Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
167/1999.3.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DE INCAPACIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO / REVISÃO DE INCAPACIDADE.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 2.º.
DECRETO N.º 360/71, DE 21 DE AGOSTO: - ARTIGO 7.º .
LEI N.º 2127, DE 3.8.1965: - BASE XXII.
LEI N.º 98/2009 (NLAT)
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.5.2013, PROC. N.º 201/1995.2.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; DE 29.5.2013, PROC. N.º 248-A/1997.C1.S1, E DE 5.11.2013, PROC. N.º 858/1997.2.P1.S1, TAMBÉM CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 574/98, DE 13 DE OUTUBRO, IN D.R., II SÉRIE, DE 13.5.1999; N.º 113/01, NO D.R., II SÉRIE, N.º 96, DE 24.4.2001; N.º 147/2006 – E, REFLEXAMENTE, DAS DECISÕES QUE SE LHE SEGUIRAM, NO MESMO SENTIDO, INTER ALIA, OS ACS. 59/2007, 161/2009 E A DECISÃO SUMÁRIA PROFERIDA EM 23.4.2009 NO PROC. N.º 226/2009, DA 3.ª SECÇÃO DO T.C. –; N.ºS 55/2003, 155/2003 E 612/2008, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
I – Nos termos do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3.8.1965, o sinistrado de acidente de trabalho pode requerer a revisão da incapacidade/pensão no prazo de 10 anos subsequentes à data da última fixação da pensão, nos casos em que desde a fixação (inicial) da pensão e o termo desse prazo se tenha dado como provado o agravamento superveniente das lesões sofridas.

II – Não é inconstitucional, à luz do princípio da igualdade – não se revestindo, por isso, de flagrante desrazoabilidade –, o entendimento de que, decorridos 10 anos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, se considera consolidada a situação clínica relativa às lesões do sinistrado.

III – Assim, tratando-se, no caso, de um acidente ocorrido em 1997, na vigência da Lei n.º 2127, é de considerar extinto o direito do sinistrado a suscitar o incidente de revisão da sua incapacidade por ter transcorrido o prazo de 10 anos entre a data da (última) fixação e o requerimento de exame de revisão.

IV – A aplicação ao caso dos Autos do regime introduzido pela NLAT – que, não prevendo qualquer limitação temporal para dedução do pedido de revisão, apenas se dirige aos acidentes ocorridos a partir de 1.1 2010 – ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito, sendo inaceitável que a parte responsável/seguradora se pudesse ver confrontada com o ressurgimento de um direito que estava já juridicamente extinto à luz da Lei aplicável.                                         

Decisão Texto Integral:

1.

Nos Autos epigrafados, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que são partes AA e «BB – …, S.A.», o sinistrado, oficiosamente patrocinado pelo M.º P.º, requereu, em 27.9.2013, a revisão de incapacidade/pensão consequente a acidente de trabalho ocorrido em 17.11.1997, pensão que lhe fora fixada pela última vez por decisão de 2.11.2000.

Com oposição da Seguradora à admissão do incidente, proferiu-se despacho a admiti-lo.

2.

Inconformada, a Seguradora reagiu, impugnando a decisão junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 275-280, julgou improcedente o recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

Ainda irresignada, a Seguradora recorreu para este Supremo Tribunal.

Rematou a respectiva motivação com esta síntese conclusiva:

1. O presente recurso deve ser admitido como AGRAVO em 2ª instância, pela aplicação do regime do CPT aprovado pelo DL 272-A/81, de 30 de Setembro, e que se encontrava em vigor à data do acidente dos autos.

2. Segundo tal regime, nos termos do n.º 2 do artº 754.º do CPC, versão anterior ao DL 303/2007, de 24 de Agosto, cabe agravo na 2ª instância do acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª instância se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme.

3. É o caso dos autos, porquanto é patente a oposição entre o ora decidido e a jurisprudência que vem sendo afirmada no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional, podendo entender-se até ser necessário e conveniente que seja uniformizada jurisprudência, nos termos do art. 732.º-A do CPC, redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto, para que, casos como o do acórdão sob recurso, não venham a ser incentivo a que as instâncias possam subverter e perturbar o sentido inequívoco daquela jurisprudência.

4. O douto despacho da 1.ª instância, agora inesperadamente confirmado, admitiu o incidente de revisão com fundamento na (aplicação da) Lei n.º 98/2009 ao acidente de trabalho dos autos, que ocorreu em 1997, não estando de acordo com o juízo de constitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional sobre a disposição da Base XXII da Lei n.º 2127, acompanhado por grande parte da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, no sentido de que o prazo de 10 anos é suficientemente alargado para que um hipotético agravamento de uma lesão possa manifestar-se, sendo certo que, no caso dos autos, o sinistrado se manteve 13 anos sem qualquer agravamento, apesar de ter sucessivamente requerido vários exames de revisão.

5. O período de dez anos é suficientemente alargado (e generoso, como referiu Carlos Alegre), sendo garantia do direito à revisão em caso de agravamento e do princípio à justa reparação de acidente de trabalho.

6. A nova LAT apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua data de entrada em vigor, nos termos do seu art. 187.º, sendo certo que se o legislador pretendesse a sua eficácia retroactiva, conhecendo como conhecia o debate em torno da interpretação da lei e da sua adequação constitucional, e sabendo expressar devidamente o seu pensamento, teria declarado essa eficácia, o que não fez.

7. Um entendimento interpretativo que vise a aplicação do novo regime reparatório a situações jurídicas já constituídas constituiria aplicação retroactiva a factos anteriores, em violação dos princípios da legalidade, boa-fé, confiança e segurança jurídica, inerentes ao Estado de Direito.

8. Por outro lado, o regime de reparação de acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que obriga à reparação por uma empresa seguradora decorre da celebração de um contrato de seguro, pelo qual a entidade empregadora transfere a sua responsabilidade.

9. O contrato de seguro é um negócio jurídico pelo qual o segurador e tomador acordam quanto à efectivação, pelo primeiro, de uma prestação, na condição de ocorrer a previsão de que depende o funcionamento da cobertura (o sinistro), mediante a contrapartida de um prémio devido pelo segundo.

10. Na apreciação do risco e cálculo do prémio é considerado, designadamente, o regime legal em vigor, só assim sabendo o segurador quais são as suas responsabilidades futuras, assim podendo constituir adequadas provisões matemáticas, e pretendendo constituir uma relação contratual equilibrada na qual o prémio é adequado ao risco.

11. Uma alteração superveniente do sistema jurídico no sentido de que o requerimento de revisão de incapacidade pode passar a ser exercido sem dependência de prazo, alteração não susceptível de previsão, nunca poderia deixar de constituir uma flagrante modificação das circunstâncias em que as partes acordaram na transferência da responsabilidade civil e na aceitação do risco, gravemente atentatória do equilíbrio alcançado entre prémio de seguro e risco, sendo o segurador chamado a responder por consequências não previstas, nem previsíveis, assim se violando o princípio da confiança e da segurança jurídica do cidadão que confiou na postura e no vínculo criado pelas normas do ordenamento jurídico.

12. Em todo o caso, todas as questões aqui tratadas foram já objecto de conhecimento e decisão neste Supremo Tribunal de Justiça, pelos doutos Acórdãos de 22/05/2013 e 29/05/2013, assim firmando jurisprudência que deve ser mantida, o que envolve a revogação do douto despacho recorrido, sendo indeferido o incidente de revisão.

13. Por mero dever de patrocínio, sempre sem conceder, e para o caso, que apenas se admite como muito remoto, de se entender serem aplicáveis as regras emergentes do DL 303/2007, sempre se dirá que o recurso sempre teria de ser admitido como revista excepcional, nos termos do art. 721.º-A do CPC (redacção do DL 303/2007).

14. Com efeito, as anteriores conclusões mostram que se verificam os pressupostos das alíneas a) e c) do artº 721.º-A do CPC.

15. Acresce que a apreciação da questão é necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que, na concreta questão jurídica aqui em causa, não bastou à recorrente a invocação da jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal de Justiça – que foi olimpicamente ignorada – nem tão pouco a invocação do juízo sucessivamente mantido pelo Tribunal Constitucional.

16. Admite-se mesmo que a decisão recorrida, caso fosse mantida, pudesse encorajar outros tribunais, designadamente os da 1.ª instância, a seguirem a sua orientação, pondo em risco a unidade do sistema jurídico e a violação grave do princípio da igualdade e identidade de tratamento que deverá receber a mesma questão jurídica independentemente do foro competente.

17. Quanto à matéria prevista na alínea b) do acima referido normativo, é de particular relevância social que a mesma questão jurídica, quando seja dirimida relativamente a acidentes de trabalho ocorridos anteriormente à entrada em vigor da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, deve ser sempre decidida do mesmo modo, contribuindo para a coerência do sistema jurídico e o acima referido princípio da igualdade e identidade do seu tratamento das situações de sinistrados em acidentes de trabalho abrangidos pela mesma legislação.

Nestes termos, termina, deve ser revogado o acórdão recorrido, mantendo e fazendo respeitar a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

O M.º P.º, no assumido patrocínio do sinistrado, respondeu, concluindo no sentido da manutenção do julgado.

3.

Disse-se no precedente despacho de fls. 329-331, sem reacção dos destinatários, que, sendo aplicável, in casu, a disciplina recursória do NCPC, o recurso sujeito segue a disciplina da revista, nos termos gerais.

Preparada a deliberação, com prévia distribuição do projecto de solução aos Exm.ºs Adjuntos, cumpre conhecer.

4.

 Inexistindo temáticas de conhecimento oficioso, o objecto da impugnação – cujo âmbito se afere e delimita, como é consabido, pelo acervo conclusivo que encerra a motivação recursória – analisa-se na única questão: a de saber se caducou ou não, no caso dos Autos, o pedido de revisão da incapacidade/pensão.

 

                                                                        II.

· - Dos Factos.

Importa reter, para o efeito, a seguinte factualidade, assim alinhada:

- O requerente/sinistrado sofreu um acidente de trabalho em 17.11.1997;

- Do acidente resultaram lesões na coluna;

- Na altura foi-lhe fixada um Incapacidade Parcial Permanente de 15%;

- Tendo-lhe sido fixada uma pensão anual e vitalícia em 2.11.2000, pensão que foi remida em 2003 e cujo capital foi entregue ao sinistrado – cfr. fls. 95;

- Depois da data da fixação da pensão (2.11.2000), o sinistrado requereu a revisão da pensão em 4.12.2002 (fls. 69); 16.1.2003 (fls. 72); em 9.11.2004 (fls. 97); em 3.5.2006 (fls. 144) e a última vez em 27.9.2013 (fls. 192), sem nunca lhe ter sido alterado o valor da incapacidade de 15%.

                                                     ____

· Do Direito.

           

1.

O acidente de trabalho a que se reportam os Autos ocorreu, como atrás se consigna, em Novembro de 1997, vigorando, ao tempo, como é pacífico, o regime legal infortunístico constante da Lei n.º 2127, de 3.8.1965.

(Os regimes que lhe sucederam expressamente previram a sua aplicabilidade apenas aos acidentes acontecidos posteriormente à sua entrada em vigor:

- 1.1.2000, no que concerne à Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, ut art. 41.º, n.º 1, a), referido ao art. 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4, que a regulamentou;

- 1.1.2010, relativamente à Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, (seus arts. 187.º/1 e 188.º), que regulamentou o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, em conformidade com a previsão constante do art. 284.º do Código do Trabalho/2009).

Sob a epígrafe «Revisão das Pensões», é este o teor da Base XXII daquela LAT (Lei 2127):

1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano nos anos imediatos.

3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.

2.

A deliberação sujeita – não obstante reconhecer, nomeadamente, que …os condicionalismos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 e mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram, certamente, da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos, recidivas, recaídas, bem como as melhorias teriam uma maior incidência nos primeiros tempos, e decaíam até decorrer um maior lapso de tempo, (pelo) que o legislador entendeu razoável ser fixado em dez anos – aduziu que o Tribunal Constitucional tem vindo a pronunciar-se sobre a constitucionalidade dessa limitação temporal, juízo de inconstitucionalidade já antes formulado no Acórdão nº 147/2006, e cuja fundamentação tem vindo a merecer a adesão sucessiva de outras pronúncias (que identifica) do mesmo Tribunal…

…Convocando ainda, a propósito deste prazo preclusivo, o entendimento propugnado por alguma doutrina, também identificada, para assumir acolher este entendimento sobre a inconstitucionalidade da norma agora em causa que limita temporalmente o pedido de revisão das prestações fixadas…

Entendimento reforçado, como aduz, pela recente alteração introduzida pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, cujo art. 70.º veio acabar com o limite de dez anos para que as vítimas de acidente de trabalho possam requerer e obter as revisões das suas prestações.

E conclui:

Assim, face a esta alteração legislativa e à Jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendemos que não deve manter-se uma interpretação restritiva da referida norma que impeça a reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, pondo em causa o princípio da igualdade. (…)

Deste modo, a decisão recorrida quanto à admissibilidade do incidente de revisão mostra-se conforme os preceitos legais acima referidos.

3.

Sobre esta temática se pronunciou já, repetidamente, este Supremo Tribunal, com fundamentação cuja bondade se mantém.

Referimo-nos, v.g., aos Arestos de 22.5.2013 (Proc. n.º 201/1995.2.L1.S1, in www.dgsi.pt); de 29.5.2013 (Proc. n.º 248-A/1997.C1.S1) e de 5.11.2013 (Proc. n.º 858/1997.2.P1.S1, também consultável no site da dgsi.pt), que, por óbvias razões, acompanharemos de muito perto, reeditando, no essencial, a sua argumentação jurídica.

Lembramos, per summa capita, o desenvolvimento histórico-legislativo à volta desta matéria, com vista a uma melhor compreensão e adequada resposta à questão equacionada.

Não avançamos, contudo, sem antes deixar consignado que o legislador de 65/LAT 2.127 já então foi sensível – como claramente flui do diferente regime estabelecido nos n.ºs 2 e 3 da Base XXII – às indicações certamente surgidas da experiência médica, segundo as quais a hipótese de modificação da capacidade de ganho é diversa consoante se trate de acidente ou de doença profissional de carácter evolutivo.

Por regra, como se ponderou antes, a eventual modificação tem, no caso de sequelas resultantes de acidente de trabalho, maior incidência nos primeiros tempos subsequentes à cura clínica (situação em que, por definição, as lesões ou desapareceram completamente ou se apresentam já como insusceptíveis de alteração após terapêutica adequada – cfr. art. 7.º do Dec. n.º 360/71, de 21 de Agosto), sem embargo da prevista possibilidade da ocorrência superveniente de alteração de lesões consolidadas, situação improvável, aos olhos do legislador de então, para além de um certo e mais ou menos distante horizonte temporal.

Assim não nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, a que não se aplica a limitação prevista para a revisão da incapacidade proveniente de acidente, podendo, quanto a estas, requerer-se a revisão em qualquer tempo.

As coisas não foram sempre assim, nomeadamente no período anterior ao regime instituído pela Lei 2.127.

Como se dá nota no referido Aresto de 5.11.2013, desta Secção, a hipótese de revisão por acidente de trabalho foi considerada, pela primeira vez, pelo legislador de 1918 (cfr. art. 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio), não ficando então o seu exercício limitado a um qualquer prazo.

Com a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, a revisão das pensões por incapacidade permanente apenas podia ser requerida durante o prazo de cinco anos a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença – art. 24.º.

 Posteriormente à Lei n.º 2.127, a LAT que imediatamente lhe sucedeu (Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro) manteve basicamente o regime daquela constante – art. 25.º.

Acolhendo os ecos que a Proposta de Lei respectiva veiculou, concretamente no seu art. 58.º, a NLAT, constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, prevê ora – mas apenas para os acidentes de trabalho ocorridos a partir da sua entrada em vigor, 1.1.2010 – a admissibilidade da revisão uma vez em cada ano civil, sem qualquer outra limitação temporal – arts. 70.º, n.ºs 1 e 3, 187.º e 188.º.

                                                                   

4.

No caso sujeito, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho em 17.11.1997, ficando a padecer de uma IPP de 15%.

 E foi-lhe fixada uma pensão anual e vitalícia em 2.11.2000, posteriormente remida.

Depois da referida data da fixação da pensão, o valor da incapacidade originalmente estabelecida (15%) manteve-se imutável, nunca foi alterado, apesar dos sucessivos pedidos de revisão da pensão por si formulados em 4.12.2002, 16.1.2003, 9.11.2004, 3.5.2006 e, finalmente, em 27.9.2013.

Id est: Quando, nesta última data, solicitou a realização de exame de revisão – sem que, alguma vez, desde a data da fixação da pensão, tenha havido qualquer alteração da incapacidade originalmente atribuída –, já há muito estava ultrapassado o prazo de 10 anos.

   

5.

Não obstante, o Acórdão sub judicio considerou – como se disse já – não dever manter-se uma interpretação restritiva da referida norma, impeditiva da reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, assim…pondo em causa o princípio da igualdade.

A seguradora recorrente contrapõe, em síntese, que não é aplicável no caso a Nova LAT, cuja disciplina apenas cobre os acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, estando o Acórdão em crise em desacordo com o juízo de constitucionalidade adrede efectuado pelo T.C. sobre a disposição constante da Base XXII da Lei n.º 2127.

Por isso – prossegue – não só o legislador de 2009 não conferiu eficácia retroactiva à disciplina constante da NLAT, (conhecendo, como conhecia, a controvérsia à volta da interpretação da Lei em causa e da sua (in)adequação constitucional), como a interpretação que lhe confira tal eficácia sempre violaria os princípios da legalidade, boa-‑fé, confiança e segurança jurídicas, inerentes ao Estado de Direito.

Isto posto.

6.

Como foi oportunamente dilucidado[1], das conhecidas pronúncias do Tribunal Constitucional sobre esta temática – no que tange naturalmente ao teor da norma interpretanda – não pode concluir-se no sentido de que delas resulte a ideia, e menos impositiva, de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões por acidente de trabalho.

Flui, v.g., do paradigmático Acórdão n.º 147/2006 – e, reflexamente, das decisões que se lhe seguiram, no mesmo sentido, inter alia, os Acs. 59/2007, 161/2009 e a Decisão Sumária proferida em 23.4.2009 no Proc. n.º 226/2009, da 3.ª Secção do T.C. – que o objecto da apreciação não foi o de (…’não está em causa…’) uma eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente de trabalho seria inconstitucional, mas, sim, a pronúncia acerca do concreto limite temporal da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. (Bold e sublinhado nosso).

E, na sequência, aí se consignou que:

‘Impõe-se, assim, a conclusão de que interpretação normativa em apreço – ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no art. 59.º, n.º 1, f), da Constituição.

Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos trabalhadores a ‘assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional’, não é constitucionalmente aceitável (…) que o direito infraconstitucional venha ‘fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que, causalmente ligados ao sinistro, sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do presente recurso.’

E, assim, julgou-se inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3.8.1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. (Enfatizado agora).

Note-se contudo – como expressamente se relembra, v.g., na Decisão Sumária do Tribunal Constitucional de 23.4.2009, atrás identificada – que inexiste qualquer contradição entre o teor das decisões concordes do T.C. no sentido da ajuizada inconstitucionalidade da norma, na perspectiva apreciada, e o decidido pelo mesmo Tribunal v.g. nos Acórdãos n.ºs 155/2003 e 612/2008 (consultáveis em www.tribunalconstitucional.pt), em que se entendeu que não era inconstitucional a norma contida no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, pois aqui teve-se em conta uma ‘dimensão interpretativa’ da referida norma diversa daquela agora em juízo, porquanto nessa dimensão se não incluía o segmento final da decisão proferida no Acórdão n.º 147/2006: ‘nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas’.

São diferentes, pois, as situações.

Acompanhando ainda o texto da mesma Decisão do T.C., (ibidem), veja-se a seguinte passagem do Acórdão n.º 55/2003 do mesmo Tribunal Constitucional, que nela se contém :

“Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva dar por consolidada.

Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho da vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indicaria que a situação se não poderia ter por consolidada.”

É o que se verifica no caso sujeito:

Decorreram 13 anos sobre a data da fixação da pensão sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão.

 [Não obstante as revisões requeridas pelo sinistrado posteriormente à data da fixação (inicial) da pensão, em 2.11.2000, nunca lhe foi alterado o valor da incapacidade de 15%].

Assim, como se vem pacificamente entendendo no âmbito desta formação, é mister ter como adquirido que, segundo a normalidade das coisas, se consolidou a situação clínica do sinistrado.

Resta-nos ponderar se esta perspectiva hermenêutica (da dimensão da norma em causa) colide com o princípio da igualdade, como se considerou na deliberação sob censura, no pressuposto entendimento de que, ante a alteração legislativa aportada pelo art. 70.º/3 da NLAT, os sinistrados abrangidos pela(s) LAT(s) anterior(es) ficariam impedidos de aceder à reavaliação.

Diremos, desde já, que não o afronta, explicitando brevemente por que pensamos assim.

Por coincidência de juízo e comodidade até, limitamo-nos a reeditar (parte da…) fundamentação já adrede expendida noutras pronúncias desta Secção, maxime a plasmada no identificado Acórdão de 5.11.2013.

Com respaldo em Jurisprudência do T.C.[2], se adianta que …o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do Direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado; mas tal não significa que não exista uma certa margem de liberdade de conformação legislativa das várias soluções concretamente consagradas e até que não se reconheça a possibilidade de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos semelhantes, desde que seja identificável um outro valor, também ele com ressonância constitucional, que imponha, ou, pelo menos, justifique e torne razoável a diferenciação.

(Veja-se, em conformidade com esta proclamação de princípios, o ajuizado na mesma sede/T.C., no referido Acórdão n.º 155/2003, de 19 de Março, sobre uma situação com contornos afins.

E não se conhece deliberação do T.C. em sentido oposto).

Assim – assente que, no caso dos Autos, transcorreram mais de 10 anos sobre a data da fixação da pensão sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão –, a situação deve ter-se por consolidada, pelo que a aplicação do princípio da igualdade, na compreensão irrestrita propugnada na deliberação sub specie, sempre iria conflituar, v.g., com o princípio da confiança, prevenido no art. 2.º da C.R.P.

(…’O cidadão deve poder prever que as intervenções legislativas do Estado se façam segundo uma certa lógica racional e por forma a que ele se possa preparar para adequar a sua futura actuação a tais intervenções e de tal modo que uma tal actuação possa ser reconhecida na ordem jurídica e tenha os efeitos e consequências que são previsíveis face à decorrência lógica da modificação realizada.’[3]).

Assim – pelo exposto e em conformidade com o entendimento da Secção, já antes firmado – não pode deixar de considerar-se que a aplicação da regra introduzida pela NLAT (Lei n.º 98/2009) ao caso sujeito, além de estar expressamente prevista para aplicação apenas aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, sempre ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito consolidado da Seguradora, que se veria assim confrontada com o ressurgimento de uma situação em que o direito à reapreciação da incapacidade já se extinguira, face ao regime legal aplicável, pelo decurso do tempo.

                                                            ___

Tudo visto e tratado:

Acolhem-se, em suma, as razões essenciais que enformam as proposições conclusivas da motivação recursória.

                                                            ___

                                                            III. 

                                                   DECISÃO

Em conformidade com a fundamentação precedente, delibera-se conceder a Revista, e, revogando o Acórdão sub judicio (que confirmou a decisão aí impugnada), não se admite o requerimento do sinistrado, deduzido a fls. 192, que visava a revisão da incapacidade/pensão oportunamente fixada.

Sem custas, por delas estar isento o requerente/recorrido.

                                                           __

(Anexa-se sumário).

            Lisboa, 29 Outubro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Referimo-nos aos Arestos desta Secção acima identificados, a que nos reportamos.
[2] - Cita-se, v.g., o Acórdão n.º 113/01, no D.R., II Série, n.º 96, de 24.4.2001.
[3] - Apud Acórdão do T.C. n.º 574/98, de 13 de Outubro, in D.R., II Série, de 13.5.1999, aí citado.