Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9109/16.8T8PRT.P2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos, factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações.
II. Quando uma determinada prestação é parte integrante da retribuição, independentemente do seu nome ou designação, não pode um acordo posterior, na vigência do contrato de trabalho, pretender eliminar tal natureza ou condicioná-la à manutenção de uma situação transitória como uma comissão de serviço.
Decisão Texto Integral:



Processo n.º 9109/16.8T8PRT.P2.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


1. Relatório
AA intentou a presente ação de processo comum contra Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 39.902,99, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que, trabalhando para a Ré, beneficiando em termos retributivos de montantes relativos a isenção do horário de trabalho, diuturnidades, Galp e VV – Desconto, complemento de responsabilidade, pacote de comunicações e plano de saúde clássico, acrescidos da disponibilização de um veículo automóvel para fins profissionais e pessoais, aquela deixou de lhe pagar o pacote de comunicações, a totalidade das prestações referentes à isenção de horário de trabalho e ao complemento de responsabilidade, bem como a totalidade da prestação denominada Galp e VV – Desconto, deixando ainda de lhe disponibilizar a referida viatura.
A Ré contestou, defendendo, também em súmula, que as prestações pecuniárias e em espécie recebidas pelo Autor apenas foram atribuídas, na sequência do previamente acordado, enquanto este esteve em comissão de serviço como responsável por um determinado departamento, cessando assim quando o mesmo deixou de estar em tal situação.

O Autor respondeu.
Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, no seguimento da demonstração do óbito do Autor, por decisão de 30 de maio de 2017, foram habilitados como seus herdeiros, para prosseguirem a causa como partes ativas, BB, CC e DD.
Proferida sentença, em apreciação do recurso interposto pela Ré, veio a ser proferido acórdão por esta Relação, no qual, conhecendo-se de nulidade então invocada, veio a ser anulada parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e a sentença que com base nessa havia sido proferida, devendo o tribunal de 1.ª instância, suprindo os vícios apontados nesse acórdão, proferir uma nova decisão, em respeito pelo disposto na lei.
Baixando os autos à 1.ª Instância, depois de reaberta a audiência de julgamento, veio depois, por fim, a ser proferida nova sentença, de cujo dispositivo consta:
 “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) condeno a R., Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., a pagar aos habilitados, BB, CC e DD, a quantia global de € 36 841,65 (trinta e seis mil oitocentos e quarenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos), à qual deverão acrescer juros de mora, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações que integram aquele valor, até efetivo e integral pagamento;
b) mais condeno a R. a pagar aos habilitados a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença e referente às prestações denominadas viatura de utilização permanente, pacote de comunicações, e subsídios de férias e de Natal do ano de 2004, estes relativos à prestação apelidada de isenção de horário de trabalho;

c) ainda condeno os habilitados e a R. nas custas do processo, na proporção de quinze por cento para os primeiros e de oitenta e cinco por cento para a segunda.”

A Ré apelou e contra-alegaram os habilitados do Autor.

Julgado o recurso foi proferido Acórdão com o seguinte segmento decisório:
Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso, de facto e de direito, em alterar a sentença recorrida, sendo o seu dispositivo substituído por este acórdão, nos termos seguintes:
1- Absolvendo-a do mais peticionado, condena-se a Ré, Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., a pagar aos habilitados, BB, CC e DD, a quantia que se vir a apurar em fase de liquidação referente:
a. A subsídio de férias, referente à média dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016;
b. A subsídio de Natal, referente à média dos valores pagos a título de isenção de horário de trabalho desde novembro de 1994 até 1 de Dezembro de 2003;
c. Às prestações denominadas viatura de utilização permanente e pacote de comunicações.
2- As custas da ação e do recurso impendem sobre ambas as partes, em proporção do vencimento/decaimento, que neste momento se fixa em ½ para cada uma.

 

Inconformado os habilitados do Autor recorreram apresentando as seguintes Conclusões[1]:
1) O Tribunal da Relação do Porto, apesar de reconhecer várias deficiências na impugnação da matéria de facto apresentada pela R. por incumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, acaba por se decidir pela apreciação oficiosa de tal impugnação, o que não se pode admitir.
2) Na verdade, não se pode admitir que a R. incumpra os ónus que lhe são impostos pela lei e que a “colmatação” de tal incumprimento dependa ou não, sem qualquer critério, da boa vontade do Tribunal.
3) Não se pode de forma alguma confundir eventuais nulidades da sentença que, essas sim, poderiam eventualmente ser de conhecimento oficioso (o que não está em questão no Acórdão ora proferido pelo Tribunal da Relação do Porto), com a admissão ou não de um recurso da matéria de facto.
4) Assim, não sendo admissível o recurso apresentado pela R. relativamente à matéria de facto, não pode o Tribunal da Relação do Porto, oficiosamente, alterar tal matéria de facto.
5) Ao fazê-lo o Tribunal da Relação do Porto incorre em EXCESSO DE PRONÚNCIA, motivo pelo qual o Acórdão recorrido é, no que se refere à apreciação da alteração da matéria de facto, nulo – art. 615º, nº 1, al. d), do Cód. Proc. Civil, pelo que se deve ter como não escrito o constante do ponto “1. Recurso sobre a matéria de facto”.
6) Quanto à nova redação dada ao ponto 28) dos factos provados e quanto à expurgação da matéria de facto do ponto 29) dos factos provados, tal matéria não tinha nunca sido impugnada pela R., pelo que no caso destes factos se verificou uma situação de caso julgado.
7) SEM CONCEDER, o Tribunal da Relação do Porto não fez um juízo acertado daquilo que foi a prova produzida em sede de julgamento ao entender que os pontos 25) e 27) dos factos provados deveriam ser considerados não escritos, por considerar que formulam meras conclusões.
8) No que se refere ao ponto 25), foi feita uma análise cuidada dos recibos de vencimento do A., da qual se verificou que os descontos para a Segurança Social feitos pela R. não incidiram sobre todas as prestações “reclamadas” pelo A., mas apenas sobre as prestações designadas por remuneração-base, IHT, subsídio de alimentação (na parte sujeita) e subsídios de Natal e de férias.
9) Tal conclusão também resultou da análise da folha de contribuições para a Segurança Social do A. junta por este como Doc. 4 da sua petição inicial, da qual constam claras as prestações sobre as quais incidiam as contribuições.
10) A própria R. nunca pôs em questão os descontos feitos para a Segurança Social uma vez que apenas sempre defendeu que não tinha de fazer descontos sobre todas as prestações “reclamadas” pelo A. por estas não deverem ser consideradas retribuição.
11) Quanto ao facto 27), foi demonstrado pelo A. que o valor referente ao IHT não foi incluído para efeitos de cálculo do valor dos subsídios de férias e de Natal.
12) Tal valor pago em cada ano pela R. à A. àquele título resultados recibos juntos aos autos.
13) Acresce que, a alegação e a prova de que teria sido pago a este título (subsídios de férias e de Natal) ao A. um valor superior ao indicado pelo A. e ao constante dos recibos de vencimento, cabia à R., prova essa que a R. não logrou (aliás, nem tentou), fazer – art. 493.º, n.º 3, do C.P.C. e art.º 342.º, n.º 2, do C.C.

14) O A., nomeadamente nos artigos 41º e 42º da sua petição inicial, alega a falta de tal pagamento, concretizando o valor referente a esses subsídios que não lhe foi pago pela R., pelo que não se verifica qualquer necessidade de o tribunal de 1ª Instância fazer uso do previsto no artigo 72º do Cód. Processo Trabalho.

15) Quanto à nova redação dada ao ponto 28) dos factos provados e quanto à expurgação da matéria de facto do ponto 29) dos factos provados, para além de não ser possível por tais factos terem feito caso julgado, na verdade mesmo que o ponto 28) passasse a ter a redação pretendida pelo Tribunal da Relação do Porto a conclusão a que se chegaria nestes autos seria exatamente a mesma.

16) Pelo que, NÃO PODE DE FORMA ALGUMA SER ADMITIDA A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROPOSTA PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.
17) No que se refere ao DIREITO aplicável, também o Tribunal da Relação do Porto não fez uma correta apreciação.
18) No que se refere à prestação denominada IHT, o tribunal de1ª instância considerou que esta fazia parte da retribuição do A. e que, como tal, não podia ser reduzida, tendo resultado provado que esta prestação “que foi paga desde Novembro de 1994 até Fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos” e que a mesma não está “associada necessariamente a cargos de direção”.
19) Uma vez que a prestação de IHT não decorria de nenhum regime de tempo ou de horário de trabalho, esta prestação tem de forçosamente ser considerada retribuição base (art. 262º, 2, do Código do Trabalho)”.
20) Sendo a prestação designada por IHT parte integrante da retribuição do A., então os subsídios de Natal e de férias referentes aos anos de 1995 a 2017 devem abranger o valor de tal prestação.

21) Acresce que, tal juízo de que os subsídios de férias e de Natal têm de ser pagos pela R. está, como se referiu, absolutamente relacionado com o facto provado de que a prestação de IHT fazia parte integrante da retribuição do A., não sendo necessário, após esta conclusão, qualquer outra ponderação por parte do tribunal que, bastando-se com o direito, não tem outra opção se não a de condenar a R. no pagamento de tais prestações, tendo a prestação de IHT de ser considerada para o efeito dos cálculos de tais subsídios.

22) No que se refere à prestação denominada CR, o A. recebia esta prestação desde março de 2002.
23) Desde março de 2002 até 2006, o A. não foi nomeado em qualquer comissão de serviço.
24) O A. continuou a receber esta prestação durante 7 meses após ter deixado de exercer um cargo de gestão, o que sucedeu em julho de 2015.
25) Não resultou provada qualquer relação entre a atribuição daquela prestação (CR) e a nomeação para cargos de gestão ou em comissão de serviço.
26) Pelo que, o CR foi atribuído por outros motivos, alheios a nomeações para cargos de gestão ou em comissão de serviço.
27) Acresce que o A. impugnou os documentos juntos aos autos dos quais constam as alegadas comissões de serviço.
28) O que o facto de o A. não ter negado a assinatura de tais documentos não significa que tenha aceite o conteúdo dos mesmos e, acima de tudo, que reconheça que o regime de comissão de serviço constante de tais documentos lhe foi aplicado e efetivamente posto em prática.


29) O A. fez prova de que efetivamente nunca se encontrara sujeito a qualquer regime de comissão de serviços e que não foi por via de quaisquer nomeações em comissão de serviço que foram atribuídas ao A. as prestações em causa.

30) Tais prestações já eram disponibilizadas ao A. em data muito anterior a dezembro de 2005, data do primeiro documento junto aos autos pela R.
31) Tal resulta claro da leitura dos factos provados, dos recibos de vencimento, da inexistência de documentos relativos a comissões de serviço relativamente aos demais anos de trabalho do A. ao serviço da R., e dos depoimentos do A. e das testemunhas.
32) Sem conceder, se existisse alguma associação entre as prestações auferidas pelo A. e eventuais comissões de serviço, no caso concreto, tal nunca se verificaria nem poderia ser invocado atentas as datas de início das prestações pois a comissão de serviço está sujeita a forma escrita e tal não se verifica.
33) Conclui-se assim que todas as prestações peticionadas pelo A. estão abrangidas pelo princípio da irredutibilidade da retribuição por integrarem o conceito de retribuição, constante da presunção prevista no art. 258º, do Código do Trabalho, uma vez que todas as prestações “reclamadas” pelo A. foram recebidas com regularidade e periodicidade e em contrapartida do trabalho prestado pelo A., sendo algumas pagas por mais de 20 anos e outras por mais de 15 anos.
34) Para efeitos de afastar a força presuntiva do referido art. 258º a R. alegou a existência de comissões de serviço, mas tal argumento não procedeu, nomeadamente porque a R. apenas junta aos autos documentos com data dos anos 2005 e seguintes, quando o A. começou a receber as prestações em causa muitos anos antes, nomeadamente começou a receber a prestação designada por IHT em 1994.
35) Ora, da prova feita nos autos TODAS AS PRESTAÇÔES RECLAMADAS PELO A. FORAM RECEBIDAS COM REGULARIDADE E PERIODICIDADE, sendo que a prestação denominada IHT foi paga durante mais de 20 anos e a prestação designada por CR foi paga durante mais de 15 anos.
36) Deste modo, todas as prestações reclamadas pelo recorrente nos autos integram o conceito de retribuição.
37) O Acórdão recorrido violou a Lei e o Direito, em especial os arts. 258º, do Código do Trabalho, 662º do Código de Processo Civil, 72º do Código de Processo do Trabalho e 342º, 350º e 344º do Código Civil.

E concluíam pedindo que o recurso fosse julgado procedente, revogado o Acórdão recorrido, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

A Ré contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

O Autor (os seus habilitados) responderam ao Parecer.


2. Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos provados nas instâncias:
1) A R. dedica-se, nomeadamente, à conceção, construção, gestão, exploração e construção de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas, à prestação de serviços de comunicações eletrónicas, de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e atividade de televisão, e o A. é licenciado em ...;
2) O contrato de trabalho foi celebrado ... de 1979, entre o A. e a Telefones de Lisboa e Porto (T.L.P.), a que sucedeu a Portugal Telecom, S.A. e depois a MEO – Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A.;
3) Nos termos desse contrato, em 29 de abril de 2016 o A. tinha a categoria de “... ...”, sendo que teve inicialmente a categoria de “Técnico Superior Licenciado”;
4) Como “... ...” o A. tem as funções seguintes: articulação com outros operadores (essencialmente na área da fibra ótica) e assuntos telemática rodoviária, do ponto de vista técnico; análise e elaboração das ações e medidas necessárias a adotar pelo cliente, do ponto de vista técnico; desenvolver atividades essenciais para o planeamento, dinamização, gestão, coordenação e inovação de projetos estruturais e transversais nas várias áreas e domínios de atuação; conceber e desenvolver técnicas e/ou soluções inovadoras e globais, prestando consultoria através da identificação e desenvolvimento de ações de melhoria e antecipação de oportunidades e resultados;
5) O A. liderou a primeira transmissão através de rede de telecomunicações do sinal de televisão no …; liderou a primeira instalação de cabo de fibra ótica no … com mão-de-obra interna; envolvimento em especificações da rede a nível da U.I.T. (União Internacional de Telecomunicações), da E.T.S.I. (European Tecnical Standard Institute) e do G.S.L.B. (Group Special Large Band); envolvimento nos estudos de mercado para introdução da TV Cabo em Portugal, chegando a ser ... da TV Cabo no …; participação em contratos no âmbito da telemática rodoviária, nomeadamente com a Ascendi;
6) O A. sempre executou as funções acima referidas por conta, sob as ordens, instruções e direção da R., por exemplo, quanto a projetos e tarefas a executar, clientes da R. e prazos, salvaguardada a autonomia técnica;
7) Nos termos acordados entre A. e R., o local de trabalho do A., aquando do início da presente instância, era na Rua ..., n.º …, no …;
8) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo A. sempre foram pertença da R., tais como computador, papel, impressora, tinteiros, telemóvel;
9) O A. sempre prestou trabalho desde o início do mesmo de acordo com as necessidades de trabalho e ordens da R.;
10) Em 26 de dezembro de 2005, com efeitos a 1 de fevereiro de 2006, o A. foi nomeado, em comissão de serviço, responsável pelo Departamento ... ao Cliente (D.T.C.), integrando o seu “quadro retributivo”, conforme resulta de fs. 49 v.°, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e em que figura lambem a assinatura do A., “as seguintes componentes: Complemento de Responsabilidade no valor mensal de € 70,00; B) IHT na percentagem de 21%; C) Telefone residencial de serviço Tipo C; Cartão Galp até ao limite de 1 246,99E/ano; E) Telemóvel de serviço escalão 3; F) Veículo de Utilização Permanente – N3A; G) Estacionamento; 2. No ano de início ou cessação de funções/cargo as componentes do quadro retributivo serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão nesse mesmo ano. 3. O quadro retributivo definido vigora exclusivamente durante o período de tempo de desempenho das referidas funções em comissão de serviço e cessará automaticamente na data do seu termo final. 4. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente despacho revoga e substitui todos os anteriores normativos que disponham sobre a mesma matéria e entra em vigor e produz efeitos em 01.02.2006. 5. A atribuição deste quadro retributivo está dependente da assinatura do titular, nos termos dele constantes.”;
11) O A. foi nomeado, em 31 de janeiro de 2011 e com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2011, ao abrigo das Cláusulas 25.ª e 26.ª do Acordo de Empresa, em comissão de serviço “para o cargo de .... na Direção ...”, conforme resulta do documento de fls. 50 e 51, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e em que figura também a assinatura do A., do qual consta, nomeadamente, que “em virtude do exercício do referido cargo em regime de comissão de serviço, serão atribuídas as seguintes prestações acessórias, para além da retribuição base, diuturnidades e outras prestações a que tenha direito por virtude do contrato de trabalho com a Primeira Contraente, com efeitos a 01.01.2011: A) Complemento de Responsabilidade no valor mensal de € 70,00; B) Isenção de horário de trabalho nos termos da Cl.ª 69.ª do AE na percentagem de 21% sobre a remuneração base, diuturnidades e complemento de responsabilidade, 12 vezes em cada ano civil completo; C) Telefone residencial de serviço, até ao limite anual de € 560,00; D) Veículo de serviço com possibilidade de utilização pessoal no valor de € 20.000,00; E) Estacionamento; F) Serviços (combustível e via verde) com o plafond anual de € 2 000,00; G) Telemóvel de serviço com o plafond anual de € 840,00: o valor que ultrapasse este limite anual será descontado, nos lermos legais, no vencimento seguinte ou seguintes à ultrapassagem; 2.1 – No ano de início ou cessação da presente comissão de serviço as prestações mencionadas no ponto 2, que sejam definidas em termos anuais, serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão de serviço nesse mesmo ano. 2.2. As prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma, de acordo com as regras previstas no ponto 3 seguinte. 3. Qualquer dos(as) Contraentes pode pôr termo ao presente acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao (à) outro(a) com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme a comissão de serviço ora acordada tenha durado, respetivamente, até 2 anos ou por período superior. (…) 3.2 No caso de não cumprimento do aviso prévio por parte da Primeira Contraente, (…) esta assegurará o pagamento das prestações referidas no ponto 2 pelo período de aviso prévio em falta. 4. A cessação da comissão de serviço implicará o regresso do(a) Segundo(a) Contraente ao desempenho das funções inerentes à sua categoria de T... decorrente do contrato de trabalho existente entre ambos os Contraentes e a cessação das prestações acessórias mencionadas no ponto 2. 5. O presente acordo faz cessar eventual anterior comissão de serviço do Trabalhador, caso a mesma não tenha cessado nos termos previstos nos números anteriores. O(A) Segundo (a) Contraente reconhece ter lido o presente acordo e compreendido o seu teor, aceitando ambos(as) os(as) Contraentes, mutuamente, que as condições clausuladas constituem pressuposto essencial a sua celebração.”;
12) Em 14 de novembro de 2013 o A. foi nomeado, em comissão de serviço e com efeitos a 1 de janeiro de 2014, ao abrigo das Cláusulas 27.ª e 26.ª do ACT, para o cargo de “Responsável ..., .....”, conforme resulta de fls. 51 v.º e 52, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta a assinatura do A., do qual consta, nomeadamente, que “em virtude do exercício, em regime de comissão de serviço, do referido cargo, considerado de confiança e para além da retribuição base e outras prestações a que tenha direito por virtude do contrato de trabalho com a Primeira Contraente as prestações acessórias passarão a ser as seguintes: A) Complemento de Responsabilidade no valor mensal de € 19,36; B) Prestação mensal de isenção de horário de trabalho no valor de 21% sobre a remuneração base, diuturnidades e complemento de responsabilidade, nos termos ao n.º 2 da cl.ª 68.ª do ACT, paga 12 vezes em cada ano civil; C) Viatura de serviço com possibilidade de Utilização Pessoal (VUP) no valor de € 20 000,00 (até ao fim do ALD respetivo); D) Plafond anual integrado de Cartão Galp Frota e via verde no montante de € 1 500,00; E) Estacionamento; F) Equipamento telemóvel; G) Plafond anual integrado de comunicações/serviços de rede fixa e móvel até ao limite anual de € 1 400.00. 2.1. No ano de início ou cessação da presente comissão de serviço as prestações mencionadas no número 2, que sejam definidas em termos anuais, serão atribuídas na proporção do número de meses de vigência da comissão de serviço nesse mesmo ano; 2.2. As prestações acessórias acordadas vigoram exclusivamente durante a comissão de serviço e cessarão automaticamente na data da cessação da mesma, de acordo com as regras previstas no ponto 3 seguinte. 3. Qualquer dos (as) Contraentes pode pôr termo ao presente acordo sem necessidade de invocação de fundamento, mediante comunicação escrita ao (à) outro(a) com a antecedência mínima de 60 dias. (…) A comunicação escrita por parte da Empresa, referida no ponto anterior, poderá revestir a forma de despacho individual de exoneração ou, na sequência de revogação da estrutura organizacional na qual esteja inserido o órgão do qual é responsável o trabalhador nomeado em comissão de serviço, de despacho genérico de cessação das comissões de serviço, valendo a data de entrega ou divulgação do referido despacho como data de início do decurso do prazo de aviso prévio. 3.2 No caso de não cumprimento do aviso prévio por parte da Primeira Contraente, (…) esta assegurará o pagamento das prestações referidas no ponto 2 pelo período de aviso prévio em falta. 4. A cessação da comissão de serviço implicará o regresso do(a) Segundo(a) Contraente ao desempenho das funções inerentes à sua categoria de ..., ou à que, entretanto, haja ascendido, decorrente do contrato de trabalho existente entre ambos os Contraentes, e a cessação das prestações acessórias mencionadas no ponto 2. 5. O presente acordo revoga e substitui com efeitos a 01.01.2014 o anteriormente celebrado.”;
13) Até julho de 2015 o A. era responsável por um departamento de terceira linha, sendo que a partir daquela data passou a exercer para a R. apenas funções técnicas;
14) O A. completou, no passado mês de dezembro de 2015, sessenta e cinco anos de idade;
15) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., esta pagou àquele desde 1 de fevereiro de 1979 uma prestação denominada “Remuneração-base”, desde novembro de 1994 uma prestação denominada “Remuneração-base” e outra prestação denominada “Isenção de horário de trabalho”, desde outubro de 1997 uma prestação apelidada de “Remuneração-base”, outra de “Isenção de Horário de trabalho” e outra de “Diuturnidades Empresa”, e desde março de 2002 uma prestação denominada “Remuneração-base”, outra denominada “Isenção de horário de trabalho”, outra de “Diuturnidades Empresa” e outra apelidada de “Complemento de Responsabilidade”;
16) O valor dessas prestações foi aumentando, sendo que, em janeiro de 2016, o valor global mensal daquelas prestações era o seguinte: “Remuneração-base”, € 3 424,57; “Isenção de horário de trabalho”, € 765,80, correspondente a cerca de 21% da “Remuneração-base” e “Diuturnidades”; “Diuturnidades Empresa”, € 202,72; “Complemento de Responsabilidade”, € 19,36;
17) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., a título de retribuição, A. e R. acordaram que, desde o início do contrato de trabalho, o primeiro auferiria subsídio de alimentação, que, na presente data, ascende a € 8,15 por dia de trabalho e é pago através da entrega de um cartão Visa Euroticket;
18) A. e R. acordaram que o primeiro auferiria subsídios de Natal e de férias;
19) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., a título de retribuição, A. e R. acordaram que o primeiro beneficiaria do “Plano de saúde clássico”;
20) Em contrapartida da atividade prestada pelo A. à R., estes acordaram que, a partir de julho/agosto de 1990, o A. usufruiria, para uso profissional e pessoal, de um veículo automóvel;
21) O A. utilizou desde aquela data o apontado veículo durante a semana, levando-o para casa após o horário de trabalho, fins-de-semana e férias, ficando o veículo sempre na posse e fruição do A., que o utilizava para os fins que bem entendia, entre outros, deslocações com a família e deslocações para férias;
22) Em conformidade, foram entregues pela R. ao A. os veículos seguintes: em julho/agosto de 1990 um …, matrícula VJ-…-…; em 1995 uma carrinha …, matrícula …-…-ER; em 1998 outra carrinha …, matrícula …-…-TA; em 2002 um …, matrícula …-…-ML; em 2006 uma carrinha …, matrícula …-BJ-…; no final de 2011 a carrinha …, matrícula …-MM-…;
23) Os encargos com os contratos financeiros relativos à disponibilização dos mencionados veículos automóveis (no atual automóvel, locação financeira) sempre foram suportados na íntegra pela R., bem como todos os demais encargos relativos aos mesmos, entre outros, manutenção, pneus, reparações, imposto de circulação automóvel, seguro e estacionamento;
24) O A., para além dos equipamentos/meios para uso profissional, usufrui, para seu uso pessoal, de um pacote de comunicações (que consiste em serviços para comunicações fixas e uso de rede móvel e ainda um pacote de canais de vídeo e internet);
25) Os descontos para a Segurança Social, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011, apenas incidiram sobre as prestações designadas por remuneração-base, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal, sendo que, a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias; (dado como não escrito pelo Tribunal da Relação)
26) Quanto à prestação designada por remuneração-base, para efeitos de Segurança Social a mesma passou a ser dividida, a partir de janeiro de 2012, em “remuneração-base” e “prémios, bónus e outras prestações de carácter mensal”;
27) Relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação, tendo pago mensalmente ao A., àquele mesmo título, € 465,27 no ano de 1995, € 467,13 no ano de 1996, € 614,85 no ano de 1997, € 632,40 no ano de 1998, € 658 no ano de 1999, € 619,98 no ano de 2000, € 705,55 no ano de 2001, € 664,12 no ano de 2002, € 666,02 no ano de 2003, € 750,91 no ano de 2005, € 757,87 no ano de 2006, € 758,22 no ano de 2007, € 758,48 no ano de 2008, € 764,60 no ano de 2009, € 764,71 mo ano de 2010, € 764,94 no ano de 2011, € 764,94 no ano de 2012, € 766,94 no ano de 2013, € 762,43 no ano de 2014, € 765,80 no ano de 2015, € 756,80 no ano de 2016 e € 170,02 no ano de 2017; (dado como não escrito pelo Tribunal da Relação)
28) Quanto à prestação designada por isenção de horário de trabalho, que foi paga desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos; (alterado pelo Tribunal da Relação, passando a ter a seguinte redação: A prestação designada por isenção de horário de trabalho foi paga mensalmente, doze vezes por ano, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016)
29) As prestações de isenção de horário de trabalho e veículo para uso pessoal e profissional são prestações que sempre foram praticadas na R. e que não estão associadas necessariamente a cargos de direção; (dado como não escrito pelo Tribunal da Relação)
30) Em 2014 foi pessoalmente explicado ao A. que as regras para atribuição de viatura para uso pessoal haviam sido alteradas para todo o Grupo PT, pelo que deixava de ter direito à atribuição de viatura para uso pessoal a partir de 2014;
31) Não obstante o referido em 30), foi mantido ao A. o apontado benefício até ao fim do respetivo A.L.D.;
32) Por razões decorrentes da reestruturação da empresa, levada a cabo pelo novo acionista – Grupo Altice –, em julho de 2015 ocorreu uma redução dos serviços da R.;
33) Em julho de 2015, quando se procedeu à reorganização de todas as Direções da R. e também da Direção a que o A. pertencia (D.S.E.), o departamento com essa missão deixou de existir na estrutura orgânica da empresa;
34) Em 1 de outubro de 2015 cessaram todas as comissões de serviço na R., incluindo a comissão de serviço da responsabilidade cometida ao A.;
35) A R. informou pessoalmente o A. desse facto e pretendeu-lhe entregar uma atinente comunicação escrita, que o mesmo não recebeu;
36) Como o A.L.D. da viatura que estava atribuída ao A. só terminava em 29 de novembro de 2016, a R. concedeu àquele as prerrogativas que concedeu a outros trabalhadores, a saber, foi-lhe dada a opção de, a partir do dia 1 de abril de 2016, poder optar por uma de três hipóteses: entregar a viatura, assumir as rendas em dívida até ao final do contrato, outorgando cessão da posição contratual com o locador ou pagar esse valor até ao dia 25 de março;
37) O A. optou por adquirir a viatura pelo valor das prestações em dívida ao banco;
38) No início de 2016, através de email enviado pelo presidente do comité executivo, a R. comunicou ao A. que, a partir de 1 de abril de 2016, iria deixar de pagar parte do pacote de comunicações referido em 24);
39) Os benefícios de telecomunicações foram alterados em relação a todos os colaboradores, incluindo àqueles que não se encontram no ativo, como os pré-reformados e os reformados.
40) Através de email com data de 29 de fevereiro de 2016, enviado pelos Serviços de Suporte – Gestão de Frota PT, a R. comunicou ao A. que, a partir de 1 de abril de 2016, deixaria de ser disponibilizado nos termos habituais o veículo do qual o A. usufruía, e o estacionamento do mesmo;
41) A partir de fevereiro de 2016 a R. deixou de pagar a prestação denominada “isenção de horário de trabalho”;
42) A partir de fevereiro de 2016 a R. deixou de pagar ao A. a prestação denominada “complemento de responsabilidade”;
43) A prestação referida em 42) apenas era paga, com exceção do A., a quem assumisse cargos de gestão;
44) A partir de fevereiro de 2016, inclusive, a R. passou a pagar ao A. uma prestação denominada “Rem. Adicional (Complem. 14), no valor mensal de € 260,40, a qual foi liquidada doze vezes naquele ano;
45) A partir do dia 1 de abril de 2016 cessaram os outros benefícios associados à atribuição da viatura, no caso o estacionamento e a prestação denominada “Galp e VV – Desconto”;
46) O A. faleceu no dia .... de 2017.”

b) De Direito

Importa começar por referir que saber se os factos alterados pelo Tribunal da Relação assumem natureza conclusiva e se contêm juízos de valor é matéria de direito, que pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 21/09/2017 no processo 2011/13.7TTLSB.L2.S1, FERREIRA PINTO, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 28/09/2017, no processo n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1., FERNANDA ISABEL PEREIRA, que decidiu que “tendo o recurso de revista por objeto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal da Relação ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no artigo 662.º do CPC, contém matéria conclusiva e deve, por tal razão, ser eliminado do elenco dos factos provados, nenhum obstáculo legal existe quanto à admissibilidade do recurso de revista por estar em causa uma questão de direito”.)

Como se decidiu no Acórdão desta Secção proferido a 26/01/2017, no processo n.º 598/13.3TTSTB.E3.S1 (LEONES DANTAS), “os pontos da matéria de facto fixada pela 1.ª instância que tenham uma base objetiva que permita a sua valoração jurídica não podem ser eliminados pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil e deixar de ser ponderados no contexto da restante factualidade dada como provada em sede de fundamentação jurídica da decisão”

E como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2020, proferido no processo n.º 2124/17.6T8VCT.G1.S1 (GRAÇA AMARAL) não só se deve afirmar que “factos conclusivos, que consubstanciam a consequência lógica retirada de outros factos, ainda assim constituem matéria de facto”, como, por outro lado, “importa ter presente que o rigorismo formal não deve ser comprometedor da apreensão e compreensão da realidade por forma a melhor adequar a ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio” (sublinhado nosso)

No Acórdão desta Secção proferido a 12/12/2017 no processo n.º 2211/15.5T8LRA.C2.S1 (PINTO HESPANHOL) afirmou-se a propósito de factos tidos por conclusivos pelo Tribunal da Relação, o seguinte:

“No n.º 34 da matéria de facto tida como provada pela 1.ª instância constava que «a trabalhadora sabia que lesava os interesses do Banco e punha em causa a sua imagem, que competia preservar e promover» e no n.º 35 da mesma matéria de facto acolheu-se que «a trabalhadora usou não apenas a sua relação de amizade com a cliente mas também a sua posição de Gestora e trabalhadora do Banco para lhe pedir dinheiro emprestado e para movimentar contas da cliente para satisfazer os seus interesses, apropriando-se com fundos da cliente», itens que o Tribunal da Relação considerou como não escritos, por entender que se tratava de matéria conclusiva.

Ora, as questionadas proposições, pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, não se reconduzem ao uso de conceitos normativos de que dependa a solução, no plano jurídico, do caso sub judice, contendo antes um inquestionável substrato factual, minimamente consistente, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual considerado provado, (…) Assim, carece de fundamento a eliminação dos ditos segmentos da matéria de facto, porque os mesmos consubstanciam o mínimo de densidade factual exigível, termos em que os referidos n.os 34 e 35 da matéria de facto devem subsistir no elenco da matéria de facto provada, tal como foi decidido pelo tribunal de 1.ª instância” (sublinhado nosso)

Como se vê, este Tribunal tem, reiteradamente, decidido que importa evitar excessos de formalismo sobre o que sejam factos conclusivos, não se devendo eliminar da matéria de facto segmentos que embora tenham valorações sociais comportam, ainda, o referido substrato factual que pode, inclusive, revelar-se importante.

No caso dos autos o Tribunal da Relação considerou conclusivos e eliminou ou alterou os seguintes factos:

Facto 25: Os descontos para a Segurança Social, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2011, apenas incidiram sobre as prestações designadas por remuneração-base, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal, sendo que, a partir de janeiro de 2012 incidiram sobre a remuneração-base, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de alimentação e os subsídios de Natal e de férias.

Trata-se, no entanto, da descrição de uma situação da vida, tal como a mesma consta normalmente dos recibos, ou seja, da indicação das importâncias sobre as quais incidiram os descontos para a Segurança Social. A densidade factual exigível está presente e não se vê razão para eliminar o facto como conclusivo.

Facto 27: Relativamente à prestação relativa a isenção de horário de trabalho, verifica-se que, nos subsídios de férias e Natal de 1995 até à presente data, a R. não considerou o valor correspondente a essa prestação, tendo pago mensalmente ao A., àquele mesmo título, € 465,27 no ano de 1995, € 467,13 no ano de 1996, € 614,85 no ano de 1997, € 632,40 no ano de 1998, € 658 no ano de 1999, € 619,98 no ano de 2000, € 705,55 no ano de 2001, € 664,12 no ano de 2002, € 666,02 no ano de 2003, € 750,91 no ano de 2005, € 757,87 no ano de 2006, € 758,22 no ano de 2007, € 758,48 no ano de 2008, € 764,60 no ano de 2009, € 764,71 mo ano de 2010, € 764,94 no ano de 2011, € 764,94 no ano de 2012, € 766,94 no ano de 2013, € 762,43 no ano de 2014, € 765,80 no ano de 2015, € 756,80 no ano de 2016 e € 170,02 no ano de 2017;

Corresponde, também, a um facto que a prestação correspondente à isenção de horário de trabalho tenha (ou não) sido atendida para o cálculo dos subsídios de Natal e de férias. Os valores indicados correspondem a recibos juntos aos autos pelo Autor, segundo indica a sentença e não impugnados. A este respeito pode ler-se na sentença: “Foi com base nos documentos juntos aos autos a ff. 14 a 17, dimanados do Instituto de Segurança Social e compaginados com os já referidos recibos de salários de ff. 82 a 90 V.º, 93 a 98, 100 a 107, 110-122, 125 e 138 V.º a 238 V.º, que o Tribunal deu como provada a facticidade dos números 25) a 27)”.

Facto 28: Quanto à prestação designada por isenção de horário de trabalho, que foi paga desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016, mensalmente, doze vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos; (alterado pelo Tribunal da Relação, passando a ter a seguinte redação: A prestação designada por isenção de horário de trabalho foi paga mensalmente, doze vezes por ano, desde novembro de 1994 até fevereiro de 2016)

A afirmação de que esta prestação não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho não é conclusiva, tendo o sentido de que o nome da prestação não correspondia á existência de qualquer genuína isenção de horário de trabalho. Trata-se de um facto relevante, à luz do princípio do realismo que impera no direito do trabalho e que não conflitua necessariamente com o facto 13, já que este se refere à nomeação em regime de comissão de serviço em 2013.

Facto 29: As prestações de isenção de horário de trabalho e veículo para uso pessoal e profissional são prestações que sempre foram praticadas na R. e que não estão associadas necessariamente a cargos de direção.

Sendo certo que se usam aqui alguns conceitos – por exemplo, o de cargos de direção – o conteúdo factual é, no entanto, inteiramente apreensível. Descreve-se a prática regular da empresa e que a atribuição destas prestações não se achava restrita a cargos de direção.

Procedem, pois, as conclusões 7.ª a 16.ª da alegação do recurso de revista e será com base no acervo factual dado como provado pela sentença que se dará resposta às questões colocadas no presente recurso.

No entanto, uma vez que se mantém na íntegra a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, suprimindo todas as alterações que lhe foram introduzidas pelo Tribunal da Relação. torna-se inútil apreciar e decidir da questão da alegada nulidade por excesso de pronúncia quanto à decisão do Tribunal da Relação em matéria de facto.

As questões em causa que ainda subsistem dizem respeito à natureza retributiva de duas prestações, uma designada de “isenção de horário de trabalho” e a outra de “complemento de responsabilidade”.

Relativamente à primeira resulta dos factos dados como provados que começou a ser paga ao trabalhador desde novembro de 1994 (facto 15). Por outro lado, não há nos autos qualquer elemento de prova que permita concluir que nessa data existia efetivamente uma situação de isenção de horário de trabalho, tanto mais que à época a isenção de horário de trabalho dependia de autorização prévia da Inspeção de Trabalho. Assim, a importância em causa de isenção de horário de trabalho apenas tinha o nome tendo-se integrado na retribuição do trabalhador. Tal resulta da definição de retribuição, constante da lei então aplicável, a LCT (Decreto-Lei n.º 49408), no seu artigo 82.º. n.º 1, a qual, de resto, continha uma presunção no n.º 3 do seu artigo 82.º - “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” – presunção que o empregador não logrou ilidir. Tendo sido paga periódica e regularmente ao longo de anos esta prestação integrou a retribuição e não podia ser retirada unilateralmente pelo empregador. E ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, a celebração posterior de um acordo de comissão de serviço, mencionada nos factos 10 a 12, não tem a virtualidade de afastar ou alterar a natureza da prestação que já se consolidara como retribuição não dependente de qualquer isenção de horário de trabalho (ou comissão de serviço). Em primeiro lugar, se o acordo tivesse o sentido que o Tribunal da Relação lhe atribui, ou seja, o de transformar uma prestação que integrava a retribuição em uma prestação que passaria a estar dependente da manutenção da comissão de serviço, então tal acordo consistiria em uma genuína renúncia a direitos por parte do trabalhador. Não se pode esquecer que, sendo o trabalhador, em regra, a parte mais fraca da relação, caberia, desde logo, ao empregador esclarecer e informá-lo do sentido do acordo e da medida em que este seria prejudicial para o trabalhador. Mas, além disso, e ainda que tal tivesse sucedido (o que não está provado) não se pode esquecer a especial tutela que merece a retribuição no nosso direito e não se deveria ter por válida a renúncia, mesmo que parcial (e ainda que condicional ou a prazo) à retribuição na vigência do contrato de trabalho[2]. Acresce que o próprio comportamento do empregador não é coerente com a afirmação de que esta prestação só era devida por força da comissão de serviço: a comissão de serviço cessou a 1 de outubro de 2015 (facto 34), mas só deixou de ser paga em fevereiro de 2016 (facto 41). Há, pois, que concluir que é exata a qualificação que a sentença, com meticulosa argumentação, fez desta prestação como retribuição – e não como retribuição especial da isenção de horário de trabalho – pelo que, como se pode ler na sentença, “o A. tem direito a receber a prestação mensal que lhe era paga a título da apelidada isenção de horário de trabalho, e cujo pagamento deixou de ser efetuado do mês de fevereiro de 2016 em diante”[3]

As mesmas considerações valem, com as necessárias adaptações, para o designado complemento de responsabilidade. Decorre dos factos provados que o mesmo foi pago ao Autor a partir de 2002 (facto 15), antes de qualquer comissão de serviço e foi pago, após o fim da comissão de serviço (1 de outubro de 2015), até fevereiro de 2016 (facto 42). Mais uma vez o “complemento de responsabilidade” é apenas um nome ou designação, não se tendo provado que a sua causa consistisse no exercício de cargos de (especial) responsabilidade, consistindo, antes, em uma contrapartida do trabalho e, por conseguinte, numa retribuição.

3.

Decisão: Concedida a revista, restaurando-se na íntegra a decisão da 1.ª instância.

Custas do Recurso pelo Recorrido.

19 de maio de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros adjuntos Joaquim António Chambel Mourisco e Maria Paula Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)


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[1] Negritos, sublinhados e maiúsculas no original.
[2] Não se confunda esta renúncia ao que já se tinha consolidado como uma componente da retribuição “normal” com a renúncia excecionalmente permitida em certos casos á retribuição especial por isenção de horário de trabalho (cfr. artigo 50.º n.º 3 da LCT)

[3] Havendo que ter presente o que em seguida se acrescenta: Apesar disso, não podemos esquecer que, precisamente naquele mês em que o A. deixou de auferir a prestação denominada de isenção de horário de trabalho, o mesmo passou a receber uma nova prestação, denominada “Rem. Adicional (Complem. 14)”, no valor mensal de € 260,40, a qual foi liquidada doze vezes naquele ano Como tal, o seu rendimento efetivo mensal foi de forma ilícita diminuído no diferencial entre o valor percebido como isenção de horário de trabalho (€ 765,80) e o quantitativo recebido a título de “Rem. Adicional (Complem. 14)” (€ 260,40), seja, € 505,40 mensais. Assim e efetuados os necessários cálculos aritméticos, temos que o A. tem direito a receber da R. o montante global de € 6 974,52 (€ 505,40 x 13 meses, acrescido do proporcional - € 404,32 - pelo trabalho prestado no mês de março de 2017, até ao decesso do A.). Mas sempre sem prejuízo de a parte processual ativa posteriormente provar que o valor mensal da prestação chamada de isenção de horário de trabalho seria superior, no ano de 2017, a € 765,80.