Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
151/10.3TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
PLURALIDADE DE PEDIDOS
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE CONHECE DO RECURSO PRINCIPAL; NEGA-SE A REVISTA QUANTO AO PEDIDO ACESSÓRIO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 658.º, 671.º, N.º3.
Sumário :
Sendo a matéria da pretensão principal, formulada pelo autor/recorrente – visando o o decretamento da nulidade total de certo negócio jurídico - dirimida pelas instâncias de modo coincidente, quer em termos decisórios, quer em termos de fundamentação jurídica essencial, (considerando o negócio afectado por uma invalidade parcial, susceptível de redução), não é admissível, por via do obstáculo decorrente da dupla conforme, a interposição de revista normal para o STJ, tendo como objecto a rediscussão da matéria da nulidade do negócio e respectivo âmbito, apenas pela circunstância de as instâncias terem divergido quanto à solução a dar a pedido dependente ou consequencial da dita nulidade, referente à obrigação e âmbito do dever de restituição de frutos civis, entretanto percebidos pelo interessado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e BB instauraram contra CC, acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que:

- seja reconhecido e declarado que, à data da celebração da escritura de doação mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial, o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de DD, como também da herança aberta por óbito de seu marido, EE, de que são seus herdeiros legitimários os autores, a interveniente FF e a mesma Inabilitada DD, todos estes em comum e sem determinação de parte ou direito;

- seja declarado que a referida doação é nula, pelos fundamentos cumulativos da simulação, da falta de declaração negocial e da alienação de bem alheio, com a consequente condenação do Réu a reconhecê-lo para todos os efeitos; ou, pelo menos, ineficaz em relação à herança aberta por óbito de EE, -decretando-se o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e ou futuros, relacionados, sob qualquer forma, com a escritura de doação mencionada;

- o réu seja condenado a, de imediato, restituir e entregar aos autores, por si e como representantes e ou gestores de negócios da Inabilitada DD e da herança aberta por óbito de seu pai EE, o identificado prédio urbano com todos os frutos e benfeitorias contados desde 22 de Janeiro de 1999, até sua efectiva restituição e entrega;

- o réu seja condenado a pagar à herança aberta por óbito de EE, aos autores, à interveniente FF e à inabilitada DD, a título de indemnização, o valor dos danos causados com o seu comportamento .

Pedem ainda que seja admitida a intervenção principal provocada de FF e, em consequência, ordenada a sua citação.

Como fundamento de tais pretensões, alegaram, em síntese, que:

- sendo filhos, juntamente com FF, de DD, esta última, em 22.01.1999, doou ao réu, por conta da sua quota disponível, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº …82 da freguesia de Castelo Branco, actualmente descrito sob o nº …/109561024.

-Tal prédio fazia parte da herança aberta por óbito de EE, de quem os autores, a requerida interveniente FF e DD são herdeiros legitimários, não tendo sido efectuada a competente partilha, pelo que foi doado bem alheio.

-A doação feita foi simulada, na medida em que nenhuma das partes teve a intenção ou vontade de proceder a qualquer doação.

- O réu não apenas sabia que o prédio não era de DD, como que esta não se encontrava, desde há vários anos, capaz de reger convenientemente a sua pessoa e património, dependendo daquele no campo sentimental e material, fazendo o que este queria ou mandava fazer, sem consciência das respectivas consequências ou liberdade para tomar a decisão ou deixar de fazer o que quer que fosse, actuando aquele com o intuito de se apropriar do património de DD, faltando, assim, a vontade e a intenção para efectuar a dita doação, o que integra a nulidade prevista no art. 246º do CC.

O réu contestou, negando que DD fosse incapaz de reger a sua pessoa e património, e impugnando a actuação que lhe era imputada, de agir de má-fé ou com intenção de se apropriar dos bens daquela.

A doação foi feita de livre vontade e de boa-fé, por si aceite, sendo que era amigo de longa data de DD e que foi em função dessa amizade que foi feita a doação.

 A DD era a proprietária de todo o prédio e, como tal, tinha legitimidade para doar, por si só e na totalidade, o mesmo – sendo certo que , por força do estatuído no art. 1727º do CC, o bem adquirido seria próprio, e não comum.

Os autores replicaram reiterando a posição por si já apresentada no seu articulado inicial.

Foi admitida a requerida intervenção principal de FF e determinada a sua citação.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença, na qual foi decidido:

Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência,:

a) Declarar que a doação objecto da escritura de compra e venda mencionada nos art.º 11.º e ss. da petição inicial é nula parcialmente, por a doadora não poder transmitir metade do prédio objecto de tal doação e, consequentemente, ineficaz, nessa parte, relativamente aos autores e à interveniente principal,  condenando-se o réu a reconhecê-lo;

b) Determinar o cancelamento parcial da inscrição de aquisição a favor do réu – Ap. 43... de 2009/09/02 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 10374/19561025;

c) Absolver o réu do demais peticionado.


2. Inconformados apelaram os autores, impugnando, desde logo, o decidido em sede de matéria de facto, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual:

1. AA, BB e FF são filhos de DD e de EE.

2. DD nasceu a 12 de Janeiro de 1924.

3. DD casou com EE em 7 de Junho de 1948, em primeiras e únicas núpcias de ambos, casamento esse dissolvido por óbito do último.

4. EE faleceu em 29 de Agosto de 1981.

5. Por sentença proferida a 23 de Fevereiro de 2009, no âmbito da acção especial de inabilitação que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco sob o n.º 568/2002, transitada em julgado em 25/03/2010, foi DD declarada inabilitada, por prodigalidade, ficando-lhe vedado praticar actos de administração e disposição de bens e assunção de quaisquer responsabilidades.

6. Na sentença referida em 5., foi nomeada curadora, AA, a quem foi entregue, na totalidade, a administração do património da inabilitada, sendo que, por despacho proferido em 16 de Agosto de 2002, foi, no âmbito de tal processo, nomeada curadora provisória e determinado que providenciasse pela administração do património de DD até ser proferida decisão definitiva.

7. Por escritura pública intitulada de “Doação”, outorgada no dia 22 de Janeiro de 1999, no Primeiro Cartório Notarial de Castelo Branco, perante a Sra. Notária Dra. GG, outorgada por DD, como primeiro outorgante e CC, como segundo outorgante, aquela declarou que “pelas forças da sua quota disponível, doa ao segundo outorgante, um prédio urbano, sito no Largo da Sé, na freguesia e concelho de Castelo Branco, a confrontar do norte rua Postiguinho Valadares, do sul e poente com a proprietária e do nascente com o Largo da Sé, composto de um edifício de rés do chão e primeiro andar, com a superfície coberta de trezentos e seis metros e noventa decímetros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo …37, com o valor patrimonial de 5.608.980$00 e declarado de seis milhões de escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o número trinta mil oitocentos e oitenta e dois do Livro B-oitenta e dois, com o registo de transmissão a favor da doadora pela inscrição oito mil duzentos e dezassete do Livro G-treze.

Que, o prédio estava anteriormente inscrito na respectiva matriz sob o artigo …51, sendo a divergência entre a descrição e matriz, na parte respeitante à sua situação, derivado pelo facto do prédio formar gaveto entre a Rua do Postiguinho, Largo da Sé e Rua de S. Sebastião, sendo certo que a entrada principal é actualmente pelo Largo da Sé.”, tendo o segundo outorgante declarado “que aceita a presente doação”.

8. Na sequência da celebração da escritura pública referida em 7., pela Ap. …85 de 2009/09/02, efectuada na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova, o réu obteve o registo de aquisição a seu favor, do identificado prédio urbano.

9. O identificado prédio urbano encontra-se, actualmente, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º …/19561024 da freguesia de Castelo Branco.

10. DD adquirira metade indivisa do identificado prédio por partilha judicial por óbito de seu avô HH.

11. E, posteriormente, por escritura pública de compra e venda celebrada em 16 de Agosto de 1956, no Cartório Notarial de Idanha-a-Nova, de fls. 29 v. a fls. 32 do Livro de Notas para Actos e Contratos entre Vivos n.º A-284, em que foi seu procurador o seu então marido EE, DD comprou, livre de ónus e encargos, a II a metade de que este era proprietário em cada um dos prédios descritos na relação anexa à mesma escritura.

12. Entre os quais faz parte o prédio urbano descrito na verba número quatro da sua relação anexa: “uma casa de andar e lojas, sita na Rua …, limite e freguesia de Castelo Branco, que confina do norte com o Largo da Sé, sul e nascente com bens dos herdeiros de II e do poente com a rua, inscrito todo o prédio na respectiva matriz sob o artigo mil oitocentos e cinquenta e um”.

13. Tal prédio corresponde ao prédio urbano actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º …/19561024 da freguesia de Castelo Branco.

14. DD e EE celebraram, em 5 de Junho de 1948, no Cartório Notarial de Castelo Branco, de fls. 55 a fls. 58 do Livro para actos e contratos entre vivos n.º 248 do Cartório Notarial de Castelo Branco de JJ, escritura antenupcial, onde convencionaram, além do mais, o seguinte:

“Primeiro: O seu casamento é com separação de bens.

Segundo: A separação abrange tanto os bens que eles esposados actualmente possuem e levam para o casal, como os que durante o casamento lhes advierem por sucessão, ou por outro qualquer título gratuito, ou por direito próprio anterior.

Terceiro: Os bens a que se refere o precedente artigo ficam e serão considerados a todo o tempo próprios do cônjuge a quem pertencem ou por cuja … advierem.

Quarto: Entre eles futuros cônjuges só haverá a comunhão dos bens adquiridos por título oneroso.

Quinto: Não entrarão, porém, na comunhão os bens advindos por trocas ou subrogações dos bens próprios de qualquer deles futuros cônjuges, pois esses ficarão no lugar dos alheados. (…)

Declarou ela esposada que os bens que actualmente possui e leva para o casamento são os seguintes: Primeiro: Todos os bens que lhe foram … no inventário orfanológico por óbito de seu avô, HH (…)” – cfr. certidão junta de fls. 159 a 166, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. Por escritura intitulada “Habilitação”, outorgada no dia 5 de Janeiro de 1982, na Secretaria Notarial de Castelo Branco, perante o Sr. Notário do Segundo Cartório, compareceram como outorgantes KK, LL e MM, que declararam “que têm conhecimento de que no dia vinte e nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e um, na freguesia de Benfica, em Lisboa, faleceu sem testamento ou outra disposição de última vontade, EE, natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos no regime de comunhão de adquiridos com NN, também conhecida por OO, PP, QQ, DD, RR e SS, presentemente viúva, natural da freguesia de …, concelho de Castelo Branco, com residência habitual em Castelo Branco, na Quinta da ….

Que o autor da herança deixou como únicos herdeiros legitimários, além da sua referida mulher, os três seguintes filhos do seu matrimónio:

FF, solteira, maior, natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, com residência habitual na Quinta da …, em Leira; AA, casada no regime de comunhão de adquiridos com TT, natural da freguesia dos Olivais, concelho de Coimbra, com residência habitual na Quinta da Feiteira, freguesia e concelho de Castelo Branco e BB, casado no regime de comunhão de adquiridos com UU, natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, com residência habitual na Quinta do Rocado, no povo e freguesia dita de Lousa.

Que não há quem prefira aos indicados herdeiros ou com eles concorra na sucessão. (…)”. – cfr. certidão junta de fls. 956 a 965, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

16. Desde 1995 que DD passou a frequentar o bar “D. Sebastião”, o que era do conhecimento do réu.

17. DD outorgou as seguintes procurações irrevogáveis:

- em 11 de Agosto de 1999, a favor de VV;

- em 02 de Dezembro de 1999, a favor de XX e ZZ;

 - em 10 de Maio de 2000, a favor do ora réu.

18. Na sentença referida em 5., foram dados como provados, além do mais, os seguintes factos:

- A Requerida DD, em 9 de Maio de 1998, celebrou com a «Sociedade comercial AAA, Lda.», representada por CC, um contrato promessa de compra e venda dos prédios urbanos sitos na Rua S. Sebastião, n.os … a …, em Castelo Branco, pelo valor global de Esc. 60.000.000$00, não tendo, pelo menos até Agosto de 2002, sido celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda por o registo dos identificados prédios na Conservatória de Registo Predial não se encontrar regularizado.

- Este prédio valia, em 1998, € 761.790,00.

 - A requerida não dispõe de qualquer outro imóvel onde possa residir se eventualmente efectuar a prometida venda.

- Pelo menos em 14.03.2003, encontrava-se inscrito a favor de CC, mediante a apresentação n.º …/170898, a propriedade, por compra, de duas fracções, do prédio urbano descrito na matriz predial respectiva, da freguesia e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº …/110385, sendo a anterior titular do direito de propriedade constante a descrição predial a aqui Requerida, mediante a apresentação nº …/181095, por compra.

- Por escritura pública outorgada no 1.º Cartório Notarial de Castelo Branco, em 22 de Janeiro de 1999, a Requerida DD declarou doar, pelas forças da sua quota disponível, a CC o prédio urbano sito no largo da Sé, em Castelo Branco, composto de um edifício de rés do chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 306,90 m2, tendo então sido atribuído a essa doação valor de seis milhões de escudos.

- BBB e CC, através de um gestor de negócios, em 29 de Novembro de 1999, pagaram uma sisa pela compra em comum e partes iguais, pelo preço de Esc. 65.000.000$00, do dito prédio sito na Rua de S. Sebastião, n.os …-…, em Castelo Branco, inscrito na matriz predial da freguesia de Castelo Branco sob o art. 883.º.

- Com data inscrita de 15 de Março de 2000, a Requerida, na qualidade de primeira outorgante, BBBB e esposa CCC, como segundos outorgantes, e CC, como terceiro outorgante, subscreveram o que designaram de «contrato particular», nos termos seguintes, parcialmente transcritos: 1 – Em 30 de Dezembro de 1984, a primeira outorgante deu o seu aval à subscritora DDD - Comércio de Plásticos, Limitada, numa livrança que titulou um financiamento (…) na importância de 146.000.000$00 (…)

O BANCO EEE apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – 2º Juízo Cível – o processo de execução ordinária a que foi atribuído o nº 208/96


(…)

9 – Insatisfeita com o inexplicável rumo dado ao referido processo judicial de execução e porque de há muito que a sua aspiração passava pela transformação da sua casa de habitação sita na Rua de S. Sebastião, em instância turística-hoteleira, a ora primeira outorgante contratou, então, com os segundos e terceiro outorgantes o clausulado seguinte:


1 - Prédio rústico e urbano denominado “Quinta do Rocado”, no limite da freguesia de Lousa (…)

2 - Prédio urbano sito na Rua de S. Sebastião (…) inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.os 382 e 883;

3 - Prédio urbano sito na Rua dos Ferreiros (…) inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 395;

4 - Prédio urbano sito na Rua 5 de Outubro, da cidade, freguesia e concelho de Castelo Branco ( … ) inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3111;

5 - Prédio rústico denominado “Herdade do Vale do Paio”, sito no limite da freguesia de Malpica do Tejo (…);

6 - Prédio urbano (fracção autónoma denominada pela letra X), que corresponde ao primeiro andar esquerdo do prédio sito na Rua Postiguinho de Valadares (…)


Declara que todos estes seus imóveis se encontram onerados com a penhora a que se refere no preâmbulo deste contrato e o identificado no nº 5 da precedente cláusula, ainda com uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos e com o arrendamento rural a FFF.


Declara ainda que, nessa sua qualidade, promete vender:

1 - ao segundo outorgante, os imóveis identificados nos n.os 1, 3, 4, 5 e 6;e

2 - Aos segundo e terceiro outorgantes, em partes iguais, o imóvel identificado no n.º 2, da precedente cláusula 1ª;


Declara também que o preço desta sua prometida venda ao segundo outorgante, dos imóveis indicados no nº 1, da precedente cláusula 3ª, é de 300.000.000$00 (…) cujo pagamento será feito por compensação com o pagamento que esse mesmo segundo outorgante deverá fazer para que venha a verificar-se a extinção da execução identificada no nº 5 do «Preâmbulo» deste contrato.


Declara mais a referida primeira outorgante que o preço da prometida venda do imóvel indicado no nº 2 da cláusula 3ª é de 35.000.000$00 (…) cujo pagamento será feito:

1 - com o usufruto duma quota equivalente a 20% do capital social inicial da sociedade que vier a ser constituída para a exploração turística-hoteleira;

2 - Com o direito de uso da primeira outorgante, relativamente ao imóvel identificado no nº 6 da predita cláusula 1ª; e, ainda,

3 – Com o direito de uso da primeira outorgante, relativamente à casa de habitação que, presentemente, se encontra em mau estado de conservação e que faz parte integrante do imóvel identificado no nº 1, da referida cláusula 1ª;

 (…)


A usufrutuária referida no nº 2 do precedente cláusula 7ª obriga-se desde já a renunciar ao respectivo usufruto na data em que venha a extinguir-se o (usufruto) que pertencerá à ora primeira outorgante e referido no nº 3 daquela referida cláusula 7ª.

11ª

Todos os outorgantes declaram que, independentemente da possível existência de sinal ou de cláusula penal, aceitam, para todos os efeitos legais, o recurso à execução específica.

- Por procuração outorgada, no dia 10 de Maio de 2000, no 6º Cartório Notarial de Lisboa, a requerida DD constituiu seu bastante procurador CC, a quem concedeu poderes necessários para prometer vender e vender os seguintes prédios:

a) Fracção autónoma individualizada pela letra A, correspondente à garagem n.º 1, da cave do prédio urbano sito na Rua do Postiguinho e Rua dos Ferreiros, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o nº 1438, inscrito na matriz sob o art. 8684;

b) Prédio urbano sito na Rua 5 de Outubro, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, sob o n.º 24 464, inscrito na matriz sob o art. 3111;

c) Prédio urbano sito na Rua de S. Sebastião, freguesia e concelho de Castelo Branco, sob os n.os 30 879 e 30 881, inscrito na matriz sob o art. 883;

d) prédio misto denominado Boneco, sito em Santo André, freguesia e concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco, sob o n.º 165, inscrito na matriz rústica sob o art. 41 e na matriz urbana sob o art. 2002; mais lhe foram concedidos poderes para outorgar e assinar os competentes contratos promessa de compra e venda e as respectivas escrituras, pelos preços e termos que entender convenientes, recebendo os preços e deles dando quitação; mais fiou o mesmo mandatário autorizado a celebrar negócio consigo mesmo, ficando pela mandante dado consentimento previsto no nº 1, do art. 261º, do C.Civil.

Ficou ainda consignado que a dita procuração era conferida no interesse do mandatário, nos ermos dos arts. 265º, nº 3, e 1170º, nº 2, do C.Civil, e não caducava por morte, interdição ou inabilitação da mandante, conforme o art. 1175º, do C.Civil.

- A Requerida DD mantém desde 1995 uma relação amorosa com CC, homem com cerca de menos 30 anos de idade que a Requerida DD, é sócio-gerente da sociedade AAA, Lda., exploradora do bar chamado “D. GGG” sito no n.os 45 e 47 do prédio urbano sito na Rua D. GGG, em Castelo Branco, propriedade da Requerida DD.

- Em virtude da referida relação, a Requerida DD depende, pelo menos, emocionalmente do referido CC, razão pela qual se explica que, tanto de Inverno, com frio e chuva, como de Verão, com as elevadas temperaturas que se fazem sentir em Castelo Branco, a Requerida DD atravesse a pé a cidade à procura do referido CC, o que faz de dia e de noite.

 - Por escritura de compra e venda datada de 1 de Outubro de 2007, no Cartório Notarial de Covilhã, perante o Notário Lic. HHH, CC, na qualidade de procurador da Requerida, declarou vender a III metade do prédio urbano sito na Rua de S. GGG, nº …- …, em Castelo Branco, pelo valor de € 500.000,00.

- A Requerida DD, desde, pelo menos, 1995, começou a demonstrar graves perturbações mentais e a ter uma vida pessoal degradante e escandalosa, fazendo-se acompanhar por pessoas conhecidas na cidade de Castelo Branco por prostitutas, drogados, bêbados, com antecedentes criminais, que frequentam amiúde a residência da Requerida.

- A Requerida é vista pela rua e em cafés em estado de embriaguez, frequenta bares e discotecas, revela ter fome, tendo emagrecido bastante nos últimos meses.

- À data da propositura desta acção, a Requerida DD não tinha dinheiro.

- Por isso, a mesma Requerida DD levava uma vida de pobreza, de miséria e com fome.

- A requerida DD passava os dias na rua a andar de um lado para o outro, percorrendo cidade a pé, e pedindo dinheiro emprestado às pessoas que conhece, designadamente, pedia aos arrendatários dinheiro avançado por conta do pagamento das rendas mensais.

- o assente em RRR) devia-se ao facto de não ter recebido o dinheiro das vendas efectuadas e das rendas ou, tendo-os recebido, desfez-se desses valores, gratuitamente, a favor de terceiros.

- A Requerida DD facilmente assina e assinará qualquer documento que, para o efeito, lhe for ou seja apresentado, não tendo nem tomando consciência do assunto de que se trata, nem das consequências, designadamente jurídicas, fiscais e económicas, de tais actos. – cfr. certidão junta de fls. 622 a fls. 730 cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

19. Após a celebração da escritura referida em 7., o requerimento para inscrição da aquisição a favor do réu do identificado prédio, mereceu o seguinte despacho por parte da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco:

“Ap. .../09022005:

 Recusado – Art. 69º nº 2 do Código do Registo Predial – por não ser o acto, por natureza, susceptível de ser efectuado como provisório, obstando ao registo definitivo:

a) Constar da inscrição a actualizar (n.º 8217 fl.98 do livro G-13 e não apenas “G 13”) o regime de bens da titular inscrita “separação de bens” – designação do código civil anterior então vigente, que corresponde ao que actualmente se designa de “comunhão de adquiridos”; consta do requerimento desse registo, mais precisamente, ser o regime da separação de bem com comunhão de adquiridos por título oneroso.

b) A aquisição registada, quanto ao prédio nº’ 30882 a fl. 112 vº do B-82, tem causa, quanto a ½, em partilha em inventário por óbito de HH, avô da registante, e, quanto ao outro ½ em compra a II, irmão da registante.

c) Do que resulta ser o direito adquirido na partilha bem próprio da titular inscrita e o adquirido por compra bem comum ao casal (Art. 1722º c 1724º do Código Civil)

 d) Assim a inscrição só poderia ser actualizada na parte respeitante ao direito que provém da partilha, que se mantém no património da titular inscrita (art. 100º do Código do Registo Predial)

e) O direito que pertencia ao casal transmitiu-se, por óbito do marido, ao conjunto dos interessados na respectiva partilha: conjure sobrevivo e sucessores do cônjuge falecido, sendo tal transmissão registável apenas em nova inscrição (art. 91º e 100º nº 2 do Código do Registo Predial)

 Obsta à actualização parcial, referida na alínea d) do despacho, não se acharem sanadas as deficiências relativas aos elementos de identificação do prédio, conforme adiante se refere no despacho do 2º acto – art. 68º, 90º, 38º nº 1 e 43º do mesmo código.

Em 23/02/2005

 A Conservadora

 DESPACHO

Ap. …/09022005:

 Recusado – Art° 69º nº 2 do Código do Registo Predial - por não ser o acto, por natureza, susceptível de ser efectuado como provisório, obstando ao registo definitivo:

a) Não se esclarecer, quanto às confrontações, a contradição entre a descrição: “Norte, Largo da Sé; poente, rua” (presumivelmente a da situação, única mencionada, “Rua de S. GGG”); as demais com pessoas;

 e a declaração: “norte. Rua Postiguinho de Valadares; nascente, Largo da Sé”; restantes com a declarante.

b) E, do mesmo modo, não se esclarecer a contradição com a descrição, quanto a situação “Largo da Sé”, a qual se declara corresponder a antiga “Rua Machado Santos, actual Rua de S. GGG” resultando da descrição serem designações distintas – como, aliás, também se afirma noutro ponto da declaração:

 “A Rua de S. GGG e o largo da Sé são contíguos” para concluir que o prédio “não se situa, nem confronta com a Rua de 5. GGG” ao contrário do que consta na descrição.

c) Por (estranhamente) nem a certidão municipal ser clara quanto à alteração das designações das vias públicas em causa, da sua competência, uma vez que se limita a afirmar, sob a forma de certidão, que o prédio “que se situava… confrontava … se situa actualmente… e confronta….” de forma que o Largo da Sé “salta” de norte para nascente, “aparece” a Rua Postiguinho de Valadares a norte e “desaparece” a Rua de S. GGG, quer das confrontações quer da situação! Art. 43º, 46º nº 1 b), 33º e 68º do Código do Registo Predial.

 Em 23-2-2005

A Conservadora

 DESPACHO

Ap. …/09022005:

 Recusado – Art. 69° nº 1 e) do Código do Registo Predial – por o mesmo o facto já ter sido antes registado como provisório por dúvidas e as mesmas não e acharem removidas no presente pedido – confrontar ap 37/290399 anexa.

Acresce, na sequência do que foi exposto na recusa ao 1º acto não estar a totalidade do prédio alienado inscrito em nome da alienante, no respectivo património próprio – Art. 34° nº 2 do Código referido.

Em 23-2-2005

A Conservadora”.

 20. O réu nasceu a 17 de Abril de 1951.

21. DD residia por cima do café-bar D. GGG.

22. Desde 1995 que DD passou a descuidar da sua aparência física, com roupas sujas, estragadas e desapropriadas para a estação do ano em que as vestia.

23. Consta da escritura pública identificada em 11., além do mais, o seguinte: “(…) o senhor Doutor EE, (…) que intervém por si e como procurador da sua esposa Dona DD (…), casado sob o regime de separação de bens. (…)

Que, pela presente escritura, vende o referido direito que possui nos mencionados prédios constantes da aludida relação, à esposa e constituinte do segundo outorgante, pela quantia de um milhão e oitocentos mil escudos, que declara ter já recebido da compradora. (…)

Pelo segundo outorgante foi dito: que aceita para a sua constituinte esposa, a venda, quitação do preço (…), que de acordo com a presente compra feita por sua esposa, lhe presta o seu consentimento e dá a sua outorga. (…)”. – cfr. certidão junta de fls. 142 a 156, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

24. DD faleceu no dia 25 de Fevereiro de 2012, no estado de viúva de EE. – cfr. certidão do assento de óbito junto a fls. 746 e 747, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

25. Por sentença proferida a 21 de Outubro de 2009, transitada em julgado em 29 de Abril de 2013, no âmbito do acção ordinária n.º 1649/07.6TBCTB do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em que são autores AA e BB e réus CC e III, foi declarado, para todos os efeitos legais, que a compra e venda, objecto da escritura referida em GG) (escritura pública de compra e venda celebrada em 01 de Outubro de 2007), é nula, condenando-se os réus a reconhecê-lo; declarado que, à data da celebração da escritura de compra e venda referida em GG), o prédio urbano nela identificado como sendo seu objecto era propriedade não só de DD, como também da herança aberta por óbito do seu marido, EE, de que são seus herdeiros legitimários os aqui AA., a interveniente FF e DD e determinado o cancelamento de quaisquer registos prediais, já efectuados, pendentes e/ou futuros, relacionados sob qualquer forma com a escritura de compra e venda mencionada em GG). – cfr. certidão judicial junta de fls. 827 e ss., cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

26. O prédio identificado em 7. encontrava-se inscrito a favor de DD, casada com EE, na separação de bens, por aquisição de metade por partilha e de metade por compra. – cfr. certidão predial junta de fls. 805 a 813, cujo teor, no de mais, se dá aqui por integralmente reproduzido.

27. Aquando da outorga referida no nº 7 dos factos provados, o R. sabia que o prédio objecto dessa escritura, não pertencia apenas a DD, mas também à herança aberta por óbito do falecido marido desta.

28. Desde 1995 que DD se fazia acompanhar por pessoas conhecidas na cidade de Castelo Branco por prostitutas, drogados, bêbados e com antecedentes criminais, os quais, inclusivamente, frequentavam a sua residência.

29. Desde 1995 que DD passou a frequentar bares e discotecas e a consumir bebidas alcoólicas, encontrando-se, por vezes, em público, em estado de embriaguez.

30. A partir da mesma altura, DD iniciou uma relação amorosa com o R.

31. Os filhos de DD discordavam com o referido em 28 a 30.

32. O referido em 30. motivou que DD se tivesse afastado dos filhos, recusando-se a ter contactos com estes e a que os mesmos lhe administrassem os bens.

33. DD tomava, ou deixava de tomar, decisões, influenciada, relevantemente, pelo réu.

34. Nenhuma importância foi paga a DD a título de preço, no todo ou em parte, relativamente à venda ou promessa de venda dos prédios objecto das procurações referidas em 17., por qualquer um dos referidos procuradores.

35. O prédio identificado em 7. valia,  cerca de € 375.000,00.”

36. Mesmo após a supra mencionada doação, e uma vez que o prédio urbano tinha inquilinos, a inabilitada continuou a receber as rendas.

37. Rendas essas que, o Réu só passou a receber algum tempo depois deter sido notificado de que a Autora tinha sido nomeada curadora provisória da Sra. DD.


3. Passando a pronunciar-se sobre o enquadramento jurídico do pleito, considerou o acórdão recorrido:

Os recorrentes continuam a pugnar, em sede recursiva, e em função da alteração da factualidade que impetraram, a declaração da nulidade da doação, com três fundamentos: por ter como objeto bem alheio, por simulação e/ou por falta de consciência e/ou vontade da outorgante DD.

(….)

Coloca-se, agora, a questão de, perante a alteração dos factos operada neste tribunal ad quem, se concluir, ou não, pela manutenção do decidido.

Assim:

Quanto à nulidade, por simulação, nos termos do artº 240º do CC, os recorrentes pugnam pela sua verificação.

E, tanto quanto se alcança – conclusão 23ª – com invocação dos factos ora dados como provados nos pontos 36 e 37, ou seja:

«36. Mesmo após a supra mencionada doação, e uma vez que o prédio urbano tinha inquilinos, a inabilitada continuou a receber as rendas.

37. Rendas essas que, o Réu só passou a receber algum tempo depois deter sido notificado de que a Autora tinha sido nomeada curadora provisória da Sra. DD.».


Ora, na simulação existe uma desconformidade entre a vontade manifestada na declaração negocial, e a vontade real.

Sendo que, muitas vezes, a simulação não é absoluta, ou seja, as partes apenas criam a aparência de um negócio, mas é relativa.

Nesta, as partes convencionam entre si celebrar certo negócio (negócio real ou dissimulado), que é mantido secreto e só vale para elas; mas declaram exteriormente que celebraram um outro diferente negócio (negócio aparente ou simulado), que vale e é exigido apenas perante terceiros.

Em qualquer caso, sempre com o intuito de enganar – não necessariamente prejudicar – estes terceiros.

Sendo ainda de notar que não basta a constatação daquela divergência de vontades, antes ainda sendo exigível a prova de que a mesma resultou de um acordo, de um conluio, entre os intervenientes.

São, pois, requisitos da simulação: a) uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, normalmente consubstanciada na existência de um negócio real e dissimulado e outro negócio aparente e simulado; b) o intuito de enganar terceiros com este último negócio; c) um acordo simulatório. – cfr. Ac. Do STJ de 01.04.2014, p. 1363/09.8TBSTR.C1.S1, in dgsi.pt.

A simulação, pela dificuldade da sua prova direta, há de resultar de factos que, normalmente, segundo as regras da lógica e da experiencia comum, a façam presumir.

No caso vertente os factos que, de algum modo, relevam, são os apurados em 27, 36 e 37.

Mas os mesmos não são os bastantes para se poderem dar como provados todos os requisitos da simulação.

O facto de o réu saber que o prédio doado não pertencia exclusivamente à DD não significa que ele não tivesse ficcionado a doação em conluio com esta.

Antes pelo contrário, existiam motivos para se concluir que ele efetivamente a queria, pois que, com a sua real efetivação, sempre existiria, pelo menos, a possibilidade de beneficiar da parte que aquela pertencesse.

Quanto ao recebimento das rendas pela DD durante algum tempo após a escritura de doação, tal outrossim, não indicia suficientemente o conluio sobre um negócio fictício.

Trata-se de rendimentos, de frutos do prédio, que são autónomos da nua propriedade; assim, é perfeitamente admissível, porque legal e até natural em casos como o presente em que a doadora não trabalha e necessita das rendas, que ela - na prática, e mesmo que tal não conste formalmente no negócio jurídico - aliene a propriedade do prédio e anua com o donatário ao recebimento dos rendimentos do mesmo.

No atinente à nulidade por falta de consciência da declaração ou falta de vontade:

Releva a qui o disposto no artº 246º nos termos mencionados na sentença.

Este artigo reporta-se não ao engano do declarante sobre o conteúdo da declaração, mas antes à falta de consciência da emissão da declaração em si mesma, ie., à total e absoluta falta de interiorização de que está a emitir uma declaração: ele nem sequer chega a aperceber-se de que a está a emitir.

Estamos, bem vistas as coisas, perante um caso de vontade para a ação, mas de falta de vontade para a declaração na primeira hipótese nele prevista, e perante um caso de total falta de vontade para a hipótese de coação física – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2ª ed. P.215.


A consequência, nas palavras da lei, é a não produção de qualquer efeito da declaração, o que, para uns, significa a inexistência jurídica e, para outros, e no mínimo, acarreta a nulidade do ato – cfr. L. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 1983, 2º, p. 397 e Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, 3º, p.289.

No caso vertente, e como é fácil de atingir, não se provaram factos que tenham a virtualidade de subsumir a atuação da DD nesta previsão legal.

Pois que, a um tempo, nada se apurou quanto à sua falta de consciência da declaração, tout court, ou da sua falta de vontade aquando da outorga da escritura de doação.

E, a outro tempo, nada se provou no sentido de que ela tenha sido coagida fisicamente a produzir a declaração que consubstanciou a doação.

Certo é que se apurou que ela era condicionada pelo réu na tomada das suas decisões.

Mas tal não tem, nitidamente, força bastante para fazer emergir a estatuição deste preceito na parte atinente.

Nem, sequer, para despoletar a aplicação dos artºs 255º e 257º do CC, cujo efeito, aliás, é a mera anulabilidade do ato, a arguir em tempo delimitado – artº 256º e 287º do CC.

Finalmente, a nulidade decorrente de venda de coisa alheia.

Neste particular conspeto corrobora-se o entendimento da Srª Juíza a quo quando entende que a DD «não tinha legitimidade para doar ao réu, metade do prédio, por o mesmo pertencer inicialmente ao património comum do casal e, após a morte do marido, a meação dele no património comum integrar herança aberta por óbito deste», pelo que a doação, nesta parte, e apenas nesta parte, deve ser tida por disposição de bem alheio, e, assim, ser declarada nula.

Nem, aliás, os recorrentes se insurgem contra este entendimento.

O que eles querem é mais: que a doação seja declarada nula relativamente a todo o seu objeto.

Está, pois, em causa, a aplicação no caso vertente do disposto no artº 292º do CC que estatui:

«a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada».

No tribunal recorrido entendeu-se aplicar tal normativo porque: «não resulta da factualidade dada como provada que a doação não teria sido concluída sem a parte viciada….».

Já os recorrentes pugnam no sentido da sua não aplicação no pressuposto de: «o R. ser donatário de má fé bem como por estarmos perante um negócio indivisível, pois não é possível dividir o prédio em duas partes e concluir uma parte está viciada e a outra é válida».

Citando, em seu abono, e nesta última vertente, o Ac. da RL de 19.05.2009, proc. nº 2090/06.3TVLSB.

Atentemos.

O artº 292º do CC é a emanação legal do princípio da conservação dos negócios jurídicos, ou, noutra nuance, do princípio da manutenção, até, e na medida em que, onde/for possível, dos mesmos.

O que, à partida, implica a sua redução sem necessidade de prova da vontade de limitação dos efeitos do negócio.


Sendo, inclusive, tal invalidade parcial e consequente redução, do conhecimento oficioso – Cfr. Ac. do STJ de 08.01.2015, p. 991/10.3TBESP.P1.S1 in dgsi.pt.

Pelo que, sobre aquele que pretenda a sua invalidade total, impende o ónus de provar que a mesma é de decretar, porque preenchido se encontra o seu requisito legal: a parte viciada foi conditio sine qua non do todo anuído, pelo que as partes nunca teriam celebrado o negócio sem consideração desta parte, o que, naturalmente, clama a conclusão de que a sua nulidade acarreta, necessariamente, a invalidade, in totum, do acordado.

Se não se faz esta prova, ou em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a total – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2ª ed., p.247 e Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 370.

Por outro lado cumpre ter presente que a redução é possível, tanto em relação a negócios coligados, ou seja, a uma pluralidade de negócios relacionados entre si por força da lei ou da vontade das partes, como em relação a negócios unitários.

Posto é que o negócio jurídico seja divisível, possa ser dividido em partes, ou seja, poderem uma ou mais partes manterem-se válidas, sem a outra, ou as outras, partes inválidas – Cfr. RLJ, 103º, 316º e 108º, 291 e M Brito, CC Anotado, 1º, 369, apud Abílio Neto, CC Anotado, 13ªed. p.216 e sgs.

Ora no que para o presente caso releva, temos por bom o conceito de (in)divisibilidade assumido no Acordão citado pelos recorrentes - apoiando-se em Galvão Telles in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, pág. 373 - em abono da sua tese, a saber:

«O negócio é indivisível quando não se mostra reconduzível a uma parte nula, em razão de vício que a afecta, e a uma parte que em si seria válida, por esse vício não a atingir directamente, mas cuja existência autónoma não faria sentido, dado haver entre as duas uma ligação incindível.»

E tendo-se em tal aresto concluído pela indivisibilidade pois que, no caso que decidiu, os recorrentes não provaram, como alegaram, que: «sob o negócio simulado de compra e venda da totalidade do direito de propriedade as partes quiseram afinal a compra e venda da quota ideal de ½ ou mesmo de ¼ desse direito em cumprimento do contrato prometido.»

Ou seja, o conceito de (in)divisibilidade que aqui releva, não é, naturalmente, de jaez naturalístico-material, mas antes de cariz jurídico-formal.

E, assim sendo, no caso que nos ocupa, há que concluir pela divisibilidade do negócio.

Na verdade a fenecida DD era titular de metade da propriedade ou domínio do prédio em causa.

Da qual, obviamente poderia, legitimamente, dispor, como dispôs, mediante doação ao réu.

Estando definida a quota parte do seu direito sobre o bem, a indisponibilidade sobre a outra metade, por alheia, e a correspondente nulidade da doação deste quantum, não afeta a validade da doação na parte em que podia dispor.

É que as duas vertentes do ato global/unitário do negócio jurídico da doação - a vertente válida e a vertente inválida - têm, juridicamente, existência diferenciada e autónoma.

E inexistindo entre elas uma ligação incindível, rectius, uma relação de causa-efeito, ou de pressuposto ou consequência, inelutavelmente condicionante ou prejudicial.

Por conseguinte, e não provando os réus o supra aludido requisito previsto no artº 292º para obstar à sua aplicação, a redução da doação, nos termos determinados, é não apenas possível, como exigível.



Do pedido de restituição dos frutos e benfeitorias.

Quanto ao pedido por benfeitorias, ele não é admissível, nem se entende.

Na verdade, tal direito assiste ao possuidor, no caso o réu – artº 1273º do CC.

No atinente à restituição dos frutos, a Julgadora desatendeu tal pedido nos seguintes termos:

«…sendo válida metade da doação efectuada, o réu é comproprietário do prédio e, como tal, tem direito a usá-lo.

Com efeito, conforme dispõe o art.º 1403.º n.º 2 do Código Civil, “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”.

O art.º 1406.º n.º 1 do mesmo diploma legal estabelece que “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.»

Este entendimento mostra-se desadequado perante os factos apurados e a lei aplicável.

Provou-se agora que «o réu sabia que o prédio objecto dessa escritura, não pertencia apenas a DD, mas também à herança aberta por óbito do falecido marido desta.» - 27.

E, em função do que supra se expendeu, o réu apenas tinha título válido relativamente a metade do prédio doado.

Destarte, no concernente à outra metade, quer o aludido conhecimento do réu, quer a falta de título, clamam a conclusão de que ele deve ser considerado possuidor de má fé – artº 1260º nº1, a contrario sensu, e nº2, in fine do CC.

Ora o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e, ainda, responde pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido – artº 1271º do CC.

In casu os frutos do prédio consubstanciam-se nas rendas entregues ao réu pelos inquilinos e que se provou que este passou a receber algum tempo depois de ser notificado da nomeação da autora como curadora de sua mãe – 37.

Aos autores assiste, pois, jus a serem restituídos em metade do valor recebido pelo réu a tal título, atentos os factos apurados e os normativos citados, designadamente pela Srª Juíza, a liquidar, se necessário, em posterior incidente.

Já no atinente ao valor mais plasmado no artº 1271º, bem como na indemnização impetrada a liquidar em incidente futuro, os mesmos, como na sentença bem salientado no concernente a esta, têm de improceder.

Pois que apenas poderiam ser atendidos se, já em sede declarativa, eles provassem a sua existência.

Efetivamente, e como e consabido, a condenação em quantum a liquidar, implica a prévia verificação qualitativa do dano, sendo que apenas a sua delimitação quantitativa pode ser relegada para liquidação posterior.

 (Im)procede, parcialmente, o recurso.


E, em conformidade com tal entendimento, a Relação concedeu parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenou o réu a pagar aos autores o valor correspondente a metade das rendas recebidas a partir da data referida no ponto 37 dos factos apurados.

No mais se mantendo a sentença.


4. Novamente inconformados, interpuseram os AA. a presente revista normal que, sem qualquer invocação dos fundamentos do art. 672º , encerram com as seguintes conclusões:

1ª - Os factos aditados pela Relação aos factos provados deviam ter conduzido à alteração da sentença de 1ª instância, considerando a doação nula relativamente à totalidade do prédio e, consequentemente, ter, outrossim, ordenado o cancelamento total da dita inscrição de aquisição a favor do réu o condenado o R. no pedido de indemnização formulado.

2ª - As declarações confessórias do R. constantes dos arts 170° e 171° da contestação, em conjugação com os demais factos dados como provados, são, por si só, demonstrativos que Maria Taciana, quando outorgou a escritura de doação, não teve consciência, vontade e ou intenção de tornar o R. proprietário do prédio urbano objecto dos presentes autos e, bem assim, de deixar de ser a proprietária do mesmo prédio, o mesmo é dizer de, através dessa escritura, doar o prédio ao R..

3ª - Por outro lado, as mesmas declarações confessórias são também demonstrativas da má fé com que o R. actuou.

4ª - A sentença, transitada em julgado, proferida, em 02.05.2013, no processo-crime n° 193/06.3PBCTB do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Banco, em que foi arguido o aqui R., é demonstrativa da má-fé com que o R. se comportou para com a Maria Taciana, mãe dos Recorrentes, reveladora de indignidade para com esta, o que o que, caso se tratasse de sucessão, acarretaria para o R. incapacidade sucessória (cfr. artºs 2034° e segts. do Cód. Civil).

5ª - Na data da outorga da escritura de doação, o prédio dela objecto era propriedade ½ da outorgante DD e a outra metade da herança aberta por óbito de seu marido, EE, de que eram seus titulares a mesma DD, como cônjuge sobreviva, e cada um dos 3 filhos, os aqui Recorrentes.

6ª - Contudo, na escritura de doação, a fIs., DD arrogou-se, sem o ser, proprietária da totalidade do prédio, ao louvar-se num registo de inscrição de propriedade errado, relativamente ao regime de bens que vigorou no seu casamento com o Dr. EE, entretanto falecido.

7ª - Assim, a escritura de doação, porque de bens alheios, é nula (cfr. art° 956° do Cód. Civil).

8ª - E o R., porque agiu com dolo ilícito, é, para todos os efeitos, considerado donatário de má-fé.

9ª - A doação em causa sempre é ineficaz à herança aberto por óbito do Dr. EE, de que eram seus titulares DD, como cônjuge sobreviva, e cada um dos 3 filhos, os aqui Recorrentes, como resulta dos n°s 1 e 2 do art° 1408° do Cód. Civil.

10ª - De modo que a doação do ½ do prédio pertencente à herança aberta por óbito de EE, por força das regras da sucessão legítima (cfr. art°s. 2133° e 2139°, ambos do Cód. Civil), de que eram seus titulares DD, como cônjuge sobreviva, e cada um dos 3 filhos, os Recorrentes, é ineficaz em relação à mesma herança e, nessa medida, aos seus referidos titulares.

11ª - No caso não ocorre a redução prevista no art° 292° do Cod. Civil.

12ª - Com efeito, e desde logo, pelo facto de o R. ser donatário de má fé e, por outro lado, por estarmos perante um negócio indivisível.

13ª - Aliás, este é o entendimento da nossa Jurisprudência, designadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.2009, proc. n° 2090/06.3TVLSB, onde se decidiu que:

"I - O art. 292° do Código Civil tem como pressuposto a invalidade parcial do negócio e tem na sua génese a ideia da conservação dos negócios jurídicos.

II - A redução supõe, por natureza, a divisibilidade do negócio jurídico. A redução traduz-se, com efeito, na divisão desse negócio em duas partes - a que se mantém nula e a que se salva, sob as vestes de negócio válido, se bem que de dimensão mais restrita.

III - Sendo nulo o contrato de compra e venda de uma determinada coisa, não é possível dividir esse negócio em duas partes e concluir que uma parte está viciada e outra é válida. Em consequência, não tem aplicação o disposto no art. 292° do Código Civil."

14ª - Dos factos dados como provados, designadamente os constantes dos pontos 30, 31 e 32 dos factos provados, resulta, sem margem para dúvidas, que não era pretendido nem pela DD nem pelo R. que, pela doação se pretendesse, sequer admitisse, que o R. ficasse proprietário de metade do prédio e qualquer um dos Recorrentes ficasse proprietário da outra metade do prédio.

15ª - Resulta, assim, inequivocamente, que a vontade hipotética de DD e do R., aquando da celebração da escritura de doação, não seria essa.

16ª - Pelo que, se, aquando da outorga da escritura de doação, tivessem considerado a nulidade em causa, a escritura de doação nunca teria sido celebrada.

17ª - O que tudo, nos termos conjugados dos art° 292° e 239° do Cód. Civil, impede a redução do negócio.

18ª - Tudo de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in proc. 338/07.6TBCBR.Cl, de 11.09.2012, que decidiu:

"I - De acordo com o art° 292° do Código Civil (CC), se a nulidade ou anulação de certo negócio jurídico forem parciais, não determinam a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

II - A nulidade ou a anulabilidade do negócio jurídico constituem, pois, pressuposto fundamental para que se possa operar a redução (ou a conversão - art° 293° do CC) desse negócio.

III - Enquanto que a redução do negócio jurídico só encontra justificação quando uma das partes do seu objecto é nula ou anulável e não quando a nulidade é total, a conversão pressupõe a invalidade integral do negócio.

IV - A integração da lacuna do negócio jurídico, na falta de disposição supletiva que possa aplicar-se directamente faz-se, em princípio, como resulta do citado art° 239°, de acordo com a vontade hipotética ou conjectural das partes.

V - A vontade hipotética, ou conjectural, das partes de que trata o art° 239° do CC, não é matéria de quesitação directa, antes resultando da ponderação do julgador em face dos elementos que os autos lhe ofereçam em ordem a permitir-lhe reconstruir o que teria sido, à luz dos ditames da boa fé, o consenso negocial hipotético das partes quanto ao aspecto que deixaram por regular.

VI - Contudo, se acaso se constata que o apurado quanto à vontade hipotética das partes diverge da solução que os ditames da boa fé apontam, o art° 239° determina que se proceda à integração segundo estes últimos, postergando aquela vontade".

Sem prescindir,

19ª - Verificam-se os requisitos da simulação, de acordo com o disposto no art° 240° do Cód. Civil, a saber: divergência entre a vontade real e a declarada, intuito de enganar terceiros e acordo simulatório.

20ª - Como resulta dos factos dados como provados, os outorgantes, DD e R., não tiveram vontade e ou intenção de efectuar a doação do prédio, tendo sido DD quem, não obstante a outorga da escritura, continuou a comportar-se como proprietária do prédio, designadamente recebendo as rendas, o que ocorreu até depois da inabilitação de DD.

21ª - O intuito da outorga da escritura de doação foi o de, aproveitando-se da dependência emocional que DD tinha perante si, bem como da falta de consciência, vontade e intenção desta, o R., agindo com má-fé, prejudicar terceiros, a própria DD e a herança aberta por óbito do marido, de que eram seus titulares a mesma DD e os aqui Recorrentes, para beneficio dele R., ou seja transmitir o prédio para si após a morte de DD e sem que, entretanto, esta e ou os seus filhos se apercebessem.

Ainda sem conceder,

22ª - Verificam-se, assim, também os pressupostos da incapacidade acidental, a saber: o autor da declaração, no momento em que a fez, encontrar-se em condições psíquicas tais que lhe não permitiam o entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade e esse estado psíquico ser notório ou conhecido do declaratário.

23ª - Pois, como se viu, quando outorgou a escritura de doação, DD não se encontrava em condições psíquicas nem de liberdade de vontade que lhe permitisse o entendimento do acto que praticou e suas consequências bem como, outrossim, que tal era notório por parte do R., pois tudo isso, por parte de DD, acontecia por ter sido exclusivamente provocado, feito e querido por parte do R..

 Ainda sem conceder,

24ª - Face ao disposto nos art°s 289°, n°s 1 e 3, e 1269° e segts. do Cód. Civil, por ter agido com má fé, o R. é equiparado a possuidor de má fé.

25ª - Como tal, o R., para além de dever restituir e entregar o prédio às heranças abertas por óbito de EE e de DD, de que o Apelantes, como herdeiros legitimários, são seus titulares, é responsável pelas deteriorações no prédio (cfr. art° 1269° do Cód. Civil, a contrario) e deve restituir os frutos (as rendas) que a coisa (o prédio) produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido (cfr. art° 1271° do Cód. Civil).

26ª - Procedem, desse modo, os pedidos formulados pelos A.A. na p.i.

27ª - No respeitante ao pedido de indemnização, como não há nos autos elementos que permitam a sua liquidação, deverá a condenação do R. ser no que se vier a liquidar, nos termos do n° 2 do art° 609° do Cód. Proc. Civil de 2013, sendo a liquidação feita nos termos dos art°s 358° e segts. do mesmo diploma legal.

28ª - Finalmente, quanto a custas, as mesmas devem, nos temos do disposto, designadamente, no art° 527° do Cód. Proc. Civil de 2013, ser, na totalidade, quanto à 1ª instância e recursos, suportadas e ficar a cargo do R., que, em conformidade, deve ser condenado.

29ª - Ao assim não ter entendido, o Acórdão recorrido violou, designadamente, as disposições legais citadas.

30ª - Deve, consequentemente, o Acórdão recorrido, na parte objecto deste recurso, ser revogado e substituído por Douto Acórdão que julgue a acção inteiramente provada e procedente, nos precisos termos constante; da p.i., assim se concedendo provimento ao recurso.


5. Ao abrigo do disposto no art. 658º do CPC decidiu a conferência suscitar a questão prévia da recorribilidade quanto à matéria central do pedido de declaração de nulidade do negócio jurídico, objecto do pedido principal dos AA. , por força do disposto no art. 671º, nº3, do CPC, determinando a audição das partes sobre tal questão:


Na presente acção, formulam os AA., em termos essenciais ou principais, um pedido de declaração de nulidade de determinada doação, realizada ao R. por sua mãe, ulteriormente inabilitada por prodigalidade, invocando três fundamentos alternativos: a simulação do referido negócio, a falta de vontade e de consciência do acto por parte da doadora, decorrente da circunstância de esta, estando inteiramente dependente do R., não ter consciência e liberdade para tomar a decisão de fazer ou deixar de fazer o que quer que fosse – situação integradora da previsão normativa do art. 246º do CC – e ainda a invalidade decorrente de a doação ter incidido sobre bem alheio, uma vez que a doadora não podia dispor legitimamente do direito de propriedade plena sobre a totalidade do prédio doado, já que dele era contitular a herança indivisa aberta por óbito do respectivo cônjuge– não se verificando os pressupostos para o decretamento da redução de tal negócio jurídico, atenta nomeadamente a sua indivisibilidade.

Consequencialmente, para o caso de procedência da nulidade do acto, formularam pedidos dependentes ou acessórios de cancelamento do registo, de restituição do prédio e dos frutos civis.

Sucede que a matéria daquela pretensão principal foi dirimida, em termos coincidentes, pelas instâncias, quer em termos decisórios, quer em termos de fundamentação jurídica essencial.

Na verdade, a 1ª instância e a Relação coincidiram inteiramente no juízo que formularam acerca da verificação ou inverificação daquelas três possíveis causas de nulidade da doação – entendendo que, perante a factualidade apurada, era claramente improcedente a nulidade assente em invocada simulação e falta de vontade da doadora; porém - no que respeita à ilegitimidade desta, por não ser a única proprietária do imóvel –apenas procedia em parte a referida nulidade, em consequência da aplicação do instituto da redução do negócio jurídico.

Onde não se verificou coincidência decisória ao nível das instâncias foi apenas no respeitante ao pedido consequencial de restituição dos frutos civis percebidos pelo R, já que a Relação:

- alterou, no exercício dos seus poderes sobre a matéria de facto, o quadro factual relevante para apreciação de tal questão, considerando provado que aquando da outorga na referida doação, o R. sabia que o prédio objecto dessa escritura não pertencia apenas a Maria Taciana, mas também à herança aberta por óbito do falecido marido desta ( matéria factual que a sentença considerara não provada);

- consequencialmente – e embora continuasse a admitir sem reserva a redução do negócio jurídico nulo  – julgou de maneira substancialmente diversa quanto à pretensão formulada pelos AA. de restituição dos frutos civis, entendendo que, como contitular do imóvel, apenas poderia caber ao R., conhecedor da ilegitimidade da doadora, metade desse valor, cabendo-lhe restituir a outra metade das rendas percebidas, o que determinou a parcial revogação da sentença, no que respeita a esta exacta pretensão consequencial.

Poderá, neste quadro factual e jurídico, considerar-se que ocorre dupla conformidade dos juízos decisórios das instâncias acerca da matéria da nulidade parcial da doação, objecto do pedido principal, formulado à cabeça pelos AA. na petição inicial?

Note-se que o requisito da dupla conforme tem de ser apreciado, não relativamente a cada uma das questões suscitadas pelo recorrente, mas referentemente ao objecto do processo, ou seja, às pretensões formuladas pelas partes – só se verificando tal obstáculo à normal recorribilidade quando o objecto do processo é dirimido da mesma forma e pelos mesmos fundamentos essenciais na 1ª instância e na Relação – sem embargo de se dever entender que, nos casos em que o objecto da causa é plúrimo, o requisito da dupla conforme deve ser avaliado em relação a cada um dos objectos autónomos e cindíveis do processo.

Veja-se, nomeadamente, o Ac. de 29/10/15, proferido por este Supremo no P. 258/09.0TBSCR.L1.S1, em que se considerou que num processo cujo objecto é integrado por várias pretensões que não devam ter-se por incindíveis o requisito da dupla conformidade carece de ser apreciado em relação a cada um de tais objectos ou pretensões dotadas de autonomia, podendo, por isso, o acesso ao STJ estar vedado quanto à matéria da pretensão que foi objecto de decisões estritamente coincidentes das instâncias, sem prejuízo de ser interposta e admitida revista quanto à matéria das pretensões que mereceram decisões diversificadas em 1ª e 2ª instâncias.

Daí que se venha entendendo, por exemplo, que, havendo reconvenção, a existência do requisito da dupla conformidade deverá, em princípio, ser analisada separadamente em relação aos segmentos decisórios que se pronunciaram sobre a acção e a reconvenção, salvo se ocorrer uma situação de incindibilidade entre a matéria de tais pretensões, por estar a decisão de ambas irremediavelmente ligada ( AC. de 10/10/12, proferido pelo STJ no P. 29/09.3TBANCO EEEV.P1.S1)

E tal entendimento será naturalmente transponível para os casos em que existir pluralidade de pedidos formulados pelo A , meramente conexos ou dependentes de determinada factualidade essencial, podendo cindir-se ou destacar-se juridicamente a solução a dar a cada um deles.

No caso dos autos, como decorre das anteriores transcrições, o único aspecto divergente nas decisões proferidas reporta-se à matéria do pedido formulado acessoriamente pelos AA no ponto 5. da respectiva petição inicial, na parte em que pretendiam obter, na íntegra, os frutos civis proporcionados pelo prédio doado – e só quanto a este aspecto se mostrando revogada a decisão proferida em 1ª instância.

Ora, perante o funcionamento do requisito da dupla conforme, entendido em termos funcionalmente adequados, não parece justificável abrir uma via de recurso, em que se pretende controverter matéria essencial atinente à verificação e ao âmbito da nulidade do negócio , dirimida de modo coincidente pelas instâncias, apenas pela circunstância de não ter sido também coincidente o juízo decisório que incidiu, não sobre o tema fulcral da nulidade da doação, mas sobre a matéria de pedido consequencial e acessório, referente ao dever de restituição de frutos civis: na verdade, a matéria deste pedido – relativamente ao qual os AA. obtiveram, aliás, decisão mais favorável do que a que haviam alcançado em 1ª instância - é perfeitamente destacável ou cindível do tema da nulidade do negócio, em nada o podendo influenciar, já que  se configura como aspecto meramente consequencial relativamente ao decretamento da nulidade, não podendo, consequentemente, em revista normal, rediscutir-se aquele tema central ou  nuclear, só pela circunstância  de não ter sido coincidente o juízo emitido pelas instâncias acerca do objecto de pretensão meramente consequencial e dependente daquela matéria fulcral da nulidade do negócio ( e do âmbito, total ou parcial, desta).


6. Notificadas as partes, apenas se pronunciaram os recorrentes, sustentando a inverificação de dupla conforme, realçando que:

- o acórdão proferido pela Relação introduziu alterações em determinados pontos da matéria de facto;

- pronunciou-se explicitamente sobre as outras causas de nulidade invocadas, julgando improcedentes os vícios associados à simulação e à falta de consciência da declaração ;

- verificar-se-ia fundamentação essencialmente distinta entre as decisões proferidas pelas instâncias, já que, ao contrário da sentença, o acórdão recorrido entendeu que o R. agiu de má fé.


Não parece, todavia, que as objecções esgrimidas pelos recorrentes possam abalar a conclusão de que – quanto à matéria do pedido principal , reportado à declaração de nulidade da doação em causa - se verifica efectivamente o obstáculo decorrente da dupla conformidade das decisões proferidas nos autos pelas instâncias, já que:

- as alterações introduzidas na matéria de facto, em consequência do exercício do duplo grau de jurisdição pela Relação , são absolutamente irrelevantes para a resolução da questão central e primacial da admissibilidade da redução do negócio jurídico, operada em termos perfeitamente coincidentes pelas instâncias: ou seja, as modificações introduzidas em determinados pontos da matéria de facto pela Relação não se projectam, de modo nenhum, na questão da admissibilidade da redução do negócio jurídico de doação;

-quer a sentença, quer o acórdão recorrido, decidiram em termos estritamente coincidentes a questão da admissibilidade da redução do negócio jurídico de doação, efectuada ao R. , entendendo que a ilegitimidade da doadora, decorrente de não ser a única proprietária de tal imóvel, não obstava , nos termos do art. 292º do CC, a tal redução do negócio jurídico – não se vislumbrando qualquer diferença relevante, quer no substrato fáctico que ditou tal solução, quer na interpretação normativa que conduziu à admissibilidade da redução;

- é certo que , em consequência da alteração do quadro factual subjacente ao litígio, a Relação entendeu, ao contrário da 1ª instância, que o donatário tinha a qualidade de possuidor de má fé , com incidência na questão da obrigação de restituir  metade dos frutos civis que vinha percebendo do imóvel doado: no entanto – e como é evidente – tal alteração, factual e jurídica, não tem a mínima incidência quanto à solução jurídica a dar à matéria do pedido principal, repercutindo-se apenas no objecto do pedido, secundário, dependente e consequencial, de restituição dos frutos; e, quanto a este pedido, decidido de modo realmente diverso pelas instâncias (considerando a sentença que o R. nada tinha, nesta sede, a restituir e entendendo a Relação, com base no dito juízo sobre a má fé do donatário, que tinha de restituir metade dos valores recebidos), é evidente que não existe dupla conformidade, podendo tal questão do âmbito da obrigação de restituir ser reapreciada na presente revista. O que se tem por inadmissível é que a desconformidade das decisões acerca da matéria estrita de um pedido consequencial possam tornar admissível a revista, incidente também sobre a matéria do pedido principal, quando esta foi dirimida de modo estritamente coincidente por ambas as instâncias;

- finalmente, parece-nos evidente que – quanto aos restantes fundamentos apontados pelos AA. como base da invalidade da doação, nomeadamente a simulação e a falta de vontade do doador – existe dupla conformidade das decisões proferidas pelas instâncias – ambas no sentido de considerar claramente improcedentes tais vícios – não sendo a circunstância de a Relação ter desenvolvido um pouco mais o tratamento de tal matéria , em termos de mero reforço argumentativo de fundamentação, desde logo para responder à argumentação expendida pelos apelantes, que permite considerar precludido o obstáculo da dupla conformidade: saliente-se que as alterações pontualmente introduzidas na matéria de facto, nomeadamente no que respeita às circunstâncias e medida em que a vontade da doadora era condicionada pelo R., revelaram-se manifestamente insuficientes para ter por preenchido o invocado vício da falta de vontade da doadora – não podendo de nenhum modo considerar-se, num caso com a fisionomia dos presentes autos, que a decisão de manifesta inverificação dos vícios da vontade da doadora (em que as instâncias obviamente coincidiram, apesar da leve alteração no quadro factual, operada pelo acórdão recorrido) traduza uma fundamentação essencialmente diferente, susceptível de abalar a verificação do requisito da dupla conformidade.

E, deste modo, não se apreciará, na presente revista, a argumentação dos recorrentes, enquanto dirigida à verificação de uma nulidade total do negócio de doação, decorrente da ilegitimidade da doadora, como tal insusceptível de redução, bem como quanto à verificação das nulidades decorrentes dos vícios de simulação e de falta absoluta de vontade, já que tais matérias, reportadas ao pedido principal formulado na acção, foram dirimidas de modo coincidente pelas instâncias (importando ainda referir que a questão da incapacidade acidental, aflorada na conc. 22ª, é questão nova, já que a acção não se mostra estribada em tal causa de anulabilidade, não podendo, consequentemente, a mesma ser apreciada em via de recurso).

O objecto da revista circunscreve-se, deste modo, à matéria do pedido, dependente e consequencial, de restituição dos frutos civis percebidos – sustentando na sua alegação os recorrentes que deveria decretar-se a integral restituição de tais valores: ora, como é manifesto – e decorre da natureza meramente consequencial deste pedido – uma vez assente que não se verificam os fundamentos de que dependeria o decretamento da nulidade total do negócio jurídico, nenhuma censura merece a decisão da Relação que decretou a obrigação de o possuidor de má fé restituir metade de tais rendimentos, em estrita consonância com o âmbito da nulidade que alcançou através da aplicação da figura da redução do negócio jurídico.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados:

- julga-se inadmissível a revista interposta quanto às questões que eram objecto do pedido principal formulado na acção, visando o decretamento da nulidade total do negócio jurídico de doação, por verificação do impedimento da dupla conformidade das decisões proferidas pelas instâncias, obstando, consequentemente, à interposição de revista normal;

- nega-se provimento ao recurso interposto quanto à matéria do pedido, dependente e consequencial, de restituição dos frutos civis pelo R., confirmando o que sobre esta matéria decidiu a Relação.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 21 de Abril de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor