Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1451/16.4T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO PLIVEIRA
Descritores: CONDOMÍNIO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
FRAÇÃO AUTÓNOMA
PARTES COMUNS
EMPREITADA
GARANTIA DA OBRA
DENÚNCIA
DEFEITOS
PRAZO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. — O condomínio deve ser considerado como um consumidor desde que uma das fracções seja destinada a uso privado.

II. — A relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de consumo desde que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores.

III. — Em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo de garantia do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



Recorrente: Condomínio do edifício sito na .............

Recorrida: Constructora San José, S.A.


I. — RELATÓRIO


1. O Condomínio do Edifício sito na ............., na ……, representado por ESCO — Empresa de Serviços, Condomínio e Obras, Lda., com sede na …, n.º …, Maia instaurou a presente acção de processo comum contra IPIN — Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, S.A., com sede na Rua …, n.º …, …, Porto, e Constructora San José, S.A., sedeada na Rua …, n.º …, …, Porto, pedindo a condenação das Rés a proceder ou mandar proceder, à sua custa, às obras necessárias à eliminação definitiva dos defeitos existentes nas partes comuns do supra identificado edifício, no prazo de 3 meses.


 2. As Rés contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção.


3. Deduziram a excepção peremptória de caducidade:

I. — a Ré IPIN alegou que a acção tinha sido proposta depois de decorridos seis meses sobre a denúncia dos defeitos — em Julho de 2015 —;

II. — a R. San José alegou que denúncia dos defeitos tinha sido realizada depois de terem decorrido cinco anos sobre a entrega do edifício — em 31 de Maio de 2010, quanto às infraestruturas exteriores e, em 30 de Setembro de 2009, quanto ao demais.


4. O Autor Condomínio do edifício sito na ....., respondeu, alegando:

I. — que os prazos para a denúncia dos defeitos e para o exercício judicial dos direitos aplicáveis ao caso são os prazos previstos no Decreto-Lei n.º 6772003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio;

II. — que as Rés reconheceram os defeitos;

III. — que o reconhecimento dos defeitos tem como efeito a interrupção do prazo de caducidade.  


5. O Tribunal de 1.ª instância julgou procedente a acção.


6. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

“Pelo exposto:

Julgo procedente a presente ação e improcedente a exceção da caducidade, e, em consequência, condeno solidariamente as RR., a, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, eliminarem os defeitos supra ids. em 15) dos Factos Provados, e, subsidiariamente, para o caso de não cumprirem definitivamente esta sua obrigação, condeno as RR. a pagar ao A. Condomínio a quantia, a liquidar ulteriormente, necessária à eliminação dos defeitos e ao pagamento dos prejuízos decorrentes do seu incumprimento definitivo.

Custas pelas RR.”


7. Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação.


8. A 1.ª Ré IPIN - Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, S.A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. A Douta Sentença em crise errou, na apreciação dos factos, em dois aspetos críticos que, a serem corretamente apreciados, teriam necessariamente de levar à absolvição da Ré ora Recorrente.

B. Em primeiro lugar, omitiu dos factos provados e não provados que o conhecimento dos defeitos nas partes comuns do imóvel se deu no inverno de 2012, apesar de tal ter sido provado pelos depoimentos das testemunhas em sede de audiência de julgamento, tendo apenas, na sua Motivação referido que o conhecimento dos referidos defeitos só se deu em Abril de 2015, o que não corresponde à verdade.

C. Em segundo lugar, omitiu dos factos provados a data em que os Autores interpuseram a presente ação, sendo que, mesmo que tal facto esteja omitido, quer dos factos provados, quer dos factos não provados, a Douta Sentença em crise refere, na sua Motivação, que a presente ação deu entrada em 17.03.2016.

D. Não pode a Ré ora Recorrente aceitar que a Douta Sentença recorrida não tenha relevado e considerado como provados tais factos, o que necessariamente significaria uma decisão contrária àquela adotada pela Douta Sentença recorrida, isto é, levaria à sua absolvição, pelo que tal erro de julgamento, sendo determinante na Decisão tomada pelo Tribunal a quo, terá necessariamente de ser corrigido, o que desde já se requer.

E. Para além da incorreta apreciação dos factos nos termos supra expostos desconsiderando por completo o depoimento das testemunhas arroladas pelos Autores, bem como desconsiderando o facto notório da data da interposição da ação - a Douta Sentença em crise incorreu na violação das normas jurídicas aplicáveis in casu, ao entender aplicável o regime do Decreto-Lei nº 67/2007, de 8 de Abril, e não o regime do artigo 913º e sgs. do Código Civil, sendo que, considerando-se aplicável este regime, a conclusão só pode ser a de que o direito dos Autores caducou, e, mesmo que, por mero exercício de raciocínio, se considere aplicável o regime do Decreto-Lei nº 67/2003 como entendeu, erroneamente, o Tribunal a quo, a conclusão é a mesma!

F. A responsabilidade da Ré ora Recorrente, nos termos do regime da venda de coisa defeituosa, estipulado no artigo 913º e sgs. CC, caducou porque os Autores não cumpriram o prazo de denúncia de 1 ano após o conhecimento dos defeitos (artigo 916º, nº 3, do Código Civil) e não cumpriram o prazo de interposição da ação de 6 meses após a denúncia dos defeitos (artigo 917º do Código Civil).

G. O regime do Decreto-Lei nº 67/2003 só seria aplicável se os Autores tivessem provado que todas as frações autónomas haviam sido adquiridas pelos respetivos compradores: i) com destino à sua habitação; e, ii) que todos esses adquirentes eram pessoas singulares, o que não sucedeu, já que os Autores não invocaram, muito menos provaram - como era seu ónus - que alguma (nem uma!) das frações autónomas do imóvel tenha sido adquirida para fins habitacionais, sendo certo que, pelo menos, 4 das frações são estabelecimentos comerciais, adquiridas por sociedades comerciais para fins profissionais!

H. Mas mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se entenda aplicável in casu o regime do Decreto-Lei nº 67/2003, sempre os direitos dos Autores haviam caducado, pois denunciaram os defeitos quase 3 anos após deles tomarem conhecimento, violando assim o prazo de 1 ano referido no artigo 5º-A, nº 2, do Decreto-Lei nº 67/2003!

I. Pelo que seja qual for o regime que se entenda aplicável in casu, o direito dos Autores caducou sempre, devendo como tal a Douta Sentença em crise ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue a ação improcedente e absolva a Ré ora Recorrente do pedido.


9. A 2.ª Ré Constructora San José, S.A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 – A Ré IPIN S.A. é uma sociedade comercial que tem por objeto investimentos e participações imobiliárias, tendo, no exercício dessa atividade, promovido a construção do prédio melhor identificado nos presentes autos com a finalidade de vender as respetivas frações autónomas a terceiros particulares.

2 - A Ré IPIN S.A. projetou o identificado prédio, promoveu a sua construção e constituiu-o em regime de propriedade horizontal, tendo vendido todas as suas frações autónomas a terceiros.

3. — A Ré Apelante, na qualidade de empreiteiro de obras públicas e privadas, construiu o referido prédio para a Ré IPIN ao abrigo de um contrato de empreitada celebrado entre as partes, figurando naquele contrato a Ré IPIN S.A. como Dono da Obra e a Ré Apelante como empreiteiro.

4. — Aquando da conclusão da obra, que ocorreu em 30 de Setembro de 2009, com exceção das infraestruturas exteriores cuja conclusão teve lugar em 31 de Maio de 2010, a Ré Apelante entregou a mesma ao respetivo Dono da Obra, in casu, à Ré IPIN S.A.

5. — A referida entrega da obra foi materializada, nos termos contratuais, através da celebração de um auto de receção provisória entre a Ré Apelante e a Ré IPIN, o qual estabelecia que a partir daquela data se iniciava a contagem do prazo (5 anos) de garantia da obra (vid. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a Contestação).

6. — A primeira denúncia feita pelo Autor Apelado à Ré Apelante dos defeitos elencados na douta sentença recorrida teve lugar em Julho de 2015.

7. — Conforme prescreveu o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2015, in www.dgsi.pt, relativamente à responsabilidade da Ré empreiteira perante terceiros importa a data da entrega do prédio ao seu primitivo dono para averiguar se está atingido o prazo de caducidade de cinco anos consignado no artigo 1225.º, n.º 1, do Código Civil.

8. — Ora, in casu, os factos dados como provados revelam indubitavelmente que o direito do Autor Apelado sobre a Ré empreiteira e ora Apelante caducou dado que a entrega da obra pela Ré Apelante ao dono da obra, Ré IPIN S.A., ocorreu em 30 de Setembro de 2009, sendo que o Autor denunciou à Ré Apelante os defeitos elencados nos autos em Julho de 2015, isto é, quase 6 anos depois.

9. — E nem sequer se diga, como faz incorrendo em flagrante equívoco a Meritíssima juiz a quo, citando o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2020 (consultável in www.dgsi.pt), que, ainda que por regra aquele prazo de 5 anos se conte a partir da data da entrega da obra ao dono da obra, no caso de defeitos em edifício constituído em propriedade horizontal decisivo é a data em que o construtor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos.

10. — É que a figura do “construtor” tido naquele Acórdão (sociedade promotora imobiliária que promoveu e levou a cabo a construção de um prédio para vender as suas frações a terceiros) correspondente, nos presentes autos, à Ré IPIN S.A. e não ao empreiteiro Ré Apelante.

11. — Aliás, nem poderia ser de outra forma dado que o empreiteiro, que se limita a executar uma obra para um dono de obra nas condições definidas por este em termos de projeto e conceção, não é tida nem achada numa qualquer transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos de um qualquer edifício, não estando sob o seu domínio a materialização daquela transmissão.

12. — Sem prescindir sempre se dirá que face ao depoimento prestado em audiência pela testemunha AA, impunha-se dar como provado que os defeitos elencados sob as alíneas d), e) e f) da matéria de facto dada por assente ocorreram e são conhecidas pelos condóminos e pelo Autor há mais de 8 anos.

13. — Tal juízo, assenta, desde logo nas declarações produzidas pela testemunha em apreço que afirmou em audiência que as infiltrações nos arrumos, garagem e sala do condomínio já eram visíveis no Inverno que decorreu entre Dezembro de 2011 e Fevereiro de 2012 (vid. Depoimento gravado em CD sob o n.º de ficheiro 2020092402122_14976865_2871559, com início às 09h47m e termo às 10h03m, sendo que a transcrição infra encontra-se gravada a partir das 00h16m19s até às 00h18m02s), ou seja mais de 3 anos antes da denúncia efetuada pelo Autor.

14. — Nessa medida, dúvidas não subsistem que caducou o direito do Autor Apelado em exigir a reparação de tais defeitos naqueles espaços comuns.

15. — A douta sentença recorrida, no modesto entendimento da Ré Apelante, violou o disposto no artigo 1225, n.º 1, do Código Civil, o que impõe necessariamente a revogação do doutamente sentenciado no que respeita à ora Recorrente.


10. O Condomínio do edifício sito na ......, contra-alegou, pugnando pela improcedência dos recursos.


11. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. — O prazo de 5 anos imposto pelo n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil, conta-se a partir da data da entrega da obra, “sendo que a data de entrega do imóvel para efeitos da contagem do prazo de cinco anos previsto no artº 1255, nº 1 do Código Civil conta-se a partir do momento em que, estando já vendidas as frações representativas da maioria do valor do prédio, os órgãos do condomínio se mostrem constituídos”.

2. — Ainda que hipoteticamente pudessem ter sido detetados em data anterior à investidura a ESCO, LDA., o certo é que, na data que a Apelante pretende ver fixado o conhecimento dos defeitos (ano 2012), a administradora do condomínio era ela própria, detentora do maior capital do edifício (permilagem), sem que os órgãos do condomínio se encontrassem legalmente constituídos e pudessem, dessa forma, estar assegurados os direitos do mesmo, pelo que o prazo legal só se iniciou após a eleição da ESCO como administradora do condomínio, em Janeiro do ano 2015.

3. — É aplicável o regime previsto no DL 67/2003, (artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 5.º A) quanto à relação contratual estabelecida pela Apelante IPIN.


12. O Tribunal da Relação ...:

I. — julgou improcedente o recurso interposto pela 1.ª Ré IPIN - Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, S.A.;

II. — julgou procedente o recurso interposto pela 2.ª Ré Constructora San José, S.A.


13. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em:

— Julgar improcedente ambos os recursos quanto á alteração da matéria de facto.

— Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela 2ª Ré /Construtora S. José, SA e em consequência julgar procedente a exceção da caducidade por si oportunamente arguida, absolvendo-se em consequência esta Ré do pedido contra si formulado.

— Julgar improcedente o recurso interposto pela 1ª Ré/IPIN, SA, confirmando-se a sentença proferida quanto a ela.

Custas pelo Autor no recurso em que decaiu e pela 1ª Ré no recurso por si interposto.


14. Inconformado, o Autor Condomínio do edifício sito na ...., interpôs recurso de revista.


15. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - O presente recurso tem em vista saber qual o alcance dos direitos que os compradores das frações autónomas de um edifício ou, para o que aqui interessa, no caso das partes comuns, a administração do condomínio, têm sobre o empreiteiro que construiu o edifício em questão e, mais concretamente, o prazo dentro do qual esses direitos podem ser exercidos.

II - Assentando a caducidade num prazo a contar de determinado acontecimento este coincide, em regra, com o momento a partir do qual o direito pode ser exercido. É o que prescreve o artigo 329.º do Código Civil: “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.

III - Em causa está a interpretação e aplicação do artigo 1225.º do Código Civil, designadamente, na contagem do prazo de garantia 5 anos, fixando-se o início da sua contagem na data da entrega do imóvel.

IV - No caso dos autos, o direito só pôde ser exercido quando as partes comuns passaram a ter quem as representasse, ou seja, quando o administrador do condomínio foi eleito, em Janeiro/2015. É este o momento em que o direito passou a poder ser legalmente exercido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 329.º do Código Civil.

V - A atual redação do art.º 1225º do Código Civil introduzida pelo Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro, reconhece, inequivocamente, que os terceiros adquirentes podem exercer os direitos emergentes de defeitos nas construções, diretamente sobre os empreiteiros, sublinhando-se que do enunciado normativo substantivo civil não decorre, por um lado, que os terceiros adquirentes tenham sobre os empreiteiros mais direitos daqueles que têm os donos da obra sobre estes e, por outro, que os deveres do empreiteiro tenham passado a ser mais do que aqueles que têm perante os donos de obra.

VI - Face à prova existente no processo e aos factos julgados provados, à matéria em análise é aplicável, em relação à Recorrida, além do preceituado no artigo 1225.º do Código Civil, o disposto no DL 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL 84/2008, de 21 Maio, artigos 1.º A, 5.º n.º 1, 5.º A n.º 2, dado que os proprietários das frações autónomas do edifício são, na sua esmagadora maioria, consumidores.

VII - O critério de que a relação entre o empreiteiro e o comprador deve considerar-se uma relação de consumo é de aplicar desde que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em frações autónomas e de vender cada uma das frações autónomas a consumidores.

VIII - O Tribunal da Relação fez má aplicação da matéria de direito, violando a lei substantiva bem como a lei de processo, em particular, o disposto no DL 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL 84/2008, de 21 Maio, artigos 1.º A, 5.º n.º 1, 5.º A n.º 2, assim como o artigo 1225.º do Código Civil.

IX - No caso dos autos, a data da entrega da obra, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil, quanto às partes comuns, deve fixar-se em 08/01/2015 (data da eleição da administração do condomínio Esco Lda.) e o conhecimento dos defeitos Abril/2015.

X - Por conseguinte, os exercícios dos direitos do Recorrente Condomínio foram tempestivamente exercidos através da entrada da ação judicial a 17/03/2016 (a menos de 1 ano da data da denúncia dos defeitos), quer quanto à dona da obra, quer quanto à Recorrida empreiteira.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o mui douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no que concerne à Recorrida, mantendo-se a sua condenação na exata medida proferida na sentença.

Assim se fará sã JUSTIÇA!


16. A 2.ª Ré Constructora San José, SA, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


17. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1 – A Ré IPIN S.A. é uma sociedade comercial que tem por objecto investimentos e participações imobiliárias, tendo, no exercício dessa actividade, promovido a construção do prédio melhor identificado nos presentes autos com a finalidade de vender as respectivas fracções autónomas a terceiros particulares.

2 – A Ré IPIN S.A. projectou o identificado prédio, promoveu a sua construção e constituiu-o em regime de propriedade horizontal, tendo vendido todas as suas fracções autónomas a terceiros.

3 – A Recorrida, na qualidade de empreiteiro de obras públicas e privadas, construiu o referido prédio para a Ré IPIN ao abrigo de um contrato de empreitada celebrado entre as partes, figurando naquele contrato a Ré IPIN S.A. como Dono da Obra e a Recorrida como empreiteiro.

4 – Aquando a conclusão do prédio em apreço nos autos, que ocorreu em 30 de Setembro de 2009, a Ré Apelante entregou o mesmo ao respectivo Dono da Obra, in casu, à Ré IPIN S.A, que o recebeu.

5 – A referida entrega da obra foi materializada, nos termos contratuais, através da celebração de um auto de recepção provisória entre a Recorrida e a Ré IPIN, o qual estabelecia que a partir de 30 de Setembro de 2009 se iniciava a contagem do prazo (5 anos) de garantia da obra entregue naquela data (vid. Pontos 27 e 28 da matéria de facto dada como provada e documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a Contestação).

6 – Mais tarde, isto é, em 31 de Maio de 2010, a Recorrida viria a entregar à 1.ª Ré as infraestruturas exteriores que integravam a empreitada, tendo sido, igualmente, celebrado um auto de recepção provisória autónomo do referido na conclusão anterior e estabelecido que a partir daquela data começaria a contar o prazo de garantia legal para aquelas infraestruturas exteriores.

7 – Nenhum dos defeitos elencados e dados como provados nos autos é relativo às infraestruturas exteriores mas, antes, ao prédio em si que havia sido entregue pela Recorrida à 1.ª Ré em 30.09.2009.

8 – Constitui jurisprudência pacífica que nos casos em que o construtor não actuou também na qualidade de vendedor do imóvel, como sucede in casu, o prazo de caducidade relativo à eliminação de defeitos nas partes comuns não aguarda pela efectiva constituição do condomínio, antes começa a correr desde o momento em que o referido construtor entregou a obra ao respectivo dono (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2009, consultável in www.dgsi.pt)

9 – Ora, in casu, os factos dados como provados revelam indubitavelmente que o direito da  Recorrente sobre a Recorrida empreiteira caducou dado que a entrega do prédio pela Recorrida ao dono da obra, Ré IPIN S.A., ocorreu em 30 de Setembro de 2009, sendo que a Recorrente denunciou à Recorrida os defeitos elencados nos autos em Julho de 2015.

10 – Ainda que assim não se entendesse e se se considerasse que aquele prazo de garantia legal de 5 anos só começa a contar desde a data em que a Recorrida entregou à 1.ª Ré as infraestruturas exteriores que completavam a totalidade da obra contratada, nem por isso o direito da Recorrente deixaria de ter caducado dado que a denúncia dos defeitos ocorreu posteriormente ao termo daquele prazo.

11 – Acresce que, contrariamente ao que a Recorrente pretende instituir nesta sede, não resultou provado nos autos que a Recorrente tivesse tido conhecimento dos defeitos invocados em Abril de 2015, bastando compulsar a matéria de facto assente para atestar tal juízo.

12 – Por último, refira-se que ainda que ainda ao caso concreto seja aplicável o regime especial de defesa do consumidor nem por isso a conclusão deixará de ser a supra exposta dado que, conforme prescreve o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra citado, “não só o art. 1225º, nº 4 do C. Civil e o art. 4, nº 1 do citado DL nº 67/2003, alterado e republicado pelo Dl nº 84/2008, reconhecem ao autor/adquirente do imóvel o direito a exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos da obra por meio de reparação ou de substituição, como também o nº1 do citado art. 1225º e o art. 5º, nº 1 do citado DL nº 67/2003, na redação dada pelo Dl nº 84/2008, estabelecem prazos de garantia de igual duração, ou seja, o prazo de 5 anos « a contar da entrega da obra”.

Termos em que, negando-se provimento ao presente recurso de Revista e mantendo-se o douto acórdão recorrido, se fará inteira e sã JUSTIÇA!


18. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o Condomínio do edifício sito na .... deve considerar-se como consumidor para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio; 

II. — se, em relação ao empreiteiro, deve contar-se o prazo de garantia: 

a. — a partir da entrega do edifício pelo empreiteiro Constructora San José, SA, ao dono da obra / vendedor IPIN — Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, SA;

b. — a partir da entrega das fracções pelo dono da obra / vendedor IPIN - Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, SA, aos condóminos. ou

c. — a partir da constituição da administração do Condomínio do edifício sito na .............. 


II. — FUNDAMENTAÇÃO


 OS FACTOS


19. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. O Condomínio do Edifício sito na ……, números……, na………, constituído em regime de propriedade horizontal, está inscrito na CRP ... sob o nº ...96 da Freguesia ....

2. A sociedade comercial Esco Empresa de Serviços, Condomínios e Obras, Lda. foi eleita para o cargo de Administradora do referido Condomínio por deliberação de Assembleia Ordinária de Condóminos de 08-01-2015.

3. A 1º RÉ IPIN, S.A., foi a legítima proprietária do prédio supra identificado e a promotora imobiliária do edifício, titular do Alvará de Licença de Construção n.º ....

4. A 2.ª RÉ - Construtora San José, S.A., foi a construtora do empreendimento.

5. O identificado prédio, projetado e construído pelas, respetivamente, 1º e 2º RR um edifício com 8 pisos, com cave -2, cave -1, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares e vão do telhado.

6. É um edifício constituído por 14 fogos  (frações  de A  a N),   4 estabelecimentos comerciais (Frações de O a R) e garagens (frações S a Z).

7. A 1.ª Ré foi a 1. ª administradora do Condomínio do empreendimento, permanecendo em funções até 07 de Janeiro de 2015.

8. No dia 08.01.2015 a 1.ª Ré cessou funções, tendo-lhe sucedido a Autora Esco, Lda.

9. A venda das primeiras frações, pela 1.ª Ré, teve início em finais de 2010, tendo a última transação (conhecida) sido efetuada em Dezembro/2015.

10. As partes comuns do empreendimento denotam deficiências diversas.

11. Em Julho/2015 as RR receberam comunicação registada com aviso de receção da Autora Esco, Lda., com vista à identificação, denúncia e pedido de sanação das diversas patologias.

12. Foram remetidas novas comunicações às RR, em Setembro/2015, sem que tenham colhido qualquer resposta ou contacto das mesmas.

13. Quanto à comunicação endereçada em Setembro/2015, a Ré IPIN não recebeu a comunicação nem a reclamou junto dos serviços postais; a 2.ª Ré rececionou a correspondência.

14. Em Julho/2015, foram denunciados nas partes comuns do prédio os seguintes defeitos:

a) Existência de fissuras ao nível da monomassa (revestimento exterior) em diversos locais, nomeadamente junto à porta de entrada do edifício, na empena a poente e parede virada a nascente.

b) O revestimento exterior em “tijolo face à vista” apresenta fissuras diversas, em todo o edifício, estando já em queda tijolos no murete na zona de acesso à garagem.

c) Existem vários locais com eflorescências, que evidenciam presença de humidade no seu tardoz, ao nível de todas as fachadas do prédio.

d) Deficiente impermeabilização dos parâmetros verticais que confinam com a rampa de acesso à garagem, o que provoca infiltrações de água na sala de condomínio, arrumos e garagem.

e) Deficiente impermeabilização dos canteiros adjacentes à rampa da garagem exterior, o que permite a entrada de água na sala de condomínio, arrumos e garagem.

f) Deficiente impermeabilização do terraço de cobertura das lojas situadas no rés-do-chão do edifício (remate de telas), o que permite a entrada de água na sala de condomínio, arrumos e garagem.

g) Tinta descascada nos tetos e paredes da garagem, sala de condomínio e arrumos em consequência dos pontos anteriores.

h1) Deficiente impermeabilização dos terraços ao nível da cobertura (as fracções localizadas por baixo dos terraços ao nível da cobertura apresentam problemas graves ao nível do teto e paredes, designadamente as habitações 4.1, 3.1 e 3.4, respetivamente, frações K, G, J).

h.2) Infiltrações de elevado caudal nos arrumos das fracções R e L (lado nascente piso -1 e -2) por eventual deficiente impermeabilização da caixa de gás existente na fachada junto à entrada do nº 12074.

i) Deficiente vedação da caixilharia das janelas das habitações e partes comuns, permitindo entrada de água para as habitações e galerias comuns;

j) Infiltração de água nos corredores dos pisos, em consequência da deficiente ou inexistente mástique colocado na abertura entre a alvenaria e os caixilhos em ferro galvanizado;

k) Painel de madeira e tecto do hall de entrada do edifício danificado, denotando um aspeto irregular, desbotado.

l) Teto falso exterior em pladur, ao nível do rés-do-chão descascado e com sinais de infiltração/humidade.

m) Inexistência de infra-estrutura total para captação sinal digital terrestre (TDT) ou inexistência de contrato de fornecimento por cabo dos canais abertos.

n) Portão exterior de entrada do edifício com pintura deficiente na face interior e deficiente suporte dos braços do portão.

15. Actualmente, verificam-se as anomalias supra ids. em 14, mais concretamente nas als.: a); b) apenas na parte referida em 19); c); d); e); f) apenas na parte melhor id. em 21; g), h.2) — neste caso devido à deficiente impermeabilização da parede de contenção das caves nesta zona das garagens —, i) e j) — nestes dois últimos casos apenas nos pisos 1 e 3, onde não estava previsto o assentamento de qualquer janela, o que veio a ser feito sem assegurar os índices de isolamento desta nova fronteira (janela), conjugado com porosidade do tijolo de face à vista —, k), consistindo neste caso a anomalia unicamente na deficiente aplicação do verniz que não cobriu por igual os painéis de revestimento do hall de entrada; l) e n).

16. As fissuras supra referidas em 14.a) têm espessuras milimétricas e, de um modo geral, estendem-se por comprimentos inferiores a um metro e não indiciam ser estruturais, antes ocorrendo no revestimento superficial em monomassa.

17. No alçado lateral esquerdo (lado das rampas das garagens) aparecem em maior quantidade e com comprimentos maiores.

18. Existem fissuras em grande quantidade e pequenos desenvolvimentos no primeiro tramo da parede (altura das lojas) e com maior desenvolvimento nas paredes à altura das habitações, que se desenvolvem principalmente na horizontal e poderão estar relacionadas com algum esforço desenvolvido na estrutura já que acompanham a linha das lajes de piso.

19. Relativamente à anomalia supra referida em 14. b) existem algumas fissuras, irrelevantes, e existe uma fissura na habitação 4.2 do 4.º piso existe uma fissura vertical na ligação o perfil da ombreira da janela do alçado frontal que poderá traduzir um descolamento do pano de parede de face à vista em relação ao pano de parede interior, o que indica que poderá haver uma cedência dos grampos de travação dos dois panos ou por má execução ou por número de ligações por metro quadrado insuficiente.

20. A queda dos tijolos já foi reparada.

21. A anomalia referida em 14. f) já foi reparada, notando-se ainda a presença de água na zona da porta de acesso ao terraço.

22. Relativamente às anomalias supra referidas em 14. h), nas fracção K e J, a situação encontra-se resolvida.

23. As anomalias supra referidas em 14.a), b), c), d), e), f, g), h.2, k) e l) são erros de execução.

24. As anomalias supra referidas em 14. i) e j) são erros de concepção.

25. Os defeitos supra elencados não foram sanados pelas RR.

26. Entre a Ré Construtora San José, na qualidade de Empreiteira, e a Ré IPIN, na qualidade de Dono da Obra, foi celebrado, em 10 de Abril de 2007, um contrato de empreitada cujo objeto consistia na execução da empreitada de construção do Edifício supra identificado.

27. Nos termos da cláusula 11.ª do contrato de empreitada identificado no artigo anterior, aquando a conclusão dos trabalhos inerentes à execução daquela empreitada, o Empreiteiro e Dono da Obra procederiam a uma vistoria da obra para efeitos da receção provisória da mesma por parte do Dono da Obra, o que foi feito.

28. No caso em apreço, a receção provisória da obra em questão foi realizada, com exceção das infraestruturas exteriores, em 30 de Setembro de 2009, e para aquelas infraestruturas em 31 de Maio de 2010.


20. Em relação à pretensão de que fosse aditado aos factos dados como provados que “os AA interpuseram a presente acção em 17.3.2016”, o acórdão recorrido explicou que “… a data da interposição da presente ação consta dos próprios autos, não carecendo de ser discriminada no elenco dos factos provados, para poder ser atendida pelo tribunal, pelo que também nesta parte não se atende a pretensão da recorrente”.


21. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

— Todos os que se mostrem em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:

— Se verifiquem fissuras diversas em todo o edifício.

— Não exista infra-estrutura total para captação de sinal digital terrestre (DDT).

 

 O DIREITO


22. A primeira questão consiste em averiguar se o Condomínio do edifício sito na ..... deve considerar-se como consumidor para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio [1].


23. O art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho contém uma definição de consumidor de alcance geral. O n.º 1 define como consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” e o n.º 2 esclarece que, entre os profissionais, — que entre as pessoas que exercem com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, — estão as pessoas colectivas públicas, incluindo as regiões autónomas e as autarquias locais, as empresas de capitais públicos, ou de capitais detidos maioritariamente pelo Estado, e as empresas concessionárias de serviços públicos.


24. O art. 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, remete para a definição de consumidor do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho:

“Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por […]  consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.


25. Ora a palavra “aquele” ou as palavras “todo aquele” devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio [2], pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor. Será porventura necessário que todas as fracções do condomínio sejam destinadas a um uso privado, não profissional? Será necessário que a maioria das fracções autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional [3], ou será suficiente que uma minoria das fracções autónomas o seja? Será porventura suficiente que uma das fracções autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, para que todo o consomínio seja qualificado como consumidor [4]?


26. Em rigor deve distinguir-se a hipótese de que o direito do consumo não se aplique nunca ao condomínio (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício nunca seria uma compra de bens de consumo); a hipótese de que o direito do consumo só se aplique desde que todas as fracções sejam destinadas a uso privado; a hipótese é a de que o direito consumo só se aplica desde que a maioria das fracções seja destinada a uso privado; e a hipótese de que o direito do consumo se aplica desde que uma das fracções seja destinada a uso privado (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício seria sempre uma compra de bens de consumo, desde que pelo menos uma das fracções fosse destinada à habitação) [5].


27. Entre as quatro hipóteses deve dar-se preferência à quarta, pela razão seguinte:

 O art. 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Os negócios jurídicos — p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada — relacionados com as partes comuns do edifício deveriam ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor [6]. Em consequência, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor [7].


28. O problema está em que o conceito de consumidor é um conceito relacional.

  Cada consumidor é, necessariamente, contraparte de um comerciante, de um empresário ou de um profissional; encontra-se numa situação típica de inferioridade face a um profissional; e cada comerciante, empresário ou profissional é, necessariamente, contraparte de um consumidor — encontra-se numa situação típica de superioridade face a um consumidor.  Reinhard Bork põe o caso de uma forma impressiva — para que uma pessoa possa ser qualificada como um consumidor é decisivo que esteja em relação com um profissional e para que uma pessoa possa ser qualificada como um profisssional (para efeitos do direito do consumo) é decisivo que esteja em relação com um consumidor [8].


29. Em relação ao vendedor — IPIN -— Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, S.A., — não poderá haver dúvida de que o Condomínio do edifício sito na ............. é um consumidor.


30. Em relação ao empreiteiro — à Constructora San José, S.A. —, poderá porventura haver algumas dúvidas [9], designadamente as dúvidas de que dá conta o acórdão recorrido.


31. Entre o empreiteiro — Constructora San José, S.A. — e os condóminos, não há nenhuma relação contratual. Em todo o caso, ainda que entre o empreiteiro e os condóminos não haja nenhuma relação contratual, os acórdãos do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 — e de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2  [10] — explicam que a relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de consumo desde que o empreiteiro conheça, ou deva conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores:

“justifica-se que, dentro do espírito do regime de especial protecção ao consumidor, no confronto com empresas que se dedicam à actividade lucrativa de promoção de edifícios, com experiência técnica e negocial na área do contrato de empreitada, […] possa o Autor/Condomínio […], enquanto terceiro adquirente, deitar mão das normas especiais de garantia, e, nos prazos consignados, exercitar o direito a que, sem encargos, sejam eliminados os defeitos, por meio de reparação ou de substituição […]” [11].


32. O critério aplica-se ao caso sub judice — a relação entre o Autor, agora Recorrente, Condomínio do edifício sito na ..... e a Ré, agora Recorrida, Constructora San José, S.A., deve qualificar-se como uma relação jurídica de consumo. Entre as consequências da qualificação está, p. ex., a de que se aplica a presunção de que os defeitos do edifício dados como provados pelas instâncias são contemporâneos da entrega [12].


33. A segunda questão consiste em averiguar se, em relação ao empreiteiro, deve contar-se o prazo de garantia: 

a. — a partir da entrega do edifício pelo empreiteiro Constructora San José, SA, ao dono da obra / vendedor IPIN — Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, SA;

b. — a partir da entrega das fracções pelo dono da obra / vendedor IPIN - Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, SA, aos condóminos. ou

c. — a partir da constituição da administração do Condomínio do edifício sito na ..............  


34. Quando o empreiteiro seja simultaneamente vendedor das fracções autónomas, há uma jurisprudência constante e firme do Supremo Tribunal de Justiça no sentido que o prazo de garantia dos defeitos deve contar-se a partir da data da entrega e de que a data da entrega coincide com a data da constituição da administração do condomínio [13].


35. Como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —,

I – Aos contratos de empreitada de consumo aplica-se, para obter a reparação, eliminação ou substituição dos defeitos da obra, a legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) e só subsidiariamente o Código Civil.

II - A entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o dies a quo a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.


36. O conceito de entrega relevante para efeitos do art. 1225.º, n.º 1, do Código Civil e do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, exige que “a assembleia de condóminos disponha de autonomia para, perante o construtor/vendedor, poder reclamar os defeitos, o que é incompatível com uma situação em que este tenha ainda poderes de administração relativamente ao prédio” [14].


37. Quando o empreiteiro não seja simultaneamente vendedor do edifício, ou das fracções autónomas do edifício, não há uma jurisprudência tão constante e tão firme.


38. Em todo o caso, o art. 1225.º, n.º 1, do Código Civil e o art. 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, determinam que os terceiros adquirentes têm o direito de exigir do empreiteiro a reparação da obra.


39. O art. 1225.º do Código Civil determina que, “se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e […] a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.


 40. O art. 1.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, determina que o regime da venda de bens de consumo deve aplicar-se, com as necessárias adaptações, à empreitada de bens de consumo, o art. 4.º, n.º 1, determina que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que a conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato” e o art. 4.º, n.º 6, esclarece que “os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”.


41. O acórdão recorrido considera exclusivamente o art. 1225.º do Código Civil, para dizer que o art. 1225.º não dá, não pode dar, aos terceiros adquirentes (ao condomínio ou aos condóminos) mais direitos do que aqueles que o vendedor, como dono da obra, tinha em relação ao empreiteiro e, em consequência, não dá, não pode dar, aos terceiros adquirentes um prazo de garantia superior àquele que o vendedor, como dono da obra, tinha em relaçãoa ao empreiteiro.


 42. Em conformidade com o acórdão recorrido, o prazo de garantia dos terceiros adquirentes deveria começar a contar-se da data em que começa a contar-se o prazo de garantia do vendedor, ou seja, da data da entrega da obra ao vendedor:

“… o art. 1225º nº 1 do CC. ao estabelecer que o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente, confere ao terceiro adquirente, uma maior proteção, ao permitir-lhe que invoque o regime de responsabilidade por defeitos em imóvel destinado a longa duração, no caso de o ter adquirido ao dono da obra.

… o empreiteiro responde pelos defeitos da obra dentro do prazo de cinco anos, com termo inicial na entrega da obra ao primitivo dono e, […] como decorre do n.º 2 do artigo 1225 do CC, a denúncia tem de ser feita no prazo de um ano a partir do conhecimento do defeito e a indemnização pedida também no prazo de um ano, começado a contar dessa denúncia.

Ora, relativamente à responsabilidade da ré empreiteira perante terceiros importa a data da primeira aquisição, ou seja a entrega do prédio à dona, para averiguar se está atingido o prazo de cinco anos

Com efeito, nesta extensão da responsabilidade do empreiteiro face ao dono da obra, ao terceiro adquirente do imóvel, ‘é indiferente o número de alienações do imóvel defeituoso, continuando o empreiteiro a responder perante o último adquirente, dentro do referido prazo de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono. Este prazo não se renova após cada transmissão de propriedade’ […].

No caso em apreço, os factos revelam que a entrega da obra ocorreu em 31 de Maio de 2010, pelo que a denúncia feita pelo condomínio autor, em Julho de 2015, mostra-se extemporânea, isto é feita após o decurso daquele prazo de garantia.

Não resultando dos autos, nomeadamente de qualquer outro facto provado, que a 2ª Ré tenha reconhecido a sua responsabilidade pela existência ou pelo dever de reparação dos defeitos, tem-se forçosamente de concluir que quanto a si, mostra-se caducado o direito do Autor.

Terá assim que ser julgada procedente a exceção da caducidade invocada pela 2ª Ré, sendo procedente o recurso por si interposto”.


 43. Ora o caso sub judice é em substância semelhante àqueles que foram apreciados e decididos pelos acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —, de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 — e de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2  —: a obra tinha sido entregue pelo empreiteiro ao dono da obra / vendedor e pelo vendedor aos condóminos / consumidores.


44. Em consonância com os acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016, de 17 de Outubro de 2019 e de 10 de Dezembro de 2019, deve entender-se que:

I. — em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio;

II. — em relação aos defeitos das partes próprias, das fracções autónomas, o prazo deverá contar-se a partir da entrega da coisa ao primeiro adquirente — ao primeiro comprador / consumidor — de cada uma das fracções.


45. Em primeiro lugar, a aplicação do prazo de garantia do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, a contar da entrega da coisa ao condomínio ou aos condóminos, é a regra que se harmoniza de forma mais imediata com a qualificação das relações entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, como relações de consumo.


46. Em segundo lugar, a regra de que o prazo de garantia começa a contar-se a partir da entrega do edifício ao condomínio, ou da entrega de cada uma das fracções comuns a cada um dos condóminos, é aquela que se harmoniza de forma mais imediata com a regra de que a responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra / vendedor é uma responsabilidade solidária [15].


47. O Supremo Tribunal tem considerado que o empreiteiro responde, por ter dado causa aos danos [16], e o dono da obra / vendedor responde, tão-só, para garantir a indemnização dos compradores [17] — a responsabilidade do empreiteiro desempenha a função principal e a responsabilidade do dono da obra / vendedor uma função acessória ou complementar. Ora a construção da obrigação de indemnizar do dono da obra / vendedor como garantia da obrigação de indemnizar do empreiteiro (= como garantia da responsabilidade do empreiteiro) depõe em favor de que o prazo de garantia comece a correr em simultâneo para o empreiteiro e para o dono da obra / vendedor.


48. A tese de que, em relação ao empreiteiro e ao dono da obra / vendedor, o prazo de garantia começa a correr em simultâneo, a partir da entrega da coisa ao condomínio, ou aos condóminos tem como consequência que o dono da obra só responderia desde que o empreiteiro respondesse; a tese de que, em relação ao empreiteiro, o prazo de garantia começa a correr a partir da entrega da coisa ao dono da obra / vendedor e de que, em relação ao dono da obra / vendedor, o prazo de garantia começa a correr a partir da entrega da coisa ao condomínio ou aos condóminos teria como consequência que o dono da obra / vendedor responderia, para garantir a indemnização dos compradores, ainda que o empreiteiro não respondesse. O resultado poderia ser injusto para o dono da obra / vendedor — o dono da obra / vendedor responderia, e responderia em definitivo, por danos a que não deu causa — e, ainda que porventura não fosse injusto para o dono da obra / vendedor, sempre seria injusto para os condóminos / compradores: a função de garantia do regime da solidaridade ficaria frustrada desde que o vendedor só deixasse de ter poder para determinar o curso das decisões dos condóminos depois de decorrido todo ou quase todo o prazo de garantia


49. O resultado só pode ser reforçado por uma dupla constatação.

 I. — Em primeiro lugar, pela constatação de que, no acórdão de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 —, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra / vendedor era uma responsabilidade solidária e que o prazo de caducidade da responsabilidade do empreiteiro e do dono da obra começava a contar-se da entrega da entrega da coisa ao condomínio.

II. — Em segundo lugar, pela constatação de que, nos acórdãos de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 — de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2, o Supremo Tribunal de Justiça declarou, expressamente, que “a responsabilidade da Ré / empreiteiro, por cumprimento defeituoso, desde que seja previamente feita a denúncia do defeito […] e tempestivamente exercidos os direitos a que aludem os arts. 1221.º a 1223.º do Código Civil […] —- e, quanto à empreitada de consumo, o disposto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio”.


50. Finalmente, sempre se dirá que a regra de que o prazo de garantia começa a contar-se a partir da entrega do edifício ao condomínio, ou a partir da entrega de cada uma das fracções autónomas a cada um dos condóminos, não é de forma nenhuma uma regra desproporcionada ou excessivamente onerosa para o empreiteiro. Entre as condições da aplicação dos prazos dos arts. 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, está a de que a relação entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, deve qualificar-se como relação de consumo e entre as condições da qualificação da relação entre o empreiteiro e o condomínio, ou entre o empreiteiro e os condóminos, como relação de consumo está o de que o empreiteiro conhecesse, ou devesse conhecer, o fim do dono da obra de dividir o edifício em fracções autónomas e de vender cada uma das fracções autónomas a consumidores [18].


51. Os factos dados como provados sob os n.ºs 5 e 6 são do seguinte teor.

5. O identificado prédio, projetado e construído pelas, respetivamente, 1º e 2º RR um edifício com 8 pisos, com cave -2, cave -1, rés-do-chão, 1.º, 2.º, 3.º e 4.º andares e vão do telhado.

6. É um edifício constituído por 14 fogos (frações de A a N), 4 estabelecimentos comerciais (Frações de O a R) e garagens (frações S a Z).


 52. O empreiteiro Constructora San José, SA, não podia desconhecer que um edifício com as características descritas se destinava a ser dividido em fracções autónomas e que algumas das fracções autónomas do edifício se destinavam a ser vendidas a consumidores [19].


53. Estando em causa defeitos nas partes comuns do edifício, os prazos previstos no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, começam a contar-se (devem começar a contar-se) a partir da data da entrega do edifício ao condomínio; — a data da entrega ao condomínio coincide (deve coincidir) com a data da constituição da administração do condomínio; — e a data da constituição da administração do condomínio coincide (deve coincidir) com a data “… em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o dies a quo a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra” [20].


54. Os factos dados como provados sob os n.ºs 2 e 7-9 são do seguinte teor:

2. A sociedade comercial Esco Empresa de Serviços, Condomínios e Obras, Lda. foi eleita para o cargo de Administradora do referido Condomínio por deliberação de Assembleia Ordinária de Condóminos de 08-01-2015.

7. A 1.ª Ré foi a 1 .ª administradora do Condomínio do empreendimento, permanecendo em funções até 07 de Janeiro de 2015.

8. No dia 08.01.2015 a 1.ª Ré cessou funções, tendo-lhe sucedido a Autora Esco, Lda..

9. A venda das primeiras frações, pela 1.ª Ré, teve início em finais de 2010, tendo a última transação (conhecida) sido efetuada em Dezembro/2015.


55. Em consequência, a data em que a dona de obra / vendedora IPIN -— Investimentos e Participações Imobiliárias do Norte, S.A., “deixou de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos” foi o dia 8 de Janeiro de 2015.


56. O prazo de garantia era de cinco anos a contar da entrega do bem [21].


 57. Ora os factos dados como provados sob os n.ºs 11 a 13 são suficientes para que se conclua que os defeitos foram denunciados dentro do prazo de garantia:

11. Em Julho/2015 as RR receberam comunicação registada com aviso de receção da Autora Esco, Lda., com vista à identificação, denúncia e pedido de sanação das diversas patologias.

12. Foram remetidas novas comunicações às RR, em Setembro/2015, sem que tenham colhido qualquer resposta ou contacto das mesmas.

13. Quanto à comunicação endereçada em Setembro/2015, a Ré IPIN não recebeu a comunicação nem a reclamou junto dos serviços postais; a 2.ª Ré rececionou a correspondência.


58. O prazo para a denúncia era de um ano a contar do conhecimento dos defeitos [22].


59. Ora, a denúncia foi feita antes de decorrido um ano sobre a data da entrega — e, ainda que não tivesse sido feita antes de decorrido um ano sobre a data da entrega, sempre o ónus da prova de que o condomínio denunciou o defeito depois de decorrido o prazo do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, recairia sobre o empreiteiro [23] [24].


60. O prazo para o exercício dos direitos do Condomínio, através da propositura da acção, era de três anos a contar da denúncia [25].


61. Ora, a denúncia foi feita em Julho de 2015 e a acção foi proposta em Março de 2016.


62. Em consequência, a acção foi proposta dentro dos prazos legais — devendo julgar-se improcedente a excepção de caducidade deduzida pela 2.ª Ré, agora Recorrente, Constructora San José, S.A.


III. — DECISÃO

 Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

 Custas pela Recorrida Constructora San José, S.A.


Lisboa, 20 de Janeiro de 2022



Nuno Manuel Pinto Oliveira (relatora)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_______

[1] Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, aplicável aos contratos concluídos a partir de 1 de Janeiro de 2022 [cf. arts. 53.º, n.º 1, e 55.º).

[2] Cf. designadamente [Karl Larenz /] Manfred Wolf / Jörg Neuner, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, cit., pág. 142; Reinhard Bork, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 4.ª ed, Mohr Siebeck, Tübingen, 2016, pág. 73 (nota n.º 32).

[3] Como sugere, p. ex., João Cura Mariano, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 7.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 264-265 — só deveria considerar-se como consumidor desde que a maioria das fracções tivesse um destino não profissional (p. ex., a habitação).

[4] Como sugere p. ex., Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo. Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, (dissertação de doutoramento), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2011, pág. 22 (nota n.º 38]. O condomínio “deve[ria] ser considerado consumidor sempre que, numa perspectiva objectiva, o bem ou serviço p[udesse] ser considerado um bem ou serviço de consumo para uma das pessoas que o condomínio representa”.

[5] Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, Livraria Almedina, Coimbra, 2013, págs. 13-14.

[6] Jorge Morais Carvalho, Manual de direito do consumo, cit., págs. 13-14 — explicando que “o condomínio poder[ia] representar os interesses relativos a essas partes em representação do (ou dos) condómino(s)”.

[7] Sobre a extensão do regime específico do direito do consumo ao condomínio, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de compra e venda, vol. I — Introdução. Formação do contrato, Gestlegal, Coimbra, 2021, págs. 162-165.

[8] Reinhard Bork, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, cit., págs. 72-73.

[9] Cf. acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 —: “Reconhecendo-se não ter existido qualquer empreitada celebrada entre o Autor/Condomínio […] e a Ré […]. os reclamados direitos dos condóminos […] relativamente às respectivas partes comuns […], não decorrem de uma aplicação directa do regime do contrato de empreitada, pois que […] os condóminos haverão de ser tidos como terceiros adquirentes relativamente ao empreiteiro […]”.

[10] Com anotação de José Filipe Ferreira em NOVA Consumer Lab — WWW: < https://novaconsumerlab.novalaw.unl.pt/stj_condominio-consumidor/ >.

[11] Cf. acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1 —, citado pelo acórdão de 10 de Dezembro de 2019 — processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2.

[12] Cf. art. 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril: “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”. [13] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 6 de Junho de 2002 — processo n.º 02B1285 —, de 1 de Junho de 2010 — processo n.º 4854/03.0TBGDM.P1.S1 —, de 29 de Junho de 2010 — processo n.º 12677/03.0TBOER.L1.S1 —, de 29 de Novembro de 2011 — processo n.º 121/07.TBALM.L1.S1 —, de 15 de Novembro de 2012 — processo n.º 25106/10.4T2SNT.L1.S1 —, de 6 de Junho de 2013 — processo n.º 8473/07.4TBCSC.L1.S1 —, de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 — e de 17 de Novembro de 2021 — processo n.º 8344/17.6T8STB.E1.S1.

[14] Cf. acórdão do STJ de 17 de Novembro de 2021 — processo n.º 8344/17.6T8STB.E1.S1

[15] Cf. acórdãos do STJ de de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1 — e de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1.

[16] Cf. acórdão do STJ de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1: “os danos a ressarcir são resultantes apenas da actuação do empreiteiro”.

[17] Cf. acórdão do STJ de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 739/13.0TVLSB.L1.S1: a responsabilidade do empreiteiro é, “por razões tidas como relevantes pelo legislador, estendida a outrem ao promotor imobiliário/vendedor”.

[18] Cf. acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 1066/14.1T8PDL.L1.S1.

[19] Como diz o acórdão recorrido, “‘fogo’ é sinonimo de ‘casa de habitação’, de ‘residência’, sendo que o facto de quatro das frações autónomas serem estabelecimentos comerciais, claramente em minoria relativamente á parte habitacional, não retira ao edifício que apresenta defeitos nas suas partes comuns, a aplicabilidade do identificado regime. O bem imóvel é entregue maioritariamente a consumidores, daí a aplicação deste regime legal”.

[20] Expressão do acórdão do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 721/12.5TCFUN.L1.S1.

[21] Cf. cf. art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

[22] Cf. cf. art. 5.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio

[23] Vide, na doutrina, ainda que a propósito da compra e venda, João Calvão da Silva, Responsabillidade civil do produtor, Livraria Almedina, coimbra, 1999, págs. 210-211 (nota n.º 3) e, na jurisprudência, o acórdão do STJ de 24 de Maio de 2012 — processo n.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1.

[24] O resultado está de acordo com o art. 343.º, n.º 2, do Código Civil — “nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido” [cf. designdamente João Calvão da Silva, Responsabillidade civil do produtor, cit., págs. 210-211 (nota n.º 3)].

[25] Cf. cf. art. 5.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio