Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1362/06.1TBVCD.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
COMISSÃO
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
DANO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
JUROS DE MORA
SANÇÃO COMPULSÓRIA PECUNIÁRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :

I - Afastada, por não provada, a culpa efectiva de qualquer dos
condutores intervenientes no acidente, nem sendo caso de culpa presumida, entra em funcionamento o art. 506.º do CC, tanto mais que, da petição, nada permite concluir que o pedido de indemnização não foi considerado para a hipótese de responsabilidade pelo risco.

II - No caso ajuizado, tendo em conta as características dos veículos intervenientes no acidente, é de concluir que contribuíram, em igual medida, para a produção dos danos verificados.

III - Desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, a par do pedido de reivindicação, nos termos do art. 1311.º do CC, pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis.

IV - Se se provar que a indisponibilidade foi causa directa de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes.

V - Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição. A simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória.

VI - Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo. Não é imprescindível que o lesado invariavelmente alegue e prove a existência de danos efectivos.

VII - Sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no art. 566.º, n.º 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância, não pode, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na 2.ª parte do n.º 3 do art. 805.º, referido ao n.º 1 do art. 806.º, todos do CC.

VIII - Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória, no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado), poderá funcionar automaticamente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I.
AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra R... Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de € 8.282,17 pela reparação do veículo, € 38.444,88 pela privação do uso da viatura, acrescida diariamente da quantia de € 78,14 até à cessação da privação do uso, € 572,00 por 492 dias de seguro obrigatório, acrescida do valor do seguro pago desde a data da interposição da acção até à cessação da privação do uso, e € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais, quantias estas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do acidente até à data da interposição da acção, no montante de € 2.685,06, e dos vincendos desde a citação até efectivo pagamento, bem como da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829°-A, n° 5, do Código Civil.

Alegou que, no dia 28.11.04, teve lugar um acidente, no qual intervieram os veículos com as matriculas ...-...-..., pertencente ao A., por ele conduzido, e ...-...-..., pertencente à Associação H... dos B... V... de Vila do Conde, conduzido por BB, e que teve a sua origem no facto de o UN, que circulava pela Rua ..., no sentido norte/sul, sem sinais de emergência ligados (luminosos e/ou sonoros), ter ultrapassado uma fila de trânsito, indo embater no TI que, circulando na mesma rua e no mesmo sentido de marcha, pretendendo virar à esquerda, tinha iniciado a referida manobra, encontrando-se, nesse momento, atravessado no caminho do UN.
O TI sofreu danos, cuja reparação orça em € 8.282,17, encontrando-­se o A. privado de o utilizar até à sua reparação, certo que, não dispondo de mais nenhum para as suas deslocações profissionais e pessoais, teve e tem de recorrer a boleias de colegas de trabalho, o que lhe causou um prejuízo que computa em € 78,14 diários, acrescendo que, para o período de 17.11.04 a 16.05.05, liquidou o seguro automóvel obrigatório, no montante de € 193,54, tendo usufruído do veículo apenas durante 11 dias, sofrendo, assim, um prejuízo de € 181,71 por 169 dias de seguro pago e não usufruído, tendo, ainda, pago, no período de 17.05.05 a 16.11.06, de seguro a quantia de € 193,54, do qual não usufruiu, sofrendo um dano desse valor e, no período de 17.11.05 a 16.05.06, pagou de seguro a quantia de € 253,53, tendo já decorrido 138 dias, o que totaliza um dano de € 196,75.
Em virtude do acidente, sofreu angústia e sofrimento, o que lhe provocou inquietações durante o sono e constantes preocupações com o facto de ter podido perder a vida, revivendo constantemente a sensação da violência e da surpresa do sinistro.

A R. contestou, negando os factos alegados pelo A. quanto ao circunstancialismo em que ocorreu o acidente e imputando-lhe a culpa dele, alegando que ele se encontrava parado numa fila de trânsito e decidiu efectuar, sem fazer qualquer sinal, uma mudança de direcção à esquerda, invadindo o corredor de circulação da esquerda, no momento em que o UN, que tinha assinalado a marcha de urgência (sonora e luminosa), pois transportava um paciente em estado grave, se encontrava a ultrapassar essa fila de trânsito, utilizando a faixa de rodagem reservada ao sentido contrário. Por fim, disse que a reparação do TI é excessivamente onerosa, na medida em que essa reparação foi estimada em € 15.000,00 e o valor venal do veículo é de € 13.000,00 e o dos salvados de € 4.100,00, sendo, por isso, face ao binómio valor da reparação/valor venal, economicamente inviável.

O A. replicou, pugnando pela versão dos factos apresentada na petição inicial.

Seleccionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, que não foi objecto de reclamação.

Procedeu-se a julgamento e o autor apresentou alegações quanto ao aspecto jurídico da causa.

Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar ao A.:
A quantia de € 1.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado;
A quantia de € 8.282,17, a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel com a matrícula ...-...-..., acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado;
A quantia de € 12.500,00 a título de indemnização pelo dano da privação do uso do TI, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.
Absolveu a R. do demais peticionado pelo autor.

Inconformada, a R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação parcialmente procedente e alterou a sentença, em conformidade com a repartição da culpa, condenando a R. a pagar ao A.:
A quantia de € 750,00 (50% de € 1.500,00) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado;
A quantia de € 4.141,08 (50% de € 8.282,17), a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel com a matrícula ...-...-..., acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado;
A quantia de € 3.690,00 (50% de € 7.380,00), a título de indemnização pelo dano da privação do uso do TI, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.

Irresignados, tanto o A. como a R. pedem revista.

A R. formulou as seguintes conclusões:
É certo que o condutor do TI realizou uma manobra de mudança de direcção à esquerda. Assim, para a realização dessa manobra, teria esse condutor que sinalizar previamente a referida manobra, aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível do eixo da faixa de rodagem e só efectuar a manobra depois de verificar que dessa manobra não surgia nenhum embaraço para o trânsito;
Entendemos assim que, à falta de prova efectiva desta matéria de facto, sempre se terá de concluir que o condutor do TI não respeitou as normas legais e os deveres de cuidado subjacentes à execução daquela manobra;
Efectivamente, apenas se provou que o TI seguia lentamente numa fila de trânsito, de trânsito lento com paragens momentâneas, e que pretendia virar à esquerda para a Rua ...., ocupando parcialmente o corredor de circulação da esquerda e, nesse momento, é em batido pela viatura com a matricula ...-...-...;
Não se provou nem que o condutor do TI tenha aproximado o veículo do eixo da faixa de rodagem, nem que o mesmo tenha sinalizado a manobra pretendida. Nem se provou que o mesmo se tivesse previamente certificado que podia realizar a manobra em condições de segurança;
Foi essa sua conduta e a omissão do cumprimento das exigências que sobre ele recaiam que determinou a produção do acidente, concluindo-se que o condutor do TI não se certificou, adoptando todos os cuidados exigíveis que a manobra que ia empreender não causaria perigo ou embaraço para o trânsito;
Ao invés, cremos que não pode imputar-se qualquer juizo de censura ao condutor do veiculo seguro;
O UN encontrava-se a executar a manobra de ultrapassagem a uma fila de trânsito. Como tal, além de se encontrar obrigado nos termos das regras gerais dos artigos 20º e 35º do Código da Estrada, sobre ele impendiam ainda as seguintes exigências: efectuar a ultrapassagem pela esquerda; certificar-se que podia realizar a manobra sem perigo de colidir com veiculo que transitasse no mesmo sentido ou em sentido contrário, verificando se a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança; se podia retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitavam; se nenhum condutor que seguia na mesma via ou na que se situava imediatamente à esquerda havia iniciado manobra para o ultrapassar; e se o condutor que o antecedia na mesma via não havia assinalado a intenção de ultrapassar um terceiro veiculo ou de contornar um obstáculo; retomar a direita logo que concluída a manobra e o pudesse fazer sem perigo;
Não se encontrando verificada nenhuma das hipóteses que obstam à ultrapassagem, não resulta demonstrado que o condutor do UN não tenha respeitado as exigências que lhe eram colocadas;
Ora, o condutor do UN iniciou a ultrapassagem quando não circulava qualquer veiculo em sentido contrário, passando a transitar na hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, isto é, salvaguardando uma distância de segurança relativamente aos veiculos que seguiam na fila a ultrapassar;
E nada se provou quanto à velocidade imprimida pelo UN;
Nestes termos, conclui-se pela exclusividade da culpa do condutor do TI na produção do acidente, com as legais consequências;
O tribunal a quo, ao não os interpretar em consonância com os critérios acima definidos, violou os artigos 483º, 496º, 503º, 562º e 563°, do Código Civil e o artigo 44º do Código da Estrada;
Sem conceder e para o caso de assim se não entender,
O pagamento do prémio de seguro é obrigatório quer o autor circule, quer não circule, com a viatura. Resulta de uma imposição legal. O pagamento do seguro não tem a ver forçosamente com a circulação do veiculo. Daí que entendamos que o pagamento do prémio não pode, de todo, ser considerado um dano decorrente do acidente de viação;
O tribunal a quo, ao não os interpretar em consonância com os critérios acima definidos, violou os artigos 483º, 496º, 503º, 562º e 563°, do Código Civil;
Resultou provado que, em consequência do acidente, o autor viu-se privado de usar o TI nas suas deslocações para o trabalho e a titulo pessoal entre a data do acidente - 28.11.04 - e 01.07.06 - data em que o TI lhe foi entregue reparado -, tendo recorrido a favores de colegas, amigos e familiares;
O recurso à equidade não pode sobrepor-se às regras do ónus da prova, porque, não se provando qualquer prejuizo e atribuindo-se uma indemnização por recurso à equidade, pode dar-se um enriquecimento sem causa, visto que a paralisação dum veiculo, só por si, pode não acarretar qualquer prejuizo;
Só perante a alegação e prova da factualidade pertinente seria possível concluir ou não pela justeza, ou seja, pela verificação de um verdadeiro dano, como consequência adequada do acidente;
É certo que, em regra, por um lado, goza o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem;
Em face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso de um veiculo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano especifico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil;
Mas mesmo que se entenda de outro modo, ou seja, de que o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação constitui um dano, então, mesmo assim, entendemos que o valor peca por excesso, devendo fixar-se numa quantia não superior a € 1.000,00 por todo o período de privação;
O Acórdão recorrido violou, assim, nessa parte, o estatuído nos arts. 562º e ss. e 342º e ss. do Código Civil;
Os juros aqui devidos são apenas os legais, sendo que a taxa de juro a considerar é de 4% - Portaria n° 291/03, de 08.04;
Ao assim não considerar, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 566º, nº 2 e 805º, nº 3, ambos do Código Civil.

Por sua vez, o A., que requereu o julgamento ampliado, pedido que foi rejeitado, conluiu a alegação do recurso pela seguinte forma:
Da leitura do Acórdão recorrendo constata-se que o Tribunal da Relação do Porto assertivamente não modificou a matéria de facto dado como provada pela 1ª Instância, porquanto o despacho de fundamentação da decisão da matéria de facto ter-se-á afigurado bem fundamentado, não sendo os elementos constantes dos autos susceptíveis de contrariar a convicção gerada pelo Julgador da 1ª Instância e confirmado pela 2ª Instância no que concerne à factualidade assente;
No momento da colisão dos dois veículos, a viatura do recorrente já se encontrava atravessada no caminho da ambulância, não sendo, portanto, sequer possível ao A. ceder a passagem à ambulância; portanto, o recorrente não se atravessou no caminho da ambulância;
Pese embora a seguradora recorrida tenha apelado para a Relação do Porto no intuito de que o condutor recorrente fosse considerado o único culpado pelo sinistro, bem andou a 2ª Instância em considerar que "desta forma, não basta que se não tenha provado que o A. cumprisse as regras estradais para se lhe poder atribuir uma parte ou toda a responsabilidade pelo acidente; era necessário que se tivesse provado a culpa da sua conduta, residindo esta na violação de regras de trânsito que se lhe impusessem";
Todavia, a Relação do Porto, face aos factos provados, que não modificou, extraiu uma conclusão de Direito no sentido de considerar haver uma cor­responsabilidade do aqui recorrente pela ocorrência do sinistro, entendimento com o qual este não se pode conformar;
A conclusão de Direito extraída pela Relação do Porto de que o condutor recorrente teria agido com culpa adveio de uma ilacção que não encontra respaldo na matéria de facto dada como assente pelas Instâncias;
Isto porque a Relação do Porto concluiu, errada e desapoiadamente, que, quanto à ambulância segurada pela recorrida, "Veículo esse que já vinha em ultrapassagem quando o A. intentou mudar de direcção à esquerda ( ... )";
É falso que essa ilacção possa ser retirada da dinâmica do acidente, pois nada disso foi provado; bem pelo contrário, pois as Instâncias deram como "Provado" o quesito 25°, mas não o 26°;
Por isso, não poderia o Tribunal da Relação do Porto tirar uma conclusão de Direito, porquanto é evidente que não modificou a matéria de facto ­quando tal matéria fora quesitada, mas obtivera resposta negativa; e nem a Relação alterou a resposta a esse quesito 26° para "Provado";
Os factos integradores da presunção de culpa do A./recorrente, assentes na transgressão de norma do CE, trata-se de matéria que foi alegada pela R./recorrida, mas dada como não provada;
Note-se que o local onde o embate ocorreu é uma recta com boa visibilidade (Resposta nº 8), sendo que o condutor da ambulância segurada pela R. tinha visibilidade e tempo de travagem suficientes para evitar a colisão com o veículo do A.;
O condutor da ambulância não efectuou qualquer redução ou esforço de travagem (Resposta nº 9), quando o veículo do A. já se encontrava parado na faixa de rodagem por onde o veículo seguro pela recorrida pretendia ultrapassar (em contra-mão) toda a fila de trânsito onde seguia tal como o recorrente;
Por outro lado, o condutor da ambulância não efectuou qualquer redução ou esforço de travagem nem mesmo pela existência de uma passadeira pouco antes do local do embate (Resposta nº 10);
Mais se aduz que o condutor do veículo segurado pela R./recorrida nem sequer ligou os sinais de emergência sonoros da ambulância (Resposta nº 3), atendendo à condução desatenta que efectuava;
Pelo que a viatura segurada pela recorrida colocou em perigo os demais utentes da via, não tendo suspendido a sua marcha, quando tinha condições para o fazer com segurança;
O argumento em que se estriba a Relação do Porto para, a nosso ver de forma injusta, revogar o entendimento da 1ª Instância quanto à culpa exclusiva da ambulância pela ocorrência do sinistro, vindo a considerar-se em 2ª Instância, com a mesmíssima matéria de facto, que o condutor recorrente teve 50% de culpa na ocorrência, é que "Assim, se o condutor do UN fazia a ultrapassagem em termos dos demais utentes da via a poderem ver, porque levava os sinais luminosos de emergência accionados, embora devesse também levar os sinais sonoros em funcionamento;
Todavia, a prova imediada pela 1ªInstância pôde aferir que, em julgamento, as testemunhas S... M... C... M... e F... S... N... S..., tripulantes da viatura que circulava à frente do veículo do A., foram unânimes em atestar que não se aperceberam da aproximação da viatura segurada pela R.;
Evidentemente que só os sinais sonoros teriam a virtude de alertar os condutores que seguiam no sentido de marcha do A. (norte/sul) para a aproximação de um veículo por trás deles e na faixa de rodagem contrária;
Por isso, por um lado, é errado concluir-se que o A. (ao contrário da ambulância, onde dúvidas não subsistem) violou alguma regra estradal, como aliás incoerentemente o Acórdão recorrido também admite;
O Tribunal da Relação do Porto parece apontar que o A. violou a regra estradal do dever de cuidado previsto no art. 35°, nº1, do CE, intuindo-se que tal dever teria sido preterido por ter sido violado o art. 64°, nº1, do CE, quanto ao dever de ceder a passagem aos veículos prioritários; tal não é verdade;
Perdoe-se-nos a afirmação, mas afigura-se-nos que a Relação do Porto atribuiu 50% de culpa ao A. porque a ambulância levaria ligados 50% dos sinais de emergência a que o CE a obrigava, i.e, os sinais luminosos;
Não pode o recorrente aceitar meação, quanto à repartição de culpas, nem quanto ao pressuposto de a ambulância ter cumprido metade das suas obrigações estradais! Discordamos pelos seguintes motivos:
Primeiro, para à ambulância poder ser legalmente atribuído o benemérito de transgredir regras estradais previsto para os veículos de emergência, teria que provar que ia em missão de urgência, o que não sucedeu: a seguradora/recorrida nem tão-pouco alegou, quanto mais o provou, que a ambulância seguia em missão de urgência/socorro, conforme o Acórdão recorrido assertivamente faz notar, quando afirma que, independentemente de se encontrar ou não em serviço de socorro (sendo certo que não se provou que estivesse);
Segundo, a transgressão de regras estradais pela ambulância só poderia existir se cumprisse os requisitos legais para se considerar devidamente assinalada a sua marcha enquanto veículo de emergência, o que se provou que não sucedeu;
Não pode aceitar-se a tese da Veneranda Relação do Porto de que, levando a ambulância 50% dos sinais de emergência ligados, a sua marcha deverá considerar-se 50% prioritária, logo, 50% culpada pelos sinistros que causar;
Isto é inaceitável por principio, e mais ainda quando os sinais de emergência que a ambulância levava ligados eram precisamente os que menos utilidade tinham, durante o dia, para assinalar a sua marcha junto dos condutores por quem a ambulância surgia por trás, como era o caso do veículo do aqui A;
E de acordo com a prova testemunhal produzida em juízo, a aproximação da ambulância foi indetectável não só para o A. mas para todos os que circulavam nesse sentido de marcha, conforme as testemunhas S... M... C... M... e F... S... N... S..., tripulantes da viatura que circulava à frente do veículo do A. atestaram em Juizo: não ouviram o estonteante som da sirene da ambulância, porque ele simplesmente não foi ligado, não por danificação do mesmo mas simplesmente porque o inexperiente condutor da ambulância (um jovem bombeiro) se esqueceu de o ligar em plena luz do dia;
Terceiro, vislumbra-se que o Venerando Tribunal da Relação do Porto não se apercebeu que, no momento do embate, o A. era um "sitting-duck" na faixa de rodagem; por isso se provou que "No momento em que a viatura do autor já ocupava parcialmente a faixa de rodagem contrária é embatido pela viatura com a matrícula ...-...-...;
Provou-se que a ambulância seguiu pelo meio de ambas as faixas de rodagem, e tendo ido embater com a sua frente direita (com a "esquina direita", nas palavras do seu condutor/bombeiro BB) na frente lateral do AUDI do A./recorrente, significa que grande parte da ambulância seguia na faixa do A./recorrente e apenas a restante parte na faixa contrária;
Se a ambulância efectivamente seguisse 100% pela faixa contrária, o sinistro nunca teria sucedido, pois teria o veículo de emergência seguido um trajecto que não colidia com o posicionamento do automóvel do A., que, conforme consta das Respostas nºs 30, 31 e 32, o A. não se atravessou no caminho da ambulância, pois durante parcos segundos (os suficientes para a ambulância ter iniciado e ultrapassado a fila de trânsito, o que não foi difícil atendendo à confessada velocidade excessiva a que circulava) tinha sido impossibilitado de aceder à Rua ..., para onde pretendia virar;
Teremos, então, que concluir, tal como o fez o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 02 Março de 1995, que " I - O condutor de ambulância cuja marcha é devidamente assinalada não está adstrita ao cumprimento de toda a sinalização que lhe imponha manter-se na semi-faixa de rodagem direita, mas deve certificar-se sempre de que as manobras que faz não põem em risco outros utentes da via. II- Cabe ao condutor de ambulância toda a culpa na ocorrência de acidente se a manobra de ultrapassagem de veiculo automóvel que a precedia é feita numa lomba, desrespeitando o traço contínuo que separava as faixas de rodagem, e conduz à colisão com um veículo motorizado que seguia em sentido contrário.";
O condutor desse automóvel que impediu a passagem do A. já tinha iniciado a manobra de desimpedir a via para onde o A. pretendia aceder, mas o primeiro condutor estancou e regrediu a sua marcha (para trás) ao avistar a ambulância em questão com as luzes ligadas, pois, do local onde esse veículo estava, a Rua ...., a inexistência de obstáculos físicos permite-lhe avistar toda a recta (a Rua ...) percorrida pela ambulância desde a Rotunda dos ...., a montante dessa rua e de onde a ambulância veio;
O dever de cuidado que recaía sobre o A. bem como sobre qualquer condutor, face à inexistência de prova de que outras disposições estradais tenha violado, deverá ser interpretada no sentido de que "não envolve a exigibilidade de previsão, em cada momento, do surgimento inopinado de obstáculos na via ou imprudência de terceiros";
Pelo que o recorrente não se conforma com a decisão salomónica da Veneranda Relação do Porto quanto à repartição de culpas, pois não se nos afigura como atribuível qualquer concurso de culpas ao A., que demonstrou, através da imediação da prova produzida em 1ª Instância, que não violou qualquer preceito estradal, nem mesmo o dever geral de cuidado, pois qualquer bonus pater familia teria agido da mesma forma;
Conforme é hoje entendimento unânime na Doutrina e Jurisprudência, a prova da inobservância das regras do Código da Estrada é suficiente para que a culpa se presuma, dispensando a prova em concreto da falta de diligência; assim também o firmou o Acórdão recorrido;
O direito de prioridade de passagem não é um direito absoluto, mas inexoravelmente se conclui que a conduta da ambulância colocou em perigo os demais utentes da estrada e que tal conduta foi a única que potenciou o sinistro, pois, se tivesse agido na legalidade, o sinistro não teria sucedido; note-se que bastava ter abrandado antes da passadeira de peões;
Diversamente, nenhuma conclusão se poderá retirar quanto à conduta do A. ter contribuído para o sinistro;
Quarto, olvidou o Venerando Tribunal da Relação do Porto que recai sobre a ambulância segurada pela Recorrida uma PRESUNÇÃO DE CULPA com INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA pela ocorrência do sinistro, pois a ambulância era conduzida por BB, sob direcção e no interesse da "Associação H... B... V... de Vila do Conde", asserção legal que inverte o ónus da prova da culpa nos presentes autos;
Manifestamente a recorrida não logrou provar nem a culpa do A., nem muito menos que a condução da ambulância por si segurada não foi culposa, pois, conforme as Instâncias deram como assente, a ambulância violou diversas regras estradais e colocou em perigo os demais utentes da via, numa missão que não se provou ser de urgência/socorro e sem legalmente sinalizar tal missão;
Termos em que, os únicos pressupostos fácticos dados como provados são aqueles em que assenta a culpa do condutor do veículo segurado pela R., por infracção aos arts. 3°, nº 2, 35° nº 1, 13°, nº1, 41º, nº1. als. c) e d) e 64º, nº 3, todos do Código da Estrada, como o preconizou a sentença proferida em 1ª Instância, a qual não padece de qualquer censura, pelo que o Acórdão da Relação deverá ser revogado em conformidade com tal sentença;
É entendimento do A. que tem direito a ser ressarcido da quantia global de € 643,61, a título de seguro obrigatório automóvel pago e não fruído desde a data do sinistro até 16/05/2006, acrescido de um valor diário de € 5 (€ 256,53:180 dias) desde 17/05/2006 até à data da entrega da viatura ao A.;
Provou-se que o A. teve danos efectivos, porquanto viu-se forçado a recorrer a boleias de colegas de trabalho para se deslocar para as instalações da sua entidade patronal, bem como a boleias de amigos e familiares para as suas deslocações pessoais; provou-se que um veículo da gama do veículo do A. tem um custo médio de aluguer diário de € 78,14; provou-se que do acidente resultaram momentos de grande angústia e sofrimento para o A., que se traduziu num estado de desassossego e tristeza e durante um longo e problemático período, sendo que, conforme atestaram as testemunhas A... D... e V... G..., tal situação ainda se mantinha na data da audiência de julgamento e ainda hoje se mantém;
A violência do embate perpetrado pela ambulância segurada pela R. gerou no A. sofrimento e angústia, provocando-­lhe inquietações durante o sono e preocupação com o facto de ter podido perder a sua vida com tal embate, revivendo a sensação da violência e da surpresa do sinistro, do qual não teve qualquer responsabilidade e com o qual não se conforma;
Conforme resulta da conjugação do depoimento de A... D... e V... G... com o relatório médico de psiquiatria, elaborado pelo Dr. J... M..., junto no decurso do processo, provou-se que, desde a data do sinistro rodoviário, o A. sofre de perturbação pós-traumática de índole depressiva, necessitando desde então de acompanhamento regular de psiquiatria/psicoterapia e medicação psicofarmacológica;
Provou-se que fora no automóvel sinistrado que o A. havia empregue todas as suas economias, tendo nele um enorme brio e cuidado, e do mesmo não podendo usufruir desde a data do sinistro;
A recusa no pagamento da reparação da viatura sinistrada, conjugada com o facto de não ter sido disponibilizada pela recorrida qualquer viatura de substituição que permitisse ao A. efectuar as suas deslocações profissionais e pessoais, geraram uma inegável privação do uso, dano esse peticionado pelo A. de acordo com o critério objectivo do preço médio de aluguer diário de uma viatura da gama da viatura paralisada;
Tal obrigação indemnizatória da recorrida persiste temporalmente até ao momento em que houve a restituição da viatura ao A.;
Como fez notar a 1ª Instância, por recurso à equidade, deverão V. Exas. tomar em consideração as circunstâncias do caso, nomeadamente a culpa exclusiva do condutor do UN na produção do acidente, os 19 meses em que o A. esteve privado de usar o seu veículo, certo que havia empregue todas as suas economias na aquisição do mesmo, tendo nele brio e cuidado, os evidentes incómodos sofridos pelo A., que usava o veículo para se deslocar para o trabalho e para as suas deslocações pessoais, tendo passado a recorrer a boleias de colegas, amigos e familiares para essas deslocações, a natureza do veículo em causa - um Audi - , o montante da reparação - € 8.282,17 -, o custo médio de aluguer diário de um veículo da gama do veículo do autor - € 78,14 -, bem como as despesas que efectuou no pressuposto do uso de que não beneficiou, aqui devendo ponderar-se, então, os prémios do seguro pagos pelo A. durante o período da privação, caso os mesmos não sejam objecto de condenação autónoma, despesa essa que, diga-se, por imposição legal sempre teria que suportar se tivesse alugado um veículo de substituição, a desvalorização natural do veículo e, por fim, o período de tempo decorrido desde a data do acidente;
A quantia de € 15 diários atribuída pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto não é susceptível de produzir, nem de perto nem de longe, uma reconstituição natural da situação que o A. teria não fosse o sinistro no qual não teve qualquer culpa;
Não obstante, a equidade a que recorreu o Tribunal a quo não foi fundada no princípio de que a privação do uso é um dano autónomo, i.e., indemnizável independentemente de se fazer prova de prejuízos efectivos;
Por isso, é inaceitável que equitativamente se considere que o valor da privação do uso seja de € 15 diários, pois, subtraindo o custo monetário diário do seguro automóvel válido e eficaz em que o A. obrigatoriamente teve que incorrer, o benefício do A. e de qualquer condutor em dispor de uma viatura (a única que o A. tinha e tem) não é, certamente, compensável com € 10 por dia (€ 15 atribuídos pelo Tribunal da Relação, subtraídos dos € 5 efectivamente gastos pelo A. diariamente com o seguro);
Pelo que, uma vez conexa com o sinistro estradal, e de harmonia com a equidade, a indemnização correspondente à privação do uso do veículo deverá fixar-se no valor diário de € 78,14, correspondendo, pelo menos, ao custo médio de aluguer diário de um veículo da gama do veículo do A.;
Quanto à assertiva condenação em juros compulsórios, não pode a recorrida recorrer de uma condenação que opera ipso iure, do nº 4 do art. 829°-A do Código Civil;
No entanto, em matéria de JUROS MORATÓRIOS, concorda-se com a condenação da recorrida, proferida pela Relação do Porto, em matéria dos juros moratórios que se vencem quanto aos danos patrimoniais mas, todavia, quanto aos danos não patrimoniais e quanto ao dano pela privação do uso, afigura-se-nos que a argumentação expendida pela Relação do Porto demonstra que esse Venerando Tribunal não teve em conta, na quantificação desses danos, o disposto no art. 566º, nº2, do Cód. Civil, e não liquidou actualizadamente as indemnizações correspondentes, designadamente, em função da depreciação monetária, tendo-se limitado a, com base nos valores objecto de condenação em 1ª Instância, reduzir a € 15 o valor diário a título do dano de privação do uso, e a aceitar o valor da condenação quanto aos danos morais (somente o reduzindo a 50% como decorrência de entender-se agora haver concurso de culpas pelo sinistro), mas não proferindo qualquer "decisão actualizadora" quanto a ambas as indemnizações;
Portanto, indevidamente a Relação do Porto favoreceu duas vezes a seguradora/recorrida, pois, para além de reduzir o valor diário, a decisão não foi efectivamente "actualizadora" quando o deveria ter sido, já que, para a decisão ser "actualizadora", ela deveria contemplar não uma redução do valor da indemnização pela privação do uso, mas outrossim um aumento que reflectisse a correcção monetária;


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
Estão provados os seguintes factos:
a) No dia 28.11.04, pelas 16h45m, na Rua ..., em Vila do Conde, aconteceu um acidente no qual foram intervenientes a viatura de marca Renault com matrícula ...-...-..., propriedade da Associação H... B... V... de Vila do Conde, e a viatura da marca Audi, com a matrícula ..-...-..., propriedade do autor.
b) O autor circulava na supra descrita viatura Audi na Rua ..., em Vila do Conde, no sentido norte/sul, rua com dois sentidos, seguindo lentamente numa fila de trânsito.
c) A viatura ...-...-... seguia no mesmo sentido de marcha do autor (norte/sul).
d) As viaturas aqui em causa circulavam todas no mesmo sentido de marcha, sendo que, nesse sentido, existia uma fila de trânsito lento com paragens momentâneas.
e) A viatura UN iniciou uma manobra de ultrapassagem, ultrapassando vários veículos.
f) O autor, seguindo como se refere em b), pretendeu virar à esquerda para a Rua ... .
g) O veículo TI, conduzido pelo autor, encontrava-se parado nessa fila, quando, a determinada altura, decide efectuar uma mudança de direcção à esquerda.
h) O TI, pretendendo mudar de direcção à esquerda, ocupou parcialmente o corredor de circulação da esquerda.
i) No momento em que a viatura do autor já ocupava parcialmente a faixa de rodagem contrária, é embatida pela viatura com a matrícula ...-...­..., conduzida por BB.
j) O veículo do autor foi embatido na sua lateral esquerda pela ambulância segurada na ré.
l) A colisão entre os veículos deu-se entre a frente do UN e a lateral esquerda da TI.
m) A colisão ocorreu no corredor de circulação à esquerda, atento o sentido de marcha dos intervenientes.
n) A viatura UN seguia sem os sinais sonoros de emergência ligados.
o) A viatura UN seguia com os sinais luminosos de emergência ligados.
p) Atendendo ao embate, o veículo do autor foi projectado para a fila de trânsito em que circulava antes de ter iniciado a mudança de direcção, tendo ido embater na zona traseira de um outro veículo, que circulava na referida fila de trânsito, veículo ligeiro de passageiros marca Ford, com a matrícula ...-...-... .
q) O local onde o embate ocorreu é uma recta com boa visibilidade.
r) Antes do local do acidente, atento o sentido seguido pelos intervenientes, existia uma passadeira para peões.
s) O condutor do veículo UN não efectuou qualquer redução da velocidade com que seguia.
t) Devido ao acidente, o TI sofreu danos nas peças constantes do documento de fls. 28 e 29, cuja reparação ascende a € 8.282,17.
u) Em virtude do acidente, o veículo não circulava pelos meios próprios.
v) Não dispondo de mais nenhum para as suas deslocações profissionais e pessoais, o autor ficou privado e ficará privado de utilizar o veículo sinistrado até à sua reparação.
x) O autor teve e tem de recorrer a boleias de colegas de trabalho para se deslocar para as instalações da sua entidade patronal - B... ­Sociedade T... de V..., Lda -, com sede na Zona Industrial da Varziela, Rua ..., Lote ..., ...-..., Fajozes, Vila do Conde -, bem como a boleias de amigos e familiares para as suas deslocações.
z) À data da interposição da acção, o TI não tinha ainda sido objecto de reparação.
aa) O TI foi entregue ao autor reparado em 01.07.06.
bb) O autor havia empregue na aquisição do TI as suas economias, tendo nele brio e cuidado.
cc) Um veículo da gama do veículo do autor tem um custo médio de aluguer diário de € 78,14.
dd) No período de 17.11.04 a 16.05.05, o autor pagou € 193,54 de prémio de seguro.
ee) No período de 17.05.05 a 16.11.05, pagou € 193,54.
ff) No período de 17.11.05 a 16.05.06, pagou € 256,53.
gg) Por via do acidente, o autor ficou angustiado e preocupado com o facto de ter podido perder a vida.
hh) O autor revive a sensação de violência e da surpresa do sinistro.
ii) A responsabilidade civil emergente de acidente da viatura ...-...-... e da viatura ...-...-... estava transferida, à data do acidente, através de contratos de seguro válidos e eficazes para a ré, contratos esses titulados pelas apólices .... e ...., respectivamente.

III. O Direito.

A primeira questão a apreciar, e que é comum aos dois recursos, tem a ver com a culpa.
Tanto o autor como a ré discordam da conclusão a que a Relação acedeu, ou seja, que a culpa deva ser repartida por ambos os condutores e em igual medida.

Entendeu a 1ª instância que, na origem do acidente, esteve, exclusivamente, a conduta censurável do condutor do UN, pois que, em face das respostas restritivas e negativas aos pontos 26, 27, 28, 30, 31 e 32 da BI, não se pode concluir que o autor tenha omitido os cuidados exigíveis de sinalização, cautela ou precaução consagrados nos arts. 35º, nº1 e 44º, do C. da Estrada, sendo certo que incumbia à ré, conforme o art. 342º, nº 2, do C.Civil, o ónus da prova dessa omissão.
Pelo contrário, o condutor da ambulância, ao efectuar a manobra de ultrapassagem nas condições em que o fez, violou regras de cuidado que lhe competia observar.

A Relação teve um entendimento diferente, atribuindo a culpa na verificação do acidente aos condutores dos dois veículos e em igual percentagem.
Considerou, para tanto, que o UN assinalava a sua marcha com sinais luminosos de emergência, embora o devesse fazer também com os sinais sonoros, por ser dia.
Deste modo, o autor não tinha apenas de contar com as viaturas que viessem em sentido contrário ao seu ou que saíssem da rua para onde queria seguir, por se estar num cruzamento.
Havendo um veículo prioritário a realizar uma ultrapassagem da fila de trânsito, e que já vinha em ultrapassagem, quando o autor intentou mudar de direcção à esquerda, para seguir para outra rua, impunha-se ao autor que prestasse atenção à sua aproximação, devendo ceder a passagem ao veículo prioritário, além de estar adstrito à execução da manobra de mudança de direcção em termos de não fazer perigar o trânsito que se processasse em sentido contrário ou no mesmo sentido.
E concluiu: se o condutor do UN tivesse também os sinais sonoros ligados, deveria ser atribuída ao autor toda a culpa pela ocorrência do sinistro. Como assim não aconteceu, e porque o local onde o acidente teve lugar não permite, em princípio, a ultrapassagem, o que explicará que o autor tenha saído da fila sem acautelar a aproximação de outra viatura provinda do mesmo sentido de trânsito, a culpa deve ser repartida por ambos os condutores e em igual medida.

Com o devido respeito, cremos que a conclusão a que a Relação acedeu não encontra correspondência nos factos provados.

Esses factos, e no que para aqui releva, são, essencialmente, os seguintes:
- O autor circulava na Rua ..., em Vila do Conde, no sentido norte/sul, rua com dois sentidos, seguindo lentamente numa fila de trânsito.
- A viatura ...-...-... seguia no mesmo sentido de marcha do autor.
- As viaturas aqui em causa circulavam todas no mesmo sentido de marcha, sendo que, nesse sentido, existia uma fila de trânsito lento com paragens momentâneas.
- A viatura UN iniciou uma manobra de ultrapassagem de vários veículos.
- O veículo TI, conduzido pelo autor, encontrava-se parado nessa fila, quando, a determinada altura, decide efectuar uma mudança de direcção à esquerda, ocupando, parcialmente, o corredor de circulação da esquerda.
- No momento em que a viatura do autor já ocupava parcialmente a faixa de rodagem contrária, é embatida na parte lateral esquerda com a frente do UN
- A colisão ocorreu no corredor de circulação à esquerda, atento o sentido de marcha dos intervenientes.
- A viatura UN seguia sem os sinais sonoros de emergência ligados.
- A viatura UN seguia com os sinais luminosos de emergência ligados.
- O local onde o embate ocorreu é uma recta com boa visibilidade.
- Antes do local do acidente, atento o sentido seguido pelos intervenientes, existia uma passadeira para peões.
- O condutor do veículo UN não efectuou qualquer redução da velocidade com que seguia.

Ora, destes factos, não se pode retirar a conclusão de que, quando o autor intentou mudar de direcção à esquerda, para seguir para outra rua, a ambulância já vinha em ultrapassagem (v. resposta negativa ao ponto nº 26 da BI).
O que se provou foi que, seguindo a ambulância no mesmo sentido de marcha do veículo conduzido pelo autor, iniciou uma manobra de ultrapassagem a vários veículos e que o TI, estando parado nessa fila, decidiu, a determinada altura, efectuar uma mudança de direcção para a esquerda (resposta ao ponto nº 25 da BI), ocupando, parcialmente, o corredor de circulação da esquerda (resposta restritiva ao ponto nº 31 da BI), dando-se a colisão entre a frente do UN e a lateral esquerda da TI (resposta restritiva ao ponto nº 32 da BI).
Não se provou, contudo, se, quando o UN efectuava a manobra de ultrapassagem, o TI iniciou a manobra de mudança para a esquerda no intuito de aceder à Rua ... (resposta negativa ao ponto 30 da BI); se este veículo invadiu o corredor de circulação da esquerda por onde já circulava a ambulância sem utilizar qualquer sinalética e se se atravessou obliquamente, embatendo com a sua esquerda na frente da ambulância (respostas restritivas aos pontos nºs 31 e 32 da BI).

O art. 35º, nº1, do C. da Estrada, consagra o princípio geral no que às manobras em especial diz respeito e segundo o qual “o condutor só pode efectuar as manobras de (…) mudança de direcção (…) em local e por forma a que, da sua realização, não resulte perigo ou embaraço para o trânsito” e impõe, no seu art. 44º, ao condutor que pretenda mudar de direcção diversos deveres:
Aproximar-se, com a necessária antecedência e quanto possível, da margem esquerda da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um a ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação;
Efectuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro da intersecção das duas vias, sempre que na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processe nos dois sentidos.
Os factos descritos não permitem concluir se o autor cumpriu ou não os deveres de sinalização, cautela ou precaução a que estava obrigado.

E que dizer da actuação do condutor da ambulância?
É verdade, conforme se dispõe o art. 64º, nº1, do C. da Estrada, em vigor à data do acidente, que os condutores de veículos que transitem em missão de socorro, assinalando adequadamente a sua marcha podem, quando a sua missão o exigir, deixar de observar as regras e sinais de trânsito, embora não possam, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via (nº 2).
A forma que as ambulâncias têm de assinalar a sua marcha é através de sinais sonoros (art. 21º, nºs 3 e 5) e luminosos (art. 22º, nº 3), sendo certo que os veículos em serviço de urgência não se podem considerar legalmente assinalados como veículos prioritários quando circulem com o sinal rotativo instalado no tejadilho, mas sem utilização simultânea de sinal sonoro ou sirene, como aconteceu no presente caso, tanto mais que era dia, sendo, por isso, este o sinal mais adequado a chamar a atenção dos condutores dos restantes veículos da presença de um veículo prioritário.
Por outro lado, o citado art. 35º, nº1, do C. da Estrada, estabelece que o condutor só pode efectuar a manobra de ultrapassagem em local e por forma a que, da sua realização, não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, regulando o art. 38º o modo de execução dessa manobra, impondo ao condutor o dever de não a iniciar sem se certificar se a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário e, ainda, o dever de se certificar especialmente se a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessária à sua realização em segurança, que pode retomar a direita sem perigo para os que aí transitem, que nenhum condutor que siga no mesmo sentido iniciou a ultrapassagem relativamente a ele e que o condutor que o antecede não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo.
Contudo, os factos assentes também não permitem concluir se o condutor do UN respeitou todos estes deveres, desde logo porque não resultou provado, conforme a ré alegara, que, quando o autor intentou mudar de direcção à esquerda, para seguir para outra rua, a ambulância já vinha em ultrapassagem.
Por outro lado, antes do local do acidente, atento o sentido seguido pelos intervenientes, existia uma passadeira para peões, proibindo a lei a ultrapassagem imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões (art. 41, nº1, al. d), do C.E.).
Como proíbe a ultrapassagem imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos (art. 41, nº1, al. c), do C.E.).
Porém, como se reconhece na decisão da 1ª instância, é escassa a matéria de facto alegada e provada relativamente à caracterização do local do acidente.
E, assim, desconhece-se a que distância ficava a passagem de peões quando o UN iniciou a ultrapassagem, bem assim o entroncamento referido pelas instâncias, mas que não consta dos factos provados, ainda que tenha ficado assente que o autor pretendia virar à esquerda, para a Rua ... .
Finalmente, a ênfase que a Relação coloca no facto deste veículo não assinalar a sua marcha com os sinais sonoros não se reveste de qualquer relevância, já que não ficou demonstrado que transitasse em missão de socorro e que, nesta missão, tivesse deixado de observar as regras e sinais de trânsito, por forma a pôr em perigo os demais utentes da via.
De tudo o exposto, cremos poder dizer, perante a matéria de facto disponível, não ser possível determinar a dinâmica do acidente e o modo discursivo como ele evoluiu, de modo a podermos atribuir a qualquer dos condutores ou a ambos a culpa efectiva na verificação do mesmo.
Efectivamente, olhando para os factos disponíveis, a sua modéstia impede a recriação do acidente, não só para atingir a evidência ou a certeza integral, mas para chegar àquele grau de probabilidade bastante para consentir a crença quanto às causas do mesmo.

A responsabilidade civil extracontratual, como ao caso importa, resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem e funda-se, em geral, na culpa (art. 483º, nº1, do C.Civil).
E, nos termos do art. 342º, nº1, do mesmo diploma legal, sendo a culpa elemento constitutivo do direito à indemnização, cabe ao autor fazer a prova dela - art. 487º, nº1 -, a menos que beneficie de presunção.
Ora, dispõe o nº1 do art. 503º do Cód. Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”.
E, no seu nº 3, que “aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte…”.
Este artigo foi objecto de grande controvérsia, até que o Assento nº 1/83, de 4.4.83, veio estabelecer que a 1ª parte deste nº 3 estabelece uma presunção de culpa (juris tantum) do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável entre ele, como lesante, e o titular ou titulares do direito a indemnização.
É, afinal, a consagração de uma das presunções legais de culpa exceptuadas na 2ª parte do nº1 do art. 487º.

Todavia, só existe culpa presumida dos condutores, nos termos do art. 503º, quando não se apure culpa efectiva e se tenha provado a existência de comissão.
Que não se provou culpa efectiva de nenhum dos condutores, parece não restarem dúvidas.
Mas isso não chega.
Necessário se torna, ainda, a existência de comissão.
Por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J., de 30-4-96, "O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor, quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500º, nº1, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".
O termo comissão" não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos arts. 266º e seguintes do Cód. Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade desempenhada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.
A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este.
O sentido amplo do termo "comissão" justifica-se quando se tenha presente o fundamento da responsabilidade do comitente: "responde porque se serve de outra pessoa para a realização de certo acto, colhendo as vantagens dessa utilização e, por tal, é justo que sofra também as consequências prejudiciais dela resultante" (Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, pág. 137).
Ou, como diz Antunes Varela "é mais justo que os efeitos da frequente insuficiência económica do património do comissário recaiam sobre o comitente, que o escolheu e o orientou na sua actuação, do que sobre o lesado, que apenas sofreu as consequências desta".
Por outro lado, o interesse da pessoa na utilização do veículo tanto pode ser de carácter patrimonial como não patrimonial, ou seja, não económico, espiritual ou moral, nem sequer se exigindo que se trate de um interesse digno de protecção legal (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª ed., Vol. I, pag. 654; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., pags. 507 e 508; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pag. 313 e Vaz Serra, RLJ, 109., pags. 155 e sgs.).

No caso “sub judice”, foi alegado pela ré que a viatura UN (ambulância) assinalava a marcha de urgência - sonora e luminosa -, visto que, na altura, transportava um paciente em estado grave.
Esta matéria foi levada ao ponto nº 27 da BI e teve resposta restritiva.
De qualquer forma, resultou provado que tal veículo pertencia à Associação H... dos B... V... de Vila do Conde e era conduzido por BB.
A propriedade do veículo faz presumir a direcção efectiva e o interesse na sua utilização pelo dono.
Sendo tais requisitos de verificação cumulativa, é sobre o proprietário do veículo que incide o ónus de demonstrar o contrário, o que não foi feito.
Mas, como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, provando-se que o veículo é propriedade de alguém, se infere, por presunção natural, que o seu dono tem a sua direcção efectiva e a utilização do veículo se faz no seu próprio interesse, essa presunção esgota-se aqui e não pode dar lugar a uma segunda presunção, a de que, tendo, em regra, o proprietário a direcção do veículo e a sua utilização interessada, quem o conduz é seu comissário.
No caso em apreço, e atenta a matéria de facto assente, apenas é possível afirmar que o respectivo proprietário tinha a direcção efectiva do veículo UN, mas já não que o seu condutor, ao utilizar esse veículo, agiu mediante ordens ou instruções daquele, sendo certo que esta circunstância (o agir por conta de outrem, mediante ordens ou instruções deste) é que caracteriza a função de comissário, a provar pelo lesado, na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação.

Portanto, não se tendo provado que o condutor do veículo UN agia por conta do proprietário e mediante ordens e instruções deste, não se pode concluir que aquele era comissário, sendo, por isso, de afastar a presunção de culpa do nº 3 do art. 503º do C.Civil.

Afastada, por não provada, a culpa efectiva de qualquer dos condutores intervenientes no acidente, nem sendo caso de culpa presumida, terá de entrar em funcionamento o art. 506º, do C.Civil, tanto mais que, da petição, nada permite concluir que o pedido de indemnização não fosse considerado para a hipótese de responsabilidade pelo risco.
Este tipo de responsabilidade nasceu da necessidade de reparar danos reconhecidamente indemnizáveis, mas produzidos sem culpa, antes resultantes da forma de organização do trabalho e da utilização de máquinas, com consequente diluir de responsabilidades; assenta na ideia ubi commoda ibi incommoda de que sendo o dono do veículo quem aproveita as vantagens a ele inerentes, sobre o mesmo devem recair os danos provenientes da sua utilização.
No caso ajuizado, tendo em conta as características dos veículos intervenientes no acidente, é de concluir que contribuíram, em igual medida, para a produção dos danos verificados.

É entendimento do autor que tem direito a ser ressarcido da quantia global de € 643,61, a título de seguro obrigatório automóvel pago e não fruído desde a data do sinistro até 16/05/2006, acrescido de um valor diário de € 5 (€ 256,53:180 dias) desde 17/05/2006 até à data da entrega da viatura ao autor.
As instâncias não lhe deram razão, considerando que, conjuntamente com essa indemnização, o autor pede também uma indemnização pelo dano da privação do uso do veículo.
E uma vez que, segundo a teoria da diferença consagrada no art. 566º, nº 2, do C.Civil, a indemnização a arbitrar ao lesado corresponde à diferença entre a situação real presente e a situação hipotética actual em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso, verifica-se que o autor, ao pedir a indemnização pelo dano da privação do uso, não pode pedir, simultaneamente, a indemnização pela despesa com o prémio do seguro do veículo durante o período em que esteve privado de o utilizar, na medida em que a utilização do veículo pressupunha a realização daquela despesa.
Concorda-se, com a conclusão a que a Relação acedeu no sentido da pretensão do autor carecer de fundamento.

O autor pediu a condenação da ré no pagamento de € 38.444,88 pela privação do uso da viatura, acrescida diariamente da quantia de € 78,14 até à cessação da privação do uso, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data do acidente até à data da interposição da acção, no montante de € 2.685,06, e dos vincendos desde a citação até efectivo pagamento, bem como da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829°-A, n° 5, do Código Civil.
Na 1ª instância foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 12.500,00 a esse título, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.
Na Relação essa indemnização foi fixada em € 7.380,00, que reduziu para metade, em função da culpa no acidente, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, acrescendo aos referidos juros de mora juros, à taxa de 5%, desde o trânsito em julgado da presente sentença, a reverter, em partes iguais, para o autor e o Estado.

Considera a ré que a mera privação do uso de um veiculo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano especifico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
Mas mesmo que se entenda de outro modo, ou seja, de que o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação constitui um dano, então, mesmo assim, entende que o valor peca por excesso, devendo fixar-se numa quantia não superior a € 1.000,00 por todo o período de privação.
Já o autor sustenta que a indemnização correspondente à privação do uso do veículo deverá fixar-se no valor diário de € 78,14, correspondendo, pelo menos, ao custo médio de aluguer diário de um veículo da gama do veículo do autor.

Como recentemente se decidiu neste STJ (revista nº 3994/08, de 5.2.09), de que fomos também relator e citando Abrantes Geraldes (Indemnização Do Dano Da Privação Do Uso, pags. 55, 61 e 62), desde que a violação do direito de propriedade e a decorrente privação do uso derivem da prática de acto ilícito, a par do pedido de reivindicação, nos termos do art. 1311º do CC, pode ser formulado o pedido de indemnização, como forma de repor a situação anterior e de reparar os prejuízos decorrentes da privação, como ocorre quando esta atinge bens imóveis; se se provar que a indisponibilidade foi causa directa de prejuízos resultantes da redução ou perda de receitas, da perda de oportunidades de negócio ou da desvalorização do bem, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes.
Mas mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição.
A simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória. Sem embargo da prova que possa ser feita da total ausência de danos, não deve descartar-se o recurso à equidade para encontrar, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, um valor razoável e justo. Não é imprescindível que o lesado invariavelmente alegue e prove a existência de danos efectivos.
Decerto tais danos podem ser invocados. E, uma vez provados, podem servir para, com mais rigor, quantificar a indemnização ou permitir a atribuição de um quantitativo superior.
Também a Relação seguiu esta orientação, ressarcindo, porém, o autor com uma quantia diária de € 15,00, por ser mais conforme a equidade.
Considerando o exposto e tendo ficado provado que, em virtude do acidente, o veículo não circulava pelos meios próprios e, não dispondo de mais nenhum para as suas deslocações profissionais e pessoais, o autor ficou privado e ficará privado de utilizar o veículo sinistrado até à sua reparação e que o autor teve e tem de recorrer a boleias de colegas de trabalho para se deslocar para as instalações da sua entidade patronal - B... ­S... T... de V..., Lda, bem como a boleias de amigos e familiares para as suas deslocações, entendemos que uma dilação excessiva na disponibilidade material e jurídica do bem não deixará de constituir uma perturbação, privando o autor do seu uso normal e das correspondentes utilidades que poderiam ser proporcionadas, o que, em regra, não poderá deixar de ser monetariamente compensado.
Só que também entendemos que a indemnização arbitrada pela Relação se nos afigura inteiramente correcta e fundamentada.

Alega a ré que os juros aqui devidos são apenas os legais, sendo que a taxa de juro a considerar é de 4% - Portaria n° 291/03, de 08.04.
Já o autor sustenta que não pode a recorrida recorrer de uma condenação em juros compulsórios, que opera ipso iure, do nº 4 do art. 829°-A do Código Civil.
No entanto, em matéria de juros moratórios, concordando embora com a condenação da recorrida em matéria dos juros moratórios, que se vencem quanto aos danos patrimoniais, manifesta a sua oposição quanto aos danos não patrimoniais e quanto ao dano pela privação do uso do veículo, considerando que a Relação não teve em conta, na quantificação desses danos, o disposto no art. 566º, nº2, do Cód. Civil, e não liquidou, actualizadamente, as indemnizações correspondentes, designadamente, em função da depreciação monetária, tendo-se limitado a, com base nos valores objecto de condenação em 1ª Instância, reduzir a € 15 o valor diário a título do dano de privação do uso, e a aceitar o valor da condenação quanto aos danos morais (somente o reduzindo a 50% como decorrência de entender-se agora haver concurso de culpas pelo sinistro), mas não proferindo qualquer "decisão actualizadora" quanto a ambas as indemnizações.

Em 9.5.2002, foi proferido acórdão destinado à uniformização de jurisprudência quanto à questão da cumulação, ou não, da actualização da expressão monetária da indemnização do período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, tendo sido adoptada a seguinte fórmula interpretativa:
Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2, do art. 566º do C.Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº1, também do C.Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
Quer isto dizer que foi perfilhada a orientação no sentido da inadmissibilidade da cumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação.
Ali se entendeu que, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no art. 566, nº 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1ª instância, não pode, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na 2ª parte do nº 3 do art. 805º, referido ao nº1 do art. 806º.

É este o caso ora em presença, como claramente decorre do segmento decisório do acórdão impugnado; ou seja, o quantitativo indemnizatório atribuído teve em linha de conta o critério actualista definido no nº 2 do art. 566º, não assistindo, por isso, razão ao autor.

Também não assiste razão à ré quanto afirma que os juros aqui devidos são apenas os legais, sendo que a taxa de juro a considerar é de 4% - Portaria n° 291/03, de 08.04.
Sobre a sanção pecuniária compulsória, dispõe o art. 829º-A, do C.Civil, introduzido no Código pelo DL. nº 262/83, de 16 de Junho, que “nas obrigações de prestação de facto fungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso (nº1). Acrescentando, depois, que “quando for estipulado ou judicialmente ordenado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescentarão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar (4º).
A consagração das sanções compulsórias no art. 829º-A constitui, entre nós, autêntica inovação, inspirando-se a do nº1 desse preceito no modelo francês das astreintes.
A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois, com ela, se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto, por outro lado, se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória, no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado), poderá funcionar automaticamente.
Adopta-se, portanto, para estes casos um modelo diverso, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico (v. nº 5 do Preâmbulo do referido DL. nº 262/83).
O fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, II vol., 3ª ed., pag. 107) e constitui um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça (Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, Coimbra, 1990, pag. 115).
Ou, dito de outro modo, a sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial, a qual se analisa, quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária, na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue (Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1995, pag. 393 e RLJ, Ano 134, pag. 50).
Ainda a propósito do nº 4 do art. 829º-A refere este Professor de Coimbra (ob. cit.): “Outro alcance e sentido não podem ser dados à disposição legislativa que não este: quer a sentença de condenação recais sobre uma soma em dinheiro, cujo montante está estipulado contratualmente, quer a soma em dinheiro a pagar seja determinada pela própria decisão da justiça – como acontece na obrigação de indemnização, fixada em dinheiro, resultante da responsabilidade civil extracontratual, a qual, no momento da fixação do quantum respondeatur, se converte de dívida de valor em obrigação pecuniária - são automaticamente, de direito, devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
“É a lei que, em termos gerais, para toda e qualquer obrigação pecuniária, sem qualquer discriminação, impõe semelhante sanção coercitiva ao devedor…”. (Prof. Antunes Varela, RLJ, Ano 121, pag. 219).

Fixados os danos e a medida de contribuição de cada um dos veículos para a sua verificação (50%), tendo em conta o disposto no art. 508º do C.Civil, só resta manter os montantes indemnizatórios fixados pela Relação, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes.

IV.
Face ao exposto, decide-se negar as revistas.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 8 de Outubro de 2009

Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista