na estrutura do edifício acima do solo, e pelas rendas vencidas respeitantes à casa do capitão do porto à razão do duodécimo mensal sucessivamente em vigor, a partir de 8 de Janeiro de 2002, até ao fim do arrendamento, em conformidade com o que for liquidado, e juros de mora à taxa considerada na sentença.

Interpôs o Estado Português recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a natureza das obras de escavação e fundações do edifício e do terreno de implantação tornavam previsível e altamente provável que a movimentação das máquinas e a retirada de terras das fundações provocassem trepidações susceptíveis de o danificar;
- tais circunstâncias implicavam uma previsibilidade e um perigo de danos no seu edifício muito superior às actividades normais, pelo que a execução de tais obras de escavação e fundações era uma actividade perigosa pela sua própria natureza;
- a retirada de terras correspondentes às fundações provocou danos que foram a causa de movimentos do solo de implantação do seu edifício, destabilizando-o e provocando-lhe danos que foram causa directa e necessária da degradação acentuada e do estado de ruína geral em menos de seis meses;
- a realização das fundações implicou o uso de equipamentos pesados, produtores de fortes trepidações, tais como os utilizados para proceder à ancoragem da parede de contenção lateral e para a colocação de estacas de fundação, trabalhando por vezes próximo das fundações do seu edifício;
- dadas as características lodosas do terreno e a proximidade em que essas máquinas trabalhavam relativamente ao seu edifício, era previsível e altamente provável que as fortes trepidações resultantes do uso desses equipamentos se propagassem ao mesmo;
- a execução das fundações era, por isso, uma actividade perigosa, também em função dos meios utilizados;
- verificaram-se danos resultantes da trepidação das máquinas utilizadas nas escavações, nomeadamente na fase de execução das ancoragens da parede de contenção lateral, altura em que o edifício parecia que estremecia e se abriram fendas, caindo parte de um tecto;
- dada a natureza perigosa da actividade de execução das fundações do edifício, é de presumir a culpa da empreiteira, nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil, cabendo-lhe provar ter tomado as providências exigidas para prevenir o dano;
- a empreiteira não tomou as providências necessárias para evitar os danos e violou regras técnicas, porque não procedeu à prévia consolidação das fundações e da própria estrutura do edifício ou ao seu escoramento;
- o escoramento dos edifícios limítrofes ao da obra em execução é uma medida técnica imposta pelas boas práticas da construção civil e pelos artigos 128º e 138º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas;
- a prévia consolidação dos alicerces e do edifício do recorrente poderia minimizar ou evitar os danos causados pela construção do prédio;
- a empreiteira violou o artigo 135º Regulamento Geral das Edificações Urbanas, porque durante a execução das obras não adoptou as precauções e disposições necessárias para evitar danos materiais no edifício afecto a instalação de serviços públicos;
- a empreiteira violou regras técnicas ao não proceder à selagem das ancoragens da parede de contenção lateral em estratos com capacidade para assegurar a estabilidade da mesma, sendo que a sua selagem em estratos com melhores características resistentes poderia minimizar os efeitos e danos no edifício;
- a empreiteira utilizou máquinas pesadas próximo das fundações do edifício que produziram forte trepidação, nomeadamente por debaixo do desta, não tendo procedido, como podia e devia, ao controlo dessas vibrações na origem ou dos seus efeitos no seu edifício, apesar de os responsáveis da obra terem sido alertados para os danos que estavam a verificar-se no edifício;
- a empreiteira, para além de ter violado normas legais e técnicas, podia ter tomado, e não tomou, as providências necessárias e adequadas a evitar ou minimizar os danos que causou no edifício do recorrente, pelo que agiu com culpa;
- o acórdão recorrido, ao considerar que a empreiteira agiu sem culpa, violou o disposto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil, e ao absolvê-la e à seguradora, violou os artigos 562º, nº 1, 564º e 566º, nº 2, do Código Civil, privando o recorrente de obter delas a justa indemnização;
- os danos estruturais causados no edifício em consequência das obras realizadas pela empreiteira foram a causa directa, real e efectiva da acelerada degradação geral do mesmo e do seu estado de ruína a que chegou em menos de seis meses;
- dado que nem a dona da obra nem a empreiteira tomaram quaisquer medidas de defesa ou de reabilitação do edifício, e, tendo este chegado a um estado de degradação geral e de ruína iminente, teve de reforçar as suas fundações, obra necessária e inadiável para travar o processo de degradação geral e ruína do mesmo;
- o recorrente não teria necessidade de proceder a obras de reforço das fundações do seu edifício e de gastar a quantia de € 1 269 501,49 se a empreiteira e a dona da obra não tivessem provocado os danos estruturais que resultaram das obras de fundação e de construção do novo prédio;
- o recorrente deve ser indemnizado desse montante pela empreiteira, pela dona da obra e pela seguradora, esta com base no contrato de seguro;
- tem direito a ser ressarcido das despesas que teve de suportar devido à privação do uso e com a mudança do capitão do porto para a sua nova residência, quer com o pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas até à reparação do dano;
- os danos provocados pela dona da obra e pela empreiteira impunham a recuperação da estrutura do edifício, porque este atingiu um estado de degradação geral e de ruína, pelo que tem direito à respectiva reparação à custa da empreiteira e da seguradora por virtude dos danos nela causados;
- a indemnização deverá ser fixada equitativamente ou no que se liquidar em execução de sentença, tendo em consideração o montante da proposta vencedora no concurso público – 218 908 973$ mais o imposto sobre o valor acrescentado – que acabou por não se concretizar;
- a empreiteira e a seguradora devem ser condenadas no pagamento dos juros moratórios desde a citação, deverá manter-se a condenação da dona da obra e declarar-se solidária a sua responsabilidade, nos termos do artigo 497º, nº 2, do Código Civil.

Respondeu a recorrida BB, SA, em síntese de alegação;
- a averiguação da culpa situa-se no domínio da matéria de facto, pelo que dela não pode conhecer-se na revista;
- o facto de a selagem das ancoragens em estratos com melhores características resistentes poder minimizar os efeitos e danos no edifício é abstracto, pois não se sabe se no local havia ou não a possibilidade de os encontrar, ou se os houvesse, se seria possível encontrá-los;
- a empreiteira executou os trabalhos com técnicas normalmente usadas naquele tipo de obras e os tensionamentos das ancoragens foram aplicados por fases e com carga adequada, segundo os cálculos idealizados;
- os factos não revelam ilicitude ou culpa da empreiteira por forma a que esteja vinculada a responsabilidade civil extracontratual, a qual só impende sobre a dona da obra;
- o elemento novo da culpa presumida da empreiteira não se verifica, tal como se não verifica a sua culpa efectiva, sendo que a actividade de construção civil não é por si perigosa;
- não é lícito autonomizar parte de meros detalhe alegados pelo recorrente, isolando-os do conjunto dos factos que conduziram ao juízo de não culpa.

Respondeu a Companhia de Seguros CC, SA, em síntese de conclusão:
- foi violado o artigo 659º, nº 2, do Código Civil, sendo o acórdão é nulo, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, porque a condenação na quantia a liquidar pelos prejuízos na estrutura do edifício acima do solo não está fundamentada;
- o conhecimento da questão nova da culpa presumida da empreiteira está vedado por impossibilidade de alteração da causa de pedir, na medida em que a acção foi estruturada na imputação de culpa efectiva;
- não pode conhecer-se na revista do nexo de imputação da culpa à empreiteira, por ser matéria de facto da competência das instâncias;
. - a empreiteira respeitou os projectos e as regras de arte e o processo de construção teve sempre como objectivos a protecção e a segurança dos prédios vizinhos;
- o método de escavação e de execução da parede de contenção e das fundações tinha, também, por finalidade evitar deslizamentos e alcançar os efeitos estabilizadores dos terrenos confinantes, inclusive o do imóvel do Estado;
- os danos sofridos pelo edifício eram inevitáveis ou não são imputáveis à empreiteira, a título de culpa efectiva ou presumida;
- na eventualidade de vencimento da tese do recorrente, tem interesse na reapreciação das questões de direito a seguir identificadas:
- ao atribuir ao recorrente o direito a uma indemnização equivalente aos montantes da reconstrução das fundações e estrutura acima do solo, a Relação violou o princípio da reconstituição natural previsto no artigo 562º do Código. Civil, porque eles correspondem aos custos da obra de construção de um edifício novo e diferente, em substituição do antigo e degradado;
- o recorrente não teve intenção de efectuar a reparação efectiva dos danos originados pela construção da obra nem demonstrou não serem esses danos susceptíveis de reparação;
- o novo edifício, ao nível das fundações e da estrutura acima do solo, foi construído através de processos técnicos modernos e nele foram implantados resistentes alicerces, aplicados materiais, redes de electricidade, de comunicações e sanitárias, e instalados equipamentos de comodidade e conforto que o antigo edifício não tinha;
- tendo o recorrente optado pela construção de um novo edifício, não cumpriu o ónus de alegar e provar em concreto quais as obras necessárias e qual o montante correspondente ao restauro dos danos imputados à actividade de construção do prédio vizinho, a fim de poder obter o equivalente indemnizatório, à luz do preceituado no nº 1 do artigo 566º do Código Civil;
- a atribuição do montante indemnizatório nos termos expressos na condenação traduz-se num enriquecimento injustificado para o recorrente, em violação do disposto nos artigos 563º e 566º, nº 3, do Código Civil;
- ainda que assim não se entendesse, sempre teria que ser limitada a indemnização pelos prejuízos sofridos na estrutura do edifício acima do solo a montante equivalente a vinte e cinco por cento do custo das obras, já que a quota de setenta e cinco por cento foi suportada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional;
- o recorrente não realizou as obras projectadas referentes à construção do novo edifício - estrutura acima do solo - e nunca fundamentou, nem provou qualquer prejuízo relacionado com a entrega do edifício ao Município de Aveiro;
- os factos não revelam o nexo causal, directo ou indirecto, entre o acto de entrega do edifício ao Município de Aveiro e a manutenção do arrendamento da casa de residência do capitão do porto;
- a entrega a outrem do edifício sem realização das projectadas obras de recuperação significa que, desde a data da entrega, não seria reocupado pelo recorrente, viessem ou não os danos a ser reparados in natura;
- mesmo que assim não fosse, a partir do momento em que foram concluídas as obras de construção do novo edifício, com a consequente reocupação, deixaria o arrendamento de ter justificação;
- a condenação ilimitada temporalmente no pagamento da renda extravasa os limites da obrigação de indemnizar à luz da causalidade adequada prevista no artigo 563º do Código Civil;
- estão excluídas da cobertura do contrato de seguro as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção que se verifique serem necessárias tomar durante a execução dos trabalhos, pelo que não deverá suportar o pagamento das despesas com o escoramento do edifício;
- a condenação em juros contados desde a citação, apesar do pagamento ter sido posterior, consagra um enriquecimento injustificado do recorrente na medida em que situa a mora em momento anterior ao da existência do capital;
- a dívida de juros apenas deve ser fixada a partir das datas demonstradas dos pagamentos efectuados pelo recorrente;
- deverá ser mantido o acórdão recorrido ou decidir-se em conformidade com a requerida reapreciação.

II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido - inserida por ordem lógica e cronológica:
1. O autor é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano, composto de três pavimentos, rés-do-chão, 1° andar, sótão – torreão - e garagem, sito na Avenida Dr. ...., n°s 0, 0 e 0, freguesia de Vera Cruz, concelho de Aveiro, inscrito na matriz predial respectiva daquela freguesia, sob o artigo 2531, confrontando a Norte com a Avenida, a Sul e Poente com o Rio e a Nascente com T..., Ldª, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n° 17061, a folhas 181 do Livro B-47, ainda como Casa dos Moinhos, sita no local de Cojo, daquela freguesia, ainda em nome de A...., que também usava o nome de A..., actualmente descrito naquela Conservatória na titularidade do autor, sob o n° 1 412/140197 da mesma freguesia.
2. O mencionado prédio, que se encontra implantado em terrenos de constituição lodosa, compõe-se de 10 divisões, corredor e uma garagem no rés-do-chão, de 6 divisões, no 1° andar, e de 3 divisões, no sótão – torreão -, foi adquirido pelo autor, por expropriação por utilidade pública urgente, em virtude de portaria publicada, no Diário do Governo, 2a Série, n° 301, de 23 de Dezembro de 1925, tendo sido fixada a indemnização a pagar, por escritura de 7 de Janeiro de 1926, celebrada em Aveiro, com o proprietário, A..., e L....
3. Desde a data da referida expropriação, sempre o autor, através dos seus serviços ali instalados, esteve na posse do edíficio em questão, de construção antiga, desde há mais de 60 anos, pública, pacífica, continuadamente e de boa fé.
4. Os estudos recolhidos apontam no sentido de que o edifício da capitania tinha fundações em estacas de madeira não assentes em terreno firme, sendo que o mesmo confronta, a sul e poente, com o chamado canal central, estando, por isso, em contacto com as respectivas águas que, na altura da subida das marés, nele chegavam a penetrar, pelo poente, na divisão destinada à garrafeira.
5. O edificio é constituído por três corpos, tendo como raiz o antigo imóvel “casa dos moinhos”, ao qual foram incorporados ou acrescentados, sucessivamente, em épocas diferentes, primeiro, uma casa com rés-do-chão, 1° andar e sótão, e, por último, a garagem e a casa que foram acrescentadas para o lado Nascente, ocupando parte da estrutura primitiva.
6. O edificio está assente sobre uma zona lodosa em que o solo é constituído por depósitos aluvionares espessos, compostos essencialmente por lodos siltosos com espessura de 20 a 24,5 metros, e, sob estes depósitos, ocorrem formações cretáceas, constituídas por arenitos argilosos muito compactos e rijos em profundidade.
7. Não há indicação de que, desde a data da sua construção e até à intervenção que nelas ocorreu posteriormente à instauração da presente acção, que as fundações do edifício tenham sido objecto de quaisquer obras de reparação ou reforço, o mesmo acontecendo com a estrutura do próprio edifício.
8. Desde há várias décadas tem sido constatado o assentamento diferencial do edifício da Capitania, com mais notória incidência em algumas das suas partes.
9. À data do início dos trabalhos da empreitada levada a cabo pela ré BB, SA, em meados de 1994, já o referido edifício apresentava distorção da fachada sul, relativamente ao eixo vertical, com inclinação e perda de paralelismo entre os traços arquitectónicos exteriores, bem como a perda de esquadria de algumas janelas e portas, fissuração e algumas fendas abertas nas fachadas, queda de reboco em alguns locais e algumas fendas nos lintéis, cimalhas e cornijas, bem como nas vergas de janelas e portas, bem como assentamento diferencial dos apoios, com maior desenvolvimento nas fundações situadas no interior e fissuração e abaulamento do muro de suporte que margina o canal da Ria, pelo lado Sul, com assentamento na parte central.
10. No seu interior, apresentava fissuração em zonas de intersecção dos vários elementos estruturais interiores, queda e ou empolamento de reboco devido a infiltrações de águas pluviais, fendas, fissuras e fendilhações ramificadas nas paredes e no tecto e pontos de infiltrações de águas pluviais, com vestígios de humidades, algumas destas já antigas.
11. Existia assentamento diferencial das fundações, com maior desenvolvimento nas situadas no interior, apresentando alguns pavimentos desnivelamento notório, transmitindo distorções às respectivas paredes neles assentes, algumas das portas fechavam-se sozinhas, apenas por acção da gravidade, e algumas portas e janelas e respectivas guarnições estavam inclinadas e empenadas.
12. O autor procedia regularmente, até ao ano de 1992, pelo menos, ao tapamento das fissuras das paredes, à reparação das janelas e portas e a pinturas gerais, interior e exteriormente, e, com o decorrer dos anos, a base de sustentação do edifício foi perdendo solidez e fragilizando-se.
13. No referido edifício funcionavam, até por volta do ano de 1992, os serviços da Capitania do Porto de Aveiro, onde havia um movimento regular de pessoas, e a degradação do edifício, em termos de assentamentos diferenciais das suas fundações, começou há mais de 10 anos.
14. Em finais de 1993, a Câmara Municipal de Aveiro resolveu proceder à dragagem dos principais canais da cidade, nomeadamente do Canal Central, dos quais foram retiradas várias toneladas de lodos.
15. Em anos anteriores ao início das obras de demolição abaixo referidas, o autor foi realizando no edifício obras que tinham em vista a sua conservação, concretamente para retirar o salitre e evitar infiltrações, tendo as últimas sido realizadas anteriormente a 1992.
16. Notava-se no prédio, desde há muitos anos, um ligeiro abaulamento a meio do pavimento do quarto lateral do rés-do-chão e uma inclinação no corredor do mesmo piso, no sentido do muro nascente, deficiências estas que se mantiveram, ao longo dos anos, sem que o seu agravamento fosse perceptível.
17. Em Setembro de 1992, a pedido do autor, P.... Civil, Ldª fez um orçamento relativo a reparações de que o imóvel necessitava, no valor global de cerca de 1 100 000$, obras que consistiam, essencialmente, na substituição de telhas partidas, limpeza de calões, desobstrução de condutores, aplicação de juntas PVC para evitar infiltrações de humidade, calafetagem de pequenas fissuras, reparação de janelas com afinação de ferragens, colocação de vidros, reparação de canalizações, a instalação eléctrica, picagem de algumas zonas de parede com salitre, respectivo reboco e pinturas e afinação e aplicação de ferragens em janelas e portas.
18. A ré AA, Ldª adquiriu, por compra, em 30 de Setembro de 1993, a J..... e outros, por escritura efectuada no Cartório Notarial de Aveiro, dois dos prédios que se situavam a nascente do mencionado edifício da Capitania, na Avenida Doutor ....
19. A ré AA, Ldª pediu licença à Junta Autónoma do Porto de Aveiro para construir o novo edificio numa faixa de terreno junto ao antigo edificio da Capitania, cuja cláusula 17ª do referido Alvará expressa que a ré AA “é responsável por danos causados a terceiros, nomeadamente no que respeita ao património construído e, em especial, ao edifício pertencente à Capitania, com a qual a obra constante deste alvará confina”, a qual aceitou tal condição e assumiu a responsabilidade referida.
20. A ré AA, Ldª subempreitou o trabalho de demolição dos dois referidos prédios urbanos a uma sociedade especializada, a TT... de Aveiro Ldª, que prestou os serviços constantes da respectiva factura, inserta a folhas 244.
21. Esses prédios eram bastante antigos, com paredes de adobe e estafes, encontravam-se desocupados desde há meses, e o mais próximo do edificio da Capitania distava deste cerca de 4 metros.
22. A ré AA, Ldª procedeu à demolição dos referidos prédios urbanos, descritos no registo predial sob os n°s. 170 e 171, entre meados de Fevereiro a meados de Março de 1994, tendo as paredes sido derrubadas com o auxílio de máquinas, sem que os trabalhos de demolição envolvessem qualquer tipo de escavações.
23. No decorrer das referidas demolições, começaram a verificar-se algumas deteriorações no prédio do autor, e o Capitão do Porto de Aveiro solicitou, em 2 de Março de 1994, à Câmara Municipal de Aveiro, que definisse tais avarias e deteriorações, em vistoria a efectuar pelos seus técnicos, tendo em vista, designadamente, a eventual ocorrência de novos danos causados com a construção do imóvel que a ré AA, Ldª iria iniciar naqueles seus prédios.
24. Na vistoria efectuada em 22 de Março de 1994, aqueles técnicos constataram que existiam as seguintes deteriorações no edificio da Capitania: no exterior e no alçado lateral esquerdo, uma fissura maior, por cima da janela do 1° andar, indo até à cornija, continuando a fenda por baixo, até ao cimo da janela do rés-do-chão e, no alçado lateral direito, um ligeiro assentamento da parede e cornija do telhado, com assentamento a meio, além de algumas ligeiras fendilhações nas paredes; no interior do edifício, uma ligeira fenda, junto ao tecto e parede da fachada da sala de estar do rés-do-chão, ligeiro abaulamento, a meio do pavimento do quarto lateral, também do rés-do-chão, uma fenda no tecto da sala maior do 1° andar; na garagem, uma ligeira cedência das portas voltadas para a Avenida, havendo ainda a assinalar, em alguns compartimentos, alguns pontos de infiltração de águas e ligeiras fendilhações, sendo estas em maior número nas paredes e tectos do 2° andar ou torreão.
25. Pelo menos algumas das fissuras e fendilhações, referidas sob 24 foram causadas pela actividade de demolição dos dois edifícios urbanos que existiam nos terrenos, a nascente da Capitania, concretamente pela trepidação originada pelo trabalho das máquinas nas demolições e pelas próprias demolições, provocando, por vezes, abalos bem sensíveis nas paredes do edificio da Capitania, bem como por acção de deslocamento de terras, ao nível das fundações daquele imóvel, ocasionado pela diminuição da tensão nos terrenos, devido à diminuição de sobrecarga sobre os mesmos, proporcionada pelas demolições e pela retirada dos materiais que compunham os edificios demolidos.
26. A ré AA, Ldª não tomou quaisquer providências no edifício da Capitania, no sentido de evitar que as demolições provocassem os danos referidos na primeira parte de 25, e não procedeu ao escoramento desse edifício nem à construção, nessa fase, de uma parede de contenção dos terrenos ao longo do seu lado nascente.
27. Finda a demolição, antes de iniciados os trabalhos das fundações do novo prédio, a ré AA, Ldª mandou fazer um estudo sobre o terreno - reconhecimento geotécnico.
28. As descrições prediais registadas sob os n°s. 170 e 171 foram posteriormente inutilizadas por anexação daqueles dois números, e por motivo da demolição daqueles dois prédios urbanos, foi descrito um prédio rústico sob o n° 01370/060896.
29. Por motivo das referidas demolições, anexação e construção do novo edificio, composto por nove pisos, foram anulados os supra indicados artigos da matriz predial, e foi apresentada nos serviços de finanças pela ré AA, Ldª a declaração para alteração da inscrição.
30. A ré AA, Ldª iniciou, em meados do ano de 1994, no prédio em que se encontravam os edificios demolidos, a construção de um edificio de grande volume, com dois pisos subterrâneos e sete acima do solo, ficando a confinar com todo o lado nascente do edificio da Capitania, ou seja, as obras de escavação, construção das paredes de contenção e fundações vieram a iniciar-se naquela data.
31. Para realização das escavações, fundações e construção do novo edifício, celebrou a ré AA, Ldª um contrato de empreitada com a ré BB, SA, a qual, nos termos daquele, se obrigou à realização daquelas obras.
32. A Capitania, antes de a ré BB, SA intervir na construção do prédio, já não utilizava a garagem para os veículos automóveis, e o muro do Canal do Cojo estava bastante degradado.
33. A ré AA, Ldª, à data em que ocorreram os factos descritos, tinha celebrado um contrato de responsabilidade civil geral relativa a trabalhos de construção civil com a Companhia de Seguros DD, SA, até o limite de 5 000 000$, titulado pela apólice n° 42 N - 4202194.
34. Pela Companhia de Seguros CC, SA foi emitida, em 7 de Junho de 1994, a declaração de folhas 96, onde se expressa: “Pela presente se declara que foi aceite nesta Companhia um seguro do Ramo Obras e Montagens nas seguintes condições: “segurado: AA, na qualidade de Dono da Obra; BB, SA na qualidade de Empreiteiro Geral; objecto seguro Trabalhos de Escavação, Contenção e Estrutura de Toscos. Local de risco: Aveiro; Duração do seguro: Período dos Trabalhos: 12 meses com início em 03-06-94 e termo em 02-06-95. Período de garantia: 12 meses com início em 03-06-95 e termo em 02-06-96. Para o risco de responsabilidade civil com inicio em 03-06-94 e termo em 02-06-96. Coberturas/ Valores seguros: CAR (Contractor's All Risks) – 250 000.000$. Responsabilidade Civil – 150 000000$.”
35. Entre a rés BB, SA e a Companhia de Seguros CC, SA foi celebrado um contrato de seguro do ramo “obras e montagens”, nos termos e condições constantes da apólice n° 43/000000, através do qual a última declarou garantir diversos riscos decorrentes dos trabalhos de engenharia civil que constituíam a empreitada de toscos na construção do edificio da ré “AA, Ldª”, sito na Avenida Dr. ..., em Aveiro, confinante pelo lado poente, com o edificio do autor, entre os quais a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, que não o dono da obra, imputável a BB, SA, em resultado da execução dos mesmos trabalhos, nos termos do clausulado no Capítulo IV, Secção II, das Condições Particulares e no n° 907 das Cláusulas Adicionais, e que apenas garantia a indemnização devida por perdas ou danos causados às estruturas dos imóveis contíguos, com exclusão das fendas, fissuras e fendilhações, desde que não fosse afectada a estrutura e estabilidade daqueles imóveis e que não eram indemnizáveis as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção, e que o capital garantido para o risco de responsabilidade civil tinha o limite de 150 000 000$, com uma franquia de 10% a suportar pela entidade segurada, com o limite minimo de 750 000$ e máximo de 3 000 000$, em regime de co-seguro, assumindo os descritos riscos a partir de 3 de Junho de 1994 e pelo período de doze meses.
36. A ré BB, SA fez uma campanha de sondagens e de estudo dos solos antes de iniciar o seu trabalho na obra, e a preceder o início das escavações foi construída uma parede de contenção de terrenos.
37. A ré BB, SA só iniciou a sua intervenção na obra com a construção das paredes de contenção das fundações, em meados de 1994, e executou a obra de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações do dono da obra, sujeita à sua permanente fiscalização.
38. A ré BB SA” utilizou nas obras de escavação e construção das paredes moldadas uma grua “Ruston Bucyrus RB 22”, de 20 toneladas, um equipamento de parede moldada, designado “Casa Grande C 40”, com balde de abertura hidráulica, rondando as 45 toneladas, e uma máquina de estacas hidráulica, denominada “Bauer BG 11” de cerca de 56 toneladas, máquinas essas com entrada em obra a partir de meados de 1994.
39. As paredes das caves foram executadas pelas técnicas de parede moldada, com profundidade de cerca de 10 metros, a transmissão de cargas foi feita através de estacas executadas desde a parede moldada e na direcção do estrato de arenitos finos e argilas cinzentas esverdeadas, muito compactas e rijas, e o encastramento da parede moldada aos maciços de estacas foi feita ao nível da última laje executada.
40. Durante a execução da laje de fundo, em Novembro de 1994, foi a fase em que se atingiu o maior volume de escavações, durante a escavação para a obtenção da quota da laje de fundo do edifício da AA, Ldª, a qual está a cerca de sete metros de profundidade, o que teve lugar entre Outubro e Novembro de 1994, atingiu-se então a máxima profundidade da escavação, tendo sido colocados selos de gesso em algumas fissuras existentes no edifício da Capitania, nos dias 3, 17 e 29 de Novembro de 1994, os quais permaneceram intactos, pelo menos até ao dia 30 desse mês.
41. A parede de contenção lateral tem cerca de 10 metros de profundidade e foi executada em perfeita adequação ao solo das fundações, suficiente para suportar os esforços e tensões originados pela retirada de carga.
42. As ancoragens foram executadas entre Setembro e Outubro de 1994, e, de acordo com o respectivo projecto, o nível superior das ancoragens foi executado a partir de 1,50 metros abaixo do nível do terreno, perpendicularmente à parede de contenção, com uma inclinação de 30º, tendo um comprimento de 21 metros, sendo os últimos 9 metros a zona de selagem propriamente dita, compreendida entre as cotas 7,5 e 12 metros abaixo do nível do terreno.
43. O furo de ancoragem foi executado com um diâmetro de 4” - 8 litros p/m.l – e, após a execução do furo, com cerca de 21 metros, foi colocado um tubo metálico, com o diâmetro de 2”, em toda a extensão do furo e cheio de calda de cimento o espaço anelar entre o diâmetro de furacão e o tubo metálico de 2” - 4 l/m.l -, e vinte e quatro horas depois desta operação e, através do tubo metálico, foi feita a injecção com pressão, apenas, no último terço do tubo com volumes de calda de cimento da ordem dos 20 l/m.l.
44. No período de Julho a Outubro de 1994 foram executadas as ancoragens necessárias à sustentação da parede de contenção construída a poente do edificio, confinante com o lado nascente do edificio da Capitania, as quais foram realizadas através da execução de orifícios no terreno, numa direcção sensivelmente perpendicular à parede de contenção, de modo que algumas das mencionadas ancoragens vieram a ficar sob o edifício da Capitania.
45. Naqueles orifícios foi depois introduzido um cabo de aço embainhado, o qual foi posteriormente injectado com calda de cimento, vindo a formar cada uma das ancoragens como que uma sapata a amparar um pilar, na horizontal.
46. A estrutura executada no edifício da ré AA, Ldª - paredes da cave - atingiu uma profundidade da ordem dos dez metros e a camada do solo lodoso no local ultrapassa os vinte metros de profundidade.
47. As obras realizadas pela ré BB, SA consistiram no reconhecimento geológico/geotécnico dos terrenos, através de sondagem - na execução de muros guia, com 0,73 metros de espessura, na escavação e betonagem de parede moldada (também designada por parede de contenção periférica), com 0,40 metros de espessura e cerca de 10 metros de profundidade - na escavação e betonagem de estacas com um metro de diâmetro, na construção de vigas de coroamento da parede moldada, na escavação geral e na execução da lage do fundo e construção da estrutura do edificio.
48. Os muros-guia, em betão armado, foram implantados progressivamente, mediante a escavação de uma vala de reduzidas dimensões, faseada no tempo, em ordem a não permitir a descompressão superficial do aterro e o eventual deslizamento ou deslocamento e deformação dos solos confinantes, inclusive o subjacente ao edificio da capitania.
49. A parede de contenção periférica - parede moldada - em betão armado, foi implantada, delimitando o perímetro da área de construção, incluindo a zona confinante com o terreno do edificio da Capitania, com uma profundidade de cerca de 10 metros e espessura de 0,4 metros, acompanhando toda a área de construção vertical, abaixo da cota “0” - correspondendo aos pisos de cave e respectivas fundações do edificio da AA, Ldª - foi construída por fases através de painéis, sendo imediatamente preenchidas as valas abertas para a sua implantação com betão.
50. A parede de contenção foi construída com vista a evitar deslizamentos horizontais dos terrenos adjacentes, constituindo uma cortina de contenção do terreno e construções vizinhas, com vista a conseguir, dessa forma, os efeitos estabilizadores dos aterros circundantes aquando da realização das escavações posteriores, e foi assente sobre estacas findadas na camada inferior do aterro compacta e dura.
51. As escavações gerais foram realizadas após a construção da parede e, igualmente, por fases, sendo o leito imediatamente preenchido com a laje de fundo em betão armado, com cerca de 0,5 metros de espessura, à medida que a extracção do aterro ia avançando, e os tensionamentos das ancoragens foram aplicados por fases e com a carga adequada, segundo os cálculos idealizados
52. A ré BB, SA executou os trabalhos com recurso a técnicas normalmente usadas naquele tipo de obras.
53. Em consequência da retirada da carga correspondente ao volume das escavações realizadas para execução das fundações e pisos subterrâneos do novo imóvel, resultou um movimento do solo, por descompressão, na zona de implantação do edifício da Capitania e, consequentemente, o agravamento do assentamento diferencial das fundações deste último edifício.
54. Tal situação agravou a desestabilização do edifício do Estado, determinando os danos e deteriorações referidos e o agravamento dos já existentes, e acelerou o seu processo de ruína, e o referido movimento do solo, com agravamento do assentamento diferencial das fundações do edifício da Capitania, ocorreu no decurso e em resultado da execução dos trabalhos das escavações, da parede de contenção, das ancoragens e das fundações do novo edifício da ré AA, Ldª.
55. Em Outubro de 1994, ocorreram intensas e anormais chuvadas em Aveiro, acompanhadas de ventos fortes, e, na mesma ocasião, mostraram-se entupidos os esgotos pluviais da rua junto ao Canal, com acumulação de águas da chuva, fazendo pressão sobre o muro fragilizado, que não resistiu à pressão e à infiltração dessas águas, e ruiu em parte, sendo que a garagem da Capitania tinha fundações superficiais, com cerca de 0,5 metros.
56. No período em que foram executados alguns desses trabalhos das ancoragens, o edifício da Capitania parecia que estalava por todo o lado, e nele apareceram grandes fendas e outras aumentaram de dimensão, tendo numa dessas alturas caído parte do tecto da casa de banho e da cozinha.
57. Quer a ré AA, Ldª, quer a ré BB, SA, não mandaram escorar o edifício da Capitania, e a selagem das ancoragens em estratos com melhores características resistentes poderiam minimizar os efeitos e danos no edifício da Capitania.
58. A prévia consolidação dos alicerces e do edifício propriamente dito da Capitania poderia minimizar ou evitar os referidos danos causados pelas obras de construção do prédio da AA, Ldª.
59. Com a construção do novo imóvel da ré AA, Ldª voltaram a ocorrer danos, no edifício da Capitania, tais como fissuras nas paredes do mesmo, provocados, nomeadamente, pela trepidação causada pelas máquinas utilizadas.
60. A partir dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 1994 ocorreram outras deteriorações no edifício da Capitania, com agravamento do assentamento diferencial das suas fundações, afectando a própria estrutura do edifício.
61. O Capitão do Porto, alarmado com a situação, chamou à atenção dos responsáveis da obra para a ocorrência desses danos e a sua relação com as actividades que decorriam na execução do novo edifício, e, em Outubro de 1994, solicitou novas vistorias ao edificio da Capitania, de modo a que tais danos pudessem ser verificados por técnicos e registados.
62. Em 4 de Novembro de 1994, foi efectuada uma vistoria ao edificio da Capitania por técnicos da Direcção de Infra-Estruturas da Marinha, em que verificaram que os elementos construtivos estavam em mau estado geral, nomeadamente com fissuras muito significativas nos tectos e paredes em diversos compartimentos, bem como a queda de parte do estuque e reboco dos tectos, e ainda, no que se reporta à estrutura do edificio, observaram inclinações em diversas partes do mesmo, nomeadamente em pavimentos interiores e paredes exteriores, aspectos que se tornavam ainda evidentes nos vãos exteriores, não funcionando alguns deles por falta de esquadria.
63. Face ao estado que o edificio apresentava e à provável evolução da sua degradação, os referidos técnicos propuseram a sua evacuação e a solicitação, ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de parecer sobre as condições e estruturas do edificio e a relação entre a obra em execução e a evolução da sua degradação.
64. Nos últimos dias de Setembro e primeiros dias de Outubro desse ano de 1994, o edifício da Capitania começou a apresentar várias fendas profundas e largas, que iam aumentando, tendo, no dia 4 de Outubro, ruído parte do muro que dava para o Canal do Cojo, na zona contígua à Capitania, e aumentaram também outras fendas do edificio, com relevo para as da garagem.
65. Em outra vistoria ao edificio, efectuada em 6 de Outubro de 1994 por técnicos da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, estes constataram ter havido uma evolução das fissuras notadas em 18 de Março do mesmo ano, no sentido do alargamento da espessura e aumento da extensão total, e um aumento do número de novas fissuras e outras patologias, relacionadas com infiltrações de humidades provocadas por aquelas, bem como o aparecimento de fendas localizadas nos cantos de quase todas as portas e janelas do edificio, bem como ser bem acentuada a degradação da porta de duas folhas da garagem, que já nem se conseguia movimentar, e ainda a grande inclinação lateral de corredores localizados no 1° andar, o que não era tão notório na outra vistoria e o aparecimento recente de uma enorme fissura na fachada principal do edificio, que o corta, de alto a baixo, e com grande abertura junto ao telhado, e também que, poucas semanas antes da vistoria em apreço, o encarregado da referida obra adjacente executara diversas marcas em gesso em locais do edificio com o objectivo de monitorizar a eventual progressão das patologias, tendo-se verificado que essas marcas se tinham partido, revelando o aumento das fendas e, em alguns locais, o abatimento dos pavimentos.
66. Parte dos danos identificados na vistoria de 6 de Outubro de 1994 já constavam do auto de vistoria de 22 de Março de 1994, designadamente fissuras e fendas, tendo naquele sido realçada a sua evolução no sentido do alargamento da espessura e aumento da sua extensão total.
67. Os danos referidos anteriormente e ocorridos a partir de meados do ano de 1994 verificaram-se no período em que a ré BB, SA procedeu à realização de escavações, construção da parede de contenção lateral dos solos, designadamente a parte confinante com o lado nascente do imóvel do Estado e construção das fundações do novo edificio.
68. No decorrer dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, bem como no tempo que, posteriormente, decorreu, pelo menos até 23 de Janeiro de 1997, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício da Capitania.
69. Em Março de 1995, registava-se uma degradação geral da Capitania, nomeadamente com a cedência e fissuração de paredes estruturais, bem como o agravamento da inclinação de partes do edifício, incluindo fachadas e pavimentos.
70. Em Agosto de 1995, o edifício ameaçava ruína devido ao seu adiantado estado de degradação, apresentando paredes estruturais fracturadas, agravamento do assentamento das fundações e largas fissuras nas paredes internas e externas.
71. Solicitado, por ofício de 28 de Dezembro de 1994, a emitir parecer sobre a situação, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, por ofício de 6 de Janeiro de 1995, com base na análise do relatório da vistoria aludida sob 62, manifestou-se no sentido de que, por motivo da execução das obras de escavação das fundações do novo edifício no terreno adjacente, tinham ocorrido danos estruturais no edifício da Capitania.
72. O novo edificio construído tem sete pisos acima do solo e uma soleira do piso zero, cerca de um metro acima da cota dos edificios anteriores, e exigiu fundações adicionadas à dupla cave, que foram executadas próximo das fundações do edificio da Capitania.
73. Os serviços de Infra-Estruturas da Marinha solicitaram a uma empresa da especialidade a elaboração de dois projectos de engenharia, um com vista à realização de obras de reforço das fundações, e o outro para recuperação da estrutura e restantes elementos construtivos, e assim obteve um projecto de empreitada de reforço das fundações que lhe importou em 5 733 000$, sendo 4 900 000$ o respectivo valor e 833 000$ de imposto sobre o valor acrescentado; e um projecto de recuperação do edifício em que despendeu 5 557 500$, sendo o valor respectivo de 4 750 000$ e o imposto sobre o valor acrescentado de 807 500$.
74. A fim de evitar uma maior degradação do edificio, foram efectuados trabalhos de limpeza e de reparação da sua cobertura, para impedir infiltrações motivadas pelo deslocamento da estrutura da referida cobertura, nos quais o autor despendeu 4 195 386$, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado, e também aquele procedeu ao escoramento interior de todas as lajes e elementos exteriores em perigo de ruína, em cujo material e serviços despendeu 13 972 374$.
75. O autor despendeu num estudo geológico/geotécnico, com o mesmo fim de reforço das fundações e recuperação do edifício, o montante global de 1 792 440$, e em fotocópias, solicitadas a uma empresa especializada, por motivo da especificidade das mesmas, e, em consequência das diligências relacionadas com os danos sofridos pelo edificio do Estado, o valor global de 35 738$.
76. Através de estudos efectuados, obteve-se um projecto de recuperação global do imóvel, cujo orçamento ascendeu a 280 000 000$, sendo 150 000 000$ para fundações e 130 000 000$ para a recuperação da parte acima do solo, sendo o imposto sobre o valor acrescentado de 25 500 000$ e de 22 100 000$, respectivamente.
77. Dado o Capitão do Porto de Aveiro não ter podido continuar a habitar o edificio da Capitania desde Setembro de 1995, inclusive, a Marinha celebrou um contrato de arrendamento para a sua residência provisória desde aquele mês e ano, que ascendeu a 100 000$ mensais até Setembro de 1996, que passou para 103 700$ a partir de Outubro de 1996.
78. Em consequência da mudança de mobiliário do edifício da Capitania para a nova residência arrendada do Capitão do Porto de Aveiro, despendeu o autor, ainda, o montante de 678 600$, e após terem deixado de aí funcionar os serviços da Capitania do Porto de Aveiro, permaneceu no edifício o arquivo daquela instituição durante mais algum tempo.
79. O Ministério da Defesa Nacional, através do Conselho Administrativo da Direcção de Infra-Estruturas da Marinha, lançou o concurso público n° 3/69/97, cujo anúncio público foi publicado no Diário da República, III Série, n° 152, de 4 de Julho de 1997, do qual constava o local de execução: o edifício da Capitania do Porto de Aveiro, a designação da empreitada: obras de reforço das fundações do edifício da Capitania do Porto de Aveiro; a natureza e extensão dos trabalhos e características gerais da obra: fundações, em terreno constituído por lodos, em microestacas; o preço base do concurso: 120 000000$.
80. O concurso referido sob 78 foi lançado para reparação do sector das fundações do edifício da Capitania, nomeadamente em consequência dos danos provocados pelas obras de escavação e construção das paredes de contenção e fundações do edifício, que a ré AA, Ldª iniciou em meados do ano de 1994.
81. Com data de 18 de Agosto de 1997, GG-Construções, SA e Sondagens ..., Ldª apresentaram, conjuntamente, na sequência do referido concurso público, a que se reportava o anúncio datado de 12 de Junho de1997, uma proposta relativa ao mencionado objecto da empreitada de “Reforço das Fundações do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro”, em conformidade com o respectivo caderno de encargos, pelo preço global de 193 815 248$, ao qual haveria de acrescer o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor, comprometendo-se, por aquele preço, a executar as obras de reforço das fundações do edificio da Capitania.
82. Tal proposta veio a ser a vencedora do concurso público e a mencionada empreitada adjudicada pelo valor total de 226 763 840$, imposto sobre o valor acrescentado incluido, tendo sido facturados e pagos 186 806 000$, aquele imposto incluído, no ano de 1997, e 39 957 840$, com o mesmo imposto incluído, no ano de 1998.
83. Foram realizados alguns trabalhos a mais referentes à indicada empreitada de restauro, no montante de 2 029 738$, com imposto sobre o valor acrescentado incluído, liquidado e pago.
84. Pelo autor foi pago àquelas empresas, sempre no âmbito da execução da mencionada empreitada, por erros e omissões referentes ao restauro, o montante de 2 272 725$, com imposto sobre o valor acrescentado incluido, e por trabalhos a mais, referentes ao reforço da fundação da antiga Capitania do Porto de Aveiro, foi ainda liquidado e pago àquelas empresas o valor de 4 711 854$, com o imposto sobre o valor acrescentado incluído à taxa legal de 17%, e, por trabalhos de assessoria à fiscalização e assistência técnica na antiga Capitania do Porto de Aveiro, foi liquidada e paga aTeixeira Trigo, Ldª” a quantia de 2 281 500$, já com imposto sobre o valor acrescentado incluido à taxa legal de 17%, e por trabalhos de assistência técnica na antiga Capitania do Porto de Aveiro foi liquidada e paga a EP - Estudos e Projectos, Ldª a quantia de 1 123 200$, já com imposto sobre o valor acrescentado incluído, à taxa legal, e, por trabalhos de assistência técnica ao Edificio da Capitania do Porto de Aveiro - reforço das fundações – foi, também, liquidado e pago à referida EP - Estudos e Projectos, Ldª o montante de 2 246 400$, já com imposto sobre o valor acrescentado incluído.
85. Os trabalhos referidos sob 83 e na parte final de 33 reportam-se a serviços complementares necessários à execução da empreitada do reforço de fundações do Edificio da Capitania.
86. O Ministério da Defesa Nacional lançou o concurso público n° 5-69 C/98, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, III Série, n° 238, de 15 de Outubro de 1998, destinado à realização das obras de recuperação do edificio da Capitania do Porto de Aveiro, 2ª fase, após a efectivação das obras de recuperação das respectivas fundações, do qual constava o local de execução — Aveiro; a designação da empreitada: recuperação do edifício da Capitania do Porto de Aveiro, 2ª fase; natureza e extensão dos trabalhos e características gerais da obra: trabalhos de construção civil, estrutura metálica, cobertura e acabamentos, instalações de redes diversas; e preço base: não declarado.
87. Com data de 26 de Novembro de 1998, GG - Construções, SA apresentou, na sequência do concurso público a que se reporta o anúncio datado de 15 de Outubro de 1998, uma proposta para a execução de todos os trabalhos que constituíam o objecto da dita empreitada para a recuperação do edificio da Capitania do Porto de Aveiro, 2ª fase, em conformidade com o Caderno de Encargos, pelo preço global de 218 908 973$, a que haveria de acrescer o valor do respectivo imposto sobre o valor acrescentado, comprometendo-se a executar por aquele preço as obras mencionadas, e tal proposta veio a ser classificada como vencedora do concurso público pela respectiva Comissão de Análise que propôs, assim, a adjudicação da Recuperação da Capitania do Porto de Aveiro, 2ª fase, à referida GG, SA pelo valor de 218 908 973$, mais imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor, ou seja, pelo valor de 256 123 498$, mas tal empreitada não chegou a ser adjudicada.
88. Para a correcção das deteriorações descritas sob 16 foi estimado, em Fevereiro de 1998, o valor global de 4 000 000$, imposto sobre o valor acrescentado incluído.
89. A inclinação lateral de corredores localizados no 1º andar já existia antes da obra de construção do prédio, identificado supra, sendo que tal inclinação não era tão notória como veio a ser verificada no dia 6 de Outubro de 1994, e a fissura na fachada principal do edifício da Capitania, notada ou descoberta pelos peritos naquele dia, já havia sido identificada na vistoria de 22 de Março de 1994.
90. De acordo com o conselho do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, foram colocados selos de gesso, alguns dos quais permaneceram intactos, demonstrando não ter havido, a partir dessa altura e nesses locais, evolução danosa do edifício da Capitania, com origem nas obras do prédio vizinho.
91. O edificio de sete pisos, acima do solo, ocupado pelo Banco ..., SA, situado no lado Nascente ao construido pela ré BB, SA, porque assente sobre fundações sólidas, sobre estacas implantadas no subsolo compacto e duro, pelo mesmo processo das obras agora executadas, não sofreu qualquer alteração, fendas ou fissuras, no interior ou no exterior, provocadas pelos trabalhos daquela empresa.
92. As obras levadas a cabo pela ré BB, SA, que se iniciaram em meados de Junho de 1994, tiveram a conclusão dos trabalhos de escavação e de construção da laje de fundo do edifício da ré AA, Ldª em Novembro desse ano.
93. O Estado manteve o contrato de arrendamento referido para habitação do Capitão do Porto de Aveiro, após a data da entrada em juízo da petição inicial, tendo despendido, com o mesmo, nos meses de Janeiro a Março de 1997, a quantia de 103 700$, em cada um desses meses, bem como a quantia de 145 000$ em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1997 e Março de 1998, e a quantia de 148 335$ em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1998 e Março de 1999, e a quantia de 151 747$ em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1999 e Março de 2000, e a quantia de 155 747$, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 2000 e Março de 2001, e a quantia de 159 428$, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 2001 e Março de 2002.
94. O pagamento do aumento da renda do mês de Abril de 2001 - 3 421$ - foi efectuado, conjuntamente com a do mês de Maio de 2001, e o pagamento das rendas dos meses de Fevereiro e Março de 2002 foi efectuado no correspondentes montante de € 795,22.
95. Por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa Nacional, datado de 8 de Janeiro de 2002, foi determinada, com efeito a partir desta data, a entrega material à Câmara Municipal de Aveiro, no estado em que se encontrava, do edifício da ex-Capitania do Porto de Aveiro, com o objectivo de permitir que a autarquia pudesse iniciar os trabalhos de recuperação completa do mesmo, garantindo a Câmara Municipal de Aveiro, a partir da entrega material do edifício, e até à sua transferência da propriedade, com entrega definitiva, a favor da Sociedade Aveiro Polis, SA, o pagamento das rendas da residência do Capitão do Porto de Aveiro, reservando, porém, o Estado, para si, todos os direitos litigiosos implícitos nesta acção.
96. O projecto de recuperação-reconstrução do edifício da Capitania de Aveiro foi co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, tendo sido comparticipados os seguintes trabalhos: elaboração do Projecto de Reabilitação e Recuperação do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro, adjudicado à empresa SD-Arquitectos, Ldª”, tendo sido comparticipado por aquele Fundo no montante de € 53 958,55, correspondente a 75% do custo elegível, no montante de € 71 944,73; Empreitada de “Reabilitação e Recuperação do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro”, comparticipado pelo referido Fundo no montante de € 960 700,77, correspondentes a 75% do custo elegível, no montante de € 1 280 934,36, relativo ao contrato inicial celebrado com a empresa VP - Engenharia e Construções, SA.


III
A questão essencial decidenda é a de saber se as recorridas BB-Engenharia e Construções, Ldª e Companhia de Seguros CC, SA estão ou não sujeitas à obrigação de indemnizar o recorrente pelos danos que afectaram a sua esfera jurídica nos termos definidos no acórdão recorrido.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e das recorridas, sem prejuízo de a solução dada a alguma prejudicar a análise de outra ou de outras, a resposta à referida questão pressupõe a análise das seguintes questões específicas:
- delimitação do objecto do recurso certo e eventual;
- natureza dos contratos celebrados entre as recorridas;
- é ou não o dano invocado pelo recorrente imputável culpa a BB, SA?
- constituiu-se ou não BB, SA na obrigação de indemnizar?
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade?
- âmbito específico de responsabilidade civil de AA, Ldª;
- o dano do recorrente envolve ou não as rendas vencidas e vincendas em causa?
- tem ou não o recorrente direito a exigir juros de mora a contar da citação das demandadas?
- abrange ou não o contrato de seguro em causa o dispêndio com o escoramento do edifício?
- dinâmica da degradação do edifício no confronto das respectivas causas;
- nexo de causalidade adequada entre as intervenções de construção de civil e os danos;
- quantificação da indemnização devida ao recorrente;
- individualização da responsabilidade pela indemnização.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos pela delimitação do objecto do recurso interposto pelo Estado Português.
Ainda não é aplicável ao caso vertente o novo regime dos recursos que decorre da alteração do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).
O objecto do recurso em causa é delimitado pelas questões que sejam objecto das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente (artigos 684º, 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e a parte útil das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente, a discordância quanto ao decidido pela Relação cinge-se à circunstância de BB, SA e CC, SA terem sido absolvidas do pedido, admitindo que a indemnização seja calculada com base na equidade.
Em consequência, é esse, em princípio, o objecto do único recurso de revista que foi interposto, ou seja, o implementado pelo Estado Português.
Todavia, CC, SA, prevenindo a hipótese da procedência do recurso, nas alegações que formulou como recorrida, requereu a ampliação do recurso às questões da nulidade do acórdão da Relação, sob o argumento de falta de fundamentação e da medida e da quantidade do dano e ao nexo de causalidade entre este e o facto, nos termos que adiante se concretizarão.
Justificou essa pretensão na circunstância de a Relação, ao considerar inverificada a culpa de BB, SA, não haver conhecido da referida problemática, por virtude de julgar prejudicado o seu conhecimento.
A ampliação do recurso a requerimento do recorrido está prevista no artigo 684º- A do Código de Processo Civil, sendo seu pressuposto necessário a pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, caso em que o tribunal de recurso deverá conhecer do fundamento em que a parte vencedora decaiu se esta o requerer, na contra-alegação, mesmo a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação em virtude da procedência do recurso (nº 1).
Ora, no caso vertente não se está perante o decaimento da recorrida CC, SA em algum dos fundamentos em que ela baseou a sua defesa, porque o que ocorreu foi a não apreciação pela Relação, no recurso de apelação da causa do dano e do seu âmbito, por virtude de as considerar prejudicadas em virtude da conclusão de não verificação do facto ilícito e culposo perpetrado por BB, SA, que havia sido considerado verificado na sentença proferida no tribunal da primeira instância (artigos 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Esta situação é regida pelo disposto nos artigos 715º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil, segundo os quais, este Tribunal, se o recurso de revista proceder, deve nele conhecer-se daquela problemática.
CC, SA suscitou no recurso de apelação, em síntese, em tanto quanto releva no caso vertente, a seguinte problemática:
- a débil solidez do edifício aquando da intervenção de AA, Ldª no âmbito das demolições, que a partir desta se agravou e entrou plano inclinado, cuja ruína não podia ser evitada senão com a reconstrução das suas fundações operada pelo recorrente;
- BB, S.A. só iniciou a sua actividade na obra em meados do ano de 1994, pelo que não pode ser-lhe imputada a responsabilidade pelos danos resultantes das demolições anteriormente levadas a cabo pela dona da obra;
- face ao contrato de seguro não está obrigada a satisfazer a parcela do pedido referente à despesa com o escoramento do edifício;
- dado o estado de degradação do edifício à data das obras realizadas por AA, Ldª e BB,SA estava o recorrente na contingência de mudar de instalações e suportar as correspondentes despesas com a mudança e as rendas referentes à ocupação de outro espaço, pelo que inexiste nexo causal entre umas e outras;
- ainda que diversamente se entenda, face a matéria de facto apurada é excessivo e desproporcionado o período de arrendamento considerado, só sendo de imputar às responsáveis as rendas pelo período de tempo necessário à exclusiva reparação dos danos por aquelas;
- não teve o recorrente intenção de reparar estes danos, optou pela realização de obras de reconstrução das fundações do edifício, pelo que, na parte referente às rendas com a nova habitação do capitão do porto, o pedido do recorrente constitui abuso do direito, pelo que deve improceder;
- a condenação no pagamento de juros contados desde a citação consagra um enriquecimento injustificado do recorrente, porque estabelece a mora antes do vencimento da prestação relativamente às parcelas componentes do montante condenatório respeitantes a quantias só por ele suportadas em datas posteriores à da citação, pelo que os juros só devem ser contados a partir das datas de tais pagamentos;
- foram violados a cláusula adicional nº 907 do contrato de seguro e os artigos 334º, 483º, 559º, 566º, nº 3, 804º, nº 2, 805º, nº 3, e 1348º do Código Civil.
Por isso, no caso de proceder o recurso de revista, ou seja, se vier a considerar-se que a BB, SA são imputáveis danos na esfera jurídica do recorrente a título de culpa, incumbira a este Tribunal nele apreciar as questões que a referida seguradora submeteu ao julgamento da Relação e cujo conhecimento não ocorreu por ter ficado prejudicado em virtude da solução dada ao litígio no sentido de absolvição de BB, SA do pedido.
Como o apelado e ora recorrente se pronunciou, no recurso de apelação, sobre a referida problemática, estava o relator dispensado de cumprir, na parte respectiva, o disposto no artigo 715º, nº 3, do Código de Processo Civil, tendo em conta o que se prescreve no artigo 726º daquele diploma.
Também a recorrida CC, SA, invocando a sua faculdade de ampliação do recurso de revista, arguiu a nulidade do acórdão com fundamento na falta de fundamentação do segmento decisório que relegou a liquidação para incidente posterior.
O recorrente, porém, não usou da faculdade de resposta a esta matéria, a que se reporta o artigo 698º, nº 5, do Código de Processo Civil.
A este último propósito, prescreve a lei que o recorrido, na respectiva alegação, a título subsidiário, pode arguir a nulidade da sentença, ou do acórdão, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente (artigo 684º-A, nº 2, do Código de Processo Civil).
A recorrida CC, SA tem, por isso, nesta parte, legitimidade para requerer a ampliação do recurso de revista, naturalmente sob condição de revogação do acórdão proferido no recurso de apelação.
Em consequência, a proceder o recurso de revista, importa também conhecer da referida arguição de nulidade do acórdão recorrido (artigos 668º, nº 1, alínea b), 684º-A, nº 2, e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).

2.
Prossigamos com uma breve análise da natureza dos contratos celebrados entre as recorridas e AA, Ldª.
A empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante determinado preço (artigo 1207º do Código Civil).
Em primeiro lugar, foi celebrado um contrato de empreitada entre AA, Ldª e T...-Terraplanagens de Aveiro Ldª, que teve por objecto a demolição dos dois velhos prédios implantados no local onde foi construído o novo edifício da primeira.
A expressão subempreitou, atribuída a AA, Ldª, dada a sua posição de dona da obra, não pode ter o sentido de contrato de subempreitada, pelo que deve ser entrendida, embora a qualificação não assuma aqui qualquer relevo, como contrato de empreitada.
Embora este último contrato não esteja aqui em causa, certo é que, no âmbito da sua execução, foram causados alguns danos no prédio urbano que então era do recorrente.
Como os representantes de AA Ldª, por um lado, e os representantes de BB, SA, por outro, declararam, a primeira adjudicar à última a sua obra mediante o pagamento de determinado preço, certo é estarmos perante um contrato de empreitada, em que a primeira figura como dona da obra e a última como empreiteira.
A referida obra, ou seja, o objecto mediato do mencionado contrato de empreitada consistitu nas escavações, fundações e construção de um edificio, próximo do que era então da titularidade do recorrente.
O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, àquele ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
Rege-se pelas disposições específicas da respectiva apólice não proibidas por lei, por diploma legal específico, caso exista e, subsidiariamente, pelas disposições do Código Comercial (artigo 427º do Código Comercial).
Trata-se de um contrato formal, certo que a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, da qual devem constar, além do mais, o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o respectivo objecto e a natureza, o valor e os riscos cobertos (artigo 426º, § único, do Código Comercial).
Considerando os factos provados, temos que as recorridas Companhia de Seguros CC, SA, por um lado, e a recorrida BB, SA, por outro, a primeira na posição de seguradora e a última na qualidade de tomadora, celebraram, por via dos respectivos representantes, um contrato de seguro.
Trata-se de um contrato de seguro do ramo obras e montagens, cujo objecto mediato foram os riscos decorrentes dos trabalhos de engenharia civil envolventes da construção do edificio para a AA, Ldª, ou seja, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em resultado desses trabalhos.
O referido módulo contratual garantia, assim, a indemnização devida por perdas ou danos causados às estruturas dos imóveis contíguos, salvo as fendas, fissuras e fendilhações que não afectassem a estrutura e estabilidade do imóvel, e as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção, com o limite de € 748 196,84, a franquia de dez por cento, no mínimo € 3 740,98 e no máximo de € 14 963, a suportar, se for caso disso, por BB, SA.

3.
Continuemos com a análise da questão de saber se os titulares dos órgãos e ou os agentes de BB, SA agiram ou não, na actividade desenvolvida no âmbito do referido contrato de empreitada, com culpa que àquela deva ser imputada.
No fundo, trata-se da questão de saber se o dano invocado pelo recorrente é não imputável a BB, SA a título de culpa.
Estamos no caso perante uma questão de responsabilidade civil extracontratual, susceptível de abranger a tríplice espécie derivada de facto ilícito, do risco ou de facto lícito.
A propósito da primeira das referidas vertentes, a lei expressa, além do mais que aqui não releva, que a violação ilícita, com dolo ou mera culpa, do direito de outrem gera a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos dela decorrentes (artigo 483º, n.º 1, do Código Civil).
A ilicitude do facto pressupõe, além do mais, uma acção ou omissão controlável pela vontade, violadora de direitos subjectivos absolutos de outrem. É nesta última categoria que se integra o direito de propriedade a que se reporta o caso vertente (artigo 1305º do Código Civil).
A culpa lato sensu é susceptível de abranger o dolo, que não releva no caso vertente, e a culpa stricto sensu ou mera negligência, que se traduz, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, a vertente consciente ou inconsciente.
No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua inverificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.
Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
Na apreciação da culpa do empreiteiro, deve ter-se em conta, além do mais, o disposto no artigo 487º, n.º 2, do Código Civil, sob o critério de ele dever actuar com a diligência do chamado bom pai de família, a que acima se fez referência, tendo em conta a obrigação de operar segundo as regras da arte ou as normas técnicas de segurança vigentes no domínio da construção civil.
O critério legal de apreciação da culpa é, pois, abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do evento em causa, por referência a um agente normal.
O critério legal de apreciação da culpa por referência ao bom pai de família, ou seja, à pessoa padrão relativamente ao sector de actividade em causa, tendo em conta as circunstâncias concretas, implica a conclusão de que envolve, a um tempo, matéria de facto e de direito.
Em consequência, ao invés do que alegaram as recorridas BB, SA e CC, SA, pode este Tribunal sindicar o juízo de apreciação da culpa formulado pela Relação, na medida em que também envolve uma questão de direito (artigo 729º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal de culpa, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito (artigos 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Código Civil).
A responsabilização das sociedades como é o caso das recorridas BB, SA e de AA, SA, porque se trata de entidades meramente jurídicas, assume a especificidade decorrente dessa característica.
Respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (artigo 6º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais).
Assim, a responsabilidade civil extracontratual das sociedades é moldada na responsabilidade civil do comitente no confronto com a responsabilidade civil do comissário.
Resulta do referido regime, por um lado, que o que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar (artigo 500º, n.º 1, do Código Civil).
E, por outro, que a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso foi praticado pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada, ainda que intencionalmente ou contra as instruções do primeiro (artigo 500º, n.º 2, do Código Civil).
A comissão é o serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem.
Assim, são pressupostos da responsabilização das sociedades comerciais a prática pelos titulares dos seus órgãos, agentes ou representantes de um facto ilícito e culposo ou outro que implique a obrigação de indemnizar.
A imputação da culpa na produção dos prejuízos alegados pelo recorrente à recorrida BB, SA depende da prova de factos reveladores de que na actividade concernente os seus representantes estatutários ou os seus empregados agiram com culpa.
O tribunal da primeira instância considerou ter a recorrida BB, SA agido com culpa, sob a motivação de que, apesar de ter cumprido o projecto com técnicas normalmente usadas no tipo de obras que realizou, não estar provado ter feito uso das mais adequadas aquele tipo de obras, nomeadamente quanto à selagem das ancoragens.
A Relação, porém, decidiu no sentido da não imputação de culpa na produção dos danos invocados pelo recorrente à empreiteira BB, SA, salientando, por um lado, que ela executou as obras de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações da dona da obra, com recurso a técnicas normalmente usadas nesse tipo de obras.
E, por outro, que, independentemente de ela não ter mandado escorar o edifício do recorrente, a análise crítica dos restantes factos provados relativos à actividade daquela sociedade não permitia a referida imputação, referenciando o desconhecimento das técnicas usadas nos trabalhos anteriores de demolição dos dois prédios urbanos que existiram no lugar onde as obras em causa decorreram.
Finalmente, acrescentou que, na actividade conjunta da sociedade BB, SA e da sociedade que procedeu à referida demolição, não era possível estabelecer o nexo de imputação de culpa à primeira no que concerne aos referidos danos.
O recorrente invocou no recurso de revista, pela primeira vez, a actividade perigosa desenvolvida pela recorrida BB, SA e, com base nela, pretende que se considere a presunção de culpa a que alude o artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
BB, SA e CC, SA opuseram-se à consideração, no recurso, da referida questão, sob o argumento de se tratar de uma questão nova e de ser vedada ao recorrente, no recurso de revista, a alteração da causa de pedir.
Estamos, na realidade, perante uma questão nova, porque não foi discutida nas instâncias, na medida em que o recorrente a não invocou nos articulados da acção nem nas alegações do recurso de apelação e dela as instâncias não conheceram.
Certo é, também, que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, salvo se tal modificação for consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (artigo 273º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A causa de pedir a que o referido normativo se reporta assume o significado de factos constantes das normas substantivas concedentes do direito objecto dos pedidos formulados em juízo (artigos 264º, nº 1, 467º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 498º, nº 4, do Código de Processo Civil).
No caso vertente, todavia, o que sucede é que o recorrente se limitou a atribuir diversa qualificação jurídica aos factos provados, o que nada tem a ver com a alteração ou ampliação da causa de pedir.
É certo, como que os recursos visam a reapreciação de decisões de determinadas questões proferidas nos tribunais de que se recorre (artigos 676º, nº 1 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Todavia, no caso, trata-se de uma questão jurídica, naturalmente de conhecimento oficioso no âmbito dos poderes funcionais deste Tribunal, a quem cabe aplicar o direito pertinente aos factos provados (artigo 729º, nº 1, do Código de Processo Civil).
BB, SA e CC, SA já se pronunciaram sobre a referida qualificação jurídica empreendida pelo recorrente, pelo que cumprido está o princípio do contraditório a que se reporta o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Reunidas estão, pois, as condições para que nesta sede se conheça da mencionada questão jurídica, o que se vai fazer, tendo em conta as normas jurídicas substantivas pertinentes e os factos provados.
Resulta do nº 2 do artigo 493º do Código Civil que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias do caso, com o fim de os prevenir.
Actividade perigosa é aquela que, face às circunstâncias do caso concreto, implica para outrem uma situação de perigo, ou seja, a probabilidade de lhe infligir um dano, o mesmo é dizer que envolve maior probabilidade de causar danos do que generalidade das actividades.
Estamos perante uma situação em que o prédio contíguo era de construção antiga, implantado em terrenos de constituição lodosa de mais de vinte metros de profundidade, e as fundações do novo edifício eram de dupla cave executadas próximo das fundações do primeiro imóvel em profundidade de cerca de dez metros.
Acresce que, na realização das mencionadas fundações, os agentes de BB, SA utilizaram máquinas pesadas e geradoras de forte trepidação por debaixo do mencionado edifício contíguo.
Certo é que a actividade da construção civil, abstractamente considerada, não é susceptível de ser qualificada de perigosa, para os efeitos previstos no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
Todavia, perante o circunstancialismo concreto envolvente, designadamente a fragilidade das fundações do prédio contíguo em razão da natureza do respectivo terreno de implantação, face às aludidas considerações de ordem jurídica, a conclusão é no sentido de que se tratou de actividade perigosa por virtude da natureza dos meios empregados.
Está assente, por um lado, que BB, SA iniciou em meados de 1994 a sua intervenção na obra com a construção das paredes de contenção das fundações e que a preceder o início das escavações foi construída uma parede de contenção de terrenos.
E, por outro, que executou a obra de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações da respectiva dona, sujeita à sua permanente fiscalização, e com recurso a técnicas normalmente usadas naquele tipo de obras.
A lei estabelece condições especiais relativas à segurança das edificações, além do mais, no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
A regra é no sentido de o delineamento e a construção das edificações e a sua manutenção dever garantir a segurança, além do mais, para os prédios vizinhos (artigo 128º).
Durante a execução das obras de qualquer natureza devem adoptar-se as precauções ou disposições necessárias para evitar danos materiais (artigo 135º).
Na execução de terraplanagens, na abertura de poços galeria, valas e caboucos, ou noutros trabalhos de natureza semelhante, os revestimentos e os escoramentos deverão ser cuidadosamente construídos e conservados, adoptando-se as demais disposições necessárias para impedir qualquer acidente, tendo em atenção, além do mais, a natureza do terreno e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos (artigo 138º).
Incumbia a BB, SA, na sua qualidade de empreiteira, sujeita ao cumprimento das regras da arte da construção civil e da lei, no âmbito da sua autonomia técnica, executar os trabalhos de escavação e de assentamento das fundações em termos de não originar estragos a outrem, mormente no prédio contíguo, na altura da titularidade do recorrente.
O conteúdo do projecto de construção que devia executar ou as instruções que lhe tenham sido dadas pela dona da obra, no âmbito ou fora do âmbito do seu direito contratual de fiscalização, são insusceptíveis de a desonerar do dever de diligência com vista a não provocar estragos nos prédios contíguos.
Tendo em conta a factualidade provada, vários estragos no prédio urbano que então era do recorrente derivaram das escavações no prédio contíguo, da implantação das suas fundações e de outras operações de construção realizadas por agentes de BB, SA.
A afirmação que está assente de que BB, SA cumpriu o projecto com técnicas normalmente usadas no tipo de obras que realizou, é meramente conclusiva, pelo que, sem factos concretos que a sustentem, não pode relevar no sentido de que cumpriu as regras técnicas e de diligência que as circunstâncias do terreno em que operava e o prédio contíguo exigiam.
Sabe-se que BB, SA não fez escorar o edifício e a selagem das ancoragens em estratos com melhores características resistentes nem consolidou previamente os alicerces.
Perante este quadro de facto, em relação aos estragos que provocou no prédio que então era do recorrente, BB, SA e CC, SA não demonstraram que os titulares dos órgãos e ou agentes da primeira tomaram as precauções que se lhe impunham de harmonia com as regras da arte da construção civil e das normas de segurança nas edificações acima referidas.
Com efeito, a escavação e implementação das fundações em causa, considerando a natureza a estrutura do terreno envolvente e do prédio contíguo, exigiam particular cuidado na movimentação de máquinas para suavizar a trepidação, e de escoramento, que os agentes de BB, SA não tiverem.
Não resulta, assim, dos factos provados que a recorrente BB, SA, através dos seus agentes e representantes, tenha utilizado as regras próprias da arte da construção civil que se lhe impunham, ou seja, não foi ilidida a presunção de culpa a que ser reporta o artigo 493º, nº 2, do Código Civil.
Em consequência, importa concluir no sentido de que a recorrente BB, SA, através dos agentes e representantes, não cumpriu o dever objectivo de cuidado exigível ao empreiteiro normal em execução de obras do tipo das que estão em análise, ou seja, agiu com culpa, pelo menos na sua vertente inconsciente (artigo 350º do Código Civil).

4.
Vejamos agora se BB, SA se constituiu ou não na obrigação de indemnizar o recorrente.
O empreiteiro é responsável, além do mais, isto é, no âmbito das suas relações com o dono da obra e no quadro da responsabilidade civil contratual, se no exercício dessa sua actividade desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de terceiro (artigo 483º, n.º 1, do Código Civil).
A violação com culpa, por ele, dos referidos direitos da titularidade de terceiro, designadamente o de propriedade dos donos de prédios contíguos daquele onde a obra é executada implica a sua responsabilidade extracontratual.
A obrigação de indemnizar do empreiteiro, in natura, ou por substituição pecuniária, visa a colocação da situação do lesado naquela que estaria se não tivesse ocorrido o dano.
Tendo em conta os factos assentes acima referidos, os órgãos e ou agentes de BB, SA cometeram factos civilmente ilícitos e culposos geradores de danos em termos de causalidade adequada.
Tais factos são imputáveis à recorrida BB, SA, em conformidade com o regime legal legalmente para as relações entre os comitentes e comissários.
Ela constituiu-se, por isso, tendo também em conta a estrutura do pedido formulado pelo recorrente, condicionado pela dinâmica negocial que envolveu o edifício negativamente afectado, na obrigação de indemnizar o recorrente por via de substituição por equivalente pecuniário, no quadro da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483º, n.º 1, 500º, nºs. 1 e 2, 562º e 563º do Código Civil e 6º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais).
O âmbito quantitativo da referida indemnização há-se ser definido nesta sede, mantendo ou não, conforme for de direito, o critério definido pela Relação de relegar para liquidação posterior a quantificação de uma das vertentes indemnizatórias.

5.
Atentemos agora, verificada que foi a condição relativa à procedência do recurso de revista quanto à questão da imputação da culpa aos agentes e ou representantes de BB, SA, na questão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por falta de fundamentação.
A recorrida CC, SA alegou estar o acórdão da Relação afectado de nulidade por virtude de não estar fundamentada a condenação na quantia a liquidar pelos prejuízos relativos à estrutura do edifício acima do solo.
Referiu, por um lado, que quem levou por diante a obra foi o Município de Aveiro, ter sido financiada em três quartos pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, não corresponder efectiva reparação dos danos imputados à execução da obra e dever o eventual direito do recorrente ser limitado a um quarto desse valor.
E, por outro que, nesse particular, se apresentava ininteligível a condenação na importância indeterminada com o limite de € 1 280 934,36 a título de indemnização pelos prejuízos, tanto mais que a fundamentação se resumia a meras referências ao concurso, ao orçamento e ao co-financiamento pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional sem ser definido ou fixado o direito a indemnização.
Assim, invocando o disposto no nº 2 do artigo 659º e a alínea b) do nº 1 do artigo 668º, ambos do Código de Processo Civil, ela imputa ao acórdão recorrido a nulidade dita decorrente da não especificação dos fundamentos de direito justificativos da decisão.
Expressa a lei, a propósito, que o acórdão da Relação é nulo quando careça de fundamentação de facto e ou de direito (artigos 668º, nº 1, alínea b), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As leis, a fundamental e a ordinária, estabelecem que as decisões judiciais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas (artigos 205º, nº 1, da Constituição e 158º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O acórdão deve representar, com efeito, a vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à Relação, pelo que, sem fundamentação de facto e ou de direito, não se consegue esse escopo nem se permite às partes por ele afectadas o conhecimento do seu acerto ou desacerto, designadamente para efeito de interposição de recurso.
Mas uma coisa é a falta absoluta de fundamentação e outra a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
A Relação condenou AA Ldª a pagar ao recorrente € 1 269 5 01,49, acrescidos de uma importância indeterminada, com o limite de € 1 280 934, 36, pelos prejuízos sofridos em virtude dos danos causados na estrutura do edifício acima do solo, e as rendas vencidas respeitantes à casa de residência do Capitão do Porto de Aveiro à razão do duodécimo mensal, sucessivamente em vigor, a partir de 8 de Janeiro de 2002 e até à data do fim do arrendamento em causa, a liquidar em conformidade com o estipulado pelo artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Embora escasso de fundamentação neste ponto, revela o acórdão recorrido que a Relação, a partir dos factos provados, considerou AA, Ldª responsável pela indemnização de quantia ainda não determinada concernente ao estrago na estrutura do edifício acima do solo e às rendas que se vencessem até ao termo do contrato de arrendamento celebrado pelo recorrente
Resulta efectivamente do julgado, face aos factos provados e à referência da Relação ao disposto no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, que ela relegou a referida liquidação para momento posterior por considerar a existência de dano ainda sem expressão monetária.
Por isso, embora com parca fundamentação, não ocorre nesta parte em relação acórdão, a nulidade a que se reportam os artigos 668º, nº 1, alínea b), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil.

6.
Vejamos agora o âmbito específico de responsabilidade civil de AA, Ldª, face à sua posição de dona da obra, nas fases de demolição dos velhos edifícios e da construção do novo.
O artigo 1348º do Código Civil reporta-se, no quadro das relações de vizinhança entre prédios, a escavações em algum deles e à obrigação de indemnização por danos causados no outro em razão delas.
Expressa, por um lado, que o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra (n.º 1)
E, por outro, logo que ocorrem danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias (n.º 2).
A referida faculdade de escavação é um corolário do conteúdo do direito de propriedade nas suas vertentes de uso, fruição e disposição, com as limitações legais (artigo 1305º do Código Civil).
O referido acto de escavação é, porém, ilícito, se privar algum prédio vizinho do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terras.
Independentemente disso, se os proprietários dos prédios vizinhos sofrerem prejuízos com as obras feitas, são indemnizados pelos seus autores, independentemente de culpa.
A expressão seus autores, interpretada na envolvência do fim normativo e do elemento sistemático, significa os proprietários dos prédios em que forem feitas as obras.
Assim, independentemente de culpa dos titulares dos órgãos ou dos agentes de AA, Ldª, que foi considerada no acórdão recorrido, ela é responsável pelos danos causados no prédio do recorrente, seja por actos ou omissões dos primeiros, seja por actos ou omissões dos titulares dos órgãos ou dos agentes das sociedades que contratou para a realização das obras relativas ao prédio que implantou na zona contígua ao prédio que era do recorrente.

7.
Atentemos agora sobre se o dano do recorrente envolve ou não as rendas da casa de habitação do Capitão do Porto de Aveiro posteriores a 8 de Janeiro de 2002, data da alienação do edifício.
No tribunal da primeira instância considerou-se não ter o recorrente direito à indemnização correspondente às referidas rendas por virtude de ter deixado, na referida data, de poder dispor do edifício e de pagar as rendas em causa.
A Relação, com fundamento na reserva pelo recorrente dos direitos litigiosos implícitos na acção, condenou a AA, Ldª no pagamento das aludidas rendas vencidas desde aquela data até ao fim do contrato de arrendamento à razão do duodécimo mensal sucessivamente em vigor.
Sabe-se que o edifício em causa servia também de casa de residência do Capitão do Porto e que, por virtude dos estragos nele causados com as escavações adjacentes, inviabilizaram aquela utilização e implicaram que o primeiro celebrasse um contrato de arrendamento com vista à residência daquela entidade da Marinha, despendendo o correspondente montante pecuniário relativo às rendas.
O referido contrato de arrendamento manteve-se mesmo depois da instauração da acção, tendo o recorrente pago rendas no montante de € 53 240,13 até ao aludido dia 8 de Janeiro de 2002.
Todavia, naquela data, através de Despacho dos Ministros das Finanças e da Defesa Nacional, o recorrente alienou o edifício em causa ao Município de Aveiro, a quem o entregou, constando daquele Despacho passar o referido adquirente a garantir o pagamento das rendas da casa de residência do Capitão do Porto de Aveiro.
A declaração da garantia de pagamento das rendas, tendo em conta o contexto em que foi proferida, não pode assumir o sentido de garantia de fiador, a que se reporta o artigo 627º do Código Civil, do próprio recorrente ou de outrem, mas o de dever proceder ao pagamento até à definitividade da transmissão do direito de propriedade sobre o edifício (artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do Código Civil).
Além disso, não revelam os factos provados que tenha sido celebrado, a esse propósito ou outro, entre o recorrente e o Município de Aveiro, algum contrato de transmissão singular de dívida, a que se reporta, por exemplo, o artigo 595º do Código Civil.
A circunstância de o recorrente ter reservado, por via do acto ministerial de alienação do edifício, os direitos litigiosos relativos a esta acção, não invalida a referida conclusão, além do mais porque ele não está afectado com algum prejuízo derivado do pagamento de rendas da casa da residência do Capitão do Porto de 8 de Janeiro de 2002 em diante.
Assim, a partir da referida data, deixou o recorrente de poder dispor do mencionado edifício, e ficou certo, por virtude da mencionada transferência, de nele poder continuar a facultar a residência ao Capitão do Porto de Aveiro.
Com a alienação do edifício ao Município de Aveiro, sem referencial fáctico relativo ao termo do contrato de arrendamento relativo à casa de residência do Capitão do Porto de Aveiro, desapareceu o fundamento de inclusão, no âmbito do dano sofrido pelo recorrente, das rendas que viessem a ser pagas em função do mencionado contrato.
Em consequência, a reposição do património do recorrente na situação em que estaria se não fosse o dano originado no edifício por AA, Ldª e BB, SA não comporta o valor das referidas rendas, tal como foi considerado no tribunal da primeira instância.

8.
Vejamos agora se o recorrente tem ou não direito a exigir das demandadas juros de mora a contar da respectiva citação.
CC, SA alegou que a condenação no pagamento de juros desde a citação envolve enriquecimento injustificado do recorrente, por estabelecer a mora antes do vencimento das prestações relativas às parcelas componentes do montante condenatório, só por ele suportadas em datas posteriores à da citação, e concluiu no sentido de que tais juros só eram devidos a partir das datas de tais pagamentos.
O recorrente pediu a condenação das demandadas no pagamento de juros desde a citação. No tribunal da primeira instância considerou-se, com base no disposto nos artigos 804º e 805º, nº 1, do Código Civil, ter o primeiro direito a juros de mora desde a data da citação das últimas.
A Relação condenou a demandada AA, Ldª no pagamento de juros de mora, às taxas anuais vigentes, nos termos referidos na sentença recorrida, a partir da data da citação daquela, no dia 28 de Janeiro de 1997.
O princípio geral nesta matéria é, por um lado, o de que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
E, por outro, que o primeiro se coloca nessa situação quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível não foi realizada no tempo devido (artigo 804º do Código Civil).
Nas obrigações pecuniárias, a indemnização moratória corresponde, em regra, aos juros à taxa legal geral a contar da data da constituição em mora (artigo 806º do Código Civil).
Assim, no que concerne a tais obrigações, sejam elas por natureza ou por via de conversão, a lei dispensa o credor de provar o dano reparável, bem como o nexo de causalidade entre ele e o facto ilícito envolvente da própria mora.
Todavia, importa ter em linha de conta estarmos no caso vertente perante uma obrigação decorrente de responsabilidade civil extracontratual, que é fixada em dinheiro por virtude de a reparação natural não ser possível (artigo 566º, nº 1, do Código Civil).
Releva, como é natural, o prejuízo que afectou a esfera jurídica patrimonial do recorrente, sendo que ao seu direito de crédito corresponde aquilo que é designado por dívida de valor, ou seja, não estamos, no caso-espécie, perante uma obrigação pecuniária originária.
O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, salvo se a obrigação tiver prazo certo, provier de facto ilícito ou o devedor impedir a interpelação (artigo 805º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Todavia, se o crédito for ilíquido, a mora depende da respectiva liquidação, salvo se a iliquidez for imputável ao devedor; mas tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, ele constitui-se em mora, em regra, desde a data citação (artigo 805º, nº 3, do Código Civil).
Tendo em conta a natureza da situação de responsabilidade civil extracontratual em causa, baseada em facto ilícito, rege especialmente o nº 3 do artigo 805º do Código Civil, com a consequência de os juros de mora que sejam devidos incidirem, desde a data da citação de quem for devedor, sobre o montante indemnizatório correspondente ao dano, independentemente da data da ocorrência de algum dos factos que o derivem.
Em consequência, a fixação da obrigação de pagamento de juros de mora desde a citação das demandadas, a expensas destas, se responsáveis pela indemnização, cumpre a lei, pelo que carece de fundamento a invocação pela CC SA do enriquecimento injusto.

9.
Atentemos agora na subquestão de saber se o contrato de seguro celebrado entre BB, SA e a antecessora de CC, SA abrange ou não o dispêndio monetário do recorrente com o escoramento do edifício da Capitania.
Já acima nos referimos, em breve síntese, ao contrato de seguro em causa, do ramo obras e montagens, que vincula CC, SA no confronto do recorrente, na sua posição de terceiro lesado e por ele beneficiado.
Conforme já se referiu, o objecto mediato do referido contrato foram os trabalhos de engenharia civil que constituiam a empreitada de toscos na construção de duas caves e quatro ou cinco pisos acima do solo, incluindo os de fundações, retenção periférica e superestruturas, risco esse relativo ao período compreendido entre 3 de Junho de 1994 e 3 de Junho de 1995.
A Cláusula Adicional nº 907, inserta do contrato de seguro em análise, sob a epígrafe edíficios e terrenos vizinhos expressa estarem garantidas as perdas ou danos a estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos e seus ocupantes, desde que directamente resultantes da execução dos trabalhos seguros, nas seguintes condições: antes do início dos trabalhos, o segurado obriga-se a tomar as necessárias medidas de segurança; não são indemnizáveis as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção que se verifiquem ser necessárias tomar durante a execução dos trabalhos; apenas são indemnizáveis os danos resultantes de trabalhos de realçamento, escavação ou outros que envolvam elementos de suporte ou subsolo, se se verificar colapso total ou parcial; ficam excluídas as fendas, fissuras e fendilhações nos bens existentes, desde que não afectem a estabilidade dos mesmos e a segurança dos que deles fazem uso.
O tribunal da primeira instância referiu-se à mencionada cláusula, expressando não serem indemnizáveis as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção, mas não extraiu dela consequência alguma a nível da redução da indemnização fixada a favor do ora recorrente.
A Relação não conheceu da referida questão, porque julgou no sentido de BB, Ldª, tomadora do seguro, não ser responsável pelos danos ocorridos na esfera jurídica do recorrente, ou seja, conforme acima se referiu, ficou o aludido conhecimento prejudicado.
Está assente que o recorrente procedeu ao escoramento interior de todas as lajes e elementos exteriores em perigo de ruína, em cujo material e serviços dispendeu a quantia correspondente € 69 693, 90.
O argumento de CC, SA no sentido de não ser responsável por essa parte de indemnização do dano assenta, por um lado, na circunstância de no caso se tratar de despesas adicionais de segurança e protecção que foi necessário tomar durante a execução dos trabalhos, e, por outro, no facto de as referidas operações de escoramento se incluírem no âmbito da execução da obra, para evitar a degradação ou a ruína dos prédios vizinhos.
O recorrente, entende, por seu turno, no sentido de a referida cláusula adicional do contrato de seguro se reportar apenas à exclusão de responsabilidade no caso de medidas de segurança e protecção em relação à obra que vai ser executada.
Há acordo das partes no que concerne ao teor das declarações negociais expressas no clausulado geral e particular do contrato de seguro, mas não o há quanto ao seu sentido, pelo que a questão de saber se ele cobre ou não o dispêndio invocado pelo recorrente tem de ser resolvida por via da interpretação da cláusula contratual em que consta a mencionada exclusão de responsabilidade.
Este Tribunal, não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, pode operá-la, por estar em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais segundo o critério estabelecido no artigo 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do Código Civil (artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º do Código Civil).
O sentido decisivo da declaração negocial é, pois, o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas e dos interesses que as motivaram.
No que concerne aos negócios jurídicos formais, como ocorre no caso vertente, há, porém, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).
Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.
Estamos, pois, no caso vertente, perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.
Na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente os termos da apólice e da lei aplicável, as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.
Segundo o convencionado pelas partes, a garantia abrange, por um lado, a responsabilidade civil de natureza extracontratual de BB, SA relativa a perdas ou danos materiais ou corporais causados a terceiros, derivados de ocorrência acidental relacionada com a empreitada objecto do contrato de seguro, cuja responsabilidade seja técnica e juridicamente àquela imputável.
E, por outro, as perdas e ou danos causados aos terrenos, edifícios e construções contíguas ao local dos trabalhos onde decorria a empreitada, comprovado que fosse terem sido provocados em consequência directa ou indirecta dos trabalhos realizados por BB, SA e cuja responsabilidade lhe fosse técnica e juridicamente imputável.
As perdas e danos materiais, incluindo as perdas pecuniárias, causados a terceiros abrange os edifícios e as estruturas ou construções contíguas aos trabalhos de engenharia objecto do contrato de seguro.
Decorre da referida cláusula adicional, epigrafada de edifícios e terrenos vizinhos, ficarem garantidas as perdas e danos nas estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos resultantes da execução dos mencionados trabalhos de engenharia.
Importa considerar, em tema de interpretação, como se o intérprete fosse um declaratário normal colocado na posição das recorridas CC, SA e BB, SA, o contéudo dos segmentos da mencionada cláusula de exclusão, sobretudo o primeiro e o segundo.
Verifica-se que no primeiro dos mencionados segmentos se expressa que antes do início dos trabalhos o segurado se obriga a tomar as necessárias medidas de segurança, e que no segundo se expressa não serem indemnizáveis as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção que se verifique ser necessário tomar durante a execução dos trabalhos.
Perante este quadro de declarações negociais, um declaratário normal, colocado na posição de quem as proferiu, concluiria que o segmento contratual de exclusão mencionado em segundo lugar se reporta a medidas adicionais de segurança ou de protecção realizadas pela própria segurada, ou seja, no caso vertente sob análise, pela outorgante BB, SA.
Ora, no caso em análise, as mencionadas medidas de protecção e segurança não foram realizadas pela segurada BB, SA, mas pelo recorrente, em quadro de dano já provocado pela actividade desenvolvida pelos agentes daquela, para evitar o seu agravamento, ou seja, a maior degradação e ruína do edifício que era iminente.
No fundo, as medidas de protecção e segurança que o recorrente mandou operar, já em quadro de dano provocado, substituíram aquelas que BB, SA devia ter realizado, antes do início dos trabalhos que encetou, ou durante a sua própria execução.
O dispêndio com as referidas obras de protecção e segurança, são, na realidade um elemento do dano que o recorrente sofreu na sua esfera patrimonial, certo que em quadro de dano já provocado, o custo de operações materiais para evitar o seu agravamento, elemento do dano é.
Assim, a mencionada cláusula de exclusão de responsabilidade de CC, SA não abrange as referidas despesas realizadas pelo recorrente com vista a evitar o agravamento do dano material no edifício de que aquele era proprietário.

10.
Vejamos agora a dinâmica da degradação do edifício no confronto das respectivas causas.
Estamos perante um prédio implantado em terreno de constituição lodosa, adquirido pelo recorrente cerca de setenta anos antes de AA, Ldª ter procedido à demolição de dois edifícios de construção antiga que lhe eram contíguos.
O solo do seu assentamento é constituído por depósitos aluvionares espessos, compostos essencialmente por lodo siltoso, com espessura de 20 a 24,5 metros, sob cujos depósitos ocorrem formações cretáceas constituídas por arenitos argilosos muito compactos e rijos em profundidade.
Há vários anos que já era constatado o assentamento diferencial do edifício, com mais notória incidência em algumas das suas partes, e o recorrente procedia regularmente, até ao ano de 1992, pelo menos, ao tapamento das fissuras das paredes, à reparação das janelas e portas e a pinturas gerais, interior e exteriormente, e, com o decorrer dos anos, a sua base de sustentação foi perdendo solidez e fragilizando-se.
Apresentava, então, um ligeiro abaulamento a meio do pavimento do quarto lateral e uma inclinação no corredor do mesmo piso no sentido do muro nascente, deficiências que se mantiveram ao longo dos anos, embora sem haver previsibilidade do respectivo agravamento.
Em 1992, identificada empresa orçamentou em 1 100 000$ o custo das reparações de que o edifício necessitava, essencialmente a substituição de telhas partidas, a limpeza de calões, a desobstrução de condutores, a aplicação de juntas para evitar infiltrações de humidades, a calafetagem de pequenas fissuras, a reparação de janelas por via da afinação de ferragens, da colocação de vidros, da reparação de canalizações e da instalação eléctrica, da picagem de algumas zonas de parede que tinham salitre, o respectivo reboco e pinturas, a afinação e aplicação de ferragens em janelas e portas, e nesse ano, o recorrente procedeu a obras de conservação com vista à retirada do salitre.
Temos, assim, que o edifício do recorrente, de antiga construção e fundação sobre solo não muito consistente, já estava, antes da demolição dos prédios contíguos realizada pela empresa contratada por AA, Ldª, afectado de deterioração.
No decorrer das demolições acima referidas, de meados de Fevereiro a meados de Março de 1994, começaram a verificar-se outras deteriorações do referido edifício do recorrente.
Uma vistoria, realizada em 22 de Março de 1994, antes da primeira intervenção de BB, SA, registou no exterior e no alçado lateral esquerdo uma fissura maior, por cima da janela do primeiro andar, indo até à cornija, continuando a fenda por baixo, até ao cimo da janela do rés-do-chão e, no alçado lateral direito, um ligeiro assentamento da parede e cornija do telhado, com assentamento a meio, além de algumas ligeiras fendilhações nas paredes.
E no interior do edifício constatou uma ligeira fenda junto ao tecto e à parede da fachada da sala de estar do rés-do-chão, bem como um ligeiro abaulamento a meio do pavimento do quarto lateral do rés-do-chão e uma fenda no tecto da sala maior do primeiro andar.
Ademais, na garagem da Capitania, registou uma ligeira cedência das portas voltadas para a Avenida, e, em alguns compartimentos, pontos de infiltração de águas e ligeiras fendilhações, sendo estas em maior número nas paredes e tectos do segundo andar ou torreão.
Sabe-se que algumas das referidas fissuras e fendilhações foram causadas pela aludida actividade de demolição, em virtude da trepidação originada pelo trabalho das máquinas e pela própria demolição, que provocaram, por vezes, abalos sensíveis nas paredes do edificio, bem como, por acção de deslocamento de terras, ao nível das fundações daquele imóvel, ocasionado pela diminuição da tensão nos terrenos, devido à diminuição de sobrecarga sobre os mesmos, proporcionada pelas demolições e pela retirada dos materiais.
Para a correcção das deteriorações descritas foi estimado, em Fevereiro de 1998, o valor global equivalente a € 19 951,91, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado.
À data do início dos trabalhos realizados por BB, SA, o edifício apresentava distorção da fachada sul relativamente ao eixo vertical, com inclinação e perda de paralelismo entre os traços arquitectónicos exteriores, bem como a perda de esquadria de algumas janelas e portas, fissuração, algumas fendas abertas nas fachadas, queda de reboco em alguns locais, algumas fendas nos lintéis, cimalhas e cornijas, bem como nas vergas de janelas e portas, e ainda assentamento diferencial dos apoios do edificio, com maior desenvolvimento nas fundações situadas no interior e fissuração e abaulamento do muro de suporte marginante do canal com assentamento na parte central.
O seu interior apresentava, por seu turno, fissuração em zonas de intersecção dos vários elementos estruturais interiores, queda e ou empolamento de reboco devido a infiltrações de águas pluviais, fendas, fissuras e fendilhações ramificadas nas paredes e no tecto e pontos de infiltrações de águas pluviais, com vestígios de humidades, algumas já antigas.
Havia assentamento diferencial das fundações, com maior desenvolvimento nas situadas no interior, alguns pavimentos apresentavam desnivelamento notório, transmitindo distorções às respectivas paredes neles assentes, algumas das portas fechavam-se sozinhas apenas por acção da gravidade e algumas portas e janelas e respectivas guarnições estavam inclinadas e empenadas.
Com a construção do novo imóvel voltaram a ocorrer danos no referido edifício, designadamente fissuras nas paredes do mesmo, provocados, nomeadamente pela trepidação causada pelas máquinas utilizadas, e a partir do mês de Agosto e até Outubro de 1994 nele ocorreram outras deteriorações, com agravamento do assentamento diferencial das fundações, afectando a própria estrutura do edifício.
Nos últimos dias de Setembro e primeiros dias de Outubro desse ano de 1994, o edifício começou a apresentar várias fendas profundas e largas, que iam aumentando, e, no dia 4 daquele mês, ruiu parte de um muro e aumentaram outras fendas, com relevo para as da garagem.
Em vistoria realizada no dia 6 de Outubro de 1994 foi constatada, por um lado, a evolução das fissuras notadas em 18 de Março desse ano, no sentido do alargamento da espessura e aumento da extensão total, do aumento do número de novas fissuras e outras patologias relacionadas com infiltrações de humidade por elas provocadas, bem como o aparecimento de fendas nos cantos de quase todas as portas e janelas e a acentuada a degradação da porta de duas folhas da garagem, que já nem se conseguia movimentar.
E, por outro, a grande inclinação lateral de corredores localizados no primeiro andar, mais notório do que na outra vistoria, e o aparecimento recente de uma enorme fissura na fachada principal, que o cortava, de alto a baixo, e com grande abertura junto ao telhado, bem como a quebra de marcas em gesso colocadas pelo encarregado da obra adjacente em diversos pontos do edifício para monitorizar a eventual progressão das patologias revelando o aumento das fendas e, em alguns locais, o abatimento dos pavimentos.
No início do mês de Novembro de 1994, outra vistoria ao edificio regista estarem os elementos construtivos em mau estado geral, nomeadamente com fissuras muito significativas nos tectos e paredes de diversos compartimentos, bem como a queda de parte do estuque e reboco dos tectos, e ainda, no que se reporta à estrutura do edificio, inclinações em diversas partes do mesmo, nomeadamente em pavimentos interiores e paredes exteriores, aspectos evidenciados nos vãos exteriores, alguns deles sem funcionar por falta de esquadria.
Nos meses de Outubro a Dezembro de 1994, e posteriormente, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício, e, no dia 6 de Janeiro de 1995, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, com base na análise do relatório da vistoria realizada em Novembro de 1994, manifestou-se no sentido de que, por motivo da execução das obras de escavação das fundações do novo edifício adjacente, nele tinham ocorrido danos estruturais.
Em Março de 1995 registava-se a degradação geral do edifício, nomeadamente com a cedência e a fissuração de paredes estruturais, bem como o agravamento da inclinação de partes dele, incluindo as fachadas e os pavimentos.
Em Agosto de 1995, o edifício ameaçava ruína devido ao seu adiantado estado de degradação, apresentando paredes estruturais fracturadas, agravamento do assentamento das fundações e largas fissuras nas paredes internas e externas, e, pelo menos até 23 de Janeiro de 1997, não mais cessou a sua deterioração.
Os danos referidos ocorridos a partir de meados do ano de 1994 verificaram-se no período em que BB, SA procedeu à realização de escavações, construção da parede de contenção lateral dos solos, designadamente a parte confinante com o lado nascente do imóvel e a construção das fundações do novo edificio.
Resulta do mencionado quadro de facto o estado final de deterioração do edifício do recorrente, que decorreu, em termos de causa a efeito, de um processo causal complexo, que se desenvolveu ao longo do tempo e por virtude de uma pluralidade de acções humanas.
Com efeito, temos em primeiro lugar, a própria fragilidade do edifício derivada da sua própria estrutura de construção, da natureza do solo de implantação, do decurso do tempo, em segundo lugar a demolição operada pela sociedade contratada por AA, Ldª, e, em terceiro lugar, a escavação e as obras de construção do novo edifício adjacente realizadas pela recorrida BB, SA sob mandato da referida AA, Ldª, dona da obra.


11.
Atentemos agora se ocorre ou não nexo de causalidade adequada entre as intervenções de construção civil das demandadas AA, Ldª e BB, SA e o estrago no prédio dos recorridos.
A propósito do nexo de causalidade, expressa a lei que, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve restituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (artigo 563º do Código Civil).
Reportando-se a indemnização aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, reconduz a lei a causalidade à probabilidade, ou seja, afasta-se da ideia de que qualquer condição é causa do dano, consagrando a concepção da causalidade adequada.
Dir-se-á, assim, decorrer do artigo 563º do Código Civil não bastar que o evento tenha produzido certo efeito para que, de um ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele, antes sendo necessário que o primeiro seja uma causa provável ou adequada do segundo.
Aproximando as referidas normas ao caso vertente, dir-se-á, por um lado, que no processo causal conducente a uma situação de dano concorrem múltiplas circunstâncias, umas que se não tivessem ocorrido ela não teria eclodido, e outras que, mesmo não verificadas, não excluiriam a sua ocorrência.
E, por outro, não ser suficiente, para que o mesmo se verifique, que a acção ou a omissão do agente tenha sido conditio sine qua non do dano, exigindo-se que ela seja adequada em abstracto a causá-lo.
Assim, no referido contexto, o nexo de causalidade implica que a acção ou a omissão do agente seja uma das condições concretas do evento, e que, em abstracto, seja adequada ou apropriada ao seu desencadeamento.
Em consequência, o juízo sobre a causalidade integra, por um lado, matéria de facto, certo que se trata de saber se na sequência de determinada dinâmica factual um ou outro facto funcionou efectivamente como condição desencadeante de determinado efeito.
E, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstracto, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja se, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação.
Este Tribunal pode sindicar o juízo da Relação no que concerne à segunda das mencionadas vertentes do nexo de causalidade adequada, mas não o pode sindicar no que concerne à primeira (artigos 722º, nº 2, e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil).
A Relação considerou não ter sido provado o nexo de causalidade entre o comportamento do autor no que concerne à manutenção do edifício e às obras de reforço das respectivas fundações em causa, julgamento que não podemos aqui alterar.
Mas resulta dos factos provados que a deterioração do prédio do recorrente resultou, em processo de agravamento das sucessivas intervenções da actividade da construção civil, primeiramente de T..-Terraplanagens de Aveiro, Ldª sob mandato de AA, Ldª, e, posteriormente, de BB, SA, também sob mandato da segunda das referidas sociedades.
Em consequência, a conclusão é no sentido da existência de nexo de causalidade adequada entre as obras de construção civil realizadas pela AA, Ldª, através de T..., Ldª, primeiramente, e de BB, SA, posteriormente, no plano da acção e da omissão de medidas de prevenção e segurança, e os estragos no prédio do recorrente, que implicaram a sua reparação.

12.
Vejamos agora a quantificação da indemnização a que o recorrente tem direito por virtude dos estragos de que o seu referido edifício da Capitania do Porto de Aveiro foi objecto.
No tribunal da primeira instância foram AA, Ldª, BB, SA e CC, SA condenadas solidariamente a pagar ao Estado Português € 274 195,37, a última até ao limite da franquia convencionada por via do contrato de seguro, com juros de mora a contar da data da citação ocorrida em último lugar.
Incluíram-se na referida condenação € 20 926,50 concernentes à limpeza e reparação do edifício, € 69 693, 91 relativos a materiais e serviços afectados ao seu escoramento, € 3 384,84 atinentes a despesas com a mudança do mobiliário do edifício da Capitania para a nova casa de residência do Capitão do Porto, € 53 240,13 concernentes às rendas daquela casa de residência pagas pelo recorrente desde Setembro de 1995 até Dezembro de 2001, inclusive, e € 126 950 equivalentes a dez por cento dos gastos com o reforço das fundações.
A referida percentagem de dez por cento do custo do reforço das fundações que foi considerada assentou na circunstância de o recorrente beneficiar da eliminação da fragilidade do edifício e excluiu-se a liquidação posterior do dano com base da sua inviabilidade.
Foi julgado improcedente o pedido de indemnização formulado pelo recorrente relativo à reparação da estrutura do edifício acima solo, no montante de € 1 277 538,62 sob o fundamento de aquele não ter adjudicado a obra e a mesma ter sido realizada pelo Município de Aveiro a expensas próprias e sob co-financiamento comunitário.
A Relação, por seu turno, em tanto quanto releva no caso em análise, condenou a AA, Ldª a pagar ao recorrente € 1 269 501,49 correspondentes ao custo do reforço das fundação do edifício e uma quantia indeterminada, com o limite máximo de € 1 280 934, 36 a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em virtude dos danos causados na estrutura do edifício acima do solo.
Quanto a este último ponto, entendeu o recorrente dever o cálculo ser efectuado com base no custo da recuperação do edifício por outrem que ocorreu - € 1 280 934,36 - no custo orçamentado no concurso para recuperação do edifício anterior aos danos - € 1 277 538, 62 – e no custo previsível da reparação das anomalias existentes antes dos danos causados pelas demandadas – 19 951, 91.
CC, SA discorda do referido cálculo, discordância que manifestou no recurso de apelação no quadro de facto e de direito considerado na sentença proferida no tribunal da primeira instância, circunstância motivadora da sua apreciação neste recurso.
Consideremos o que resulta, a propósito do tema da indemnização, dos factos provados disponíveis e da lei, designadamente quanto à questão de saber se o cálculo do ressarcimento deverá ou não ser determinado com base na equidade, o que o próprio recorrente admitiu.
A responsabilidade civil é uma modalidade da obrigação de indemnizar, ou seja, de eliminar o dano ou prejuízo reparável, patrimonial ou não patrimonial, conforme os casos.
A regra é no sentido da reposição natural, ou da indemnização em forma específica dos interesses lesados, ou seja, a lei estabelece dever o lesante reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil).
Assim, é do lesante a obrigação de ressarcir os danos causados a outrem, reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento, em regra, mediante a restauração natural, efectuando ou mandando efectuar a reparação do objecto material do dano.
Consistindo o dano real em estragos produzidos em coisas, como aconteceu no caso vertente, a reconstituição natural consistirá na sua reparação ou substituição por conta de quem deve reparar ou indemnizar.
Em desvio ao mencionado princípio da restituição natural, prescreve a lei ser a indemnização fixada em dinheiro quando a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou resulte excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566º, nº 1, do Código Civil).
A fixação da indemnização em dinheiro nos termos referidos tem por medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).
E se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).
O recorrente não formulou, no confronto das demandadas, um pedido de indemnização na forma específica do seu interesse, ou seja, por via da reposição natural, no estado em que o edifício estaria antes da demolição dos dois velhos prédios confinantes, certo que pediu contra elas a restituição por equivalente pecuniário, não obstante o edifício ter sido completamente restaurado.
Na realidade, face ao estado de deterioração em que o referido edifício se encontrava, não era possível a indemnização por reconstituição natural propriamente dita, sendo que, em qualquer caso, não poderia a indemnização do dano implicar o enriquecimento do lesado.
Neste quadro de indemnização por equivalente pecuniário, temos que o recorrente, a fim de evitar maior degradação ou ruína do edifício, despendeu € 20 926,50 com trabalhos de limpeza e de reparação da cobertura do edifício, e € 69 693,91 em materiais e mão-de-obra concernentes ao seu escoramento, ou seja, o montante global de € 90 620,40.
Despendeu, ademais, € 3 384,84 na transferência do mobiliário daquele edifício para a nova casa de residência provisória do Capitão do Porto de Aveiro, que o recorrente teve de arrendar por virtude do estado daquele edifício impossibilitar a continuação da sua utilização para aquele efeito, bem como a quantia de € 53 240,13 despendida com as rendas até à data da alienação do imóvel.
As primeiras são despesas realizadas pelo recorrente necessárias à minimização dos efeitos dos estragos ocorridos no edifício, em virtude das intervenções de construção civil empreendidas por AA, Ldª, sobretudo através de BB, SA, mas também através de Terraveiro, Ldª, e as últimas são a decorrência daqueles estragos na sua vertente de obstáculo à continuação da sua utilização para o pertinente fim.
Trata-se, assim, de despesas que se reconduzem a elementos do dano, pelo qual o recorrente deve ser indemnizado, naturalmente por via de equivalente pecuniário, que constitui o critério legal subsidiário.
Acresce que o recorrente despendeu a quantia de € 1 269 501, 49 com as obras relativas ao reforço das fundações do edifício, incluindo estudos e projectos que o precederam.
Conforme já acima se referiu, tratava-se de um edifício muito antigo, assente em terreno pouco consistente, que, antes da intervenção de construção civil, incluindo a respectiva actividade preparatória, de T.., Ldª e de BB, SA, já revelava assentamentos diferenciais das fundações com o consequente desnivelamento em alguns dos pavimentos.
Assim, a influência das mencionadas intervenções de demolição por parte de T..., Ldª e de escavação e subsequente construção do novo edifício na base dos dois velhos edifícios demolidos, por banda de BB, SA foi no sentido de agravamento do estado já fragilizado das referidas fundações do edifício.
Todavia, o recorrente, por via das mencionadas obras, ficou consideravelmente beneficiado em função do considerável reforço das fundações do edifício e da consequente estabilização deste.
Por isso, a fim de obstar a que o recorrente beneficie de vantagem para além do dano, justifica-se a determinação da medida em que, naturalmente a partir do mencionado quantitativo de € 1 269 501, 49, além do mais pertinente, as demandadas deverão indemnizar o recorrente.
Os factos provados não permitem determinar o quantum indemnizatório a que as demandadas estão vinculadas, nem se vislumbra a possibilidade de os apurar em liquidação posterior, pelo que ele deve ser determinado por via de juízo de equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º do Código Civil.
A equidade é, essencialmente, a realização da justiça do caso concreto, em quadro de atenuação da previsão e estatuição das pertinentes normas jurídicas e da atribuição de especial relevo à apreciação subjectiva dos juízes.
No que concerne ao dano sofrido pelo recorrente relativamente aos estragos que ocorreram na estrutura do edifício acima do solo, temos que a respectiva restauração, depois de aquele edifício lhe ter sido alienado pelo recorrente, foi realizada pelo Município de Aveiro.
Antes disso, existia um orçamento, aprovado em concurso público, no sentido da recuperação da estrutura do edifício acima do solo envolver o custo de € 1 277, 538, 62, mas cuja obra não chegou a ser adjudicada.
Sabe-se que a restauração do mencionado edifício pelo Município de Aveiro ocorreu com base em projecto para a sua reabilitação e recuperação, que custou € 71 944, 73, em que o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional comparticipou com € 53 958,55.
Acresce que o custo da respectiva empreitada foi de € 1 280 934,36, em que o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional comparticipou com o montante de € 960 700,77
O recorrente alienou o referido edifício ao Município de Aveiro, naturalmente desvalorizado pelos estragos nele causados pelas demandadas AA, Ldª e BB, SA, e reservou para si próprio os direitos litigiosos objecto da acção em análise.
Sofreu, por isso, um prejuízo que deve ser indemnizado por aquelas sociedades, nos termos da lei, de harmonia com os factos a propósito disponíveis, não obstante se revelarem escassos para o pertinente efeito.
Nem o aludido orçamento, que não chegou a ser executado, nem o custo suportado pelo Município de Aveiro relativamente às obras de recuperação e de reconstrução do edifício, nem a estimativa de custo da reparação do edifício antes da intervenção das demandadas Concausa, Ldª e BB, SA têm a virtualidade de revelar o dano reparável realmente sofrido pelo recorrente por virtude da mencionada intervenção.
Ademais, ignora-se o diferencial considerado pelo recorrente e pelo Município de Aveiro no âmbito da alienação do edifício pelo primeiro para o último, em razão da respectiva deterioração.
Perante este quadro, em que se não vislumbra a viabilidade de apuramento em liquidação posterior dos elementos de facto necessários à fixação da indemnização, a solução deve ser, tal como se considerou no ponto anterior, no sentido de o montante indemnizatório dever ser apurado com base em juízo de equidade em face dos elementos de facto provados (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).
Tendo em conta os acima referidos elementos de facto, em quadro de juízos de equidade, julga-se adequado fixar a indemnização devida ao recorrente no que concerne ao reforço das fundações do edifício no montante de € 630 000, e, no atinente ao prejuízo relativo à estrutura do edifício acima do solo, no montante de € 370 000.
Ao referido valor acresce, em tema de integração do montante global da indemnização, a quantia de € 147 245, 37, a que acima se fez referência, nos termos em que o foi.

13.
Atentemos agora na vertente da individualização da responsabilidade pela indemnização ao recorrente no confronto de AA, Ldª, BB, SA e CC, SA.
Já acima nos referimos ao fundamento da responsabilização pelo ressarcimento em causa no que concerne às referidas entidades, pelo que desnecessária se torna outra motivação.
AA, Ldª e BB, SA são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao recorrente da mencionada indemnização (artigo 497º, nº 1, do Código Civil).
Todavia, em termos de causalidade plural ou co-causalidade, a responsabilidade de BB, SA é inferior à de AA, Ldª, na medida em que esta, através de Terraveiro, Ldª, originou estragos no edifício do recorrente que também contribuíram para o seu estado de deterioração.
Trata-se de uma situação de causalidade cumulativa, portanto sem enquadramento no que é designado por irrelevância da causa virtual, pelo que inexiste fundamento legal para considerar que tais danos não têm autonomia para efeitos indemnizatórios.
Também neste ponto, à míngua de elementos de facto determinantes do referido nível de causalidade, importa que o mesmo seja determinado com base em juízo de equidade, a que acima já se fez referência, nos termos ali referidos.
Neste quadro de facto, tendo em conta o resultado danoso no edifício do recorrente que ficou provado, julga-se adequado fixar tal comparticipação imputável a BB, SA na proporção de cinco e de noventa e cinco por cento.
Assim, em quadro de solidariedade, AA, Ldª é responsável pela indemnização de todo o prejuízo que afectou negativamente o recorrente, nos termos acima mencionados, enquanto a responsabilidade de BB, SA se cinge a noventa e cinco por cento desse valor.
CC, SA, por virtude do contrato de seguro que celebrou com BB, SA é responsável nos mesmos termos desta, até ao limite da respectiva cobertura, sem prejuízo da franquia que ambas convencionaram.

14.
Finalmente, a síntese da solução para o caso- espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Embora só o Estado tenha recorrido de revista, na medida em que BB, SA e CC, SA foram absolvidas do pedido no recurso de apelação, do que decorreu ter ficado prejudicado o conhecimento de questões relativas à vertente da indemnização que a última tinha suscitado no segundo dos referidos recursos, revogado que foi o acórdão da Relação quanto a tal absolvição, aqui se impunha o conhecimento daquela problemática e da nulidade do acórdão da Relação por falta de fundamentação por ela invocada a título de ampliação do objecto do recurso
O acórdão da Relação, na parte em que relegou para liquidação posterior o dano na estrutura do edifício acima do solo, não está afectado de nulidade por falta de fundamentação.
AA, Ldª e BB, SA celebraram um contrato de empreitada cujo objecto foi a obra de construção de um edifício contíguo ao do recorrente, a primeira na posição de dona da obra e a última na qualidade de empreiteira.
BB, Ldª e a antecessora da CC, SA celebraram um contrato de seguro do ramo obras e montagens, abrangente dos danos causados pelos respectivos trabalhos de engenharia de construção no edifício do recorrente, a primeira na posição de segurada e a última na qualidade jurídica de seguradora.
Os estragos causados pelos agentes de BB, SA no edifício do recorrente foram envolvidos de culpa, que, por isso, àquela é imputável, tendo-se, por isso, constituído na obrigação de o indemnizar.
AA, Ldª é, por seu turno responsável pela referida indemnização por virtude da sua qualidade jurídica de dona da obra lato sensu que empreendeu através de mandato conferido a T..., Ldª e a BB, SA.
O dano do recorrente não envolve as rendas vencidas e vincendas relativas à casa de habitação do Capitão do Porto de Aveiro depois da alienação e entrega do edifício ao Município de Aveiro.
Como se está perante uma situação de responsabilidade civil por facto ilícito, tem o recorrente direito a exigir das demandadas juros de mora a contar da citação destas, embora algumas das verbas que integrem o dano tenham sido efectivamente pagas depois daquela citação.
O contrato de seguro acima referido abrange o dispêndio do recorrente com o escoramento do edifício para prevenção do dano iminente por não se tratar de medidas realizadas pela própria tomadora do seguro, a segurada BB, SA.
Não obstante a situação de défice de conservação do edifício do recorrente em razão da natureza e da antiguidade da construção e falta de conservação, há nexo de causalidade adequada entre as intervenções de AA, Ldª e de BB, SA acima referidas e os danos daquele edifício.
É indeterminado o quantum indemnizatório de parte do dano sofrido pelo recorrente, designadamente no que concerne às fundações e à estrutura do edifício acima do solo, mas, à míngua de elementos de facto disponíveis, não se justifica a remessa para liquidação posterior, antes se impondo a quantificação com base em juízo de equidade, nos termos acima referidos.
A responsabilidade de AA, Ldª pelo referido ressarcimento deve exceder em cinco por cento o que cabe indemnizar por BB, SA, porque aquela, através de T..., Ldª, antes da intervenção desta última, originou estragos no edifício do recorrente.
CC, SA é responsável pela indemnização em causa, nos mesmos termos de BB, SA, até ao limite do capital objecto do contrato de seguro, tendo em conta a franquia convencionada.

Procede parcial e qualitativamente o recurso.
Vencidas são as recorridas responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
O facto de o recorrente ter ficado parcialmente vencido, tendo em conta o alargamento do objecto do recurso que operou, não releva no plano da responsabilidade pelo pagamento das custas, porque ele ainda delas está isento (artigos 2º, nº 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, na sua primitiva versão, e 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro).

IV
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão da Relação na parte em que absolveu BB-Engenharia e Construções, SA e Companhia de Seguros CC, SA, condena-se a primeira, solidariamente com AA-Construção de Habitações, Ldª, a pagarem ao Estado Português um milhão e cento e quarenta e sete mil e duzentos e quarenta e cinco euros, BB-Engenharia e Construções, SA apenas até ao montante de um milhão e oitenta e nove mil, oitocentos e oitenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos, bem como a Companhia de Seguros CC, SA, no mesmo pagamento até ao limite de setecentos e quarenta e oito mil e cento e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos e tendo em conta a franquia de catorze mil, novecentos e sessenta e três euros e noventa e três cêntimos, bem como no pagamento dos juros desde a citação à taxa considerada nas instâncias, e ainda as três demandadas no pagamento das custas respectivas, na proporção do vencimento, aqui e nas instâncias.

Lisboa, 22 de Abril de 2008.

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis