Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1937/13.2TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SINAL
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
IMPOSTO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Castanheira Neves, Questão de Facto – Questão de Direito, p. 328 e ss.;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Revista e Actualizada, p. 417 e 418;
- Vaz Serra, RLJ, anos 103.º e 107.º, p. 284 e ss e 184 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1, 238.º, 350.º, N.º 2, 440.º E 441.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-10-2003, PROCESSO N.º 03B2590, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Ao contrário do que acontece com os demais contratos-promessa, no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento (arts. 440.º e 441.º do CC).

II - A obrigação emergente do contrato-promessa de compra e venda traduz-se numa prestação de facere: a celebração do contrato prometido, a realização de um negócio jurídico. Não pode, por conseguinte, considerar-se neste contrato qualquer entrega feita pelos promitentes como princípio de cumprimento do contrato-promessa.

III - Pode, no entanto, conceber-se um cumprimento antecipado no âmbito do contrato-promessa, tendo em vista a satisfação de obrigação futura emergente do contrato prometido a celebrar posteriormente.

IV - Não é fácil a distinção entre sinal e mera antecipação do cumprimento do contrato definitivo ou prometido, constituindo uma pura questão de interpretação da vontade negocial dos contraentes com base na facticidade provada.

V - A elisão da presunção legal (iuris tantum) contida no art. 441.º do CC, de acordo com a qual vale como sinal “toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor”, no caso de contrato-promessa de compra e venda, constitui um ónus do promitente-comprador, a quem cabe a alegação e prova da facticidade que a afaste (art. 350.º, n.º 2, do CC).

VI - Desde há muito a doutrina vem sustentando que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de direito, sendo também nesse sentido o entendimento da jurisprudência do STJ a qual vem defendendo que a aplicação dos critérios consagrados nos arts. 236.º, n.º 1, a 238.º do CC, enquanto parâmetros estabelecidos para a pertinente actividade interpretativa, constitui matéria de direito (apenas constituindo matéria de facto o apuramento da vontade real dos declarantes).

VII - No contexto de um pormenorizado e prolongado quadro de negociações – traduzido na celebração de um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano (terrenos de um estádio de futebol) e de onze aditamentos ao mesmo – a inexistência de qualquer referência no décimo aditamento à natureza dos pagamentos feitos pelo promitente-comprador destinados à liquidação do passivo fiscal do promitente-vendedor, por contraste com a expressa menção numa cláusula do contrato de que os demais pagamentos ali convencionados constituíam sinal, à luz do critérios referidos em VI, permite interpretar a vontade dos contraentes no sentido dos pagamentos feitos pela autora à DGCI constituíram uma antecipação do cumprimento e não sinal.

VIII - Tendo a autora logrado ilidir a presunção legal inserta no art. 441.º do CC, ainda que o contrato-promessa tenha sido considerado incumprido definitivamente pela autora com perda do sinal, assiste-lhe o direito de receber do réu a quantia por si paga para liquidar o passivo fiscal deste.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório


AA, LDA., instaurou acção declarativa de condenação, que segue hoje a forma comum, contra BB SPORT CLUB, colectividade desportiva com sede na Praça …, n.º …, …., pedindo que o réu seja condenado:

a) A pagar à autora a quantia de 12.472.463,74 €, emergente do incumprimento definitivo do contrato-promessa por culpa exclusiva do réu;

b) A pagar à autora o montante de 2.796.565,57 €, a título de juros vencidos;

c) A pagar à autora os juros vincendos até integral pagamento e os compulsórios que se acharem devidos.

Caso assim não se entenda e se considere ter existido resolução contratual sem culpa do réu, em alternativa:

d) A pagar à autora a quantia de 7.521.727,22 €, emergente da resolução do contrato-promessa;

e) A pagar à autora o montante de 1.678.073,82 €, a título de juros vencidos;

f) A pagar à autora os juros vincendos até integral pagamento e os compulsórios que se acharem devidos.

Para fundamentar o peticionado alegou, em resumo, que celebrou com o réu um contrato-promessa, em 24/3/2006, contrato que foi objecto de onze aditamentos, nos termos do qual o réu prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe um prédio urbano. O réu incumpriu esse contrato, pelo que foi obrigada a resolvê-lo, tendo direito à indemnização devida pelo incumprimento.

Caso se entenda que não houve culpa do réu, deve o mesmo indemnizar a autora tal como previsto no dito contrato.


O réu contestou, por excepção e impugnação, e deduziu reconvenção.

Excepcionou a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário activo, por falta da sociedade CC Imobiliária, S.A.., como co-autora na lide.

Impugnou os factos alegados pela autora e alegou o incumprimento do contrato-promessa por parte desta, pedindo:

1. A procedência da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário activo;

2. A improcedência da acção;

3. A procedência da reconvenção, declarando-se o incumprimento definitivo do contrato-promessa por causa exclusivamente imputável à autora/reconvinda, condenando-se a mesma, em consequência, na perda das quantias entregues a título de sinal.

A autora replicou, pugnando pela improcedência da excepção da ilegitimidade activa, e requerendo, por mera cautela, a intervenção principal provocada da Sociedade CC Imobiliária, S.A..

Impugnou ainda a matéria invocada na reconvenção, concluindo pela sua improcedência.


Admitida a requerida intervenção, foi citada a sociedade CC Imobiliária, S.A., que assumiu a posição de co-autora na lide, declarando aderir aos articulados já apresentados por esta.

No despacho saneador as partes foram declaradas legítimas e foi admitida a reconvenção.

A autora AA apresentou articulado superveniente, em 17/05/2016, ampliando o pedido formulado na al. d) da petição inicial para o montante de 7.719.614,83 € e requerendo a intervenção principal provocada da sociedade BB Sport Club - Futebol S…, Lda.

O réu opôs-se, tendo, por despacho de 4/07/2016, sido indeferido o pedido de intervenção e admitida a ampliação do pedido.


No início da audiência de discussão e julgamento foi corrigido o pedido formulado no artigo 128.º al. h) da petição inicial para 205.700,00 €, o que foi admitido, alterando-se em conformidade o valor final peticionado.

  Em 7/4/2017 foi lavrada sentença, cuja decisão, depois de rectificada, foi a seguinte:

“A-) Julga a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena o réu a pagar às autoras (AA e interveniente CC) o valor de 672.682,76 euros, com inerentes juros de mora calculados desde a data da citação do réu até efectivo pagamento, a título de devolução do valor liquidado pela autora à DGCI;

B-) Julga a reconvenção totalmente procedente por provada, e, em face do incumprimento definitivo da autora, opera a consequente perda do sinal prestado por aquela a favor do réu/reconvinte.”


        Desta sentença apelaram autora, interveniente e réu.

   O Tribunal da Relação …, por acórdão proferido em 14 de Novembro de 2017, decidiu:

“1. Julgar a apelação da autora e da interveniente improcedente;

2. Julgar a apelação do réu procedente e revogar a sentença na parte em que o condenou a pagar às “autoras” o valor de 672.682,76 € e respectivos juros, que deles se absolve;

3. Manter a sentença recorrida no que se refere à reconvenção, aliás não posta em causa no recurso”.


    Inconformada, interpôs a autora recurso de revista, formulando nas suas alegações a seguinte síntese conclusiva:

«1. As partes, no presente processo, ambas peticionaram a aplicação do mecanismo do sinal ao contrato promessa em apreciação;

2. O montante do sinal prestado ficou determinado no processo desde logo em sede de matéria dada como provada no despacho saneador, assim se mantendo até final;

3. O Tribunal de primeira instância decidiu pela procedência do pedido reconvencional e apenas deste, naturalmente, na medida do peticionado;

4. O Tribunal de primeira instância decidiu, ainda, condenar a Ré, aqui recorrida, à devolução dos montantes percebidos no âmbito do contrato promessa celebrado e que não tinham a natureza de sinal por considerar ser abuso de direito a sua manutenção;

5. A A., aqui Recorrente peticionou a devolução do montante em apreço;

6. A R., aqui Recorrida, recorreu da decisão de condenação à restituição do montante em apreciação porquanto entendeu que a decisão havia sido tomada ultra vel utra petitum e por defender tratar-se de montante incluído no sinal prestado;

7. O Venerando Tribunal da Relação deu provimento ao recurso da Ré, aqui Recorrida, porém, por motivos distintos dos alegados, com os quais não concordou;

8. O Venerando Tribunal da Relação entendeu ser procedente o recurso apresentado pela Ré, aqui recorrida, e revogada a sentença na parte em que condenou a pagar às "autoras" o valor de €672.682,76 e respetivos juros por não considerar tratar-se de abuso de direito a quantia assim entregue no âmbito de um contrato promessa;

9. Entende a Recorrente que o Venerando Tribunal da Relação não interpretou os factos comprovados da forma devida, motivo que levou ao afastamento da aplicação da norma contida no artigo 334° do Código Civil;

10. O Artigo 334° do código civil deve ser aplicado ao caso sub judice;

11. Da procedência do pedido reconvencional formulado pela R. aqui Recorrida resulta o direito desta manter na sua esfera jurídica as quantias recebidas a título de sinal do contrato promessa celebrado e nenhumas outras;

12. Em consequência da procedência do pedido reconvencional resulta que qualquer quantia recebida a outro título que não o de sinal deve ser restituída por inexistir título ao abrigo do qual a Recorrida tenha legitimidade para o manter;

13. Facto que o tribunal de primeira instância clarificou, condenando a Recorrida à entrega do valor à Recorrente, valor este, aliás, peticionado por esta, alegado e comprovado;

14. Fê-lo, e bem, ao abrigo da norma do artigo 334° do Código Civil que prevê as situações em que um direito é exercido de forma abusiva e, como tal, sancionado pela lei;

15. O abuso de direito constatado emerge da procedência do pedido reconvencional, não existindo em data anterior;

16. Existe abuso de direito a partir do momento em que a R., aqui Recorrida, mantém na sua esfera jurídica um montante que não lhe pertence na sequência da condenação.

17. Diz o Tribunal da Relação que a devolução do montante em crise à Recorrente é atendível, pois afirma: "e devolução dessa quantia sempre pode ter lugar por outra via, que não lançando mão do abuso de direito"

18. A obtenção do efeito jurídico já decidido por outra via obriga a uma actividade processual inútil e contrária à economia processual pretendida no nosso ordenamento jurídico;

19. Estipula o artigo 442° n° 4 do Código Civil que:

"Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste (...)"

20. Estipula o artigo 334° do Código Civil que:

"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito"

21. Aplicado ao caso sub judice questiona-se:

É legítimo, tem a Recorrida o direito de manter na sua esfera jurídica a quantia que obteve com os pagamentos realizados pela Recorrente à DGCI e que não tinham natureza de sinal"

22. A resposta é não, não é legítimo, esse direito não lhe assiste pelo que

23. Ao manter o referido valor na sua esfera jurídica, ao pretender que o Tribunal não a condene à devolução do referido valor, abusa do referido direito porque excede os respectivos limites,

24. O limite em apreço constitui uma violação da boa fé como decidiu, e bem, o tribunal de primeira instância.

25. Assim, encontra-se preenchida a previsão do artigo 334° do Código Civil e este deve ser aplicado ao caso concreto, contrariamente ao decidido no Acórdão de que ora se recorre.

Termos em que, (…), deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação … na parte em que este julga procedente a apelação do réu e revoga a sentença proferida na parte em que esta o condena a pagar às "autoras" o valor de €672.682,76 e respectivos juros, deles o absolvendo, e confirmando a decisão proferida em primeira instância».

Contra-alegou o réu e ampliou o objecto do recurso, para o que aduziu as seguintes conclusões:

«1. A quantia de 672.682,76€ que foi entregue pela recorrente ao Estado para pagamento de impostos devidos pelo recorrido, ao abrigo do clausulado no 10º aditamento ao contrato-promessa, haveria de se considerar como integradora do sinal prestado e, como tal, perdida a favor do recorrido em virtude do incumprimento culposo da recorrente.

2. Com efeito, como bem se evidencia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2004, proc. 04B2978, Relator Conselheiro Bettencourt de Faria: "Como é também irrelevante que se tenha consignado apenas que certa quantia era recebida a título de princípio de pagamento, uma vez que esse facto não limita, por disposição expressa do art° 441°, o âmbito da presunção. Assim, não basta que tenha havido a omissão de qualquer referência a um reforço do sinal. Necessário seria, para ilidir a presunção em apreço, que se tivesse consignado que a dita quantia não tinha o carácter de sinal. Ou então, que, por outro modo, se determinasse ser essa a vontade real das partes."

3. Como tal, e por ser a melhor solução de direito, deve assim ser decidido e manter-se revogada a sentença de 1ª instância na parte em que condenou o R. a pagar às "autoras" o valor de 672.682,76 € e respectivos juros, mantendo-se a sentença no que se refere à reconvenção e ficando assim prejudicada a parte do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que versa sob o item 2.4 "Da condenação por abuso de direito"».


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.


II. Fundamentos:

De facto:

Mostram-se provados os seguintes factos:

1.º - Com data de 24 de Março de 2006, autora e réu celebraram um contrato, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, no qual a autora figura como promitente compradora e o réu como promitente vendedor - ver cópia do contrato junto como Doc. 1 com a p.i., a fls. 48 a 87 cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais.

2.º - Tal contrato foi objecto de 11 (onze) aditamentos, nos termos constantes dos documentos juntos como Docs. 2 a 12 dos autos, cujo teor aqui se reproduzem para todos os efeitos legais.

3.º- Nos termos do aludido contrato a autora prometeu comprar e o réu vender:

I – Campo de Jogos, com balneário e bancadas, sito na Avenida … ou na Rua do BB Sport Club, com a área de 14.860 m2 descrito na Conservatória do registo Predial da … sob o número 4.002 e nela registado a favor da promitente Vendedora, sob a inscrição G1 e inscrita na matriz predial rústica da freguesia da … sob o artigo 739, (que adiante também se designa por Terrenos do Estádio);

II – Campo de treinos com a área de 11.497 m2, a nascente do prédio anteriormente indicado, constituído actualmente pelas seguintes parcelas de terreno (que adiante também se designa por Terrenos do Campo de Treinos):

i) Campo de terra no lugar das Bossas, descrito na conservatória do registo predial como parte das descrições 6.516 a 6.518 do Livro B-17, omisso na matriz (correspondente ao artigo 422 da extinta matriz predial rústica);

ii) Uma parcela de terreno com a área de 310m2, a destacar da descrição nº 6.517 do Livro B-17 e do artigo 738 da actual matriz rústica;

iii) Uma parcela de terreno descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número 15.580 do Livro B-40 e inscrita na actual matriz rústica sob o artigo 516;

iv) Uma parcela de terreno a destacar da descrição número 16.022 do livro B-41 e do artigo 518 da actual matriz rústica;

v) Uma parcela de terreno a destacar da descrição número 16.024 do Livro B-41 e do artigo 517 da actual matriz rústica;

Designados no seu conjunto por PRÉDIO, e devidamente assinalados na Planta junta como ANEXO I” (Doc. 1).

4.º - Em 18 de Abril de 2006 é feito o primeiro aditamento ao contrato, nos termos constantes do Doc. 2, junto a fls. 88 a 92 (1º aditamento) e que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, e, mais tarde, em 29 de Junho de 2006, a designação do Prédio veio a ser alterada, mediante o designado “2º aditamento ao contrato-promessa de compra e venda outorgado em 24 de Março de 2006” (Doc. 3), passando a identificação dos Terrenos do Campo de Treinos objecto da promessa a ter o seguinte teor:

Campo de treinos com a área de 11.497 m2, a nascente do prédio anteriormente indicado, constituído pelas seguintes parcelas de terreno:

i) Prédio Rústico denominado “C…”, sito no lugar …, freguesia e concelho da …, inscrito na matriz sob o artigo rustico 815, Descrito na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho sob o número 4095/…, com a área de 1.829 m2;

ii) Prédio Rústico denominado “C…”, sito no lugar de …, freguesia e concelho da …, inscrito na matriz sob o artigo rustico 516, descrito na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho sob o número 4096/…, com a área de 9.668 m2”.

5.º - A autora pretendia o PRÉDIO prometido comprar para nele fazer aprovar e construir um empreendimento imobiliário destinado a habitação, comércio e serviços, que viria a denominar V….P… (Doc. 1, Cláusula III B);

6.º - Ficou convencionado que o preço da aquisição seria, num valor máximo de €29.000.000,00 (vinte e nove milhões de euros) para uma área de construção, a aprovar, de 50.400 m2 e de €20.400.000,00  para uma área mínima de 33.600,00 m2 (Doc. 1).

7.º - A aquisição do PRÉDIO estava, nomeadamente, sujeita à condição de, para a zona do mesmo, a Câmara Municipal da … aprovar um plano de pormenor com um índice de construção de, pelo menos, 1,20m2/m2 (Doc. 1).

8.º - Convencionaram as partes que o preço a pagar pela aquisição do PRÉDIO prometido seria efectivado em dinheiro e em espécie.

9.º - Para a aquisição do prédio prometido comprar e vender seria faseadamente pago um sinal em dinheiro a saber:

a) Com a assinatura do contrato promessa de compra e venda o pagamento de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros); (Doc. 67)

b) 15 dias após a assinatura do contrato promessa de compra e venda a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros); (Doc. 68)

c) €600.000,00 (seiscentos mil euros) assim que os denominados “Terrenos do Campo de Treinos” estejam passíveis de registo sem ónus ou encargos a favor da R.; (Doc. 69)

d) 120 dias a contar da data da assinatura do contrato promessa de compra e venda a quantia de €1.900.000,00 (um milhão e novecentos mil euros); (Doc. 70)

e) €500.000,00 (quinhentos mil euros) na data da escritura de compra e venda de parte do prédio correspondente aos Terrenos do Estádio, pagamento este condicionado ao índice de construção aprovado pelo plano de pormenor para a zona em questão, permita para o PRÉDIO a área de construção de, pelo menos, 37.800m2;

f) €500.000,00 (quinhentos mil euros) na data da escritura de compra e venda de parte do prédio correspondente aos Terrenos do Estádio, pagamento este condicionado ao índice de construção aprovado pela Câmara Municipal da … para a zona em questão permita para o PRÉDIO a área de construção de, pelo menos, 36.400m2 (Doc. 1).

10.º - Desses valores foram, pelo menos, entregues ao réu os elencados nos pontos a-) a d), sendo assim pago o montante global de € 2.900.000,00 (dois milhões e novecentos mil euros).

11.º - Para a aquisição do prédio prometido comprar e vender seria pago um sinal em espécie, correspondente a:

a) Construção e entrega do Novo Estádio do BB Sport Club, no valor de €12.500.000,00 (doze milhões e quinhentos mil euros);

b) Construção e entrega da Academia de Futebol do BB Sport Club (BB), no valor de €5.000.000,00 (cinco milhões de euros);

c) Permuta do PRÉDIO por património imobiliário construído no valor remanescente que for devido pela aquisição do PRÉDIO, se o houver (Doc. 1).

12.º - A obrigação da autora de adquirir o PRÉDIO estava condicionada à verificação das seguintes circunstâncias (Cláusula terceira):

a) “Da condição de os prédios objecto da compra e venda aqui prometida, se encontrarem livres de eventuais ónus, encargos ou responsabilidades e registados a favor da promitente vendedora, nos momentos estipulados nas alíneas c) e d) do número 1 da Cláusula Segunda, e as hipotecas mencionadas aí outorgadas; - ou seja, nos momentos em que a autora se obrigou a pagar os montantes de €600.000,00 e €1.900.000,00 a título de sinal;

b) Da aprovação, esta no prazo máximo de 24 meses a contra da data deste contrato promessa, do Plano de Pormenor pela Câmara Municipal da … para a zona do Prédio, com a consideração de um índice de capacidade construtiva não inferior a 1,2 m2/m2;”

c) Da autorização do empreendimento e notificação pela Câmara Municipal da … de se encontrarem a pagamento as respectivas licenças de construção para os edifícios a construir no Prédio identificado para os fins pretendidos pela promitente compradora;

d) Da condição de não existir qualquer incompatibilidade entre as aprovações administrativas obtidas e o fim pretendido para o Prédio ….». (cláusula terceira n.º 1 do contrato inicial - Doc. 1).

13.º- Estabeleceram ainda autora e réu, a favor da autora, a faculdade desta denunciar o contrato promessa de compra e venda celebrado, imediatamente, caso não se verificasse o preenchimento de todas as condições previstas no n.º 1 daquela cláusula terceira no prazo acordado (Cláusula terceira, ponto 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

14.º - O réu obrigou-se a disponibilizar à autora os terrenos nos quais pretendia a edificação do novo Estádio do BB Sport Club em 12 (doze) meses a contar da data da assinatura do contrato promessa de compra e venda, tendo as partes também convencionado que a autora estava obrigada a adquirir o PRÉDIO no prazo máximo de 30 meses a contar da assinatura do contrato promessa de compra e venda (Doc. 1).

15.º - Em 26 de Dezembro de 2006, é feito o terceiro aditamento ao contrato, nos termos constantes do Doc. 4, junto a fls. 101 a 105 (3º aditamento) e que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, e, mais tarde, em 19 de Março de 2007, por força das dificuldades tidas pelo réu em obter o financiamento necessário para adquirir o terreno onde iria ser construído o novo estádio, é celebrado o 4º aditamento (Doc. 5) através do qual a autora aceita proceder ao pagamento das duas tranches de €500.000,00 prometidas pagar aquando da aquisição dos Terrenos do Estádio, directamente ao Banco DD, ficando exonerada da obrigação perante o réu, assumindo ainda as demais obrigações exaradas naquele aditamento cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais.

16.º - Por força desse aditamento, na sua al. f-), foi também acordado pelas partes que a promitente vendedora teria a faculdade de, até 30 dias antes da escritura referente à transmissão de propriedade dos terrenos do estádio, comunicar à promitente compradora que opta por converter em dinheiro o crédito que nessa ocasião ainda detenha sobre a mesma, a propósito da obrigação desta de proceder à construção da academia, e de antecipar o recebimento de tal quantia para o dia da escritura referente aos terrenos do estádio, sendo que tal faculdade só poderia ser utilizada na estrita medida das quantias que fossem eventualmente necessárias para poder expurgar ou cancelar quaisquer ónus ou encargos que na data da escritura referente aos terrenos do estádio se encontrassem inscritos.

17.º - Em 21 de Março de 2007, autora e réu assinam, por acordo, o 5º aditamento ao contrato (Doc. 6), que teve por objecto a alteração da cláusula 4ª n.º 1 do contrato inicial, passando a obrigação do réu entregar à autora os terrenos nos quais ia ser erigido o novo estádio de 12 meses para 15 meses, até 24 de Junho de 2007 (Doc. 6).

18.º - Tal aditamento teve por base a necessidade do réu conseguir uma concessão de isenção de IMT na aquisição dos terrenos que se comprometera a disponibilizar à autora, ali ficando estipulado que tal ampliação não provocaria um atraso na concretização do contrato existente, dado que os mecanismos contratuais mais importantes estariam essencialmente dependentes da aprovação do Plano de Pormenor para a zona do antigo Estádio e Campo de Treinos, o que ainda não ocorrera (Doc. 6).

19.º - Em 20 de Junho 2007, autora e réu assinam mais um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, (6.º Aditamento) para alterar novamente a cláusula 4ª n.º 1 do mesmo (Doc. 7), assim adiando novamente a entrega pelo réu à autora dos terrenos do estádio, desta feita até 18 meses da assinatura do contrato inicial, ou seja, até 24 de Setembro de 2007 pela mesma razão – obtenção da isenção de IMT (Doc. 7), ali novamente estipulado que tal ampliação não provocaria um atraso na concretização do contrato existente, dado que os mecanismos contratuais mais importantes estariam essencialmente dependentes da aprovação do Plano de Pormenor para a zona do antigo Estádio e Campo de Treinos, o que ainda não ocorrera.

20.º - Em 07 de Setembro de 2007 e 19 de Setembro de 2007, assinam os sétimo e oitavo aditamentos ao contrato, nos termos constantes dos Doc. 8 e 9, junto a fls. 145 a 148 e 149 a 159 (7.º e 8.º aditamentos) e que aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, e, mais tarde, em 24 de Março de 2008, assinam o novo aditamento (9.º Aditamento- Doc. 10) a alterar a cláusula 4ª, prevendo-se a entrega dos terrenos para construção do novo estádio, naquele último aditamento, para o prazo de 36 meses, ou seja até 24 de Março de 2009, surgindo neste último aditamento a sociedade CC, SA., tal como ali exarado.

21.º - Em 30 de Abril de 2008 (Doc. 11) é celebrado o 10º aditamento ao contrato, nos termos do qual a autora se compromete perante o réu a adquirir para este os terrenos que o réu tinha que lhe entregar para construir o Estádio e a pagar a dívida fiscal daquele (Doc. 11).

22.º - A autora obrigou-se a pagar a quantia de €462.682,76 para pagamento do passivo fiscal do réu (Doc. 11), o que fez em 30 de Abril de 2008 (Doc. 17).

23.º - A autora obrigou-se a pagar o montante de €377.240,43 para pagar 20% do valor da compra e venda do terreno em que iria ser erigido o novo Estádio, a título de sinal do contrato promessa a celebrar entre o réu e os donos do terreno (Doc. 11), o que fez em 5 de Junho de 2008 (Docs 18 a 30).

24.º - A autora obrigou-se a pagar o montante de €565.860,65 para pagar 30% do valor da compra e venda do terreno em que iria ser erigido o novo Estádio, a título de reforço de sinal do contrato promessa a celebrar entre o réu e os donos do terreno, (Doc. 11), o que fez em 30 de Setembro de 2008 (Docs. 31 a 43).

25.º - A autora obrigou-se a pagar o montante restante de €943.101,08 para pagar o remanescente do preço da aquisição do terreno em que iria ser erigido o novo Estádio (Doc. 11), o que fez em 21 de Dezembro de 2009 (Docs. 44 a 56).

26.º - A autora comprometeu-se a pagar as 7ª a 60ª prestações mensais, no valor de €10.000,00 emergentes do processo PEC a que o réu se comprometeu perante o Estado, no âmbito do PEC (Doc. 11), o que fez até Outubro de 2010, no valor de €210.000,00 – (Docs. 57 e 58);

27.º - Convencionou-se expressamente que os pagamentos acordados neste 10.º aditamento para aquisição do terreno onde iria ser erigido o novo estádio, seria considerado como reforço de sinal – cláusula 8ª - reforço esse que ascendeu assim ao valor global de 1.886.231,87 euros.

28.º - Com os pagamentos efectuados directamente aos vendedores do terreno em que iria ficar situado o novo estádio, o réu passou a ser proprietário do terreno que necessitava para erigir o novo estádio, ficando inscrita no registo, em seu favor, o aludido terreno em 30/12/2009 (Doc. 75).

29.º - Em 23 de Março de 2009, assinam novo aditamento (11.º aditamento) a alterar a cláusula 4ª, desta feita prevendo a entrega dos terrenos para construção do novo estádio no prazo máximo de 40 meses a contar da data do contrato promessa de compra e venda, ou seja, até ao dia 24 de Julho de 2009 (Doc. 12). No mesmo aditamento, alteraram também a cláusula 3.ª n.º 1 e al. b-) do contrato inicial, ficando consignado que a obrigação da promitente compradora adquirir o prédio ficaria condicionada à verificação, previamente à data da outorga de cada uma das escrituras (…) em prazo não superior a 40 meses a contar da data da assinatura do contrato promessa, ou seja, até 24 de Julho de 2009, devendo a aprovação do plano de pormenor estar feita também até 24 de Julho de 2009 (alterações do 11º aditamento - Doc. 12).

30.º - Em 7 de Abril de 2010, a autora enviou ao réu uma carta, cuja cópia se encontra junta a fls. 294/295 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através da qual, em, suma, solicita e alerta para a importância da necessidade de cancelamento dos ónus existentes sobre os terrenos do actual estádio, prédio objecto da aquisição prometida e solicita esclarecimentos (Doc. 59).

31.º - Em Abril de 2010, o Crédito Agrícola recusou os pedidos de financiamento solicitados pela autora para a construção de um novo estádio, através de carta cuja cópia se encontra junta a fls. 347 e cujo teor aqui e dá por integralmente reproduzido (Doc. 72).

32.º - A autora remeteu nova carta em 25 de Maio de 2010 (Doc. 60) cuja cópia se encontra junta a fls. 296/298 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde interpela o réu para, no prazo máximo de 15 dias, cumprir as suas obrigações contratuais (aludindo ao não cancelamento de todas as penhoras e ónus registados sobre o actual estádio, sobre as declarações prestadas no âmbito da acção de impugnação de deliberação e à não aprovação do plano de urbanização, e não disponibilização do terreno destinado à construção do novo estádio), sendo que, findo tal prazo, se verificaria o incumprimento definitivo do réu, resolvendo-se o contrato, com perda do interesse da autora dada a impossibilidade material e objectiva de manter a situação de indefinição (Doc. 60).

33.º - Em 4 de Junho de 2010, o réu respondeu, por carta cuja cópia se encontra junta a fls. 299/301 e cujo teor aqui e dá por integralmente reproduzido (Doc. 61).

34.º - O réu diligenciou no sentido de obter deliberação a autorizar a direcção a proceder à outorga da escritura de compra e venda dos terrenos do campo de treinos, o que veio a ocorrer em Assembleia Geral Extraordinária de 17 de Março de 2007 (Doc. 62).

35.º - A referida deliberação foi impugnada judicialmente, processo que correu termos no Tribunal Judicial da … sob o nº 2268/07.2TBPVZ no 3.º Juízo de Competência Cível (Doc. 63), tendo a dita acção terminado por inutilidade superveniente da lide, nos termos da sentença ali proferida e cujo teor aqui se dá por reproduzido (Doc. 63).

36.º- Questionado pela autora, nas cartas aludidas em 30.º e 32.º, sobre as declarações proferidas naquele dito processo o réu respondeu, na carta aludida em 33.º, dizendo que “A motivação fundadora da inutilidade superveniente da lide vertida nos autos não se impõe à AA nem vincula a uma específica interpretação das normas do pp”, defendendo que, ao referir a inalienabilidade dos terrenos, apenas procuraram um texto para justificar a inutilidade superveniente da lide (Docs. 59, 60 e 61).

37.º - O Plano de Pormenor para a área do PRÉDIO prometido adquirir, veio a ser aprovado em reunião de Câmara de 10 de Setembro de 2009 e publicado em Diário da República em 14 de Outubro de 2009 e o Plano de Urbanização veio a ser aprovado em Março de 2011.

38.º - O réu deu entrada, no dia 12 de Abril de 2007, no IAPMEI, de um processo especial de conciliação (PEC) que teve o n.º 1084.

39.º - Em 24 de Julho de 2009, os terrenos do PRÉDIO prometido adquirir não estavam desonerados e o plano de pormenor necessário à conclusão do contrato não estava aprovado pela Câmara Municipal da ….

40.º - Entre a autora e a EE, Lda., foi outorgado um contrato de prestação de serviços, junto a fls. 1053 a 1058 dos autos, com vista à elaboração dos projectos necessários ao licenciamento e construção do Novo Estádio, tendo, em processo movido pela EE à autora (Proc. 200/14.6TVLSB), as partes acordado em fixar o valor então em dívida no montante de 220.389,06 euros, para cuja liquidação a aqui autora efectuou um pagamento no valor de 7.889,06 euros e entregou uma letra no valor de 212.500, 00 euros, tudo como resulta de fls. 1049 a 1052 destes autos cujo teor aqui damos por reproduzido.

41.º - A autora elaborou, datando de 1 de Outubro de 2010 e de 30 de Dezembro de 2010, as cartas juntas aos autos como Docs. 64 e 66, juntos com a pi., a rescindir o contrato promessa de compra e venda celebrado com o réu, e a pedir o pagamento da quantia de € 9.132.071,05, como correspondente ao montante da indemnização devida.

42.º - A autora não apresentou o projecto de licenciamento do empreendimento V…P…, para que a Câmara Municipal o pudesse apreciar.

43.º - Depois de Julho de 2009, a autora continuou a manter reuniões com as entidades camarárias com vista à realização da operação, continuou a entregar mensalmente ao réu as quantias de que este carecia para pagar as obrigações fiscais do PEC e continuou a adiantar ao réu as quantias de que este carecia para pagar aos donos do terreno o preço da aquisição do mesmo.

44.º - Após a realização da escritura de compra do terreno para o novo estádio, em Dezembro de 2009, a autora deu instruções ao gabinete por si contratado para impulsionar a elaboração e aprovação do projecto do novo estádio.

45.º - E começaram reuniões entre os arquitectos por si contratados e o engenheiro do BB Sport Club que acompanhava o projecto, para o ultimar, bem como existiram reuniões entre o BB Sport Club e a autora, para acertar pormenores relativos ao projecto.

46.º - No mês de Março de 2010, ocorreu uma reunião na Câmara Municipal de …, sobre o tema da apresentação pela autora do projecto de licenciamento da construção do novo estádio nos terrenos recém- adquiridos, na qual estiveram presentes dirigentes do BB Sport Club e representantes da autora.

47.º - Nessa reunião abordaram-se pormenores técnicos do Plano de Urbanização, tendo o Presidente da Câmara e o Vice-Presidente dito aos responsáveis da autora que poderiam avançar para a construção do novo estádio independentemente da aprovação do Plano de Urbanização, dando entrada do respectivo projecto, pedindo a denominada ‘licença de caboucos’.

48.º - No dia 11 de Março de 2011, deu-se a cerimónia anual de celebração do aniversário do BB Sport Club, onde esteve presente o Presidente do Grupo CC, Dr. FF, o qual usou da palavra em discurso aos associados e à comunicação social presentes.

49.º - Nesse mesmo discurso, o Sr. Dr. FF afirmou publicamente que o Grupo CC havia finalmente conseguido obter um financiamento para a construção do novo estádio e que iria dar muito em breve início à construção do mesmo.

50.º - Em Dezembro de 2011, ultimaram-se os pormenores para a apresentação do projecto de construção do novo estádio, que deu entrada na Câmara Municipal da …, com acompanhamento pela comunicação social, no dia 19 de Janeiro de 2012, após o que não foi mais dado andamento ao processo (fls. 944).

51.º - Em face das dificuldades económicas que enfrentou o Grupo CC foi adquirido pelo Fundo V…..


De direito:

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes, salvo questão de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.ºs 1 e 2 do actual Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos 5.º n.º 1 e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6), a única questão a dilucidar na presente revista prende-se com a apreciação do pedido de restituição da quantia de € 672.682,76 e respectivos juros, isto é, saber se o pagamento desse montante efectuado pela autora à Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) para saldar uma dívida fiscal do réu tem na economia do contrato celebrado a natureza de sinal.

A presente acção emerge do alegado incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a autora e o réu, o qual tinha, essencialmente, por objecto a compra pela primeira ao segundo dos terrenos onde se encontra implantado o Estádio do BB Sport Club.

Na petição inicial a autora, imputando ao réu o incumprimento definitivo do contrato-promessa, reclamou deste a devolução do sinal prestado em dobro, acrescido das despesas realizadas com projectos e da quantia paga ao fisco. Subsidiariamente, invocou a resolução convencional do mesmo contrato e pediu a restituição em singelo do sinal e, bem assim, das demais quantias.           

A 1ª instância não acolheu qualquer dos pedidos fundados no alegado incumprimento do réu ou na cessação do contrato por acordo. Condenou-o, no entanto, a pagar à autora € 672.682,76 e respectivos juros, correspondentes ao passivo fiscal do réu liquidado por esta à Direcção Geral de Contribuições e Impostos com base na aplicação oficiosa do instituto do abuso de direito.

O Tribunal da Relação, conheceu das questões do incumprimento definitivo do contrato pelo réu, da resolução convencional do mesmo e, bem assim, da resolução por alteração das circunstâncias, confirmando a sentença recorrida. Revogou-a, contudo, no segmento em que havia condenado o réu no pagamento da aludida quantia de € 672.682,76 e respectivos juros, absolvendo-o deste pedido.

Não existe qualquer controvérsia quanto à natureza jurídica do contrato objecto do litígio, o qual vem, acertadamente, qualificado pelas instâncias como contrato-promessa de compra e venda (artigo 410º do Código Civil).

A complexidade do contrato-promessa em causa, que estipulava múltiplas obrigações às partes, está bem evidenciada nos onze aditamentos de que foi alvo, sendo que para o conhecimento do mérito do recurso releva, sobretudo, o convencionado no décimo aditamento celebrado em 30 de Abril de 2008.

Neste a autora obrigou-se a liquidar a quantia de € 462.682,76 para pagamento do passivo fiscal do réu, o que fez em 30 de Abril de 2008, e comprometeu-se a pagar as 7ª a 60ª prestações mensais, no valor de € 10.000,00 cada, cujo pagamento o réu assumira perante o Estado no âmbito do PEC, o que a autora fez até Outubro de 2010 (pontos de facto nºs 21º, 22º e 26º).

Obrigou-se também a autora a pagar várias quantias, ali concretizadas, a título de sinal, de reforço de sinal e de remanescente do preço no âmbito do contrato-promessa celebrado entre o réu e os donos do terreno onde iria ser edificado o seu novo estádio, o que a autora cumpriu, sendo que, por virtude de tais pagamentos directamente efectuados pela autora aos vendedores, o réu passou a ser proprietário do terreno em causa, ficando a respectiva aquisição inscrita a seu favor no registo predial em 30/12/2009 (cfr. pontos de facto nºs. 23º, 24.º, 25.º e 28.º).

As partes convencionaram ainda expressamente no décimo aditamento ao falado contrato-promessa que os pagamentos ali acordados, realizados pela autora com vista à aquisição do terreno onde iria ser erigido o novo estádio do réu, seriam considerados como reforço de sinal (cláusula 8ª), reforço esse que ascendeu ao montante global de € 1.886.231,87 (ponto de facto nº. 27.º).

Defende a autora que as quantias por si pagas à Direcção Geral de Contribuições e Impostos não revestiram a natureza de sinal, tanto assim que não as incluiu no valor do sinal (€ 4.786.231,87), cuja restituição pediu em dobro, a título principal, e em singelo, a título subsidiário.

E deduziu autonomamente o pedido correspondente às despesas realizadas com o projecto e aos montantes pagos à Administração Fiscal para saldar a dívida do réu, chamando a atenção, em particular, para a alegação contida nos artigos 55°, 65°, 121º, 122º e 136 da petição inicial.

Em abono da sua tese, refere ainda a autora que o réu peticionou, em reconvenção, que fosse declarada a perda a seu favor dos montantes que a mesma lhe entregou a título de sinal, e apenas estes, sendo certo que no décimo aditamento ao contrato-promessa os contraentes deixaram expresso que os pagamentos efectuados pela mesma autora ao dono do terreno onde iria ser construído o estádio do réu revestiam carácter de sinal, nada referindo nesse sentido relativamente aos pagamentos realizados para liquidação do passivo fiscal do réu.

Entendimento diverso é sustentado pelo réu, bem patenteado nas conclusões que formulou em sede de ampliação do âmbito da revista (artigo 636º e 679º do código de Processo Civil), defendendo, por um lado, que a quantia em causa tem a natureza de sinal e, como tal não deve ser restituída à autora, e refutando a existência de abuso de direito.

Vejamos.

Ao contrário do que acontece com os demais contratos-promessa, no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (artigos 440º e 441º do Código Civil).

Como é sabido, a obrigação emergente do contrato-promessa de compra e venda traduz-se numa prestação de facere: a celebração do contrato prometido, a realização de um negócio jurídico. Não pode, por conseguinte, considerar-se neste contrato qualquer entrega feita pelos promitentes como princípio de cumprimento do contrato-promessa. A sua natureza não é compatível com um começo de cumprimento (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. Revista e Actualizada, pág. 417).

Pode, no entanto, conceber-se um cumprimento antecipado no âmbito do contrato-promessa, tendo em vista a satisfação de obrigação futura emergente do contrato prometido a celebrar posteriormente.

Não é fácil a distinção entre sinal e mera antecipação do cumprimento do contrato definitivo ou prometido, constituindo uma pura questão de interpretação da vontade negocial dos contraentes com base na facticidade provada.

A elisão da presunção legal (juris tantum) contida no artigo 441º do Código Civil, de acordo com a qual vale como sinal “toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor”, no caso de contrato-promessa de compra e venda, constitui um ónus do promitente-comprador, a quem cabe a alegação e prova de facticidade que a afaste (artigo 350º nº 2 do Código Civil).

Trata-se, como se referiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003 (proc. nº 03B2590, acessível em www.dgsi.pt), de uma presunção agravada, porquanto, não sendo a disposição inserta no artigo 441º proibitiva de qualquer prova que contrarie a aludida presunção legal, ela declara insuficiente para a ilidir a mera declaração ou convenção de que a quantia entregue tem carácter de antecipação de cumprimento (no mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, loc cit, pág. 418).

Não está, por conseguinte, afastada a possibilidade de interpretação da vontade das partes, como se observou neste mesmo Acórdão, no sentido de se apurar se foi sua intenção conferir às quantias entregues ao promitente-vendedor a natureza de antecipação do cumprimento, embora, na dúvida, tenham de ser tidas como sinal.

Donde, estar a autora, promitente-compradora, onerada com a alegação e prova de facticidade susceptível de arredar a referida presunção.

Com base nos elementos facultados pelo processo submetidos ao contraditório das partes e nos factos julgados provados pelas instâncias, importa averiguar se a autora logrou ilidi-la, isto é, se é possível determinar, no caso, o sentido normativo da vontade dos contraentes de modo a ter-se por contrariada aquela presunção.

Uma leitura atenta dos articulados revela que a autora autonomizou na petição inicial o pedido da quantia respeitante ao sinal, cuja devolução em dobro peticionou, a título principal, com base no alegado incumprimento culposo e definitivo imputável ao réu, distinguindo-o quer do valor das despesas feitas com o projecto, quer do montante que pagou para saldar a dívida fiscal do réu, também pedidos.

Com efeito, a autora alegou ter feito entregas ao réu no valor global de €4.786.231,87, a título de sinal, descriminando-as da seguinte forma: €250.000,00 - sinal em entregue com a assinatura do contrato-promessa; €150.000,00 - reforço de sinal; €600.000,00 - reforço de sinal; €1.900.000,00 - reforço de sinal; €1.886.231,87- reforço de sinal (aquisição dos terrenos),

Alegou, concretamente, no artigo 121° dever-lhe o réu «o montante de sinal prestado €4.786.231,87 (correspondente ao sinal contratual inicial de €2.900.000,00 e o montante da aquisição dos terrenos do estádio ao qual foi expressamente conferido o carácter de sinal de € 1.886.231,87) em dobro (…)».

E no artigo 122°: «Assim, a R. deve à A. a quantia de 4.786.231,87X2 = € 9.572.463,74 + € 2.900.000,00 = € 12.472.463,74 (doze milhões quatrocentos e setenta e dois mil quatrocentos e sessenta e três euros e setenta e quatro cêntimos)

Tendo alegado ainda no artigo 136°: «Caso se venha a entender, o que por mera hipótese teórica se refere, que o contrato foi resolvido pela A. nos termos contratuais, independentemente de culpa da R., esta deve à A. os seguintes valores:

a) Sinal no valor de €4.786.231,87 (quatro milhões setecentos e oitenta e seis mil duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos);

b) Custos com serviços tendentes à execução do projecto sub judice no valor de €1.469.026,78 (um milhão quatrocentos e sessenta e nove mil e vinte e seis euros e setenta e oito cêntimos);

c) Pagamento da dívida fiscal da R. no montante de €672.682,76 (seiscentos e setenta e dois mil seiscentos e oitenta e dois euros e setenta e seis cêntimos);

d) Valor a pagar à EE e respectivo juro de €359.066,76 (trezentos e cinquenta e nove mil e sessenta e seis euros e setenta e seis cêntimos);

e) Valor em pagamento emergente do financiamento pedido à Caixa nova, actualmente no montante de €234.719,05».

O réu, por sua vez, impugnou aquela facticidade na contestação, referindo, designadamente, no artigo 106º aceitar a matéria alegada nos itens 51º a 64º, 66º e 67º da petição inicial, nos quais se incluía a menção ao pagamento da dívida fiscal do réu, «com a rectificação de que a autora não pagou as obrigações aí mencionadas, mas antes adiantou tais quantias ao réu por conta de obrigações futuras emergentes do contrato-promessa para que o réu - ele sim - satisfizesse tais quantias, que lhe foram pela autora disponibilizadas».

A vontade das partes materializada nos respectivos articulados, que se transcreveu no segmento mais relevante para melhor compreensão das respectivas posições, conjugada com o facto de as mesmas terem tido o cuidado de consignar no décimo aditamento ao contrato-promessa – em cláusula autónoma e introduzida com essa exclusiva finalidade (cláusula 8ª) – que os pagamentos realizados pela autora com vista à aquisição pelo réu do terreno destinado à construção do seu estádio permite interpretar a vontade dos contraentes, à luz do disposto nos artigos 236º e 238º do Código Civil, no sentido de que os pagamentos efectuados pela autora à Direcção Geral de Contribuições e Impostos constituíram um antecipação do cumprimento e não sinal.

No contexto de um pormenorizado e prolongado quadro de negociações, traduzido na celebração do contrato-promessa e de onze aditamentos ao mesmo, a inexistência de qualquer referência no décimo aditamento à natureza dos pagamentos destinados à liquidação do passivo fiscal do réu, por contraste com a expressa menção na sua cláusula 8ª de que os demais pagamentos ali convencionados constituíam sinal, não pode ter sido inócua.

A alegação das partes nos respectivos articulados aponta significativamente nesse sentido e a particularização feita pela autora na formulação dos pedidos parcelares – com desvantagem para si na perspectiva da procedência dos pedidos de pagamento do sinal seja em dobro, sejam em singelo – reforçam esta interpretação do sentido normativo da sua vontade negocial.

Note-se que não está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça apurar o sentido das declarações negociais dos contraentes em face dos factos provados e da posição assumida pelas partes nos seus articulados.

Com efeito, desde há muito a doutrina vem sustentando que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de direito (neste sentido: Castanheira Neves, Questão de Facto – Questão de Direito, p. 328 e ss.; Vaz Serra, RLJ, anos 103.º e 107.º, p. 284 e ss e 184 e ss.), sendo também nesse sentido o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, extraindo-se das decisões que, a esse propósito, têm sido proferidas a conclusão de que a aplicação dos critérios consagrados nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, enquanto parâmetros estabelecidos para a pertinente actividade interpretativa, constitui matéria de direito (apenas constituindo matéria de facto o apuramento da real vontade dos declarantes).

Cremos, concluindo, que a autora logrou ilidir a presunção legal inserta no artigo 441º do Código Civil, assistindo-lhe o direito a receber do réu a quantia de €672.682,76 por si paga para liquidar o passivo fiscal do réu.

Por tal razão não poderá manter-se o decidido no acórdão recorrido, ficando prejudicado o conhecimento da questão do abuso de direito (artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil).


III. Decisão:

Nesta conformidade, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista interposta pela autora e negar a revista ampliada interposta pelo réu e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, repristinando o segmento decisório da sentença proferida pela 1ª instância.

Custas pelo réu.


Lisboa, 13 de Setembro de 2018


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado