Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
271/07.1SAGRD.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
CONSTITUCIONALIDADE
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
BURLA QUALIFICADA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES E DO CRIME CONTINUADO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 291, 209, 344; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, pp. 1008 e 1009.
- G. Stratenwerth, in "Derecho Penal, Parte General I – El Hecho Punible", Thomson, Civitas, 2005, pág. 449 e 450.
- H. H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Ed. Comares, p. 77; Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, ed. Bosch, Barcelona, p. 996.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 400.º, N.º1, AL. E).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 50.º, N.º1, 53.º, N.º3, 70.º, 77.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 27/1/2010, Pº 431/09.0YFLSB, 3ª SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2009 (DR Nº 55, SERIE I, DE 2009-03-19).
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 14/2013 (DR Nº 219, SERIE I, DE 2013-11-12).

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DECISÕES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 324/2013, DE 4/6/2013.

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- DECISÃO SUMÁRIA (Nº 45/2014 DE 15 DE JANEIRO) EM
-N.º 399/2014, PROFERIDO A 7 DE MAIO DE 2014, (2ª SECÇÃO), EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/20140399 .
Sumário :

I -O acórdão da 1.ª instância foi proferido em data anterior à Lei 20/2013, de 21-02, entrada em vigor a 24-03-2013. Mesmo merecendo a crítica do TC, é de aplicar, em matéria de recorribilidade, a acórdãos proferidos em 1.ª instância, em data anterior a 24-03-2013, o entendimento do AFJ 14/2013, de 12-11, segundo o qual a norma da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21-02, é uma norma interpretativa, que portanto se integra na norma interpretada, ou seja, a anterior redação do preceito (da Lei 48/2007, de 29-08), e, nessa medida, não são recorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena não superior a 5 anos.
II -Está vedado ao STJ conhecer da medida das penas parcelares de prisão inferiores a 5 anos, de acórdãos proferidos em recurso pelo Tribunal da Relação.
III -À luz do n.º 1 do art. 77.º do CPP, para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, por ação das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.
IV -A moldura de punição do concurso é de 2 anos e 6 meses a 25 anos de prisão, pela prática de 19 crimes de burla qualificada consumada e ainda de 3 crimes de burla qualificada, na forma tentada. As necessidades de prevenção geral fazem-se sentir. O desejo de enriquecimento fácil através de processos fraudulentos está cada vez mais disseminado, é horizontal em relação a todos os estratos sociais e provoca indignação na população.
V -As exigências de prevenção especial também têm relevo. Não resulta dos factos provados que a arguida se tenha confrontado com uma situação económica especialmente difícil, já tem duas condenações de 2010, por condução em estado de embriaguez e ofensa à integridade física. Os crimes foram cometidos no período de perto de 2 anos, cometidos sob a capa de uma sociedade unipessoal, tendo a sua actuação começado quando a arguida tinha 24 anos, tendo agora 32 anos, pelo que a pena justa deve ser de 5 anos de prisão, em vez de 6 anos e 6 meses aplicada na decisão recorrida.
VI -Como a arguida era uma jovem à data do cometimento dos crimes, tem emprego certo que trabalhou desde os 17 anos e aufere um salário que lhe permite prover às suas despesas e do seu filho, que tem à sua guarda e com quem vive, e de modo a acautelar que a condenação não redunde em prejuízo dos credores, das indemnizações a cujo pagamento foi condenada, entende-se dever suspender a pena conjunta de 5 anos de prisão, por igual período de tempo, sob condição de pagar, em 2 anos, as indemnizações em que foi condenada no acórdão proferido em 1.ª instância, acrescidas dos juros devidos, ficando sujeita a regime de prova, como impõe o n.º 3 do art. 53.º do CP.



Decisão Texto Integral:

AA, solteira, ..., nascida a ... em Lisboa, residente em ..., foi julgada juntamente com o co-arguido BB, no 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, em processo comum e por tribunal coletivo, e condenada em acórdão de 22/6/2012 pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p., pelo artº 218º, nº 2, alíneas a) e b) do CP, na pena de cinco anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, com a obrigação de pagamento das indemnizações arbitradas aos demandantes, no prazo de um ano, para além de ficar subordinada a regime de prova.

Ficou ainda condenada a pagar, a título de indemnização, a ... – Gabinete de Estética, Sociedade Unipessoal, a quantia de € 612,53, acrescida de juros de mora a contar de 23.08.2006, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal, a CC a quantia de € 1450,47 acrescida de juros de mora a contar de 12.02.2008, sobre a quantia de 612,39, e desde 22.08.2008 sobre a quantia de 838,08, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal, e por último, a DD, a quantia de € 747,13.

Descontente com a decisão, o Mº Pº recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 11/7/2013, condenou a arguida AA pela prática de dezanove crimes de burla qualificada, p. e p., pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b), do CP, e ainda de três crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos 22.º, n.º1, a), 23.º, 73.º, 217.º e 218º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes consumados, e de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes tentados. Em cúmulo, ficou condenada na pena conjunta de 6 anos e 6 meses de prisão. Manteve em tudo o mais a decisão recorrida. É desta decisão que a arguida recorre agora para o STJ.

A  -  FACTOS

Deram-se por provados, na decisão recorrida, os seguintes factos:
1. A Arguida AA constituiu a sociedade ... – Edições Regionais Empresariais, Unipessoal, Ldª (doravante designada pelas siglas VFJ) em 14.12.2005, sendo a sua única sócia gerente.
2. A referida sociedade tem como objecto social a prestação de serviços, publicidade, editora e divulgação de actividades na área da publicidade.
3. A sociedade ... nunca teve qualquer contrato com as Páginas Amarelas, S.A. de modo a publicitar os clientes desta última.
4. Após a constituição da referida sociedade a arguida AA de elaborou um plano de modo a recolher vantagens patrimoniais que sabia serem indevidas junto de pessoas e empresas publicitadas nas Páginas Amarelas.
5. Esse plano consistia em contactar com os clientes das Páginas Amarelas, a quem pedia o pagamento de serviços alegadamente em dívida relacionados com a publicidade nessas páginas amarelas ou outro tipo de listas empresariais regionais e a quem também era perguntado se pretendia a continuação, a alteração ou a extinção dos contratos.
6. O valor normalmente pedido aos clientes das Páginas Amarelas rondaria os setecentos euros que em caso de não pagamento o valor duplicaria ou triplicaria, para além de em algumas situações ser invocada a prorrogação automática dos contratos, caso não fossem pagas de imediato determinadas quantias, bem como seria exigidas quantias a pretexto do cancelamento de pretensos contratos com as Páginas Amarelas ou listas telefónicas empresariais.
7. Por outro lado, os telefonemas eram feitos, normalmente, em períodos próximos do fecho dos bancos de modo a pressionarem e não deixarem qualquer tempo às pessoas para reflectirem.
8. O modo de pagamento era feito através de transferência bancária, cheque remetido por SEM dos CTT ou vale postal.
9. Os números de telefone utilizados nesses contactos seriam os números 21..., 21... e 2....
10. Caso os clientes das páginas amarelas quisessem cancelar os contratos teriam que enviar um pedido de cancelamento para os números de fax 21... e 21....
11. Após os pagamentos iniciais os clientes das Páginas Amarelas eram novamente contactados para pagar os cancelamentos das bases de dados sob pena de pagamento de multa no valor de três mil euros.
12. Se os clientes das Páginas Amarelas efectuassem este novo pagamento, nos mesmos moldes já referidos, eram novamente contactados para efectuar novo pagamento relativo à patente de contribuinte e do roteiro.
13. Assim, no inicio de 2006 a arguida AA de contratou como prestadores de serviços pessoas, para desempenharem funções de call center e que tinham por função telefonar para os clientes das Páginas Amarelas a fim de cobrarem os valores nos termos do plano delineado pela arguida AA de .
14. Para esse efeito, entre o início de Janeiro de 2006 e pelo menos o final de Abril de 2008, a arguida AA contratou a prestação desses serviços as seguintes pessoas:
a. EE;
b. FF;
c. GG;
d. HH;
e. II;
f. JJ;
g. LL;
h. MM;
i. NN;
j. OO;
k. PP. 
15. Os colaboradores tinham como instruções específicas:
- não se identificarem com o nome verdadeiro;
- telefonarem para zonas fora do Distrito de Lisboa ou para folhas com listas telefónicas das páginas amarelas entregues pela arguida AA ;
- tinham que dizer aos clientes das Paginas Amarelas que tinham que ser pagos urgentemente, cuja tabela das quantias estava junto aos telefones;
- mais deveriam informar que a falta de pagamento acarretava multas ou/e o recurso aos tribunais;
- caso as pessoas dissessem que não queriam pagar os colaboradores deviam passar o telefone à arguida AA de que pressionava os clientes das Páginas Amarelas para pagar, sendo que a AA se identificava normalmente como Drª QQ ou Drª RR do departamento jurídico.
16. A arguida AA mandou fazer uma lista telefónica da ....
17. O arguido BB nos contactos com os clientes que abordava, usava o nome de SS.
18. No exercício da sua actividade foram usados os seguintes locais:
a. Avenida ...;
b. Estrada Nacional ...;
c. Rua ...;
d. Rua ....


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Nuipc 119/06.4GCTB

19. No dia 10 de Maio de 2006, pelas 11.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, TT, proprietário da Churrasqueira “A ...”, sita na Avenida ..., foi contactado por um individuo de sexo masculino que referiu chamar-se ... e uma pessoa de sexo feminino que referiu tratar-se da Drª RR, mas que na realidade se tratava da arguida AA .
20. Os mesmos disseram-lhe que vinham da parte da ... que prestava serviços para as Páginas Amarelas e que TT, uma vez que a churrasqueira era publicitada nas Páginas Amarelas tinha que pagar o serviço de imediato depositando ou transferindo a quantia de 612,12 e caso não pagasse a divida seria superior.
21. Como TT disse que não tinha o dinheiro todo foi acordado, entre este e a arguida, o pagamento em duas prestações, sendo fornecido o NIB nº ..., respeitante à conta pertencente à sociedade ....
22. Assim, acreditando que devia tal quantia, nesse mesmo dia, 10.05.2006 pelas 12.10 horas, TT efectuou a transferência bancária de € 353,62 da sua conta nº ... para o NIB supra identificado.
23. Após a transferência bancária o TT contactou a PT acerca da transferência de dinheiro ao que lhe responderam que a ... não tinha qualquer relacionamento comercial com a PT ou as Páginas Amarelas e que nada devia.

Nuipc 277/06.8GBPBL
24. No dia 05.06.2006 pelas 10.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, UU recebeu um telefonema de um indivíduo do sexo masculino que lhe disse que estava a ser contactado pela ... porque era assinante das páginas amarelas e que devia pagar de imediato a quantia de 612,39 € que devia senão a colega da tarde enviaria o processo para contencioso.
25. Após uma breve conversa o indivíduo de sexo masculino passou o telefone a uma pessoa de sexo feminino que lhe disse que tinha que fazer o pagamento de imediato fornecendo-lhe o NIB n.º ... e enviar o comprovativo de pagamento para o n.º de fax 21 ..., tudo propriedade da ....
26. Como o UU era assinante das páginas amarelas e acreditando no que lhe diziam, nesse mesmo dia UU transferiu a quantia de 612, 39 € da sua conta n.º ... da caixa de Crédito Agrícola para o NIB identificado pertencente à ...
27. Após contactou com as Páginas Amarelas a informar que tinha pago ao que lhe disseram que não tinha qualquer dívida e que tinha sido vítima de um logro.

Processo n.º 757/06.5TAOLH incorporado no processo apenso n.º 663/06.3PAOLH
28. No dia 19.07.2006, a hora não concretizada, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, VV, proprietário da sapataria denominada “Sapataria ..., Lda.”, sita em ..., foi contactado no seu telefone ..., por uma senhora que se intitulava de advogada da ... e que dizia chamar-se ..., sendo essa pessoa a arguida AA.
29. Pela mesma foi dito que devia a quantia de 612,39 € pelo contrato de publicidade de uma lista telefónica, que devia pagar de imediato, uma vez que já tinha em cima da mesa os processos contra o VV para enviar para tribunal.
30. Como o VV acreditou no que lhe dizia e por temer qualquer processo judicial então pediu que lhe informassem do modo de pagamento do valor.
31. Pela arguida foi dito que devia fazer uma transferência bancária para o NIB n.º....
32. Nesse mesmo dia o VV fez uma transferência bancária de 612,39 € para o NIB supra identificado cuja conta é titulada pela ....
33. No dia 20.07.2006, a hora não concretizada, foi novamente contactado, por ordem da arguida AA, por pessoa de sexo feminino em que dizia que o VV ainda tinha uma dívida de mil euros e que devia pagar de imediato.
34. Como o VV que não tinha esse dinheiro, então a referida pessoa disse que poderia pagar em duas prestações para o mesmo NIB, fornecendo os telefones n.º 21... e 21... para posteriores contactos com a ....
35. Como o VV lhe disse que nada pagava porque não tinha uma factura do primeiro pagamento a mesma decidiu enviar-lhe uma factura e recibo.
36. De seguida o VV enviou uma carta à ... a pedir a cópia do contrato, que não obteve qualquer resposta.
37. Nesse momento apercebeu-se que tinha sido vítima de uma fraude.
Processo apenso n.º 835/06.0PBAGH
38. No dia 23.08.2006, pelas 14.30 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, XX, proprietária da ..., Gabinete de Estética, sociedade unipessoal, Lda, sita na estrada ..., por ordem da arguida AA , foi contactada para o seu telefone n.º ..., por uma pessoa do sexo feminino que disse vir da parte da... que por sua vez prestava serviços para as Páginas Amarelas.
39. Tal pessoa perguntou-lhe se estava interessada em continuar com o contrato de publicidade uma vez que terminava nesse dia.
40. Como a XX respondeu que não pretendia qualquer contrato a pessoa em questão disse-lhe que devia então pagar de imediato o valor de 612,39 € em dívida, fornecendo-lhe o NIB n.º ..., e enviar o comprovativo de pagamento para o n.º de fax 21 ..., tudo propriedade da ....
41. Acreditando que devia pagar o valor em dívida a XX efectuou uma transferência bancária de 612,39 € através da internet da sua conta n.º ... do Millenium BCP para o NIB supra identificado e enviou o fax tal como combinado.
Processo apenso n.º 90/06.2GAPPS
42. No dia 08.09.2006, pelas 10.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, YY, recebeu um telefonema no seu telefone n.º ..., de uma pessoa do sexo feminino que lhe disse que vinha da parte das Páginas Amarelas e que tinha uma dívida de 612,39 €, que deveria pagar de imediato, sob pena de pagar 50 € de multa por cada dia sem pagamento e que o processo seguiria para o advogado.
43. De seguida a pessoa indicou-lhe o NIB n.º ... para onde devia transferir o dinheiro cuja cópia do talão devia enviar para o n.º de fax 21... juntamente com o pedido de cancelamento do serviço de publicidade.
44. O -- acreditou no que lhe disseram e nesse mesmo dia transferiu a quantia supra identificada da sua conta da CGD com o n.º ... para o NIB já identificado.
Processo apenso n.º 301/07.7JASTB
45. No dia 05.07.2007, pelas 16.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, uma pessoa do sexo feminino que se identificou como FF, entrou em contacto telefónico com ZZ, proprietária do Café ... sito na Avenida..., para o número ..., exigindo que efectuasse o pagamento de serviços relacionados com publicidade na lista telefónica até às 17h:30.
46. Mais disse para a ZZ que devia pagar a importância de 612,39 € sob pena de accionarem os mecanismos legais de cobrança.
47. Para o efeito forneceu o NIB n.º ... para onde devia transferir o dinheiro cuja cópia do talão devia enviar para o n.º de fax 21 ... juntamente com o pedido de cancelamento do serviço de publicidade caso não desejasse renovar (vide informação da PT de fls. 26 a 28 e informação da CGD de fls. 57 do processo apenso n.º 301/07.7JASTB)
48. A ZZ acreditando no que a identificada FF lhe disse efectuou nesse mesmo dia uma transferência de 430,76 € e no dia 01.08.2007 uma transferência de 181,65 € para o NIB supra identificado, pertencente a uma conta da VFJ.
49. E de seguida enviou cópias das transferências bancárias, bem como do pedido de cancelamento do contrato (vide cópia do documento e talões de transferências de fls. 6 a 8 do processo apenso n.º 301/07.7JASTB).
Processo n.º 217/07.1SAGRAD (autos principais)
50. No dia 09.07.2007 foi efectuada a transferência bancária da conta nº ... para a conta da Caixa Geral de depósitos n.º ... da quantia de 359,33 €.
                                                                  
Processo n.º 138/08.6GASEI (apensado ao processo 301/07.7JASTB)
51. No dia 09.04.2008, pelas 17.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, AAA recebeu um telefonema do n.º ..., em que uma pessoa de sexo feminino lhe disse que vinha da parte da... e que tinha uma dívida no valor de 740,99 € de um contrato de publicidade das páginas amarelas.
52. Mais disse tal pessoa se pretendia continuar, alterar ou cancelar o contrato.
53. Por fim disse que tinha até ao final do dia para efectuar o pagamento sob pena de ter de pagar juros o que triplicaria o valor da dívida.
54. Após a AAA ter dito que pretendia cancelar o contrato foi-lhe dito que deveria enviar um cheque via CTT, no valor de 740,99 € e um fax para o n.º ... a pedir o cancelamento do contrato.
55. De seguida a pessoa passou o telefone a outra que disse chamar-se BBB, que lhe deu as instruções como proceder, nomeadamente a morada para onde havia de mandar o cheque.
56. Acreditando no que lhe estavam a dizer a AAA preencheu e assinou o cheque n.º ..., do Finibanco, que mandou, por correio ao cuidado da VFJ.
57. No dia 10.04.2008, a hora não concretizada, após reflectir o que tinha feito e que poderia ser vítima de alguma fraude, a AAA dirigiu-se ao Banco ... a cancelar o cheque, não chegando este a ser pago.
Processo apenso n.º 506/07.0JAFUN
58. No dia 10.07.2007, a hora não concretizada, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, CCC, sócio gerente da ...e Herdeiros, Lda., com sede no Beco ..., foi contactado no seu telefone n.º... por um individuo de sexo masculino, que disse vir da parte da... que utilizou o telefone....
59. Por essa pessoa foi dito que a firma ..., Lda. tinha dois anos de atraso no pagamento e que se efectuasse o pagamento nesse dia só pagaria 612,39 € e que poderia cancelar o contrato, efectuando uma transferência bancária para o NIB n.º ....
60. Acreditando no que lhe disseram CCC efectuou a transferência bancária de 612,39 € nesse mesmo dia para o NIB identificado.
61. No dia 27.07.2007, a hora não concretizada e na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, volta a ser contactado por um indivíduo que disse chamar-se DDD, em representação da .., utilizando o telefone n.º ..., o qual exigia o pagamento de 1.102,61 € para cancelamento do nome da ..., Lda., nas bases dados que a ... tinha na internet, uma vez que já tinha dado início ao processo de cancelamento.
62. Acreditando no que lhe disseram CCC efectuou a transferência bancária de 1.102,61 € nesse mesmo dia para o NIB acima identificado.
63. No dia 07.11.2007, pelas 11.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, CCC foi novamente contactado, agora por uma pessoa que disse chamar-se QQ, utilizando o telefone n.º ..., que lhe exigia o pagamento de 1.459,72 € para cancelar o Roteiro Empresarial e a Patente do contribuinte e que só após esse pagamento lhe enviaram as facturas dos pagamentos anteriores.
64. Após reflectir no que tinha acontecido anteriormente o CCC decidiu não pagar até ter na sua posse as facturas dos primeiros pagamentos o que comunicou à arguida AA .
65. Nunca o CCC recebeu as facturas dos pagamentos que efectuou e percebeu que tinha sido vítima de uma fraude.
Processo apenso n.º 167/07.7GAMGD
66. No dia 14.09.2007, pelas 15.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado, FFF, proprietário do Estabelecimento Auto ..., recebeu no seu telefone n.º ... uma chamada telefónica do n.º ..., da parte de uma pessoa do sexo feminino que se identificou como ..., que vinha da parte da ... que dizia que havia uma dívida das páginas amarelas para pagar no valor de 766,06 € e que tinha até às 16h:30 para o fazer, indicando-lhe o NIB n.º ....
67. Como o -- tinha um contrato de publicidade com as Páginas Amarelas acreditou na veracidade da informação e nesse mesmo dia efectuou uma transferência para o NIB identificado.
68. No dia 15.11.2007, pelas 13.00 horas, recebe nova chamada do n.º ..., de pessoa que se identificou como ... que lhe exigiu o pagamento de 880 €, alegando que assim pagaria o serviço das páginas amarelas até ao ano de 2009.
69. De seguida recebe nova chamada do n.º ..., onde a -- volta a exigir o pagamento da quantia, sob pena de ter de pagar o valor de 2.000 €.
70. Como estranhou o teor do telefonema o ... telefonou para as Páginas Amarelas onde lhe disseram que não tinha que pagar nada.
71. No dia 16.11.2007, pelas 11h:00, o ... recebe nova chamada do n.º ..., de pessoa do sexo feminino que não se identificou, mas que pertencia ao departamento jurídico lhe exigia o pagamento da quantia de 511,24 €, sob pena de naquele dia se deslocar um funcionário ao estabelecimento para efectuar uma penhora.
72. O ... recusou pagar o dinheiro que lhe exigiam.
Processo apenso n.º 430/07.7PASCR
73. No dia 27.08.2007, pelas 12.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, EEE, gerente da empresa Auto ..., Lda., foi contactado por uma pessoa do sexo masculino que disse chamar-se SS, que na realidade era o arguido BB, que vinha da parte da ..., e que lhe exigia o pagamento até às 13h:00 do valor de 612,39 € relativamente a um serviço prestado pelas páginas amarelas, uma vez que tinha duas facturas em atraso.
74. De modo a proceder ao pagamento devia o GGG transferir a quantia para o NIB n.º ... e de seguida devia enviar esse comprovativo de pagamento com o pedido de renovação ou cancelamento do serviço.
75. Mais disse o arguido para o GGG que caso não pagasse a dívida, esta aumentaria para 1.459,72 €.
76. Como o GGG tinha efectivamente um contrato de publicidade com as páginas amarelas acreditou no que lhe estavam a dizer e efectuou uma transferência da quantia de 612,39 € para o NIB já identificado.
77. No dia 7.11.2007, a hora não concretizada, o GGG foi contactado por uma funcionária da ... que deu o nome de BBB, que lhe disse que devia pagar a quantia de 1.459,72 € relativa ao cancelamento da base de dados e patente de contribuinte, enviando-lhe um fax.
78. Como o EEE disse que iria a Lisboa tratar pessoalmente do assunto e que não pagaria nada antes disso nunca mais recebeu qualquer comunicação da ....
79. Durante o período acima identificado o GGG foi contactado através dos telefones n.º ..., ...,... e ..., números pertencentes à....
Processo apenso n.º 411/07.0GAMGL
80. No dia 11.10.2007, pelas 10.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, proprietária do estabelecimento -- & Acessórios profissionais, sito na Rua --, foi contactada por um indivíduo de sexo masculino que disse chamar-se SS, mas que na realidade era o arguido BB, que lhe disse que vinha da parte da VFJ.
81. Mais lhe disse o arguido que tinha uma dívida de 612,39 € com a VFJ relativamente a um contrato de publicidade do estabelecimento e que devia ser paga naquele mesmo dia através de depósito ou transferência para o NIB n.º -- que devia enviar via fax para o n.º --.
82. Caso não pagasse o valor o contrato prorrogava-se por mais cinco anos e teria que pagar o valor de 2.000 €.
83. Acreditando no que lhe diziam a -- dirigiu-se à CGD de Mangualde e depositou na referida conta o cheque n.º -- no valor de 612,39 € e enviou o comprovativo do pagamento para o número de fax acima referido pedindo o cancelamento do contrato como lhe tinha sido indicado pelo arguidoBB.
Processo apenso n.º 3/08.7GCETZ
84. No dia 18.01.2008, pelas 11.30, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, pessoa do sexo feminino, telefonou dos telefones n.º -- e -- para --, sócio gerente da sociedade --, Lda, sita na Rua --, dizendo chamar-se --, alegando que aquele devia a quantia de 612,22 € há mais de dois anos relativa um contrato de publicidade.
85. Mais foi dito por aquela que caso não pagasse a dívida aumentava para 3.500€ e que iria avançar para Tribunal.
86. Por fim foi dito que teria que pagar até às 12h:00 através de transferência bancária para o NIB n.º --.
87. Temendo um processo judicial o Fidelian às 12h:41 efectuou um transferência de 612,22 € para o NIB supra identificado, pertencente a uma conta da AA .
Processo apenso n.º 75/08.4GEVCT
88. No dia 24.01.2008, pelas 11.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, proprietária do estabelecimento comercial sito no Largo --, foi contactada através do número de telefone --, por pessoa que se identificou como “Alexandra”, alegando que vinha da parte da VFJ e que estava em dívida a quantia de 612,39 € relativa a um contrato de publicidade.
89. Mais foi dito que o pagamento tinha de ser feito de imediato através de vale postal e que caso não pretendesse continuar deveria enviar um fax a cancelar o contrato para o n.º --.
90. Agindo de boa fé a -- enviou um fax a cancelar o contrato e subscreveu um vale postal no valor de 612,39 € a favor da VFJ.
91. Sendo que o vale postal foi levantado pela arguida AA que integrou o dinheiro no seu património.
92. No dia 12.02.2008, a hora não concretizada, a -- foi novamente contactada pela “--” que lhe disse que teria que pagar a quantia de 830, 36 €, para cancelar o contrato de publicidade que tinha com a VFJ.
93. Como a -- disse que ainda não tinha recebido o comprovativo do primeiro pagamento a “--” disse-lhe que o comprovativo a enviar englobaria os dois pagamentos no prazo de 3 dias
94. Agindo de boa fé a -- enviou um fax a cancelar o contrato e subscreveu um vale postal no valor de 830, 36 €, a favor da VFJ.
95. A arguida AA levantou o vale postal integrando o dinheiro no seu património.
Processo apenso n.º 150/08.5JAPRT
96. No dia 12.02.2008, a hora não concretizada, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, CC, proprietário do Café “--”, sito na --, foi contactado através do telefone n.º -- pelo arguido BB, fazendo-se passar por SS.
97. O arguido -- disse que vinha da parte da VFJ e que estava encarregue de fazer as cobranças de dívidas às páginas amarelas no que respeita a publicidade.
98. Mais disse o arguido ao -- que tinha uma dívida de 612,39 € e que tinha que a pagar sob pena do contrato prolongar-se por mais 6 anos.
99. Por fim o arguido forneceu a identificação da VFJ explicando ao -- que devia enviar um vale postal no valor de 612,39 € a favor da VFJ até ao meio-dia de 12.02.2008.
100. O -- acreditando no que o arguido lhe dizia deslocou-se aos CTT de -- e pagou um vale postal no valor de 612,39 € que enviou para os CTT do --.
101. Sendo que o vale postal foi levantado pela arguida AA que integrou o dinheiro no seu património.
102. Mais enviou para o fax n.º -- comprovativo do vale postal e pedido de cancelamento do contrato, tal como lhe tinha sido indicado pelo arguido --.
103. No dia 22.02.2008, a hora não concretizada, ainda na sequência das instruções e ordens dadas pela arguida AA , -- recebeu uma chamada de uma pessoa que se identificou como QQ, onde esta solicitava o pagamento da quantia de 838,08 € relativa ao cancelamento da publicidade nas listas internacionais.
104. Acreditando no que lhe diziam o -- deslocou-se aos CTT de S. Roque da Lameira e pagou um vale postal no valor de 838,08 € que enviou para os CTT do Laranjeiro, a favor da VFJ.
105. Sendo que o vale postal foi levantado pela arguida AA que integrou o dinheiro no seu património.
Processo apenso n.º 135/08.1PBHRT
106. No dia 27.02.2008, pelas 22.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito pessoa que não foi possível identificar em concreto, telefonou do n.º--, para o n.º --, pertencente a DD, com residência no --.
107. Essa pessoa disse que vinha da parte da VFJ e que tinha que pagar a quantia de 728,22 € relativa à publicidade nas páginas amarelas do restaurante “--”, propriedade do --.
108. Essa pessoa disse que caso o -- não pagasse então os seus bens seriam penhorados pelo Tribunal Judicial da --
109. Mais lhe foi dito que poderia então proceder ao cancelamento das publicações.
110. O -- efectuou o pagamento através de dois cheques, com os números -- e --, da Caixa Económica da Misericórdia de --, da conta n.º ---, um com data de 27.02.2008 e outro de 06.03.2008, cada um no valor de 364,11 €, que enviou para a sede da VFJ sita Avenida 23 de Julho, n.º 389, 2810 Almada.
111. Esses cheques foram levantados pela arguida AA, como legal representante da VFJ, nos dias 06 e 11 de Março de 2008.
Processo apenso n.º 118/08.1GCOVR
112. No dia 22.02.2008, pelas 10.15 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, proprietário do estabelecimento comercial “--”, sito na --, foi contada pelo telefone n.º -- por uma pessoa que disse chamar-se “FF”, que lhe disse que tinha uma dívida de 612, 39 € relativa à lista telefónica regional do Porto e sul do Douro e que o prazo de pagamento terminava nesse dia.
113. Como o -- disse que não tinha recebido qualquer documento a exigir o pagamento, a referida FF disse que caso não pagasse até ao meio-dia teria que pagar a quantia de 2000 €.
114. De seguida a esposa do --, a -- entrou em contacto com a VFJ, tendo sido atendida por uma pessoa que se identificou como “--”, que novamente exigiu o pagamento alegando que tinha um documento escrito pela --.
115. Como o -- e a -- ficaram receosos pediram os dados necessários para proceder ao pagamento, nomeadamente a sede da VFJ e o modo de pagamento.
116. O modo de pagamento acordado seria por vale postal, cujo recibo do pagamento teria que ser enviado, via fax.
117. Nesse mesmo dia o -- e a -- dirigem-se aos CTT e subscrevem um vale postal a favor da VFJ no valor de 612, 39 €.
118. Acontece que no dia 25.02.2008 o -- telefona para a PT (Portugal Telecom) que lhe informam que as únicas listas que existem a nível nacional são da PT.
119. De imediato, o -- entra em contacto com as estações de correios dos CTT e pede o cancelamento do vale postal que tinha enviado no dia 22.02.2008, o que conseguiu.
Processo n.º 117/08.3SAGRAD (incorporado nos autos principais)
120. No dia 07.03.2008, pelas 13h:00, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, proprietária do estabelecimento comercial Instituto de Beleza e Perfumaria, sito na Rua ..., recebeu um telefonema dos números -- e --, em que uma pessoa do sexo feminino e arguido BB, fazendo-se passar por -- e SS, respectivamente e em representação da VFJ exigiam o pagamento da quantia de 741 € a fim de cancelarem publicidade nas Páginas Amarelas.
121. Mais disseram que caso a -- não pagasse seria enviada uma pessoa que lhe exigiria a quantia de 2500 € e não poderia eliminar os dados no prazo de 6 anos.
122. Receosa das consequências do alegado incumprimento e por não querer ter problemas, a -- preencheu e assinou os cheques n.º -- e --, no valor de 347,48 € e 393,52 €, do Millenium BCP, à ordem da --, Lda., que enviou para a morada que lhe indicaram sita na Avenida --, por correio.
123. A arguida AA levantou os cheques supra referidos no dia 10.03.2008, fazendo suas as quantias.
124. No dia 18.03.2008, pelas 11.15 horas, a --, recebeu novo telefonema de pessoa que disse chamar-se QQ, que lhe disse que tinha que pagar a quantia de 830, 36 € para cancelar a informação da firma nas bases de dados, caso contrário no final do ano de 2009 teria que pagar a quantia de 4596,36 €, não podendo cancelar os dados nos 6 anos seguintes.
125. Mais uma vez a -- acreditando no que lhe diziam, preencheu e assinou o cheque n.º -- no valor de 830, 36 €, que enviou por Express mail.
126. Nesse dia, após contactar as Páginas Amarelas a -- foi informada que os serviços eram gratuitos e percebeu que pagou o indevido e dirigindo-se ao banco e pediu que o cheque n.º --, no valor de 830, 36 €, não fosse pago, o que aconteceu.
Processo apenso n.º 154/08.8TAMCD
127. No dia 10.03.2008, a hora não identificada, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, legal representante da sociedade --, Lda., foi contactada pelo arguido BB, através do telefone n.º --, fazendo-se passar por “Alexandre”, alegando que a sociedade devia às páginas amarelas a quantia de 766 € relativa a vários anos.
128. Mais disse o arguido que a quantia devia ser paga de imediato sob pena de passarem a pagar 3000 €.
129. De seguida passou o telefone a uma pessoa que alegou chamar-se .., mas que na realidade era a arguida AA que voltou a dizer a .. que a dívida era para pagar, e que já tinham sido enviados vários avisos por correio.
130. Como a .. disse que só pagava mediante a apresentação de algum documento a arguida AA enviou um documento com o nome de recibo provisório que devia ser preenchido e reenviado à VFJ através do fax n.º .., o que foi feito.
131. De seguida a .. acreditando que devia a quantia de 766 e preencheu e enviou o cheque com o n.º .., do Millenium BCP, no valor de 766,05 € à ordem da ..
132. Cheque esse que foi levantado por AA , em representação da VFJ, fazendo sua a quantia.

Processo apenso n.º 50/08.9JAGRD
133. No dia 14.03.2008, pelas 11h:00, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, .., proprietário do estabelecimento de comércio de Frutas e legumes, sito no Mercado Municipal da Guarda, recebeu um telefonema do n.º .., de indivíduo do sexo feminino, que lhe disse ser colaborador das páginas amarelas a reclamar o pagamento da quantia de 600 € mais IVA relativo a um contrato de publicidade celebrado no ano de 2003.
134. Como o -- disse que não se recordava de ter celebrado qualquer contrato essa pessoa passou o telefone a outra pessoa do sexo masculino, o arguido--, que lhe disse que tinha que pagar, sob pena de pagar uma multa até 2500 €.
135. Em resultado do teor da conversa e temendo pelas consequências do não pagamento o -- dirigiu-se à Estação dos CTT da Central de Camionagem da Guarda e enviou um carta registada com o cheque n.º --, do Banco --, no valor de 741 €, à ordem da VFJ, e com destino a Avenida --.
136. O aludido cheque foi levantado no dia 18.03.2008 pela arguida AA , que fez sua a quantia inscrita no cheque.
Processo apenso n.º 42/08.8JAGRD
137. No dia 17.03.2008, a hora não concretizada do período da manhã, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, proprietária de um estabelecimento de comércio de Frutas e Legumes, sito na --, recebeu um telefonema do n.º --, de indivíduo do sexo feminino que se identificou como “Dr.ª QQ”, que na realidade era a arguida AA , lhe disse vir da parte da -- reclamando o pagamento de 766,06 € relativo a um contrato de publicidade das páginas amarelas celebrado em 2004.
138. Mais lhe foi dito pela arguida que o pagamento devia ser feito até às 12h:00 daquele dia, através de cheque a enviar à ordem da --, Lda., para a Avenida --.
139. A -- acreditando que podia dever tal quantia, porque o seu estabelecimento vinha publicitado nas páginas amarelas, enviou o cheque n.º -- do Millenium BCP, no valor de 766,06 €, através de EMS dos CTT.
140. Cheque que foi apresentado a pagamento pela arguida AA fazendo sua a quantia nele inscrita.
141. No dia 20.03.2008, por volta das 13h:00, a -- recebe novo telefonema do mesmo número e da arguida AA , fazendo-se passar por “Dr.ª QQ”, que exigia o pagamento do valor de 1.614,32 €, para cancelamento do contrato, indicando o NIB n.º --.
142. O que foi feito pela -- por que a arguida a ameaçou que caso não pagasse venceriam juros.
143. No dia 27.03.2008, a hora não concretizada, a -- recebe novo telefonema do mesmo número e da arguida AA , fazendo-se passar por “Dr.ª QQ, que exigia o pagamento do valor de 981,62 € e 431,95 € para conclusão do cancelamento do contrato.
144. Convencida de que devia aqueles valores a --, enviou para a mesma morada os cheques n.º -- e n.º -- do Millenium BCP, através de EMS dos CTT.
145. No dia 04.04.2008, a hora não concretizada, a -- recebe novo telefonema do mesmo número e da arguida AA , fazendo-se passar por “Dr.ª QQ”, que exigia o pagamento do valor de 2.196,30 € para conclusão do cancelamento do contrato.
146. Convencida de que devia ainda aquele valor a --, enviou para a mesma morada o cheque n.º -- do Millenium BCP, através de EMS dos CTT.
147. Todos os cheques no valor global de € 5.990,20 foram movimentados pela arguida AA nos dias 19.03.2008, 01.04.2008, quantias que fez suas.
148. A arguida AA actuou com o propósito de recolher vantagens económicas e enriquecer o seu património e da sociedade de que era a sócia e gerente, o que conseguiu, convencendo a -- que esta tinha um contrato de publicidade e que era devedora das quantias reclamadas, o que levou esta a efectuar vários pagamentos que a arguida sabia serem indevidos.
Processo apenso nº 55/08.0GAAFE
149. No dia 07.05.2008, pelas 10.30 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, --, esposa de --, proprietário do estabelecimento comercial “--”, sito na Rua--, recebeu do nº -- a chamada de uma pessoa de sexo feminino, intitulando-se funcionário da VFJ, que lhe disse que devia € 740,99, resultante da celebração de um contrato de publicidade no ano de 2005 (ofendido falou em divida da Telecom e -- também falou em Telecom e paginas amarelas).
150. -- e após lhe ter sido dito que passariam o assunto para Tribunal e crendo que devia a quantia em causa, falou com o marido, --, preencheu um cheque, o qual enviou à ordem da VFJ, através de correio, para a Avenida --.
151. De seguida enviou um fax com cópia do cheque.
152. Nesse mesmo dia, pelas 12.15 horas recebeu novo telefonema de uma pessoa do sexo feminino que lhe disse que se tinha enganado no preenchimento do cheque e que podia pagar através de transferência bancária para o NIB n.º --, cuja titular é a arguida AA .
153. O que -- fez por volta das 12.20 horas transferindo o dinheiro da sua conta nº -- do Millennium BCP para o NIB supra indicado.
Processo apenso nº 572/08.1PBVS
154. No dia 15.04.2008, a horas não concretamente apuradas, --, proprietário de um estabelecimento comercial (mercearia) sito na Rua --, recebeu no seu telefone nº --, telefonemas de pessoas do sexo feminino e masculino, que diziam que trabalhavam para a VFJ e que em nome das páginas amarelas informavam que tinha uma dívida derivada de contrato de publicidade celebrado há uns anos e do anuário comercial.
155. Mais disseram essas pessoas que a dívida devia ser paga de imediato sob pena de os seus bens serem penhorados.
156. Disseram que devia as quantias de € 740, € 502, € 328, € 883,12 e € 576,59 que o -- devia pagar através do envio de cheques à ordem da VFJ, para a Rua --.
157. Acreditando no que lhe diziam e temendo que lhe penhorassem os bens o -- preencheu e enviou à ordem da VFJ, os cheques nº [...], das contas nº -- e nº -- da Caixa Geral de Depósitos, de que é titular e co-titular, todos enviados por expresso mail no dia 15.04.2008.
158. Os cheques supra referidos foram todos levantados pela arguida AA que fez suas as quantias.
*
159. A arguida AA , a arguida ao constituir a sociedade VFJ, ao contratar os colaboradores, ao dar as ordens, instruções e ao telefonar nos termos supra descritos, actuou com o propósito de recolher vantagens económicas e enriquecer o seu património e da sociedade de que era sócia e gerente, o que conseguiu, quer por si, quer por intermédios das pessoas que contratou e bem assim do arguido --, que seguindo as regras ditadas pela arguida convenceram --, UU, VV, XX, YY, ZZ, AAA, CCC, FFF, EEE, ---, ---, --, --, DD, --, --, --, --, --,  -- e --, que estes devedores das quantias reclamadas, o que os levou a efectuar os pagamentos nos termos supra descritos, bem sabendo a arguida que estes não eram devedores de qualquer quantia à arguida ou à VFJ e que não tinha qualquer direito às quantias que lhe foram pagas e que fez suas, as quais na globalidade totalizaram o montante de 23.723,43 euros.
160. Bem sabia o arguido BB que as pessoas que contactava seguindo as ordens e instruções da arguida, não eram devedores das quantias que por ele eram reclamadas, e ainda assim, agiu da forma descrita com o propósito de colaborar com a arguida AA , bem sabendo que através da sua conduta, a arguida e a sociedade VFJ iriam obter um enriquecimento a que não tinham direito.
161. Agiram os arguidos livre, deliberada e conscientemente cientes da punibilidade das suas condutas.
*
162. A arguida AA tem o 9º ano de escolaridade.
163. Começou a trabalhar aos 17 anos, tendo entre os 17 e os 22 anos exercido actividade profissional no ramo das vendas.
164. Aos 23 anos iniciou actividade laboral no ramo de organização de eventos, trabalhando como animadora em discotecas, ao longo de Portugal.
165. Neste contexto iniciou uma relação amorosa com o proprietário de uma discoteca de quem teve um filho e após o nascimento do filho, foi residir com o pai do filho em Almada, separando-se após seis meses de convivência em comum.
166. À data dos factos residia com o filho em casa arrendada e exercia funções na VFJ contando com um rendimento satisfatório para fazer face às despesas do agregado.
167. Após o encerramento da empresa foi viver com o filho para casa dos pais, tendo saído há cerca de dois anos por desavenças com a mãe e o co-arguido.
168. Actualmente vive com o filho numa casa cedida por um ex-cunhado.
169. Trabalha no gabinete de estética auferindo 1600 mensais. Paga 370 euros da escola do filho, 60 de renda de casa
170. A arguida AA foi condenada:
a. em  2010 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriagues em pena de multa;
b. em 2010 pela prática em 2007 de um crime de ofensa á integridade física simples, em pena de multa.
*
171. O arguido .. saiu em liberdade condicional em Dezembro de 2010, tendo fixado residência num apartamento arrendado pela irmã ..
172. Por vezes pernoita em casa dos pais;
173. É considerado um jovem imaturo, com baixa auto estima, introvertido e influenciável, sempre manifestando apetência pelo ócio e ausência de hábitos de trabalho.
174. Encontra-se sujeito a tratamento no CAT de --
175. O arguido BB foi condenado:
a. em 2004 pela prática em 2000 de um crime de roubo, na pena de 8 meses de prisão suspensa por dois anos,
b. em 2005, pela prática em 2000 de um crime de roubo, na pena de sete meses de prisão, suspensa por três anos;
c. em 2006 pela prática em 2006 de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por quatro anos.
d. Em 2008, pela prática em 2008 de um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida na pena única de três anos de prisão.

B  -  RECURSO

As conclusões da motivação do recurso da arguida foram:

"A - A arguida, ora recorrente, foi condenada por douto acórdão proferido pelo Círculo Judicial de -- pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p., pelo art.° 218.°, n.° 2, alíneas a) e b) do C. Penal, na pena de 5 anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, nos termos do art.° 50.°, n.° 1 e 5 do mesmo código, com o pagamento das indemnizações arbitradas aos demandantes no prazo de um ano e, bem assim, subordinada ao regime de prova, tendo o colectivo considerado que dos factos provados que todas as actuações criminosas da arguida obedeceram a um único desígnio criminoso e não estando em causa bens eminentemente pessoais, a conduta da ora recorrente integraria um único crime de burla de execução continuada.

B - Inconformado com tal decisão, da mesma veio a recorrer o M° P°, que entendeu que da factualidade provada existem, pelo menos, 3 grandes momentos de actuação criminal distintos, o que faz com base no critério temporal pois que, segundo afirma, a acção decorre em anos distintos: ano de 2006, ano de 2007 e ano de 2008.

C - O cerne da questão controversa residiu em averiguar se a existência de um projecto criminoso - um plano inicial que foi concretizado ao longo do tempo e que abrangia a cobrança indevida de quantias a um número indeterminado de pessoas, tal como se encontra descrito na matéria de facto provada - significa, ou não, a existência de uma unidade resolutiva.

D - Veio o acórdão ora sub judice a concluir que a factualidade provada e não provada, nem a motivação da decisão de facto habilitavam o tribunal de 1ª instância a prosseguir esse entendimento, pois a matéria de facto estabelecida na 1ª instância não indica ter ficado provado que a arguida agiu sob uma única resolução criminosa.

E - Defende-se nas presentes motivações que, quer da matéria de facto considerada provada, quer da motivação da decisão, consta tudo quanto se revela necessário a considerar-se estarmos perante um único crime e não uma pluralidade de crimes.

F - Mesmo que não se entenda que se trata de um crime continuado, teria de se entender que a conduta da arguida consubstancia a prática de um único crime, porquanto se tratou de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, não existindo mais necessidade de renovar o processo de motivação.

G - Estamos perante aquilo que Jeschek designa por "unidade típica de acção em sentido amplo", a qual exige que a "lesão do bem jurídico sofra apenas uma agravação puramente quantitativa mediante a repetição plural do tipo ilícito unitário e que, além disso, o facto responda a uma situação motivacional unitária.

H - O tipo legal de crime preenchido com as referidas condutas é só um e, conforme os factos descritos na acusação que tiveram tais condutas lugar no âmbito da mesma e inicial resolução criminosa, na medida em que acabaram por gizar um plano de actuação criminosa.

I - Conforme douto entendimento constante no Ac. STJ de 88/05/11, BMJ 377-431 "Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinadas por nova motivação".

J - Ora, e face a tal definição, não restam dúvidas de que no caso em apreço, tendo em conta os factos dados como provados pelo tribunal a quo, houve uma única resolução criminosa, uma única motivação.

K - Havendo uma única resolução criminosa há um só crime, "desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime"- Ac. STJ de 84/03/08, BMJ, 335-135.

L - O que sucedeu no caso em apreço foi uma multiplicidade de condutas violadoras de um mesmo tipo legal de crime na execução de um mesmo propósito criminoso.

 

M - Contrariamente à qualificação operada pelo acórdão recorrido não estamos perante um concurso real ou efectivo nem perante um concurso aparente já que "A figura do crime único com pluralidade de condutas violadoras do mesmo tipo legal, estruturadas em função de uma só resolução criminosa, não está abrangida pela previsão do artº 30º do C.P."- Ac. STJ de 91/10/23, BMJ 410-382.

N - A recorrente actuou na sequência de um mesmo plano e modo de execução criminoso, pré-estabelecido, e assim, encontramo-nos perante um único crime de burla qualificada, cuja execução se foi sucedendo no tempo, isto é, em obediência a um único e inicial projecto, em que a reiteração foi dominada por uma e a mesma resolução.

M - Nestes casos, indiciada que está a unidade da conduta criminosa existe um só e único crime, que é de facto afirmado, quer pela equação entre a unidade do delito e a da acção, quer pela igualdade que se estabeleça entre a unidade de delito e a de qualquer outro dos seus elementos.

O - Ou seja, a recorrente elaborou um plano que consistia em contactar com os clientes das páginas amarelas, a quem pedia o pagamento de serviços alegadamente em dívida, relacionados com a publicidade nessas páginas e que foram contactados pelos colaboradores que contratou, por intermédio de quem, eram exigidas aos clientes da tal lista criada pela recorrente, pagamentos de serviços alegadamente devidos por estes à sociedade constituída pela recorrente.

 

P - Cada chamada telefónica efectuada pelos colaboradores ou pela recorrente, a cobrar os alegados serviços prestados não obedece a um novo desígnio criminoso ou à renovação de tal desígnio criminoso é sim a execução do plano previamente gizado, cabendo a conduta da arguida na imputação da prática de um único crime de burla, pelo qual deverá a mesma ser condenada.

Q - Consta nos parágrafos 163 a 166 do acórdão da 1ª instância, que a arguida começou a trabalhar desde os seus 17 anos e até aos 22 no ramo das vendas, após o que passou para o ramo de eventos, tendo engravidado na sequência de uma relação amorosa e residido com o progenitor do filho menor até este ter 6 meses de idade.

R - Sozinha, 9º ano de escolaridade, mãe solteira com um bebé de 6 meses a cargo, afigura-se estarmos em presença de uma solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa da arguida; as necessidades do menor determinaram uma linha psicológica criticamente diminuída que ocasionou a reiteração do comportamento da recorrente, que assim foi muito mais devido à disposição das coisas e das necessidades do que a uma tendência da sua personalidade que cometeu os factos ilícitos.

 

S - Ora o crime, na forma continuada, pressupõe a existência de diversas resoluções, tomadas dentro de uma quadro exterior que facilita, de forma considerável, o renovar das sucessivas resoluções, como se afigura ser o caso presente em que foi necessário suprir as necessidades de subsistência do menor. Por outro lado,

T - O acórdão da Relação de Lisboa pura e simplesmente não contempla todo o disposto nos artºs 71º e 72º do C.P.

U - Pode ler-se no acórdão 222/08.6SAGRD.C2 do Tribunal da Relação de Coimbra o seguinte sumário:

- "A atenuação especial da pena só pode ter lugar, em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura penal abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo. Ou seja, é na acentuada diminuição da ilicitude e da culpa, ou nas exigências de prevenção, que radica a verdadeira ratio da atenuação especial da pena, sendo as circunstâncias enumeradas no nº 2 do artº 72º do C.P. meramente indicativas.", o que deveria de se aplicar ao presente caso.

V - Pois que, sem dúvida, o que transpareceu em sede de julgamento e foi correctamente avaliado pelos (já experientes) juízes que compunham o colectivo, foi aquilatar da medida das exigências de prevenção geral e especial, tendo assim entendido que a realização adequada da justiça passaria não por uma pena efectiva de prisão, mas sim por uma pena suspensa na sua execução, a qual permitirá o pagamento, no espaço de 1 ano aos ofendidos e a manutenção da inserção familiar, social e profissional demonstradas pela ora recorrente.

W - Não se vislumbra o que a sociedade ganharia em prender a ora recorrente impedindo deste modo não só o ressarcimento às vítimas do crime, bem como a ressocialização da ora recorrente, penalizando um terceiro alheio a tudo, que é o filho da recorrente.

X - Vigora como princípio geral o da livre apreciação das provas, acolhido, de forma expressa, no art. 127° do CPP e o C.P. "aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível de 1ª instância", isto porque é na 1ª instância que se tem o contacto directo, físico e imediato com as provas, com interrogatório cruzado dos vários sujeitos processuais, onde é possível valorar as provas em toda a sua amplitude, ao contrário do tribunal de recurso que apenas dispõe da secura das respectivas transcrições.

Y - Do princípio da livre apreciação da prova resulta que a decisão não consiste numa operação matemática, devendo o julgador apreciar as provas sem que esteja limitado por critérios formais de avaliação, mas que para o qual tem essencial relevo a imediação da prova, o interrogatório cruzado, a discussão, ponto por ponto, a postura dos arguidos, etc.

 

Z - Perante a fundamentação da decisão de facto dada pela 1ª instância, entendeu aquele Tribunal que, tendo em conta todo o circunstancialismo envolvente, o tempo entretanto decorrido, a inserção laboral, social e familiar da recorrente, o facto de se tratar de mãe solteira com um filho de tenra idade a seu cargo, que depende única e exclusivamente de si, que a conduta da recorrente deveria ser penalizada numa pena de prisão não superior a cinco anos suspensa na sua execução com a condição de indemnizar as vítimas do crime.

AA - O tribunal de recurso pode controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, podendo sindicar a formação da convicção do juiz ou o processo lógico que levou à consideração de que era uma, e não outra, a prova que se produziu. Mas não pode substituir-se a essa convicção, na parte em que é alcançada com base na imediação.

AB - Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso.

AC - De onde se conclui que o Tribunal de 1ª Instância, tendo em conta tudo quanto se provou em sede de audiência de Julgamento, decidiu que a actuação da arguida deveria ser punida com uma pena de prisão de cinco anos suspensa na sua execução sob condição de ressarcir as vítimas do crime, não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação à arguida de uma pena de seis anos e seis meses de prisão.

AD - E se se determina no art.° 40.°, n.° 1, do C. P., que "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", não se vislumbra, neste caso em concreto, o que se pretende acautelar com uma pena tão elevada.

AF - Para além de que os factos submetidos a julgamento datam de 2006 a 2008, sendo juridicamente muito relevante o período de tempo entretanto decorrido, estando a recorrente bem inserida social, familiar e profissionalmente, sem qualquer registo criminal digno de relevo para os factos em análise, justificando uma atenuação especial da pena, pois que, afinal, a par da punição e prevenção geral e pessoal, a segunda tarefa mais importante do Direito Penal é a ressocialização do indivíduo.

 

AH- Ressocialização que, ao afastar-se um menor da mãe, inviabilizando o ressarcimento das vítimas ao decidir-se por uma pena efectiva de prisão se está a impedir desnecessariamente o processo de ressocialização e a afastar a família, primeira regra de criação de jovens delinquentes.

Al- Afigurando-se ainda que a uma sentença que não possa ser entendida e considerada pela generalidade das pessoas como justa, sempre será considerada uma má decisão, uma má sentença, independentemente de toda a sua conformidade com o ordenamento jurídico.

Nestes termos e no mais de direito aplicável, mas sempre sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a recorrente condenada numa pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita ao pagamento das indemnizações arbitradas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA."

Na sua resposta, o Mº Pº entendeu que o recurso não merecia provimento concluindo assim:

" O Acórdão recorrido deu provimento parcial ao recurso do Ministério Público tendo condenado a arguida por 17 [19] crimes de burla qualificada cada um em pena de 2 anos e 6 meses de prisão e três crimes de burla qualificada na forma tentada cada um em pena de 1 ano e 6 meses de prisão e em cúmulo na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

Considerou o Acórdão recorrido que a actuação da arguida embora subordinada a plano previamente estabelecido não define uma unidade de resolução criminosa.

Não considerou este Tribunal que a arguida tivesse cometido um crime continuado.

Foram devidamente considerados todos os crimes cometidos, o seu modo de execução, as envolventes materiais e sociais considerando-se portanto adequada a pena conjunta de 6 anos e 6 meses de prisão.

Assim sendo deve ser negado provimento ao recurso".

Já neste STJ, o Mº Pº emitiu parecer em que considera que, face ao art. 400.º, nº 1, al. e), do CPP, "deverá ser rejeitado o recurso da arguida/recorrente AA quanto aos crimes de burla em que foi condenada, com penas inferiores a 5 anos de prisão, defendendo a sua condenação por autoria de um crime de burla ou de burla continuada."

Passou então à apreciação, exclusivamente, da medida da pena única aplicada, podendo o recurso "eventualmente obter provimento quanto à medida da pena única que lhe foi aplicada".

Notificada nos termos do art. 417.º nº 2 do CPP, a arguida respondeu e disse:

"1- A ora recorrente, condenada que foi pelo tribunal de 1ª instância numa pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, além de condicionada ao pagamento das indemnizações a que foi igualmente condenada viu, na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, a pena a que foi condenada alterar-se, de 5 anos, suspensos na sua execução, para uma pena de prisão efectiva de 6 anos e 6 meses de prisão. Assim,

2- Não se afigura correcta a posição assumida pelo Ministério Público, suscitada em sede de questão prévia, na medida em que o Digno Representante de tal magistratura, ao considerar e entender no sentido da rejeição parcial do recurso interposto pela arguida/recorrente no que concerne às penas parcelares em que esta foi condenada, tudo na sequência do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, isto porque, no seu douto entendimento, as penas parcelares que foram aplicadas são, todas elas, inferiores a 5 anos o que, nos termos do disposto no art.° 400º, n.° 1, alínea e) do CPP deverá resultar na inadmissibilidade parcial do presente recurso.

3- Porém, no entender da recorrente, a alínea e) do n.° 1 do art.° 400.° do C.P.P. apenas refere não ser admissível recurso dos acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, referindo-se o legislador apenas à questão da pena concretamente aplicada, nada existindo no texto da lei que permita interpretação no sentido da pena ser a resultante de cúmulo jurídico de penas parcelares ou não.

4- Afigura-se que o legislador pretendeu, isso sim, em não inviabilizar recursos como o presente, em que a relação não confirmou a pena da 1ª instância, antes a alterou desfavoravelmente à arguida que, de outra forma, ficaria sem possibilidade de recurso, o que implicaria então inconstitucionalidade de tal interpretação porque violadora do disposto no art.° 32.°, n.° 1 da C.R.P. Mas não só.

5- Interpretação literal da norma contida no art.° 400.°, n.° 1, e) do C.P.P. sempre terá de ser no sentido de se considerar a pena efectivamente aplicada e resultante do acórdão condenatório proferido pelas relações E esta é superior ao limite estabelecido de 5 anos, pois que o presente recurso é sobre uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão. Aliás,

6- Se na Lei n.° 48/2007, de 29/08 se tinha alargado a irrecorribilidade dos acórdãos, afigura-se que a actual redacção do art.° 400.° do C.P.P. veio em sentido contrário, isto é, veio a alargar o âmbito de recorribilidade dos recursos, de que são exemplos as actuais versões das alíneas d) e e) do n.° 1 do art.° 400.° do C.P.P.

7- Mesmo perante a anterior versão do citado art.° 400.° do C.P.P., escreve Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao C.P.P., 4.a edição, pág. 1047:

- "Por exemplo, se o tribunal de 1ª instância condenar na pena de 5 anos de prisão e o TR condenar pelos mesmos factos e crime na pena de seis anos de prisão, há recurso para o STJ. Ou se o tribunal de 1ª instância condenar na pena de três anos e seis meses suspensa pelo mesmo período e o TR condenar pelos mesmos factos e crime na mesma pena, mas revogar a suspensão, cabe recurso para o STJ".

8- Agora, mesmo que já não se considere a problemática da dupla conforme, não poderá é a sucessão de leis no tempo vir a implicar que à ora corrente venha a ser aplicada uma lei penal de conteúdo mais desfavorável do que a lei em vigor à data da condenação em 1ª instância, sob pena de violação formal do disposto no art.° 29º, nº 4 da C.R.P. que impõe a retroactividade da lei penal mais favorável. Com efeito,

9- A questão prévia suscitada pelo Digno Procurador-Geral Adjunto, a ser considerada nos termos preconizados, será passível de ser considerada inconstitucional, por violação dos supra citados artigos da CRP. Por outro lado,

10- Foi precisamente a consideração do conjunto dos factos e da personalidade da recorrente que levou o colectivo da 1ª instância, com o domínio do imediatismo de um julgamento e a avaliação da personalidade, postura, arrependimento e tudo quanto de um julgamento se pôde extrair da ora recorrente, que levou o tribunal a concluir e a decidir pela aplicação à mesma de uma pena de prisão suspensa na sua execução e não de aplicação de uma pena de prisão efectiva. Assim sendo,

11- Muito bem está o Digno Procurador-Geral Adjunto ao referir que os factos datam entre Janeiro de 2006 e Abril de 2008, quando a arguida tinha 24 anos de idade (e se viu com um filho nos braços), trabalhando desde os 17 anos de idade e a trabalhar actualmente, tudo circunstâncias que merecem uma especial consideração por parte do Tribunal, dado ainda o juízo de prognose favorável da 1ª instância e o tempo decorrido desde a data dos factos, nunca tendo existido antes ou depois daqueles nada a apontar à recorrente que, aliás, continua a trabalhar e com um filho a seu cargo exclusivo.

12- Pedindo desculpa pela ousadia da linguagem, mas cuja responsabilidade apenas poderá ser assacada ao signatário da presente resposta, certo é que, qualquer requerimento dirigido a este Colendo Tribunal termina o texto e sempre se requer, na última palavra, Justiça. O que, não o fazendo agora, desta forma se pede."

 Colhidos os vistos foram os autos levados à conferência.

C  -  APRECIAÇÃO

a) Questão prévia

O Mº Pº no STJ considera que o recurso interposto pela arguida só deve ser conhecido no tocante à medida da pena única conjunta, em tudo o mais devendo ser rejeitado.

À luz do art. 400.º, nº 1, al. e), do CPP, e entendendo-se que a redação anterior do preceito deveria ser interpretada nos termos da redação atual, por força do acórdão de fixação de jurisprudência nº 14/2013 de 9/10/2013 (DR  nº 219, Série I, de 12/11/2013), estaria vedado ao STJ conhecer das penas parcelares aplicadas, e, para a Exmª Procuradora Geral Adjunta,   também da qualificação dos factos.  

 Vejamos então, antes do mais, esta questão prévia.

1. Como já vinha sendo entendido pela jurisprudência deste STJ (cf. v.g., ac. de 27/1/2010, Pº 431/09.0YFLSB, 3ª Secção) a lei aplicável em matéria de recorribilidade é a que estava em vigor à data da decisão de primeira instância, em face da qual o recorrente quis fazer valer o seu direito ao recurso. Esta orientação ganhou consagração no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009 (DR nº 55, SERIE I, de 2009-03-19), onde se disse a dado passo:  

"O momento em que é proferida a decisão será aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto ‘direito material’ em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (cf., v. g., José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).

Deste modo, anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos de exercício do direito ao recurso, que como «direito a recorrer» de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual.

No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer."

Ora, a 22/6/2012, data do acórdão destes autos proferido na 1ª instância, a redação da al. e) do nº 1 do art. 400.º do CPP, era no sentido de não serem recorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade. O presente recurso seria pois de admitir, a contrario sensu, no que respeita às penas parcelares.

Posteriormente, a Lei 20/2013 de 21 de fevereiro, entrada em vigor a 24 de março seguinte, alterou a redação do preceito e acrescentou a expressão "ou pena não superior a 5 anos". E de acordo com esta nova redação, a parte da decisão referente às parcelares, só não seria recorrível, se a condenação da 1ª instância tivesse sido posterior a 24/3/2013.

Acontece porém que o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 14/2013 (DR nº 219, SERIE I, de 2013-11-12), nos veio dizer que a irrecorribilidade se impunha, mesmo em face da redação do preceito, da Lei 48/2007, de 29 de agosto (e apesar dessa redação não estipular a limitação da pena ter que ser superior a 5 anos para haver recurso). É que este acórdão de fixação de jurisprudência considera a norma da al. e), do nº 1, do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, uma norma interpretativa, que portanto se integra na norma interpretada, ou seja, a anterior redação do preceito.

E diz a certo passo, quanto à natureza interpretativa da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro:

 

"Mais claro não podia ser o legislador quanto à assunção de um propósito interpretativo, não inovador, da nova lei. O legislador declara com transparência que, conhecendo a divergência de decisões do Supremo quanto à admissibilidade de recurso para este Tribunal, entende necessário clarificar a lei, fixando qual a interpretação considerada correta, dentre as que tinham sido adotadas pela jurisprudência.

Esse caráter interpretativo coaduna -se aliás com a lição doutrinal sobre a caracterização das leis interpretativas:

Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior.

Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar.(…) 

A nova redação não é, pois, inovadora, porque se limita a escolher, melhor, a clarificar, qual, dentre duas interpretações possíveis e efetivamente adotadas em decisões da jurisprudência, é aquela que o legislador considera a adequada.

Como lei interpretativa, a nova lei integra -se na lei interpretada e deve ser aplicada imediatamente, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, não podendo ser arguida de retroativa, uma vez que ela correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo assim suscetível de frustrar expetativas seguras e legitimamente fundadas por parte do arguido.

Donde se conclui pela irrecorribilidade do acórdão da Relação impugnado, uma vez que aplicou pena de prisão não superior a 5 anos."

 

2. O entendimento deste acórdão de fixação de jurisprudência tem merecido a crítica do Tribunal Constitucional.

Por força de recurso interposto no Pº 10/12.5SFRT.P1.S1, desta 5ª Secção do STJ, para o Tribunal Constitucional, foi aí proferida decisão sumária (nº 45/2014 de 15 de janeiro) em que se decidiu:

«a) Julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos preceitos do artigo 400.° alíneas e) e j) e artigo 432.° n." 1 alínea c), ambos do Código de Processo Penal, na redação da Lei n." 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão de execução da pena de prisão decidida em I." instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão;

b) conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que deve ser reformada em conformidade com este juízo de inconstitucionalidade.»

 

 No acórdão n.º 399/2014, proferido a 7 de maio de 2014, (2ª Secção) foi decidido “Julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redação dada por esta Lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior - ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto - sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)”. [1]

 Já no seu Acórdão n.º 324/2013, de 4/6/2013, o Plenário do Tribunal Constitucional, na sequência de recurso interposto com fundamento no artigo 79.º-D, da LTC, havia decidido da mesma maneira.

Porque porém as decisões do Tribunal Constitucional em referência não têm força obrigatória geral, e bem assim, porque o acórdão de fixação de jurisprudência 14/2013 tomou posição sobre a orientação do Tribunal Constitucional, não dispondo nós de argumentos a esgrimir, ausentes desse acórdão de fixação que imponham posição diversa, observaremos o que aí se estipula.

Do que dito fica, resulta que consideramos vedado a este STJ conhecer da medida das penas parcelares aplicadas. Recorde-se que o art. 400.º, nº 1, al. e), do CPP, impede o recurso "de acórdãos" que apliquem as penas de prisão inferiores a 5 anos, acórdãos esses proferidos em recurso pela Relação. Portanto, no acórdão recorrido, está vedado ao STJ conhecer, da parte que respeita a tudo o que se relaciona com a eleição das penas parcelares. 

c) Medida da pena

Acente, no caso, a ocorrência de um concurso efetivo de crimes, o acórdão recorrido condenou a arguida por 19 crimes de burla qualificada, consumada, e ainda de 3 crimes de burla qualificada, na forma tentada, aplicando as penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes consumados, e 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes tentados.

Tal significa que, no caso presente, a moldura de punição do concurso é de 2 anos e 6 meses a 25 anos de prisão.


1. À luz do nº 1 do art. 77.º do CP, para escolha da medida da pena única, importará ter em conta “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E é isto, apenas isto, que diretamente a lei nos dá como critérios de individualização.
A doutrina tem procurado concretizar um pouco mais os critérios de determinação da pena conjunta e defendido, nas palavras de Figueiredo Dias, que, com tal asserção, se deve ter em conta, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” [2] 
Ora, como temos referido em contextos idênticos, para se evitar uma aplicação de pena que resultasse de uma operação aritmética simplista, tem-se visto enveredar, nesta 5ª Secção do STJ, por um caminho que também procura ter em conta o seguinte:
A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar um efeito “expansivo” da parcelar mais grave, por ação das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta.
É aqui que deve aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fração menor das outras.
O presente caso apresenta-se como paradigmático, no sentido de que a fração das penas parcelares a acrescentar à mais grave deve ser ínfima. Atenta a homogeneidade do ilícito, traduzida em penas iguais (conforme o iter criminis), e a área da pequena/média criminalidade em que nos situamos.
A opção legislativa por uma pena conjunta pretendeu por certo traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40º do C.P., em matéria de fins das penas. 
Assim, a proteção dos bens jurídicos surge, no art. 40.º, como a finalidade primeira da pena, e como essa proteção se refere necessariamente ao futuro, daí uma abordagem da pena exclusivamente utilitária. Por isso, deverão ser convocadas finalidades gerais preventivas (sobretudo a positiva mas também a intimidatória), e especiais preventivas (intimidação pessoal, neutralização temporária e reinserção social, esta última, aliás, concretamente mencionada no preceito).
Do retributivismo ficou-nos, como herança importante, o imperativo de se escolher uma pena proporcionada ao crime(s) cometido(s), o que é representado pelo chamado princípio da culpa. Porque não há pena sem culpa não pode haver pena para além da culpa, o que nos leva a atribuir a esta a função, de pressuposto e limite da medida da pena.
Sem que nenhum destes vetores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e, para a prevenção especial, contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um modo de vida.
Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, a integração familiar, as condicionantes económicas e sociais que pesaram sobre o agente, tudo numa preocupação prospetiva, da reinserção social que se mostre possível.
E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspetiva do ilícito global, e só na perspetiva de uma personalidade, que se revela, agora, polo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto personalidade manifestada em cada um deles.

2. Em termos de prevenção geral, tanto intimidatória, como sobretudo positiva, as necessidades de prevenção geral fazem-se sentir. O desejo de enriquecimento fácil através de processos fraudulentos está cada vez mais disseminado, é horizontal em relação a todos os estratos sociais e provoca indignação na população.
As exigências da prevenção especial têm, também, no caso, relevo. Não resulta dos fatos provados que a arguida se tenha confrontado com uma situação económica especialmente difícil, já tem duas condenações de 2010 por condução em estado de embriaguez e ofensas á integridade física, e a sua associação com --, pessoa com passado criminal por crimes de roubo e tráfico de estupefacientes, facilita a propensão para o referido enriquecimento fácil.
Os crimes ora em concurso foram cometidos no período de perto de 2 anos, e não surgem como episódio isolado na vida da arguida, na medida em que, cometidos sob a capa de uma sociedade unipessoal, se não eram o modo normal de angariação de rendimentos por parte da arguida, eram pelo menos uma prática a que se dedicou.
A atuação da arguida começou quando esta tinha 24 anos. Tem agora 32. Era e é uma jovem.
Por outro lado, a sua atividade iniciou-se há mais de 8 anos. Estas duas circunstâncias concorrem no sentido de que a pena justa deverá no caso ser inferior à aplicada no acórdão recorrido, ou seja, deverá ser de cinco anos de prisão.

3. Coloca-se então, em face da nova medida, a questão da suspensão da execução de tal pena de prisão.
O art. 70º do CP refere que, “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
O nº 1 do art. 50º do CP (redacção da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro) estipula, a seu turno, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Segundo o nº 2 do preceito, “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada do regime de prova.”
E de acordo com o nº 3 do art. 53º do CP, “O regime de prova é ordenado (…) quando a pena de prisão cuja execução foi suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos”.
É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso. [3] 
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.
Acresce que a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste.

2. 2. No caso em apreciação, importa começar por ter em atenção, que a recorrente tinha 24 anos quando começou a atividade delituosa pela qual foi condenada, e tem agora 32. Os factos tiveram lugar a partir de 2005, portanto, há 9 anos.
A arguida era uma jovem à data do cometimento dos crimes e, de então para cá, decorreu um lapso de tempo razoável, durante o qual o seu comportamento não é impeditivo da expetativa de uma reinserção social plena.
É certo que sofreu uma condenação por condução sob influência o álcool em 2010, que se espera que seja um ato isolado sem repetição no futuro. Mas, por outro lado, tem emprego, certo que trabalhou desde os 17 anos, e aufere um salário que lhe permite prover às despesas, tanto suas, como do filho que tem à sua guarda e com quem vive.
Acresce que, importa acautelar que a presente condenação não redunde em prejuízo dos credores, das indemnizações a cujo pagamento foi condenada. Uma vez reclusa, a arguida muito dificilmente procederia aos pagamentos devidos.
As próprias expetativas da comunidade na punição, em termos de prevenção geral positiva, não poderão ignorar essa realidade.
Em face deste conjunto de circunstâncias, entende-se dever ser suspensa a pena conjunta de cinco anos de prisão em que a arguida foi condenada, por igual período de tempo, sob condição de pagar, em dois anos, as indemnizações em que foi condenada no acórdão proferido em primeira instância, acrescidas dos juros devidos e aí determinados. Mais deverá ficar sujeita a regime de prova, como impõe o nº 3 do art. 53.º do CP, cumprindo o plano de reinserção cuja elaboração ficará a cargo da Direção Geral de Reinserção Social.


D  -  DECISÃO

Pelo exposto se delibera em conferência da 5ª Secção do STJ conceder provimento ao recurso, e condenar a arguida na pena conjunta de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de pagar, em dois anos, as indemnizações em que também foi condenada, acrescidas dos juros devidos. Ficará ainda sujeita a regime de prova, cumprindo o plano de reinserção cuja elaboração ficará a cargo da Direção Geral de Reinserção Social. Em tudo o mais se mantém o decidido no acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Junho de 2014

(Souto de Moura)


(Isabel Pais Martins)

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