Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
40/11.4JAAVR.C2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AGRAVANTE
ARMA PROIBIDA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
FINS DAS PENAS
IN DUBIO PRO REO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
QUESTÃO INTERLOCUTÓRIA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO - DIREITO DA FAMÍLIA / ALIMENTOS - DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÃO LEGÍTIMA.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA / COMPETÊNCIA - TRIBUNAIS.
DIREITO PENAL - FACTO / CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA - AUDIÊNCIA - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 1982, pp. 539, 615.
- Cesare Becaria, Dos delitos e das Penas, tradução de José de Faria e Costa, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38.
- Eduardo Correia, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do ... da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
- Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, tomo I, pp. 25, 26, 27, 29, 30 e 40; Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pp. 192, 204, 211, 302, 306; Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, pp. 84, 117, 118, 121; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss..
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 294.
- Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, anotado e comentado, 18ª edição, 2007, pp. 278 e 279.
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Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 495.º, 496.º, 562.º, 563.º, 563.º, 804.º, 805.º, 2009.º, 2013.º, 2133.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 125.º, 127.º, 129.º, 355.º, N.º1, 374.º, N.º2, 379.º, 400.º, N.º1, ALS. C) E B), 410.º, 412.º, N.ºS 3 E 4, 427.º, 428.º, 432.º, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 32.º, 40.º, 71.º, 131.º, 132.º, 133.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º, N.º2, 29, N.ºS 1, 3 E 4, 32.º, 165, N.º 1, ALÍNEA C), 205.º, N.º1.
LEI N.º 5/2006, DE 23-02: - ARTIGO 86.º, N.º 3.
LEI Nº 20/2013, DE 21 DE FEVEREIRO.
LEI Nº 26/2010, DE 30 DE AGOSTO.
LEI Nº 59/98, DE 25 DE AGOSTO.
PORTARIA N.° 29 1/03, DE 08-04.
Referências Internacionais:
CEDH: - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 16-01-1985, IN BMJ 343, 237;
-DE 15-4-1997, PROCESSO N.º 97A208, DE 24-5-2007, PROCESSO N.º 07B1359, DE 12-3-2009, PROCESSO N.º 09P0611, E DE 15-4-2009, PROCESSO N.º 08P3704;
-DE 01-04-1998, IN CJ. - AC. STJ - ANO VI - TOMO 2- FLS. 175;
-DE 10-11-1999, PROCESSO N.º 823/99 – 3ª, SASTJ. Nº 35,74;
-DE 1-03-2000, BMJ 495, 209;
-DE 12-04-2000, PROCESSO N.º 141/2000-3ª; SASTJ, Nº 40. 48;
-DE 18-10-2001, PROCESSO N.º 2137/01- 5ª, SASTJ, Nº 54, 122;
-DE 13-11-2002, SASTJ, Nº 65, 60;
-DE 14-11-2002, PROCESSO N.º 02P3316;
-DE 27-5-2004, PROCESSO N.º 04P1389; DE 17-1-2007, PROCESSO N.º 06P3845; DE 23-5-2007, PROCESSO N.º 07P1495; DE 23-10-2008, PROCESSO N.º 08P2856; DE 18-3-2010, PROCESSO N.º 1374/07.8PBCBR; DE 14-10-2010, PROCESSO N.º 494/09.9GDTVD; DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 508/10.0JAFUN; DE 25-10-2012, PROCESSO N.º 525/10.0PBLRA;
-DE 7-07-2005, PROCESSO N.º 1670/05 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 29-03-2006, IN COL. JUR, ACS DO STJ, XIV, TOMO I, 225;
-DE 25-10-2006, PROCESSO N.º 05P3635, DE 29-3-2007, PROCESSO N.º 07P1034, E DE 14-5-2009, PROCESSO N.º 19/08.3PSPRT;
-DE 8-11-2006, PROCESSO N.º 3102/06- 3.ª SECÇÃO;
-DE 9-11-2006, PROCESSO N.º 4056/06 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 15-11-2006, PROCESSO N.º 2555/06- 3ª SECÇÃO;
-DE 17-05-2007, PROCESSO N.º 1608/07 - 5.ª SECÇÃO
-DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 07P1602;
-DE 6-06-2007, PROCESSO N.º 1899/07;
-DE14-06-2007, PROCESSO N.º 1387/07 – 5ª SECÇÃO,
-DE 3-10-2007, PROCESSO N.º 07P1779, 3ª SECÇÃO;
-DE 2-4-2008, PROCESSO N.º 07P4730;
-DE 3-04-2008, PROC. N.º 2811/06 - 5.ª SECÇÃO;
-DE 15-05-2008, PROCESSO N.º 3979/07 - 5.ª SECÇÃO
-DE 16-05-2008, PROCESSO N.º 899/08, 3ª SECÇÃO;
-DE 31-03-2011, PROCESSO N.º 361/10.3GBLLE, 5ª SECÇÃO;
-DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 508/10.0JAFUN.
Sumário :

I - O STJ, enquanto tribunal de revista, só conhece dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, que não a requerimento dos sujeitos processuais, caso os mesmos se perfilem no texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum.
II - O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é um conceito jurídico-processual que apenas tem a ver com o texto da decisão recorrida, perspectivado na matéria de facto provada e não provada, no sentido de que a decisão em matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito.
III - A contradição insanável de fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, perceptível, consistente e conjugável harmonicamente entre si, apurada na versão transmitida.
IV - O erro notório na apreciação da prova supõe factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detectável por qualquer cidadão de mediana formação cultural.
V - Enquanto a valoração da prova obedece ao art. 127.º do CPP e é prévia à fixação da matéria de facto, o vício do erro notório na apreciação da prova só surge perante o texto da decisão em matéria de facto, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum.
VI - O princípio in dubio pro reo, como respeita à matéria de facto e à apreciação e valoração de prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo resultar da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
VII - A violação do princípio in dubio pro reo ocorre quando, seguindo o processo decisório, se concluir que o tribunal, tendo ficado na dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a decisão não esteja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis, pela prova em que assenta a convicção.
VIII - Mas, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípio de direito probatório. Não se pode ignorar que a apreciação da prova assenta (fora das excepções relativas a prova legal) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência (art. 127.º do CPP).
IX - O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações.
X -A circunstância de o recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que foi o principal.
XI - É irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do n.º 1 do art. 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo.
XII - A qualificação do crime de homicídio resultante da verificação das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º do CP está dependente da verificação da cláusula da especial censurabilidade ou perversidade: só na medida em que tais circunstâncias as revelem é que qualificam o crime. Para além disso, é exemplificativa a enumeração das circunstâncias do n.º 1.
XIII - Se as circunstâncias enumeradas no n.º 2 do art. 132. º do CP não agravam de modo automático o crime de homicídio, também não esgotam o elenco das possíveis situações agravadoras: pode não haver qualificação na presença delas, como pode ocorrer a qualificação mesmo sem se verificarem aquelas circunstâncias.
XIV - A qualificação do crime de homicídio com base do n.º 1 do art. 132.º do CP não ofende os princípios da legalidade e da tipicidade, nem qualquer princípio constitucional inerente ao Estado de direito democrático, na medida em que o efeito agravador funciona sempre por referência à cláusula agravante constante do n.º 1.
XV - Revela especial censurabilidade a conduta do arguido que assassina num parque infantil o pai da sua própria neta, que tinha apenas 3 anos e 8 meses de idade, quando esta se encontrava ao seu colo, assistindo, deste modo, à morte do pai pelo avô materno.
XVI - Esta conduta do arguido revela um código de valores individuais que se afasta dos padrões éticos socialmente aceitáveis, constituindo um acto altamente censurável, ainda que a motivação do crime tenha assentado na relação de conflito crescente entre a sua filha e a vítima por causa das responsabilidades parentais da filha de ambos.
XVII - Também a forte persistência de matar (efectuou 6 disparos, 5 deles depois de já ter atingido a vítima e após esta se ter virado de costas e posto em fuga, indo no seu encalço e continuando a disparar até esgotar todas as munições do revólver) revela um acentuado desvalor da personalidade do arguido, caracterizador da especial perversidade e de um grau de gravidade equivalente à estrutura valorativa dos exemplos-padrão.
XVIII - Não há fundamento para afastar a agravação prevista no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23-02, quando o uso de arma não é elemento do crime de homicídio e não leva ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132.º do CP.
XIX - As fortes exigências de prevenção geral atinentes ao crime de homicídio, que destrói o bem jurídico fundamental da vida humana, as normais exigências de prevenção especial e os limites legais da pena entre os 16 e os 25 anos de prisão, por força da qualificativa arma, levam a considerar adequada e proporcional a pena de 16 anos de prisão.
XX - O chamamento sucessivo previsto no n.º 2 do art. 496.º do CC apenas existe no caso de danos não patrimoniais sofridos pela vítima.
XXI - Por isso, os demandantes, na qualidade de pais da vítima, têm direito a indemnização por danos não patrimoniais derivados do desgosto sofrido pela morte do filho, que faleceu no estado de solteiro e deixando uma filha, neta daqueles.

Decisão Texto Integral:

                             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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Nos autos de processo comum n° 40/11.4JAA​VR.C2, da Comarca do Baixo Vouga, - Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro, foi julgado pelo tribunal do júri, o arguido AA, id. nos autos, e por acórdão de 7 de Dezembro de 2012, veio a ser condenado na pena de 20 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos art.s 131º e 132º, nº 1, do Código Penal.

O arguido foi, ainda, condenado a pagar a cada um dos assistentes demandantes BB e CC, id. nos autos, a quantia de € 25.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% desde a data da notificação para contestar até integral pagamento.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida constante do art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/2, que também lhe fora imputado, foi julgado extinto o procedimento criminal, por descriminalização.


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Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, - sendo que havia antes interposto outros recursos de decisões interlocutórias, em cuja decisão manifestou manter o interesse - para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por seu acórdão de 8 de Maio de 2013, decidiu:

“I - Nega-se provimento a todos os recursos intercalares interpostos, indo o arguido condenado pelo respetivo decaimento em 5 UC´s de taxa de justiça em cinco desses recursos e em 6 UC´s de taxa de justiça em dois deles;

II – Quando ao recurso do acórdão final:

a)         concede-se provimento ao segmento do recurso relativo à condenação em indemnização civil, dela se absolvendo o arguido;

b)         quanto a tudo o mais, confirma-se a decisão recorrida.”


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Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação, dela vieram recorrer para este Supremo Tribunal:

Em 31 de Maio de 2013, os demandantes supra referidos que apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

I.          O âmbito do presente recurso encontra-se limitado à parte do Acórdão da Relação relativa ao pedido de indemnização civil.

II.         Relativamente ao dito pedido, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra modificar a decisão da 1ª Instância, absolvendo o Arguido da condenação no pagamento de indemnização cível aos pais da vítima DD, aqui Recorrentes.

III.        Entendeu aquele Colendo Tribunal que não assistia aos pais Recorrentes o direito legal de serem indemnizados pelos danos morais sofridos em consequência da morte do filho.

IV.       Sucede que o referido direito de indemnização por danos morais decorrentes do homicídio de um filho radica no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos e na correspondente obrigação de indemnizar pelos danos causados, como bem entendeu, aliás, o Tribunal do Júri (cfr. artigos 483° e 496°, n.o 1 do Código Civil).

V.        E sempre assim teria de ser sob pena de ficarem desprotegidas pessoas (neste caso os pais da vítima de homicídio) portadoras de interesses legítimos próprios e autónomos, igualmente merecedores de tutela jurídica.

VI.       Neste caso concreto, por maioria de razão, entendimento diferente consubstanciaria uma manifesta injustiça, inaceitável no seio de um ordenamento jurídico que se pretende justo, adequado e equitativo.

VII. O crime de homicídio qualificado do qual resultou a morte do filho dos ora Recorrentes foi perpetrado pelo avô materno da filha da vítima, a qual se encontra entregue à guarda da mãe, que, por sua vez, tem apoiado publicamente o pai homicida ao longo de todo o procedimento criminal.

VIII.     O não reconhecimento, neste caso concreto, de um direito próprio dos pais da vítima a serem indemnizados pelos danos morais por si directamente sofridos com a morte do filho seria "libertar" o Arguido de qualquer dever ressarcitório face aos gravíssimos danos morais que a sua conduta homicida provocou.

IX.       Importa aqui relevar que a indemnização em processo penal, no âmbito dos direitos não patrimoniais, reveste uma natureza marcadamente mista: mais do que compensar alguém pela lesão, não lhe é estranha a ideia de reprovar, no plano civilístico, e com os meios de direito privado, a conduta do agente.

X.        Face à factualidade provada nos autos (e confirmada na íntegra pela Relação) impõe-se concluir que se encontram reunidos, relativamente aos ora Recorrentes, todos os pressupostos do direito a serem indemnizados, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, pelos danos morais que a morte do filho, em circunstâncias extremamente violentas lhes provocou.

XI.       Com efeito resultou provada nos autos a ocorrência de uma conduta voluntária e dolosa do Arguido (consubstanciada no homicídio da vítima), através da qual este violou direitos subjectivos (não só da vítima mas também) dos seus progenitores, causando-lhes prejuízos de natureza não patrimonial (danos morais) - direito próprio e autónomo.

XII.      Estão aqui em causa os danos morais sofridos directamente pelos pais da vítima com a sua morte.

XIII.     A dor, o sofrimento, a angústia e a tristeza indizíveis por que passaram, e continuarão a passar, até ao fim dos seus dias, ao saberem o seu filho morto e da forma como foi executado pelo arguido.

XIV.     Fruto do comportamento homicida do Arguido, os aqui Recorrentes viram"se definitiva e irremediavelmente privados da companhia do seu filho querido e amado, com quem mantinham laços de grande afecto e proximidade.

XV.      Os Recorrentes perderam um filho da forma mais trágica e cruel possível, tendo a sua vida sido ceifada a sangue-frio, de forma especialmente perversa e censurável, com total frieza de ânimo por parte do Arguido.

XVI.     E sofrem por saberem que a neta crescerá sem o amor do pai, que por ela nutria um imenso amor, pelo qual, infelizmente acabou por ser executado.

XVII.    Deverão ser atendidos os danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496°, n.º 1 do Código Civil).

XVIII.   Quanto ao montante de tais danos de natureza não patrimonial, o mesmo deverá ser fixado equitativamente, atendendo-se, designadamente ao grau de culpabilidade do agente (que foi máximo porquanto o homicídio foi doloso), à situação económica deste (que se provou ser desafogada) e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

XIX.     Neste caso, deverá necessariamente atender"se, pelo menos, à ausência de confissão por parte do Arguido, que forçou os pais da vítima a enfrentarem todo o julgamento do homicida do seu filho, com grande ansiedade e angústia face ao seu desfecho.

XX.      E, sobretudo, a manifesta e ostensiva falta de remorsos - leia-se, arrependimento - do Arguido face à sua conduta, o qual, a ter existido, sempre poderia ter trazido algum conforto aos aqui Recorrentes.

XXI.     Os Recorrentes terão, pelo menos, direito a ser indemnizados, por via do seu chamamento sucessivo, a ser efectuado, seja ao abrigo do artigo 496°, n. ° 2 do Código Civil, seja ao abrigo do artigo 2133° daquele Código.

XXII.    A situação em análise, em que a filha menor da vítima, devidamente representada pela sua mãe (filha do homicida), não quis deduzir pedido de indemnização cível, seja pelos danos morais próprios que sofreu, seja pelos danos morais que o pai (filho dos Recorrentes) sofreu (aí se incluindo o sofrimento vivido no período que antecedeu a morte e o próprio dano pela perda da vida) é análoga à situação constante da previsão da norma referida no parágrafo anterior em que à uma impossibilidade ou uma recusa de aceitação da herança.

XXIII.   A lei não faz corresponder a impossibilidade de aceitação ou a recusa da herança à perda irremediável do direito de alguém a ela suceder, mas apenas determina que deverão ser chamados os sucessores da classe seguinte.

XXIV. Os aqui Recorrentes sempre teriam direito a serem indemnizados pelos danos morais emergentes da morte do filho e, neste caso, já não apenas os relativos ao seu próprio sofrimento, mas também os relativos ao sofrimento do filho (que como resultou demonstrado nos autos anteviu a própria morte) e à perda do direito à vida por parte - cfr. GGlogia n.o 1 do artigo 2137° do Código Civil,.

XXV.   Mais, para efeitos de indemnização por danos morais e sob pena de se chegar a resultados absurdos e intoleravelmente injustos, que feririam o Estado de Direito no seu âmago, a renúncia à indemnização por danos morais pela (supostamente) única titular do direito, sempre teria de equivaler à sua inexistência, permitindo-se o chamamento da(s) pessoa(s) da classe seguinte.

XXVI. Também assim não andou bem o Tribunal da Relação ao absolver o Arguido da dita condenação de pagamento de danos morais aos Recorrentes, desta feita por violação do disposto nos artigos 496°, nº 2, 2133°, 2137°, n.º 1 e 2157° do Código Civil.

Nestes termos e com base no exposto,

Deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, com todas as consequências legais, revogando-se a decisão recorrida na parte referente ao pedido de indemnização cível e mantendo, na íntegra, a decisão do Tribunal de Júri, pois só assim será Direito e se fará JUSTIÇA!

Em 13 de Junho de 2013, o arguido, que apresenta as seguintes CONCLUSÕES

1.ª       Mantém-se o interesse na impugnação das decisões que a Relação proferiu sobre todos os recursos interlocutórios abaixo identificados, as quais a Relação incluiu no seu Acórdão, ora recorrido, razão por que, também na presente motivação, o recorrente inclui as críticas que, nessa parte, lhe merece a decisão proferida pela Relação:

a) motivação de recurso do despacho de fls. 3552 que decidiu não retirar dos autos as fotografias da menor EE remetida ao Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro em 10.09.12;

b) motivação de recurso do despacho proferido na acta de audiência de discussão e julgamento de 9.10.12 que admitiu as gravações vídeo aí referidas, remetida ao Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro em 31.10.12;

c) motivação de recurso do despacho proferido na sessão de julgamento de 23.10.12 (ref.ª 16270680) que recaiu sobre o requerimento do arguido de fls. 4347 e segs. remetida ao Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro em 12.11.12;

d) motivação de recurso do despacho proferido em acta de julgamento do dia 9.11.12 (ref.ª 16474223) sobre a comunicação efectuada ao arguido da eventualidade de qualificação atípica do crime de homicídio, enviada ao Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro em 25.11.12;

e) motivação de recurso do despacho proferido em acta de julgamento do dia 19.11.12 (ref.ª 16558463) que decidiu indeferir as diligências probatórias requeridas pelo arguido, remetida ao Juízo de Instância Criminal de Oliveira do Bairro;

Os vícios alegados nas motivações de todos aqueles recursos interlocutórios mantiveram-se também no seio do Acórdão da Relação, que os assumiu, e sobre eles fundamentou a decisão, razão pela qual, em consequência, o Acórdão recorrido, ao desatender o teor das motivações recursórias atrás elencadas, ficou a padecer, a esse título, das nulidades previstas no art.º 379, n.º 1, alíneas b) e c) do CPP, que as conclusões abaixo elencadas implicam necessariamente:

 

            DOS VÍCIOS DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

2.ª       Encontra-se violada a garantia constitucional (art.º 32, n.º 9, da CRP) do arguido de ver constituído legalmente o Tribunal que o vai julgar, porquanto, conforme nulidade por ele arguida (e que, por insanável, nem sequer tinha que ser arguida), aquele não foi constituído a partir do universo de cem pessoas exigido pelos art.ºs 9.º e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 387/A/87 de 29.12; Neste sentido, encontra-se igualmente violado o art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) que salvaguarda o direito a um tribunal, enquanto corolário do direito a um processo equitativo consagrado neste dispositivo.

3.ª       Na verdade, parte das pessoas que foram inicialmente seleccionadas no grupo de cem, não foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10, n.º 1, do DL 387/A/87, sendo de seguida excluídas, sem fundamento legal, do sorteio previsto no art.º 11, n.º 1, daquele Decreto-Lei;

4.ª       Também na audiência pública de apuramento a que se refere o art.º 12, n.º 2, do referido Decreto-Lei, não compareceu um dos dezoito selecionados nos termos do artigo anterior (art.º 11, n.º 2) daquele mesmo Diploma Legal, o qual ficou assim subtraído às diligências previstas no art.º 12, n.º 2, designadamente às respostas a dar às perguntas que o defensor do arguido lhe formularia no exercício de direito legalmente consagrado que assim lhe foi coarctado;

5.ª       Nulidade que o arguido logo ali também arguiu e que, tal como a referida na conclusão 2.ª é insanável, por constituírem ambas violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal (art.º 119, alínea a), 2.ª parte, do CPP);

6ª.     Tais nulidades insanáveis, produzidas ao abrigo de despacho irrecorrível (artº. 10º., nº. 4, do DL 387-A/87) só poderiam ser supridas pelo trânsito em julgado da decisão final – CAVALEIRO FERREIRA, GERMANO MARQUES DA SILVA e COSTA PIMENTA, in ob.cits. e Acórdão do STJ de 07.06.89 e Acórdão do TC nº. 146/01, de 28.03.01 atrás GGlisados.

7ª.       Verdadeiramente tratar-se-á até de inexistência jurídica de tais decisões, por radicar em acto não jurisdicional, conforme assinalam os autores acima citados e decidiu, em caso semelhante o Ac. da Relação de Coimbra de 14.05.03, relator OLIVEIRA MENDES,  in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVIII, tomo 3, págs.39 e segs. e a posição da Rev. do MP, ano 3, vol.11, pág.97 a 114.

8ª.     Tais preceitos (artº.10, nº. 1 e 4, 11, nº.1, do DL 387-A/87 e artº. 119, alíneas a) e c) do CPP), na concreta interpretação que deles fez a 1ª.instância e agora confirmada pela Relação, no sentido de se entender que de tais normas resulta a possibilidade de o universo de cem pessoas exigido no artº.10, nº. 1 daquele DL, poder ser amputado daquelas que, não tendo recebido a notificação prevista no artº.10, nº. 1, do DL 387-A/87, por esse fundamento, e só por com base nele, o juiz tenha decidido eliminar, no despacho a que se refere o artº.10, nº.4, do DL 387-A/87, ficam a padecer do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio constitucional das garantias de defesa, designadamente a de ser julgado pelo juiz legal-natural, consignadas no artº.32, nºs.1 e 9 da Constituição da República.

DA INEXISTÊNCIA JURIDICA

9.ª       As decisões proferidas pelo M.mo Juiz Presidente na sessão de julgamento de 5.11.12 (ref.ª 16410520) sobre o requerimento de defesa apresentado pelo arguido a fls. 4640 e na sessão de julgamento de 9.11.12 (ref.ª 16474223) de prescindir de esclarecimentos da Sra. Dra. FF e da comunicação ao arguido de novas incriminações (homicídio qualificado atípico e art.º 86, n.º 3, da Lei das Armas) foram, conforme consta das respectivas actas, decididas singularmente por aquele Ill.mo Magistrado, sem prévia consulta ou conferência com qualquer outro elemento do tribunal, em violação do disposto no art.º 322, n.ºs 1 e 2 e 358, n.º 1, do CPP, assim tendo sido cometida a nulidade insanável do art.º 119, alínea e), do CPP, que aqui expressamente se invoca;

10ª.   Na perspectiva do recorrente tais decisões estão afectadas pelo vício de inexistência jurídica, isto é, mais do que de nulidade insanável, por terem sido tomadas por outrem que não o Tribunal do julgamento;

11ª.   Aliás, sobre a alegação do arguido de que, na sessão de julgamento de 05.11.12, o despacho de indeferimento do peticionado nas alíneas b) e c) do seu requerimento de fls.4640 e 4667 fora tomado singularmente pelo Presidente do Tribunal, em violação da lei, a Relação, depois de reconhecer essa realidade, omitiu pronúncia sobre a legalidade ou ilegalidade de tal comportamento, pelo que padece o Acórdão, também a esse título, da nulidade dos artºs. 379, nº.1, al.c);

AINDA DAS NULIDADES (artºs. 358, nº.1 e 379, nº. 1, alíneas b) e c) do CPP)

12.ª    Nos pontos n.ºs 127 (lenço ou guardGGpo de papel), 133 (desvio para vislumbrar o corpo da vítima), 81 (causa do período depressivo) e 86 (alegado significado da agressão insultuosa) foram acrescentados factos que, não constando nunca da acusação, nem da pronúncia nem da contestação, nunca foram comunicados ao arguido, nem nos termos do art.º 358, n.º 1, do CPP, nem nos termos do disposto no art.º 359, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, pelo que a este título foi cometida a nulidade prevista no art.º 120, n.º 2, alínea d), do CPP, que acarreta a nulidade do Acórdão (art.º 379, n.º 1, alínea b) do mesmo Diploma Legal);

13ª.   Tais factos acrescentados, dos quais o arguido nunca se pôde defender, assumem relevância decisiva para a interpretação e aplicação dos institutos à frente invocados, designadamente sobre a qualificação do homicídio, a legítima defesa e o homicídio privilegiado, e, ao contrário do que diz o Acórdão da Relação, não resultam dos factos alegados pela defesa, mas sim da imaginação do Tribunal, pelo que se encontra violado o disposto no artº.358, nº. 2 do CPP.

14ª.   Ora, conforme tem reafirmado o Tribunal Constitucional, as garantias de defesa do arguido de se poder pronunciar em relação a todos os factos trazidos ao processo, particularmente àqueles que, como é o caso, prejudicam a sua posição processual, não podem ser postergadas em circunstância alguma – cfr. Acórdãos do TC nºs. 445/97 e 519/98. Em conformidade, foi desrespeitado o direito a um processo penal contraditório ínsito no art. 6.º, n.º 1, da CEDH – cfr. Acórdão Brandstetter c. Áustria, de 28 de Agosto de 1991, § 67.

RECURSO INTERLOCUTÓRIO DA AL. A) DA CONCLUSÃO 1ª. DA PRESENTE MOTIVAÇÃO   

15.ª    Sempre com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a inserção e manutenção nos autos de fotos de reprodução de imagem da menor, sem autorização do seu representante legal e contra a vontade deste, não podem deixar de constituir acto processual proibido, à luz do disposto no art.º 125 e 126 nº. 2 e 3 do CPP e constituem até ilícito criminal, à luz do disposto no art.º 167, n.º 1, do mesmo Diploma Legal;

16ª.   Damos aqui por reproduzidas as considerações constantes do Parecer da autoria do Prof. COSTA ANDRADE, junto aos presentes autos, incluindo a fundamentação e conclusão de que tais actos constituem prova proibida e insusceptível de valoração.

17.ª    Encontram-se pois aquelas disposições legais violadas pelo Acórdão recorrido, cuja revogação se impõe, no sentido de ser deferida a pretensão formulada pelo arguido in fine da contestação crime apresentada, momento e fase processual  em que lhe era permitido impugnar toda a prova arrolada pela acusação (artº. 315, nº. 1 do CPP).

RECURSO INTERLOCUTÓRIO REFERIDO NA AL) B) DA CONCLUSÃO 1ª DA PRESENTE MOTIVAÇÃO

18.ª    Nos termos do disposto no art.º 26, n.º 1, da CRP e art.º 126, n.º 2  e 3, do CPP são nulas as provas obtidas mediante ofensa física ou moral ou intromissão na vida privada e familiar sem consentimento do respectivo titular;

19.ª    As gravações vídeo efectuadas através de telemóvel só podem ser reproduzidas se não forem consideradas ilícitas à luz da lei penal (art.º 167, n.º 1, do CPP);

20.ª    O art.º 199, n.º 2, alíneas a) e b) do Código Penal comina como crime a actuação de filmar ou utilizar ou permitir que se utilizem tais filmes contra a vontade da pessoa filmada;

21.ª    Nas gravações vídeo cuja junção foi admitida pelo despacho de 09.10.12 estão representadas quatro pessoas, que não só não deram consentimento a que tais filmagens fossem efectuadas, como recusaram expressamente que elas fossem utilizadas;

22.ª    Tais gravações não representam a prova para a descoberta de qualquer crime, mas tão só cenas da vida familiar que nada têm a ver com o arguido ou com os factos de que é acusado e que ocorreram no dia 5.02.11;

23.ª    Esses factos encontram-se aliás documentados em outras gravações referentes aos factos ocorridos em 5.02.11, que se encontram inseridas nos autos, mais tornando evidente a sem razão da necessidade ou da legitimidade da requerida junção;

24.ª    Não tendo pois sequer de ser equacionado qualquer conflito de interesses entre o direito à imagem e à privacidade e qualquer interesse público, designadamente para prova de crime grave;

25.ª    Equacionamento esse que aliás não tem assento no nosso ordenamento jurídico-penal, conforme ensina Costa Andrade nas obras citadas no corpo da presente motivação e no Parecer junto aos presentes autos de que se recolhem os seguintes excertos:

26ª.   Do disposto resulta, patente e inarredável, a conclusão que começámos por antecipar, no sentido da insuprível ilicitude da utilização dos registos videográficos contra a vontade das pessoas filmadas. O que tem como reverso incontornável a proibição de valoração probatória em processo penal (artº.167º. do Código de Processo Penal). De forma apodíctica: a valoração dos registos em processo penal só seria admissível se as pessoas filmadas não se opusessem.

27ª.   A utilização de um registo videográfico “contra a vontade” das pessoas filmadas é criminalmente ilícita, mesmo que ele tenha sido licitamente produzido (artº.199º., nº.2, b) do Código Penal). A utilização arbitrária (contra a vontade), designadamente a sua utilização em processo penal, só seria lícita se ocorresse a coberto de justificação, a título, por exemplo, de autorização legal. Coisa que no direito português vigente não existe para os registos videográficos produzidos por iniciativa de particulares.

            No caso concreto, a oposição das pessoas filmadas – GG, HH, II e a menor EE, representada pela mãe – à utilização dos registos no processo penal, torna a sua valoração probatória insuprivelmente ilícita. E, por vias disso (artigo 167º. do Código de Processo Penal), processualmente inadmissível. Uma conclusão que não é informada nem sequer abalada pela invocação da gravidade do crime a perseguir ou do interesse na eficácia da justiça penal.

            Sobre os registos probatórios impende, assim, uma inultrapassável proibição de valoração.  

28ª.   Concretamente, a oposição de todas as pessoas cuja imagem consta dos registos faz da utilização dos mesmos um acto criminalmente típico. Como tal, a indiciar a ilicitude criminal, nos termos e para os efeitos da alinea b) do nº.2 do disposto no artº.199 do Código Penal.

29ª.   Pelo que a interpretação que o Acórdão da Relação faz da norma resultante do artº.125 e 126, nº.2 e 3 do CPP com referência ao artº. 167, nº.1 do mesmo diploma e ao artº. 199, nº. 2, al. a) e b) do CP, torna aqueles preceitos afectados de inconstitucionalidade material por violação do disposto no artº.26, nº. 1 e 32, nº. 8, da CRP.

30ª.   É obvio que não tem qualquer razão a Relação quando, qualificando a nulidade como irregularidade, quer permitir à parte acusadora a utilização de prova legalmente proibida para perseguir o arguido, precisamente porque a lei sanciona expressamente a utilização dos métodos proibidos de prova com efeito da nulidade, oponível a todos e, na opinião de alguns, passível de ser arguida mesmo para além do trânsito da decisão final – cfr. PAULO SOUSA MENDES, “As proibições de prova em processo penal” in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 149.

31ª.    Do mesmo modo, não pode a Relação recusar ao arguido legitimidade e interesse em agir na impugnação da prova proibida com o que querem agravar a sua posição processual (artº. 401, nº. 1, al. b) do CPP).

32ª.   Bastando reparar, para destruir o inadmissível obstáculo levantado pela Relação, que o arguido reage contra a prática de um crime (artº.167, nº.1 do CPP e 199, nº. 2 do CP) e que a sua condenação é fundamentada, pelas instâncias, nessa prova proibida.

33.ª    Sendo tais gravações pertença da herança de DD, cuja única e exclusiva titular é sua filha EE, deve pois ser considerado que tais gravações, por constituírem prova proibida, têm que ser retiradas do processo e entregues à sua legítima proprietária e possuidora, na qualidade de titular exclusiva da herança de seu pai, que se acha reconhecida nos presentes autos.

RECURSO INTERLOCUTÓRIO REFERIDO NA ALINEA C) DA CONCLUSÃO 1ª DA PRESENTE MOTIVAÇÃO

34.ª    Ao indeferir a junção aos autos, requerida pelo arguido, de uma certidão de processo judicial referente a factos directamente narrados na contestação e a outros com eles relacionados, documento que, conjugado com a demais prova produzida se mostra relevante quer para a averiguação da verdade quer para a boa decisão da causa, violou agora também a Relação o disposto nos art.ºs 164, n.ºs 1 e 2, 165, n.º 12 e 340, n.º 1 do CPP e ofendeu as garantias constitucionais de que o arguido beneficia nos termos do disposto no art.º 32, nº 1, da CRP;

35.ª    Sucede que em tal certidão constam depoimentos de testemunhas presenciais dos factos que narram versão diferente das que, em relação aos mesmos, foram apresentadas por outras testemunhas em audiência, razão pela qual tal documento – como outros que o Tribunal aceitou – era também fundamental para apurar da credibilidade dos depoimentos prestados em audiência dentro do quadro de uma avaliação crítica global da prova.

36.ª    Ao indeferir a solicitação também apresentada pelo arguido para que os ora assistentes fizessem juntar aos autos as declarações de rendimentos da vítima referente aos anos de 2007 a 2010, quando sobre tal matéria tinham sido já ouvidas testemunhas arroladas pelos assistentes/demandantes civis, violou a Relação o disposto no art.º 340, n.º 1, do CPP, que interpretou contra os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, das quantias de defesa e do direito ao contraditório e da igualdade de armas, consagrados respectivamente nos art.ºs 20, n.º 1, 321, n.ºs 1 e 5 e 20, n.º 4, da CRP, e com assento convencional no art. 6.º, n.º 1, da CEDH;

37.ª    Na verdade, fundamentar-se o primeiro indeferimento no carácter não vinculístico da prova e o segundo em razões de evitar que a prova testemunhal produzida por uma das partes possa ser contrariada pela produção de contra-prova pertinente, a que só o Tribunal pode aceder, não pode ter outro significado que não seja o da violação flagrante dos preceitos legais citados nas anteriores conclusões e ainda o disposto no artº. 64, nº. 1 e 2, al) d) da Lei Geral Tributária e o disposto nos artºs. 490, nº. 1, 513, nº. 1 e 515 do CPC ex vi dos artºs. 4 e 78, nº. 1 do CPP.

RECURSO INTERLOCUTÓRIO REFERIDO NA ALINEA D) DA CONCLUSÃO 1ª DA PRESENTE MOTIVAÇÃO.

38.ª     O prazo de quatro dias concedido ao arguido para apresentação de defesa face à comunicação, invocada nos termos do disposto no art.º 358, n.ºs 1 e 3, do CPP, de eventual crime de homicídio qualificado atípico, sem indicação de qualquer facto concreto, apenas com remissão abstracta para a cláusula geral do art.º 132, n.º 1, do CP, é manifestamente exíguo e insuficiente para garantir o exercício pleno do seu direito de defesa e do respeito pelos princípios do acusatório e contraditório, princípios esses que se acham constitucionalmente ancorados no disposto no art.º 32, n.ºs 1 e 5, da CRP, e que encontram guarida convencional no n.º 1 e nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 6.º da CEDH;

39.ª     Tal concessão aparece ainda mais gravosa da ofensa daqueles direitos do arguido se atentarmos no facto de tal comunicação, de grande gravidade, vacuidade e abstracção (a exigir intenso esforço de pesquisa e decifração dos seus ocultos fundamentos fácticos) ter sido efectuada no final da sessão de 9.11.12 (sexta-feira), a que se seguiram (10 sábado e 11 domingo), sendo que a 13 terminava o prazo para entrega, limitando assim a apenas um dia útil o prazo com que o arguido ficava para elaboração da mesma;

40.ª     Devia pois ter sido concedido ao arguido, para apresentação da sua defesa, o prazo por ele requerido (o prazo de 20 dias, ou, se assim se não entendesse, nunca prazo inferior a 10 dias), o que assim não tendo sido feito pelo douto despacho recorrido fez incorrer este despacho, por errada interpretação e aplicação, na violação do disposto no art.º 358, n.ºs 1 e 3 do CPP com referência ao disposto no artº. 150, nº. 1 e 423, nº. 3, do CPP e no art.º 132, n.º 1, do CP;

41.ª     E assim, na interpretação conjugada que a decisão recorrida fez daqueles preceitos (art.º 358, n.ºs 1 e 3 do CPP com referência ao disposto no art.º 150, nº. 1 e 424, nº.3, do CPP e 132, n.º 1, do CP), fez padecer tais preceitos do vício de inconstitucionalidade material por violação das garantias de defesa do arguido em processo penal, do princípio acusatório e do exercício do contraditório, princípios constitucionais consagrados no art.º 32, n.ºs 1 e 5 da CRP;

42.ª     A mesma comunicação, porque referida à cláusula geral do art.º 132, n.º 1, do CP, sem indicação de quaisquer factos e sem correspondência com qualquer exemplo padrão, transporta para o Julgador a criação do tipo de crime de homicídio qualificado atípico, em flagrante violação do princípio da legalidade e da tipicidade presentes no processo penal com a garantia constitucional dada pelo disposto no art.º 29, n.ºs 1 e 4, da CRP, e com tutela convencional conferida pelo art. 7.º da CEDH;

43.ª    Na verdade, não pode fazer-se apelo directo à cláusula geral de especiais censurabilidade ou perversidade sem indicar o seu suporte fáctico e sem a fazer confrontar ou passar pelo crivo de qualquer exemplo padrão, sob pena de violação daqueles preceitos constitucionais;

44.ª    E assim sendo, a interpretação que o despacho recorrido faz do disposto no art.º 132, n.º 1, do CP conjugado com o disposto no art.º 358, n.ºs 1 e 3 do CPP, no sentido de eles permitirem a incriminação pelo crime de homicídio qualificado atípico sem que da comunicação efectuada constem quaisquer elementos fácticos tipificadores da conduta do arguido, fazem padecer aqueles preceitos, na respectiva interpretação conjugada, do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da tipicidade e da legalidade consagrados no art.º 29, n.ºs 1 e 4 da CRP;

45.ª    Na verdade, não pode o arguido defender-se de um fantasma jurídico referenciado abstractamente à cláusula geral do art.º 32, n.º 1, do CPP, sem lhe ter sido comunicada a materialidade a extrair da pronúncia sobre a qual a nova qualificação pudesse nascer, pelo que cometeu o despacho então recorrido nulidade essencial, por contender com as garantias de defesa do arguido;

46.ª    Com tal comportamento, o douto despacho então recorrido, e agora mantido pela Relação, ao interpretar aqueles preceitos (art.º 358, n.ºs 1 e 3, do CPP e art.º 132, n.º 1, do CP), violou, também por esta via, os princípios constitucionais das garantias de defesa do arguido, do acusatório e do direito ao exercício do contraditório presentes no art.º 32, n.ºs 1 e 5 da CRP, fazendo-os afectar nessa concreta interpretação, dos correspondentes vícios de inconstitucionalidade material, o que merecerá, igualmente e por certo, a condenação em Estrasburgo;

47.ª    Finalmente diga-se que, não tendo havido deliberação alguma do Tribunal sobre a matéria de facto, não podia o douto despacho recorrido, agora mantido pela Relação, concluir pela eventualidade da verificação de um eventual crime de homicídio qualificado atípico, sob pena de violação do princípio constitucional do acusatório, consignado no art.º 32, n.º 5, da CRP;

48.ª    E assim, quando se efectua tal comunicação ao arguido sem que exista qualquer deliberação sobre o lastro factual a qualificar de modo novo e diferente do que nos autos constava, interpreta-se concretamente o art.º 358, n.ºs 1 e 3 do CPP e art.º 132, n.º 1, do CP, em violação daquele preceito constitucional (art.º 32, n.º 5, da CRP), bem como dos citados preceitos convencionais;

49.ª    Pelo que a Relação, ao manter o despacho e no seu teor permitir e fundamentar a condenação do arguido ficou a padecer da nulidade prevista no art.º 379, n.º 1, alínea b), do CPP.

50.ª    De resto, todas as circunstâncias em que os factos ocorreram afastam-se e excluem a possibilidade de qualquer qualificativa.

RECURSO INTERLOCUTÓRIO REFERIDO NA ALÍNEA E) DA CONCLUSÃO 1ª. DA PRESENTE MOTIVAÇÃO

51.ª    Ao indeferir toda a prova apresentada pela defesa – já constrangida e limitada pela impossibilidade do prazo concedido – com a consideração de que a questão era meramente jurídica e contra ela se não podia apresentar a prova solicitada, contra o que expressamente determinara o despacho em acta de 14.11.2012, que assim se lhe revelava inócua e sem interesse, violou claramente o douto despacho recorrido, agora mantido pela Relação, o legítimo exercício do direito de defesa do arguido previsto no art.º 358, n.º 3, do CPP e o princípio da boa fé, segurança e confiança jurídica constitucionalmente consagrados no art.º 32, n.ºs 1 e 5, da CRP, e desrespeitando as garantias convencionalmente reconhecidas ao acusado no art. 6.º, n.º 2, als. a) e b), da CEDH;

52.ª    E, consequentemente, a interpretação concreta que faz no sentido de entender que o art.º 358, n.º 3 do CPP com referência ao n.º 1 do mesmo artigo permite que na defesa a apresentar pelo arguido, este se veja impedido de produzir a prova arrolada, contra o que antes, em despacho transitado, se decidira, faz padecer aqueles preceitos (art.º 358, n.ºs 1 e 3 do CPP) do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais referidos na conclusão anterior e consagrados no art.º 32, n.ºs 1 e 5 da CRP;

53.ª    A consideração plasmada no douto despacho recorrido, de que a inquirição de mais testemunhas constituiria um aditamento ilegal ao rol inicialmente apresentado, não colhe qualquer razão legítima, porquanto o rol inicial foi apresentado para impugnação de um libelo e da respectiva incriminação, quando agora o que sucede é que é perante uma nova incriminação (homicídio qualificado atípico) e com vista à respectiva impugnação, que é apresentada nova prova, a qual, por isso mesmo, não constitui qualquer aditamento ao rol inicialmente proposto;

54.ª    De resto, já aquando da alteração não substancial dos factos oportunamente comunicada ao arguido, este apresentou defesa e requereu novas diligências de prova, sem que a tal o Tribunal se tenha oposto, consoante se vê do respectivo despacho de deferimento, pelo que existe manifesta discricionariedade e abuso de poder na decisão ora proferida;

55.ª    Por outro lado, o requerido visionamento do CD junto, como a extracção do remanescente dos frames e a requisição da facturação detalhada dos telemóveis representavam diligências importantes para impugnar a existência de eventual censurabilidade ou perversidade na conduta do arguido, designadamente para, à luz das alegações de facto produzidas na presente motivação, que aqui se dão por reproduzidas, impugnar a existência de especiais censurabilidade ou perversidade;

56.ª    Tendo sido isso – e apenas isso – que foi comunicado ao arguido, isto é, que o Tribunal se encontrava disponível para eventualmente qualificar a sua conduta com referência à cláusula geral do art.º 132, n.º 1, de forma atípica e fora dos exemplos-padrão, não podia o arguido indicar a sua prova a outra realidade que não fosse aquela por que ex novo podia eventualmente passar a ser incriminado;

57.ª    Razão pela qual não podia o douto despacho recorrido ter indeferido a prova apresentada pelo arguido, sem que tal constitua grave postergamento das suas garantias de defesa, consagradas na lei ordinária (art.º 358, n.º 3, do CPP),  supraordinária (art.º 32, n.ºs 1 e 5, da CRP) e internacional (art. 6.º, n.º 2, als. a) e b), da CEDH), fazendo padecer o Acórdão da Relação, que nele sustentou a condenação, padecer da nulidade do art.º 379, n.º 1, alíneas b) e c), do CPP.

            DOS VÍCIOS DO ART.º 410, N.º 2, DO CPP

58.ª    Nos pontos 92, 93, 95 e 96 da matéria dada como provada disse-se que a mãe e irmãos da vítima tinham requerido o seu internamento compulsivo com base nas razões do requerimento e os relatórios médicos aí referidos por a vítima apresentar as perturbações mentais aí referidas e constituir perigo para a integridade física dele e de terceiros, mas contraditoriamente no ponto 24 da matéria de facto já se diz que o internamento foi requerido por motivos diferentes, assim desmentindo as instâncias não só o que afirmara por outra via, mas também o teor não impugnado dos relatórios médicos juntos, arquivados no Hospital competente ao qual o JIC os requisitou;

59ª.    Se as perturbações mentais da vítima foram clinicamente verificadas e atestadas, antes e depois da apresentação daquele requerimento, é óbvio que, nele os familiares da vítima relatavam realidade clínica bem por eles conhecida.

60ª.    Existem pois os vícios do artº. 410 nº. 2, al. b) e c) do CPP, ou seja, contradição entre a fundamentação, contradição entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova, directamente decorrente do texto da decisão recorrida e das regras da experiência comum.

61.ª    Existe também contradição manifesta na fundamentação quando no ponto 107 se dá como assente que em 28.01.11 foi transmitido ao arguido, pelo advogado e pela filha, que ele poderia estar presente nas visitas, tendo-se ele efectivamente (afirmação de relação de causalidade) deslocado em 29.01.11 e 5.02.11 e estado presente em ambas essas visitas (questão essencial para justificar a presença do arguido no dia e local dos factos) e o ponto uuuu) dos factos dados como não provados, onde se nega e exclui o que antes fora afirmado.

            Trata-se de evidente contradição entre a fundamentação (art.º 410, n.º 2, alínea b), do CPP);

62ª.   Resulta dos factos dados como provados e das regras da experiência comum que não podia ter sucedido outra coisa, a não ser que decidamos sufragar as regras do absurdo.

63.ª   É manifesta também a existência do mesmo vício (contradição entre a fundamentação) na parte respeitante aos pontos 108, 109 e 110 dos factos dados como provados – relativos ao medo e apreensão do arguido de que a vítima transportasse arma de fogo consigo com vista a atentar contra a sua pessoa e familiares e bem assim às diligências de cuidado e segurança a que recorreu – em confronto com o teor das alíneas aaaa) e bbbb) dos factos dados como não provados, onde tudo isso se dá como não provado.

            Para além da contradição apontada, existe também o erro notório na apreciação da prova (art.º 410, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP);

64ª.    Na verdade, dizendo-se que o arguido passou a temer que DD atentasse contra a sua integridade física e a dos seus familiares (108), e que passou a estar atento às movimentações ao volume nos bolsos de DD (109) tendo pedido a um familiar para verificar se aquele trazia arma (110), existe contradição manifesta com a matéria nada como não provada em aaaaa) e bbbbb), pois não só o medo de que o arguido transportasse arma consigo não se podia referir a outro perigo que não fosse o atentado contra a própria vida como o pedido formulado em 110 consiste no contrário do que se diz em bbbbb) não se ter provado ter sucedido.

65ª.    É rotunda e gritante a contradição entre o facto dado como provado no ponto 10 (o arguido pediu ao seu familiar para verificar se a vítima trazia arma) e o ponto bbbbb) nos factos dados como não provados onde se deu como não provado que o arguido tal tivesse pedido.

66ª.    Ou seja: à mesma questão as instâncias responderam simultaneamente e contraditoriamente com um provado e com um não provado.

67ª.    Verificam-se pois aqui todos os vícios das alíneas b) e c) do nº. 2, do artº.410 do CPP.

68ª.    Do mesmo modo existe contradição manifesta entre os factos provados no ponto 109 e os dados como não provados em aaaaa).

69ª.    A páginas 192, a Relação omite pronúncia sobre estas questões, falando de questões completamente alheias e estranhas às que lhe foram sendo colocadas (cfr. linhas 7 a 11 de pág. 192 do Acórdão), pelo que padece o Acórdão da Relação da nulidade do artº. 379 nº. 1, al. c) do CPP, por manifesta omissão de pronúncia.

70.ª    Ao atestar que a testemunha JJ estava grávida (pontos 35 e 75) quando ela própria se recusou a afirmar tal, apenas baseado em um depoimento que declarou não saber se ela estava ou não grávida, com preterição da prova qualificada dos art.ºs 151, 164 e 172 do CPP, cometeu o Acórdão recorrido grave erro notório na apreciação da prova, ao dar como provado que ela estava grávida (!), de seis meses (!!) e que o progenitor era a vítima (!!!) pelo que incorreu no vício consignado no art.º 410, n.º 2, alínea c) do CPP, passível de ser detectado directamente do teor da própria resposta dada pelo Tribunal e das fontes invocadas como fundamentação respectiva;

71.ª    Existe erro notório na apreciação da prova, vício previsto no art.º 410, n.º 2, alínea c) do CPP, quando depois de no ponto 11 dos factos dados como provados se afirmar que DD embateu voluntariamente por várias vezes com o jipe contra o veículo do arguido danificando-o de encontro ao portão de garagem, se vir dizer depois (ponto 12), contra todas as regras da experiência comum e até atentatório do juízo de senso comum que preside à comunidade e se tem que ter presente na interpretação dos comportamentos humanos, que ele deixou o veículo impossibilitado de circular porque se queria despedir da filha!!!

            Aqui, com o devido respeito, existe erro não só notório como atentatório na apreciação de tais factos e também contradição da fundamentação (art.º 410, n.º 2, alínea b) e c) do CPP);

72ª.    O juízo da Relação atinge aqui o paroxismo absoluto, quando decide não aplicar ao caso vertente juízos de normalidade decorrentes do comportamento médio dos cidadãos e da comunidade, propugnando expressamente pela não aplicação do conteúdo e do texto do artº. 410, nº. 2 do CPP, no segmento em que tal preceito consigna: por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

73.ª    Na alínea cccc) dos factos dados como não provados não se quis dar como provado que a foi a afirmação indicada na alínea anterior que justificou o requerimento aí referido, mas impunha-se no entanto, sob pena de erro notório previsto na referida alínea c) do n.º 2 do art.º 410 do CPP, que se tivesse especificado o teor objectivo do requerimento e a data da sua apresentação em juízo;

74ª.    Tal elemento é importante para se compreender todo o clima de tensão que afectou o arguido até ao dia dos trágicos acontecimentos.

75.ª    Enquanto no ponto 48 se diz que o arguido, que estava de frente para a vítima, agarrou com a mão direita o revólver, empunhando-o e apontando-o na direcção do corpo de DD, ao mesmo tempo que se aproximou dele, caminhando na sua direcção, já no ponto 133, referente ao mesmo exacto momento, se diz que o arguido empunhou a arma e desviou-se para conseguir vislumbrar o corpo de DD, que entretanto ficara fora do seu alcance visual.

            Trata-se de versões absolutamente contraditórias, com influência decisiva na decisão final, pois que descrevem a acção do agente de modos concretos inteiramente divergentes e dos quais, em análise crítica, se podem retirar conclusões diferentes e inconciliáveis entre si.

            Existe pois manifestamente o vício do art.º 410, n.º 2, alínea b), do CPP;

76ª.     A contradição resulta de, simultaneamente, se dizer uma coisa (estava de frente para a vítima, empunhou o revólver e apontou na direcção do corpo da vítima, ao mesmo tempo que se aproximou dela caminhando na sua direcção) e o seu contrário (empunhou o revólver e desviou-se para conseguir vislumbrar o corpo da vítima, que entretanto ficara fora do seu alcance visual).

77ª.    A reacção do arguido às agressões perpetradas pela vítima tem que ser claramente entendida com base em factualidade clara e transparente e não com base em equívocos, absurdos e contradições como a que acaba de apontar-se.

78.ª    Ao afastar a veracidade das declarações do arguido sem invocar qualquer prova que as tivesse infirmado, violou o Acórdão da Relação o princípio in dubio pro reo, contendo a nulidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 379 do CPP, o que se retira, de igual modo, do nº 1 do art. 6.º da CEDH.

79.ª    Ao não GGlisar nem fundamentar as soluções de recusar os institutos invocados pelo arguido na sua motivação de recurso, desde a legítima defesa ao homicídio privilegiado, limitando-se a criar uma narrativa falsa e subjectiva, violou a Relação o disposto nos art.ºs 97, n.º 5, 374, n.º 2, do CPP, cometendo a nulidade do art.º 379, n.º 1, alínea c), do CPP, e, bem assim, desrespeitou o direito do arguido a um processo equitativo tutelado pelo art. 6.º, n.º1, da CEDH.

80.ª    Na verdade a Relação, conforme atrás se demonstrou, não respeitou a matéria de facto dada como provada, que foi claramente falseada em interpretações subjectivas e inadmissíveis conforme se demonstrou particularmente a partir de págs. 112 e ss. da presente motivação.

81.ª    E em vários casos evidentes decidiu mesmo contra a verdade conhecida, conforme se vê do requerimento de esclarecimentos apresentado pelo arguido, ao qual a Relação nunca respondeu, e em que se demonstrava os Ill.mos Desembargadores terem conferido a prova que indicam, quando, por exemplo, a fls. 302, declaram que “a senhora não o largou e, então, DD deu-lhe uma bofetada na face” quando é visível no vídeo que a vítima agrediu a idosa quando esta já não lhe tocava.

82.ª    Ao afirmar e concluir do modo indicado a fls. 301, 305, 306 e 255, expressamente criticado ao longo da presente motivação, produzindo asserções em contrário a tudo quanto a tal respeito se encontra dado como provado, comete o Acórdão da Relação repetidamente os vícios da contradição entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, constantes das alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 410 do CPP, viola o disposto no art.º 127 do CPP que põe limites à discricionariedade, actuando com manifesto e evidente abuso de poder, e padece da nulidade prevista no art.º 379, n.º 1, alínea c) do CPP e não imprime a equidade ao processo exigida pelo n.º 1 do art. 6.º da CEDH.

83.ª    O Acórdão da Relação não respondeu, omitindo portanto pronúncia, ao requerimento de esclarecimentos que o arguido apresentou, sendo que de entre os variados erros então apontados, dele resultava que não condenava os assistentes em custas por terem decaído no pedido cível de indemnização formulado, em contravenção ao disposto nos art.ºs 377, n.º 4 e 523 do CPP, dispositivos que assim se acham violados pela decisão recorrida.

84.ª    O Acórdão da Relação viola claramente o princípio do in dubio pro reo quando, ao abrigo do art.º 127 do CPP, actua com manifesto abuso de poder, invertendo as regras de princípio probatório em processo penal, e fazendo pender sobre o arguido um “inadmissível ónus de prova”, como refere Costa Andrade na análise que faz ao problema no Parecer junto aos autos, designadamente a págs. 7 e ss., para afirmar que todo o non liquet em matéria de prova terá que ser, ao contrário do que faz a Relação, valorado a favor do arguido.

85.ª    O art.º 165, n.º 1, alínea c), da CRP, prescreve a reserva de competência da Assembleia da República em matéria de crimes, só podendo o Governo legislar sobre tal matéria no domínio de autorização legislativa correspondente.

86.ª    Por sua vez, o princípio da tipicidade exige a especificação concreta dos elementos constitutivos de cada tipo de crime, tornando ilegítimas as definições insusceptíveis de delimitação e proíbe o uso da GGlogia no direito penal.

87.ª    Tais garantias são solenemente prescritas pelo art.º 29, n.ºs 1, 3 e 4, da nossa Lei Fundamental – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 493 e segs. e são proclamadas internacionalmente no art. 7.º da Convenção de Roma, preceito que vigora internamente e que vincula das instâncias nacionais.

88.ª    Ora, ao decidir criar um homicídio qualificado atípico fora da verificação de qualquer dos exemplos-padrão elencados no n.º 2 do art.º 132 do CP e outrossim condenar o arguido pela prática de tal crime com base no n.º 1 do mesmo art.º 132 do CP, o Acórdão recorrido postergou claramente as garantias constitucionais e convencionais apontadas, designadamente ao fazer substituir a função reservada ao Parlamento pelo Estado Democrático de Direito pelo poder singular, concreto e casuístico, fora de qualquer preocupação de legalidade, do Juiz aplicador da Lei.

89.ª    Neste sentido, as atrás invocadas posições doutrinais de Margarida Silva Pereira e Maria Fernanda Palma, que censuram a possibilidade, sob pena de violação do princípio da legalidade, de se criarem homicídios qualificados sob a influência de um qualquer caso concreto e sem a legitimidade democrática do legislador penal – cfr., por todos, Teresa Quintela de Brito e outros, Direito Penal, Coimbra Editora, pág. 85 e segs..

90.ª    E assim sendo, na interpretação concreta que o Acórdão recorrido faz do disposto no art.º 132, n.º 1, do Código Penal, no sentido de, com base nele, construir a figura do crime de homicídio qualificado atípico, quando se não encontram verificados os pressupostos de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do mesmo preceito, faz com que se interprete aquele art.º 132, n.º 1, contra a Constituição e, consequentemente, faz padecer este preceito, na concreta interpretação assim adoptada, do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tipicidade, da legalidade da estrutura democrática do Estado de Direito, garantidos pelos art.ºs 29, n.ºs 1, 3 e 4 e 165, n.º 1, alínea c), da Constituição da República, e, bem assim, pelo art. 7.º da CEDH.

91.ª    O Acórdão de 1ª instância, mantido nos seus exactos termos pelo TRC, apesar de - na motivação/fundamentação - fazer apelo à extensão valorativa de exemplos padrão, no dispositivo acaba por condenar pelo art. 132º nº1 do CP ou seja, apelando em exclusivo à cláusula geral a especial censurabilidade/perversidade.

92.ª    Mas ainda que assim não fosse, se o Acórdão condenasse (no dispositivo) pelo nº1 e pelo nº2 do art. 132º do CP sem referir qualquer alínea (que é o mesmo que dizer, fazendo uso da expressão “entre outras” e por extensão valorativa dos exemplos padrão), tal procedimento estaria também ferido de inconstitucionalidade, porquanto a punição do arguido por homicídio qualificado “atípico” assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 132º, nº 2, do Código Penal.

 

93.ª    É certo que, conforme defendem Maria Fernanda Palma e Rui Pereira no Parecer junto aos autos, essa interpretação tem correspondência na letra da lei e se pode classificar mesmo como declarativa, visto que assenta na redação da norma (a qual recorre à expressão “nomeadamente” ao apresentar o elenco de circunstâncias), mas não devem restar dúvidas de que ela viola o princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, nº 1, da Constituição, especificamente no que diz respeito à exigência de tipicidade das normas incriminadoras.

94.ª    Respeitar o princípio da legalidade ao interpretar e aplicar o artigo 132º do Código Penal implica que se dê por não escrita a expressão “nomeadamente”, constante do seu nº 2 – Maria Fernanda Palma e Rui Pereira, ob. cit..

95.ª    De resto bem certo é, no caso vertente, nunca poderia aqui ter lugar a qualificação atípica do crime de homicídio baseada em qualquer circunstância, muito menos as que são apontadas pelo Acórdão para o efeito de ter concluído pela prática de crime de homicídio qualificado atípico, não só porque os factos provados afastam qualquer juízo de especial perversidade ou censurabilidade na personalidade ou no comportamento do arguido, como não existe qualquer circunstância que pudesse funcionar ou ser admitida como extensão valorativa de qualquer dos exemplos-padrão do n.º 2 daquele art.º 132, pelo que se acha violado o disposto no art.º 132, n.ºs 1 e 2, do CP – cfr. Teresa Serra, “Homicídio Qualificado”, pág 74 e Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, tomo I, pág. 40.;

96ª.   Na verdade, as instâncias, quando condenam, não referem directamente qualquer das circunstâncias qualificativas do nº. 2 do artº. 132, do CP, antes condenando, por remissão directa, para o nº. 1 deste preceito;

97.ª    Na fundamentação que não na condenação, o Acórdão da Relação convoca as alíneas a), b), e) e j) do n.º 2 do art.º 132 do CP, com vista a sobre elas tentar efectuar extensão valorativa.

98.ª    Todos os factos dados como provados e atrás narrados afastam a possibilidade de qualquer extensão valorativa das referidas alíneas conforme atrás se acha pormenorizadamente alegado na presente motivação de recurso.

99.ª    Conforme diz Costa Andrade, no Parecer junto aos autos, em análise do caso concreto sub-judice, “as circunstâncias invocadas pelas instâncias não preenchem nenhum dos exemplos padrão previstos na lei, por mais longe que se leve a interpretação extensiva ou a GGlogia constitucionalmente admissíveis”.

100ª.  As qualificativas e) e j) do mesmo artº. foram expressamente excluídas, por não verificadas, pelas instâncias, sobre elas não podendo repristinar-se qualquer juízo de extensão valorativa, sendo - para além de totalmente incongruente, segundo as regras da lógica e do bom senso - processualmente ilegal afastar-se o efeito indício de um exemplo padrão e depois voltar a convocá-lo (depois de o ter afastado) desta feita por GGlogia – Costa Andrade, Parecer junto aos autos, págs. 28 a 30.

101ª. Os factos indicados pelas instâncias como susceptíveis de suportarem um juízo de extensão valorativa sobre as alíneas a) e b) daquele preceito legal não possuem qualquer aptidão, semelhança ou relação com o teor daquelas alíneas, situando-se nos antípodas da estrutura valorativa convocada;        

102.ª  Senão vejamos: as circunstâncias apontadas pela 1ª Instância e TRC de a vítima ser pai da neta do arguido, ex-companheiro da filha e a relação de amizade que em tempos existiu entre arguido e vítima não tem qualquer afinidade com as alíneas a) b) do nº2 do art. 132º CP.

103.ª  Costa Andrade no seu Parecer diz: “Como primo conspectu se conclui, estas circunstâncias não preenchem nenhum dos exemplos-padrão previstos na lei, por mais longe que se leve a interpretação extensiva ou a GGlogia constitucionalmente admissíveis. Algumas das circunstâncias são, de resto, invocadas sem associação a qualquer dos exemplos-padrão. E nos casos em que a associação é referida, tal ocorre à margem de fundamentação minimamente plausível. A associação é invariavelmente estabelecida sem suporte literal-sistemático, material-teleológico ou político-criminal.

A título meramente exemplificativo e como facilmente se intui, “matar o pai da sua própria neta” nada tem a ver com matar um “descendente”. Como ter uma boa relação com o companheiro da sua filha não torna o arguido “ascendente” daquele; menos ainda o converte em “cônjuge, ex-cônjuge…” daquele mesmo  companheiro da sua filha. Nada, por isso, mais infundado do que invocar aquelas circunstâncias para sustentar a concretização dos conteúdos de culpa e de ilicitude que a lei associa à morte de “descendente” ou do “cônjuge”.

104.ª  Por sua vez, Maria Fernanda Palma e Rui Pereira dizem no seu Parecer: “as relações que envolvem os intervenientes … são muito menos intensas e essencialmente diversas. Entre arguido e vítima não há relação que se assemelhe, ainda que remotamente, a uma relação de parentesco na linha reta, natural ou adotiva, ou a uma relação conjugal ou análoga”

105.ª  Com efeito, os laços de filiação previstos na aliena a) só existem entre o arguido e a sua filha, por quem nutre profundo afecto, e esta estava em conflito com a vítima, com quem nunca foi casada (excluindo Teresa Serra a possibilidade de GGlogia da relação sogro-genro [inexistente in casu] com a alínea b) do nº2 do art. 132º ) pelo que ao fazer apelo a estas alíneas contraria-se a ratio das mesmas.

105.ª A - Recorde-se como a filha do arguido - a quem este sempre devotou amor e afeição (138º) - foi maltratada seu falecido ex-companheiro (4º, 6º, 19º, 31º, 79º/80º, 84º, 86º, 89º a 93º) o que provocou no arguido, de modo crescente humilhação, sofrimento e mágoa (facto provado 137º), e recorde-se que, para além dos crimes cometidos pela vítima contra a integridade física e honra da filha do arguido e contra o património (destruição da viatura), a partir de 2010 os maus tratos do falecido estenderam-se ao arguido, com injúrias e ameaças (4º, 11º/12º, 18º a 20º) mau grado o arguido ter sempre procurado ajudá-lo (81º, 82º, 98º) pelo que, os laços de amizade em tempo existentes, à data dos factos, estavam já comprometidos. Face a este quadro, que sentido tem falar-se de contramotivações éticas? Trata-se outrossim do oposto!

105.º B - Note-se que FIGUEIREDO DIAS (págs. 57 e 59 do Comentário Conimbricense) mesmo em casos de verificação das alíneas a) b) do nº2 do art. 132º - relações de filiação ou conjugalidade - que não é o caso dos autos! afasta o efeito-indicio destes exemplos padrão quando há um contexto de violência doméstica/ maus tratos (também nesse sentido Acórdão do STJ de 04-02-2004, in CJ pág. 189).

106.ª  A circunstância de ter a neta ao colo, para além de não ser possível fazer apelo a qualquer exemplo padrão por extensão valorativa (tanto assim é que a 1ª e 2ª instância não fazem, neste particular, referência a nenhuma alínea do nº2 do art. 132º do CP)) é a expressão máxima da situação objectiva de legítima defesa, por o arguido não ter as mãos livres para se defender.

107.ª  Ademais há que recordar toda a violência exercida pelo progenitor, no próprio dia 05.02.2011 sobre a menor, factos provados nºs 117, 37, 120, 137 que afasta a especial censurabilidade/perversidade.

107.ª A – Não será despiciendo lembrar a espiral de violência criada pela vitima no dia 05.02.2011 que se inicia precisamente contra a menor, Tudo começa com a criança a chorar, após o progenitor a colocar perigosamente em cima do varandim da ponte (ficheiro IMG 147), forçando-a depois, mediante o uso da força física - enquanto esta se debatia para sair do seu colo - a aí permanecer, começando então a menor a gritar, chamando pela Avó e, depois pela Mãe (92º a 96º, 116º, 117º a 120º) e tal estado de pânico da criança (documentado nos inexplicavelmente suprimidos ficheiros 548 e 549) durou cerca de cinco minutos (lapso temporal - segundo a perícia - que medeia entre o 547IMG e o 550MOV – o que provocou certamente sofrimento e perturbação ao arguido, atenta a relação de recíproco e profundo afecto que tem pela neta (149º). Note-se a expressão corporal da criança, agarrada ao pescoço do avô e com a cara encostada à dele, como que a defender-se do perigo (135º)!

107ª B – Aliás, sempre se cite (em desabono da posição vertida nas decisões condenatórias recorridas) o Acórdão do STJ de 14.01.2004, in www.dgsi.pt (Relator PEREIRA MADEIRA) que condenou um indivíduo pela prática de três crimes: homicídio simples, detenção ilegal de arma e maus tratos (sobre a vitima do homicídio, seu cônjuge) num quadro (prévio) de violência doméstica (do arguido sobre o cônjuge e sobre os filhos menores do casal), tendo assistido ao crime um filho menor. Note-se que, tendo a vitima sido atingida com vários tiros de caçadeira, a 1,5m de distância e, não evidenciando o arguido qualquer arrependimento, foi condenando numa pena (do concurso de crimes) de 16 anos de prisão.

108.ª  Quanto à posse da arma, diga-se que a mesma teve apenas intuito defensivo, e ademais não se trata de um facto isolado, tendo o arguido a arma desde 1982 e fazendo-se acompanhar dela durante todo ano 2010 durante as visitas do falecido à menor, por força do medo que sentia, conforme factos amplamente dados como provados (factos n.ºs 108, 109, 110 e 113, entre outros)

108.ª A – Não se pode esquecer a este propósito a perigosidade da doença diagnosticada à vítima (93º, 95º), a violência por este exercida (6º, 11º, 18º a 20º, 31º, 84º a 86º 89º/90º) o internamento compulsivo pedido pela mãe e irmãos da vítima (92º) a confirmação do diagnóstico pelo Hospital (96º), e o medo sentido pelo arguido de que a vítima atentasse contra a sua integridade física e da sua família (21º, 108º), as medidas adoptadas (designadamente a atenção às movimentações e aos bolsos da vítima (109º/ 110º) o que é de molde a excluir qualquer especial censurabilidade/perversidade neste contexto, à circunstância de ir armado, que aliás se afigura perfeitamente compreensível.


109.ª  A circunstância de ser num parque público, numa visita, afasta definitiva e redundantemente por extensão valorativa o exemplo padrão da reflexão sobre os meios empregues e a ideia de frieza de animo, pois o arguido teve a vítima em sua casa durante um ano (facto provado nº 98) tendo a arma na sua posse (facto provado nº 99, 108, 109) e nunca demonstrou a mínima intenção de molestar a vítima, que aliás o maltratava continuamente.

109.ª A - Veja-se o Acórdão datado de 21-03-2013, em que foi relator SANTOS CARVALHO, publicado in www.dgsi.pt, em que se considera que o arguido, por motivos negociais/monetários, que se dirige ao interior de uma esquadra da PSP municiado de uma arma de fogo dissimulada num saco de compras do “Continente”, disparando à queima roupa na direcção do abdómen e cabeça da vitima – a apenas 50cm a 25 cm de distância, actuou com descontrole emocional por o crime ter ocorrido num local onde se encontravam diversas testemunhas presenciais. Tendo-se afastado o homicídio qualificado, não obstante os disparos à queima roupa, na cabeça, a apenas 50cm a 25cm, por se entender que fazia parte da censura típica do homicídio simples.

109.ª B – Muito embora sendo apenas utilizada como circunstância agravante e não qualificativa não podemos deixa de referir que se verifica uma inversão da realidade dos factos, pois não permitem eles senão afirmar a posição de manifesta inferioridade do arguido (63 anos, estatura baixa, má forma física em manifesto contraste com a juventude e robustez física da vítima, (que consegue agredir duas de quatro pessoas, ambos idosos - o arguido e a sua tia - perante a passividade e inoperância dos demais presentes).

110.ª  Também não se verificava qualquer posição indefesa da vítima porquanto o arguido não tinha nem a superioridade física nem superioridade numérica do seu lado, uma vez que a vítima também estava acompanhada e os amigos e familiares daquele em nada actuaram ou impediram as agressões praticadas pela vítima (factos provados n.ºs 37, 45, 46, 117, 120,122) e o arguido, em virtude de ter a neta ao colo, estava impedido de usar a força física.

110.ª A - Tendo a motivação sido convocada (apesar de não figurar no dispositivo) como circunstância qualificante por extensão valorativa dos exemplos padrão pelo TRC (procedimento que se nos afigura manifestamente ilegal) cumpre dizer que não pode vislumbrar-se outra que não seja a perda do controle do impulso e o animus defendendi, decorrência directa da espiral de violência perpetrada pela vítima no dia 05.02.2011, adensada pelo contexto conflitual dos anos transactos (factos provados 89º, 90º, 11º, 92º a 96º, 19º, 20º, 21º, 84º, 85º, 86º, 31º, 36º, 37º, 116º, 117º a 120º, 46º, 149º, 135º, 138º, 139º, 130º, 131º).

110.ª B - Mais se nos afigura intolerável e totalmente infundado qualquer apelo (como motivação) à regulação das responsabilidades parentais da menor, bem como é inaceitável responsabilizar o arguido por factos imputáveis à sua filha (facto provado 5º) que - não obstante serem perfeitamente compreensíveis as limitações (supervisão) às visitas, por força da perigosidade (factos provados 93º, 92º, 95º, 96º) da doença diagnosticada à vítima (recorde-se a fls 226 do Ac TRC a expressão da Juíza do Processo Dra KK “uma mãe que não obstaculizava mas manifestava receios”) certo é que são da exclusiva responsabilidade da filha do arguido, sendo que se visitas à menor existiram em 2010 foi por força da mediação exercida pelo arguido, que su...u receber em sua casa quem o maltratava, injuriava e ameaçava de forma injusta e imerecida, pois sempre procurou ajudá-lo (factos provados nºs 13º, 98º, 18º, 19º, 20º, 86º).

111.ª  Quanto ao número de tiros, e ao facto de o arguido continuar a disparar depois de esgotar as munições (ponto 136) isto só revela o descontrolo emocional do arguido e a sua “perda de controle de impulso”, na expressão da perita do INML, transposta para o Acórdão da Relação, e subtraída à livre convicção do julgador – art.º 163, n.º 1, do CPP.

111.ª A – É importante salientar como expressão incontornável do animus defendendi do arguido o facto provado nº 54: os tiros de costas foram instintivamente dirigidos, mesmo debaixo de descontrolo emocional,  à fonte de perigo - o braço direito da vítima, onde o arguido percepcionou que este tinha arma de fogo (significativo que o tiro referido naquele ponto 54 tenha atingido a face posterior do braço direito).

112.ª  Os factos dados como provados de 141 a 164 atestam o carácter extraordinário da personalidade do arguido e impedem que o seu comportamento ou a sua personalidade se possam ver qualificados como de especial censurabilidade ou perversidade – neste sentido Costa Andrade, Maria Fernanda Palma e Rui Pereira, nos Pareceres junto aos autos

112.ª A – Aliás, a fls 291 dos Acórdão do TRC, consigna-se em resumo das declarações da Perita do INML: “de acordo com o perfil obtido o acto era paradoxal”.

113.ª  Não pode pois a conduta do arguido ver-se subsumido no art.º 132 do Código Penal, que é preceito que aqui não pode aplicar-se;

114.ª  Diga-se que ao referir amplamente, como fundamento e pressuposto da qualificação atípica adoptada, o facto de o arguido se ter “munido de um revólver, completamente municiado, que ocultou no vestuário, prendendo-o no cinto das calças, na zona sacro-coccígea”, pelo que se apresenta censurável “a circunstância de o arguido ir para um desses momentos armado, tornando a sua conduta especialmente censurável”, constata-se que existe dupla valoração dessa circunstância – o uso da arma e o modo como se usou – e o da agravação constante do art.º 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, a qual, nunca poderia subsistir por o uso e porte da arma ter dado já lugar, pela via da qualificação do homicídio, da qual foi pressuposto, a agravação mais elevada;

115ª.  Não se trata aqui de negar que a agravação do artº. 86, nº. 3 daquela Lei possa cumular-se com qualquer crime típico cometido com arma; diferentemente, do que aqui se trata é de recusar a cumulação quando o crime é atípico, ou seja, quando os seus elementos constitutivos não são de criação legal, mas sim jurisprudencial, e para a construção jurídica dessa opção qualificada atípica tenha sido convocado, como elemento estruturante, o modo como a arma foi usada;

116.ª  Encontra-se pois também violado, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art.º 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro;

117.ª  É chocante e inexplicável, em termos até de jurisprudência comparativa, a pena aplicada no caso vertente, pois que, sem conceder, qualquer que fosse a qualificação jurídica adoptada, face ao comportamento concreto de um arguido como o recorrente, sem antecedentes, cidadão exemplar a todos os títulos, como se deu provado nos factos de 143 a 161 (págs. 24 e 26 do Acórdão), com 65 anos de idade, impunha-se que a medida da pena a aplicar se situasse próxima do limite mínimo da moldura penal, por serem reduzidas, para não dizer nulas, as necessidades de prevenção especial, reiterando-se que, como resulta de tudo quanto atrás se alegou, a culpa do agente, face ao estado emocional em que actuou, resultante da conduta da vítima, se acha acentuadamente diminuída (art.º 71, n.º 1, do CP);

117.ª A – Mais se diga que a pena aplicada é manifestamente desproporcional, exagerada e injusta traduzindo-se, em face da idade do arguido, numa pena de prisão  perpétua pelo que resultam assim violados os art.s 40º do CP bem como o art. 71º nºs 1 e 2 do  CP e, mais flagrante se torna (contendendo até  com o princípio da igualdade plasmado no art. 13º da CRP e da segurança jurídica) se tivermos em conta, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência:

a) Acórdão datado de 05-02-2009, em que foi relator ARMENIO SOTTOMAYOR, publicado in www.dgsi.pt em que o arguido foi condenado a uma pena de 15 anos de prisão, tendo desferido um tiro de caçadeira no pescoço da vítima e após desferido um total de 18 golpes com uma faca na zona do tronco e na cabeça da vítima, única e exclusivamente por questões monetárias e tendo negado os factos em julgamento;

b) Acórdão datado de 24-05-2007, em que foi relator PEREIRA MADEIRA, publicado in www.dgsi.pt, em que o arguido foi condenado em 11 anos de prisão tendo matado a própria mulher, com antecedentes criminais, actuando da seguinte forma: aguardou a chegada da viatura daquela (num quadro em que a vitima tinha solicitado à APAV auxilio em virtude de ameaças e maus tratos por parte do arguido) disparou um primeiro tiro de caçadeira que a atingiu na cabeça fazendo-a cair e depois, aproximando-se da mesma (já com aquela caída) desfere um segundo tiro que também a atinge na cabeça, causando-lhe a morte;

c) Acórdão datado de 23-10-2008, em que foi relator SANTOS CARVALHO, publicado in www.dgsi.pt, em que o arguido foi condenado a 9 anos de prisão, tendo atingido a vitima com 7 facadas – no meio de um centro comercial – e na sequência de uma contenda, quando em momentos antes aquele arguido se tinha envolvido em agressões físicas com um familiar da vitima numa discoteca;

118.ª  E face a esses mesmos factos dados como provados pelo Acórdão, sempre a pena, então no quadro do homicídio simples previsto no art.º 131, teria que ser especialmente atenuada, nos termos do disposto no art.º 72, n.ºs 1 e 2, alíneas b), c) e d) do CP;

118.ª A Impunha-se assim proceder nos termos previstos no art.73º do CP a atenuação especial da pena por força dos factos provados nºs 93º, 6º, 89º, 90º, 11º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 29º, 31º, 108º, 110º, 117º, 37º, 120º, 121º, 122º, 143º, 147º.

119.ª  Pois que todas as circunstâncias atrás descritas, e que aqui se dão como reproduzidas, de ameaças, insultos e agressões praticadas pela vítima em crescendo contínuo, contra a pessoa e a fazenda do arguido e contra a sua família desde 2007 até ao próprio dia dos factos (5.02.11), não poderiam então deixar de constituir provocação injusta ou ofensa imerecida para efeitos da alínea b) do n.º 2 daquele art.º 72, assim como o arrependimento e a boa conduta do arguido, amplamente provados (factos 143.º a 161.º) não poderiam nunca deixar de ser subsumidos às restantes alíneas c) e d) do mesmo preceito, o qual se acha assim violado pelo Acórdão recorrido;

120.ª  Sendo que face a todos esses factos dados como provados as necessidades sobre a pessoa do arguido, são manifestamente diminutas as necessidades de prevenção especial, pelo que as instâncias fazem uma errada interpretação das exigências de prevenção prescritas no art.º 71, n.º 1, do CP e, consequentemente, fazem uma determinação concreta da pena em violação frontal do disposto no n.º 1 e n.º 2 daquele preceito.

            Legítima defesa

121.ª  O Acórdão do TRC no que concerne à apreciação deste invocado instituto padece de nulidade em virtude de estar inquinado do vício de falta de fundamentação, de facto e de direito – art.s. 97, n.º 5 e 379.º nº 1 al. c), ambos do CPP – precisamente por não se pronunciar sobre os factos e o direito que a este propósito a motivação de recurso do arguido para a Relação lhe colocava.

122.ª  Padece ainda o Acórdão do TRC do vício previsto no art.379º nº1 CPP (omissão de pronúncia) incorrendo em nulidade, pois não aprecia os concretos extractos da prova testemunhal que - por exigência legal - foram indicados com precisão cirúrgica pelo recorrente, nem os documentos elencados nas conclusões 67º a 71º do recurso da decisão de 1ª Instância no que concerne aos factos não provados atinentes a este instituto.

123.ª  Designadamente não GGlisou nem se pronunciou a Relação sobre os factos que relatou no seu seio referentes às declarações da testemunha LL e MM, a primeira sobre ameaças da vítima ao arguido e a segunda sobre pedido da vítima para transformar uma arma de fogo, e o mesmo se diga do relatório da autópsia indicado na conclusão 70º do recurso do arguido do Ac. de 1ª Instância, documento esse que, na apreciação da matéria de facto respectiva foi totalmente desconsiderado/ omitido/ ignorado pelo TRC.


123.ª A Designadamente, a fls 251 do Acórdão do TRC ficou consignado que a citada testemunha LL “fazia muitas viagens com o arguido e ouviu muitos telefonemas que DD fazia ao arguido, porque o arguido punha o som alto. Eram telefonemas terríveis… e depois do telefonema todos ficavam com medo, ele (o DD) dizia que o matava, que lhe dava um tiro nos cornose do depoimento de MM (armeiro de profissão) a fls 281 consta o resumo deste depoimento, tendo sido consignado que “ele (DD) perguntou-lhe se transformaria uma arma de alarme em arma real”.

124.ª  Ora, tal documento (mencionado na conclusão 67º) – que se afigura de grande relevância (pois trata-se do relatório inicial de exame ao cadáver, do qual decorre que o lenço foi encontrado no bolso esquerdo da vítima) foi omitido in totum pelo TRC na apreciação do dito ponto. Este documento, em conjugação com as regras de experiência comum, seria de molde a excluir que a vítima tinha na mão direita um lenço (que veio a ser encontrado no bolso esquerdo das suas calças!) Impondo-se, outrossim, concluir que a vítima tinha na mão direita um objecto volumoso compatível com a percepção do arguido de que se tratava de uma arma.

125.ª  Mais se diga que a circunstância de ter sido dado como provado - facto provado nº 127 - que a vítima tinha na mão direita “um lenço ou um guardGGpo” atesta que não poderia dar-se como assente, para além da dúvida razoável, que não era uma arma o que a vítima trazia consigo ou pelo menos que não era possível o arguido ter essa suposição, pois o uso da expressão “ou” traduz um proibido non liquet e evidencia o estado dubitativo em que o tribunal navega.

126.ª  Conforme se disse a propósito de questão diferente na conclusão 84.ª, padece da nulidade do art.º 379, n.º 1, alínea c), do CPP, por violação do exercício dos poderes consignados no art.º 127 do mesmo Diploma Legal, o Acórdão da Relação ao violar flagrantemente o princípio da presunção de inocência do arguido -  in dubio pro reo  - plasmado no art. 32.º da CRP por não valorar as declarações não infirmadas do arguido, totalmente consonantes com os próprios factos que deu como provados, o que se impunha.

127.ª  No atinente verificação do instituto damos aqui por reproduzido o Parecer de COSTA ANDRADE na parte em que se debruça sobre esta questão - fls. 9 a 15 – e permitimo-nos citar a eloquente conclusão b) vertida na pag. 49: “ não pode acompanhar-se o douto acórdão recorrido na solução que deu ao problema da legítima defesa putativa e afastou o pertinente regime (artigo 16º, nº 2 do Código Penal). Invocando o arguido AA a convicção de ter agido para fazer face a uma agressão do DD e não se tendo provado que tal convicção não existiu, é forçoso proceder (in dubio pro reo) como se se tivesse feito a prova daquela convicção. Além do mais, porquanto toda a matéria de facto provada empresta particular plausibilidade àquela convicção do arguido bem como ao medo de ele próprio, ou alguém da sua família, vir a ser vítima de agressão no contexto de um processo de violência que já tinha começado e cujo fim não era possível antever”

128.ª  Assim, a actuação do arguido (disparar arma de fogo) acha-se claramente a coberto de acção em legítima defesa, pois foi para repelir uma agressão eminente (actualidade) com arma de fogo por parte da vítima (meio necessário segundo um juizo ex ante) e defender os interesses agredidos e ameaçados de si e da sua família, designadamente da neta que mantinha ao colo e que a ele se agarrava, que o arguido agiu, podendo verificar-se nos frames 406 a 417 do Anexo II que ele age em defesa e como reacção a um gesto (facto provado nº 127) que interpretou como gesto de saque, após vislumbrar na mão direita da vítima, aquilo que ele julgou ser uma arma de fogo, prestes a ser utilizada contra si e contra os seus, considerando que a vítima (que era dextro – facto 129) utilizara milésimos de segundos antes, quase instantaneamente, a mão esquerda para agredir a tia idosa do arguido e conforme aliás resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 127.º, 128.º, 129.º,130º., 131º. e 133.º;

129.ª  Ora, a vítima repetida e reiteradamente, ao longo de três anos, foi praticado numerosos ilícitos criminais, que deram origem da diversas participações (dados como provados – nºs 79, 4) inicialmente apenas contra a pessoa e honra da filha do arguido, alargando depois o espectro ao arguido, atentando também, para além da honra, contra o seu património, numa atitude de permanentes maus tratos e ameaças ao arguido e depois também à sua família.

129.ª A - Conforme o arguido sabia (factos provados 22.º e 23.º), a mãe e os irmãos da vítima, no seguimento dos acontecimentos ocorridos em 25.01.2010 em S.ta ..., requereram, a 29.01.2010 o internamento compulsivo do falecido, alegando que este punha em risco a sua (deles) integridade física, a dele e a de terceiros (92.º), tendo o psiquiatra que o acompanhava (Dr. NN) em 2008 diagnosticado perturbação delirante tipo persecutório e perturbação paranóide de personalidade, em que se anotava o perigo de o falecido poder recorrer à violência (93.º), tendo em 28.01.2010 a sua médica de família (Dra. OO) emitido a informação que DD se apresentava descompensado, podendo atentar contra a própria vida ou dos seus familiares (95.º), tendo sido conduzido com mandados de detenção ao Hospital, no âmbito do internamento compulsivo foi confirmado o diagnóstico provisório de distúrbio de personalidade (96.º) pelo médico de serviço Dr. PP, com a característica de “alterações imotivadas de humor”.

129.ª B - A partir dos acontecimentos de S.ta ... (agressão à filha do arguido e destruição da sua viatura - factos provados 89.º a 91.º e 11) o arguido passou a recear que ele ou os seus familiares pudessem ser agredidos fisicamente por DD (21.º e 108.º), sendo o seu receio confirmado (25º) pois a vítima pediu a um amigo para levar uma arma numa visita à sua filha na casa do arguido, e o arguido tomou várias atitudes que evidenciam o medo que sentia de DD (30.º, 33.º, 113.º e 114.º), por temer que ele estivesse armado (passou a estar atento às movimentações e ao volume nos bolsos daquele (109.º) e pediu a um seu familiar que verificasse se aquele trazia arma (110.º). Receio esse comunicado ao Ministério Público pela sua filha em queixa crime apresentada em 27.10.10, cfr. art.º 136 de fls. 60 e 269 do Anexo I e ponto 79.º dos factos dados como provados.

130.ª  Era legítimo e fundado, face à matéria dada como provada pelo Acórdão, que o arguido temesse seriamente que a vítima trouxesse consigo arma de fogo e o agredisse a ele e aos seus familiares (pontos 21.º, 108.º, 109.º e 110.º da matéria de facto dada como provada);

131.ª  E assim sendo, bem certo é que o arguido, agiu em legítima defesa: tendo visionado um objecto que julgou ser uma arma de fogo (– ) e tendo a vítima desferido uma estalada com a mão esquerda na tia avó do arguido (- ) sendo dextro (-), seguido de um movimento de braço (– )que o arguido interpretou como gesto de saque (agressão actual  - iminente -  e ilícita) e ( necessidade do meio) estando o arguido - (para além da sua manifesta inferioridade física) totalmente impossibilitado de usar a força física, para neutralizar a agressão, por ter a neta ao colo (sendo que, para fazer frente a uma arma de fogo, o uso da força física não era meio adequado)  disparou, sendo expressão do animus defendendi a circunstância de, quando a vítima se encontrava de costas, ter sido atingida no braço direito (ponto 54) pelo que, de acordo com o disposto no art.º 32 do nosso Código Penal, se encontram preenchidos todos os pressupostos do instituto (actualidade, necessidade e proporcionalidade do meio);

132.ª  Neste sentido, Taipa de Carvalho, Direito Penal, parte II, Universidade Católica e Legítima Defesa, Coimbra Editora, que explicita que o instituto se fundamenta na defesa do bem jurídico concreto, isto é, tendo em conta que é a situação concreta que justifica o direito de defesa, o direito individual de reagir contra agressão, impedindo-a ou impedindo a sua continuação;

133.ª  Agravada a posição do arguido pela agressão bárbara (ilícita e dolosa) que a vítima praticou na pessoa da tia, senhora idosa de 80 anos, a quem o arguido devotava grande amor e afeição e que lhe causou dor, revolta e descontrolo emocional e perda do controle do impulso, por temer que as consequências para ela fossem letais (pontos 44.º e 130.º);

LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO

134.ª  Em relação à agressão à sua tia (defesa de interesses juridicamente protegidos de terceiro) não pode hipotisar-se qualquer erro sobre pressupostos do instituto de legítima defesa, já que todos os pressupostos respectivos se verificam no quadro da acção;

135.ª  Há desde logo, nos termos do art. 33º do CP uma agressão actual e ilícita perpetrada pela vítima, ainda em execução (se dúvidas existissem sobre a actualidade desta agressão o Acórdão do TRC dissipa-as pois a fls 239 relata que “ O arguido levou a sua mão direita atrás das costas e tirou o revolver. Entretanto II está em movimento descendente, a cair”) que atenta contra o bem jurídico integridade física de terceiro, mais concretamente a vítima praticou o crime de ofensa à integridade física de uma idosa (factos provados nºs 46, 44), com quase 80 anos a qual - por força da idade - é particulamente débil e frágil.

136.ª  Quanto à necessidade do meio, há que considerar as concretas circunstâncias do caso, tal como foram naquele instante percepcionadas pelo arguido, numa perspectiva ex ante: a perigosidade da vítima decorrente da perturbação paranóide diagnosticada em 2008 (factos provados 93, 92, 95, 96) a espiral de violência da vítima daquele dia (factos provados 117, 37, 122, 46), agravada pela violência dos anos anteriores (factos provados nºs 6, 89, 90, 11, 18, 19, 20, 31), a superioridade física da vítima e a consequente (patente nos instantes que antecederam os disparos) impossibilidade de o dominar pelo uso da força física, agravada pela circunstância absolutamente incapacitante de o arguido ter a sua neta ao colo (factos provados 41, 135). Donde se impõe concluir que o homem médio, colocado naquelas concretas circunstâncias teria agido da mesma forma.

LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA

137.ª  Mas, se se quiser aventar a hipótese de tal erro em relação à natureza do objecto e ao movimento de saque que a vítima fez esta tese resulta igualmente plausível se atentarmos ao precário campo de visão do arguido, no momento que antecede o primeiro disparo:

- imediatamente após o início do gesto de saque por parte da vítima (simultâneo com o arguido) frame _ tem duas pessoas à frente (a filha GG e a testemunha QQ) o que não lhe permitiu ver o terminus do movimento do braço direito da vítima (aliás medeia cerca de um segundo__) nem o facto deste não ter naquele instante qualquer arma mão, aventando-se a hipótese de a posição do dedo indicador da vítima ter sido enganosa;

- em simultâneo o arguido tinha  a neta a agarrar-se ao pescoço, com a cabeça encostada à sua, dificultando-lhe a visão do lado esquerdo, conforme pontos 133.º e 135.º, a págs. 23 e 24 do Acórdão), pelo que sempre a conduta do arguido cairia no âmbito e beneficiaria do quadro de exclusão de dolo consagrado no art.º 16, n.º 2, do CP (legítima defesa putativa) – Taipa de Carvalho, “A legítima defesa”, Coimbra Editora, págs. 186 e segs.;

EXCESSO extensivo DE LEGÌTIMA DEFESA

138.ª  A tal não obsta que se possa hipotisar o quadro de excesso extensivo de legítima defesa (Taipa de Carvalho, “Direito Penal”, vol. II, pág. 347), sempre motivado pela perturbação psicológica decorrente do medo ou susto causado pelo agressor, nos termos do disposto no art.º 33, n.º 2, do CP, preceitos que assim se acham, a este título, violados pelo Acórdão recorrido (art.ºs 16, n.º 2, 32 e 33, n.º 2, todos do Código Penal);

139.ª  O que, nos termos do disposto no art.º 31, n.º 2, alínea a), do CP, torna não punível o facto praticado pelo recorrente;

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

140.ª  Sucede mais: sucede que conforme as instâncias reconhecem, a conduta da vítima perante o arguido e sua família veio causando àquele, em crescendo contínuo, humilhação, sofrimento e mágoa, sendo que o acto que constituiu a gota de água, a referida agressão a sua tia, lhe causou dor e revolta (137.º e 131.º);

141.ª  Todo o comportamento da vítima, em progressivas e contínuas ameaças, insultos e agressões, dadas como provadas em 6.º, 11.º, 18.º. 19.º, 20.º, 31.º, 6.º, 84.º, 86.º, 90.º, 122.º e 128.º, causaram ao arguido um estado, em que agiu, de compreensível emoção violenta, como expressamente aliás havia frisado a decisão instrutória, estado emocional explicitado aliás cientificamente pela Sra. Perita do IML, em relatório de fls. 1170 e esclarecimentos posteriores referidos no texto do Acórdão da Relação, em juízo subtraído à apreciação do julgador (art.º 163, n.º 1, do CPP).

142.ª  Ora tais circunstâncias são idóneas, próprias e adequadas a subsumir a conduta do arguido à prática do crime p.p. pelo art.º 133.º do Código Penal, a tal não obstando a eventual cumulação com o quadro da legítima defesa atrás exposto;

143.ª  Pois, à luz da matéria de facto dada como provada – mesmo apenas em relação a essa – não pode deixar de concluir-se que a humilhação, sofrimento, mágoa, dor e revolta sentidas pelo arguido em relação aos factos praticados pela vítima contra si, sua filha e sua tia não podem deixar de entender-se que qualquer homem fiel ao direito – que nada fez senão bem ao agressor – ficaria, em tais circunstâncias dominado por compreensível emoção violenta, como aliás a decisão instrutória não deixou de afirmar expressamente.

144.ª  A compreensibilidade significa poder estabelecer um juízo de culpa diminuída, face às capacidades do agente para não praticar o acto ilícito, pelo que a “sensível diminuição da culpa” não constitui elemento autónomo, já que a exigência final do preceito se limita a reforçar o carácter normativo da compreensibilidade, afastando um entendimento meramente psicológico (Amadeu Ferreira, ob. cit., pág. 146 e Teresa Quintela de Brito, ob. cit., pág 331);

145.ª  Presentes a imputabilidade e a ilicitude, o que está em causa é uma menor exigibilidade de um comportamento conforme ao direito nas concretas circunstâncias em que o arguido se encontrava (Figueiredo Dias); é a constatação de que não se espera que a condição humana normal seja a de um anjo ou de um santo (M. Miguez Garcia), tendo sempre que levar-se em conta o conflito anterior que precede a emoção (Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado, pág. 99) que conduz a que a sua culpa fique sensivelmente reduzida (Curado Neves, Rev. Port. Ciência Criminal, 11, 2001);

145.ª A – A este propósito dá-se por reproduzido o Parecer de COSTA ANDRADE (fls 6 a 9) do qual nos permitimos citar a conclusão a) de fls 49: “Não podem subscrever-se os termos em que o douto Tribunal recorrido tratou e solucionou o problema do Homicídio privilegiado (artigo 133º do Código Penal). Cuja aplicação recusou por considerar que não se provaram factos, para o efeito invocados e imputados ao malogrado DD: violências físicas e verbais e doença mental. Tudo factos que encontraram no processo prova acima de toda a dúvida.”

145.ª B - Tal como fazem referência a esta questão no seu Parecer FERNANDA PALMA e RUI PEREIRA nos seguintes termos: “O Acórdão recorrido não parece valorizar devidamente algumas circunstâncias que rodearam o crime e foram dadas como provadas: as duas situações (no mínimo) em que a vítima injuriou e ameaçou o arguido telefonicamente; uma outra situação em que a vítima disse ao arguido que a filha deste se tinha prostituído com ele; um episódio de violência em que a vítima tentou abalroar o veículo do arguido com o seu próprio veículo; a agressão física (à bofetada) perpetrada pela vítima contra a tia idosa do arguido, que foi derrubada imediatamente antes da prática do homicídio, sem ter feito qualquer provocação prévia. Todo este quadro ilustra um estado de emoção violenta do arguido que teve o seu clímax no homicídio.” (…)

“Esse estado emocional é a chave para o entendimento do crime imputado ao arguido”(… )

“O estado de emoção violenta (causado por uma sucessão de acontecimentos conflituosos que culminou numa agressão à tia do arguido) retirou ao arguido o grau de discernimento e a capacidade de determinação da vontade” (na expressão da Perita do INML “perda de controle de impulso”).

145.ª C - O Acórdão do TRC no que concerne à apreciação desta qualificação jurídica  invocada pela defesa padece de nulidade em virtude de estar inquinado do vício de falta de fundamentação, de facto e de direito – art.s. 379.º nº 1 al. c) do CPP.

145.ª D - O Acórdão do TRC padece de nulidade por excesso de pronúncia 379º nº1 c)  – quando considera não credível o extenso depoimento da filha do arguido (de 15 horas) - ao qual não foi capaz de assacar quaisquer contradições endógenas ou exógenas - colocado pela 1ª instância em zona cinzenta (de dúvida) sem ter sido infirmado e que, por conseguinte, se impunha que se desse como provadas todas as agressões por ela sofridas perpetradas pela vítima e exaustivamente narradas no aludido depoimento (factos não provados entre bb) e sss).

145.º E – Tal conclusão ilegítima, tomada em contravenção às regras probatórias em processo penal, impediu que fosse consagrado o instituto do homicídio privilegiado apresentado pelo arguido na sua defesa, em relação ao qual se deixou também pois assim de aplicar o princípio da dúvida a seu favor (in dubio pro reo).

146.ª  À luz da matéria de facto dada como provada se vê que o arguido actuou dentro de compreensível emoção violenta que lhe diminuiu acentuadamente a culpa, tudo nos termos do art.º 133, do C P, aplicável à situação, preceito que se encontra assim violado pelo Acórdão recorrido;

147.ª  Todos os factos dados como provados sustentam a aplicabilidade ao caso dos institutos jurídicos referidos sendo que não é naqueles factos nem nas ilações possíveis que eles comportam que a relação pode decidir manter a sua versão jurídica, mas antes na sua inteira deturpação, conforme se pensa ter demonstrado ao longo da presente motivação de recurso.

148.ª  A finalizar diga-se que o Acórdão da Relação não se encontra rubricado por todos os seus Ilustres Subscritores, razão pela qual não foi dado cumprimento integral ao disposto no art.º 374, n.º 3, alínea e), que, salvo o devido respeito por entendimento diferente, imporia, para além das assinaturas no final da peça, a rubrica em todas as folhas.

Termos em que se requer seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogado o Acórdão da Relação ora recorrido, em consonância com as soluções preconizadas na motivação do presente recurso, assim se fazendo a habitual             Justiça!


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            Respondeu o Ministério Público às motivações de recurso, concluindo:

            1. Quanto ao recurso dos demandantes civis, relativo a matéria cível, não tem o Ministério Público legitimidade para se pronunciar, estando os sujeitos processuais devidamente representados por advogado.

2. Quanto aos recurso interlocutórios e das demais questões suscitadas de despachos interlocutórios, anteriores à prolação do acórdão final na 1ª instância _ reportadas nas conclusões 1ª a 57ª - sendo despachos que conheceram de questões interlocutórias (art.º 97° n.º 1 aI. b) do CPP) e já apreciadas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, não podem ser de novo suscitadas em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por legal inadmissibilidade, devendo ser rejeitados, nessa parte, tais recursos, nos termos da disposições conjugadas dos artigos 97°, n.º 1, aI. b), 432°, n.º 1, al. b), 400°, al. c) e 420°, n.o 1 aI. b) todos do CPP.

3 - Quanto às questões suscitadas com repercussão na matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões já proferidas em recurso pelas Relações, apenas poderá apreciar a eventual existência dos vícios previstos no art. ° 410° do CPP.

E tendo sido suscitados diversas situações passíveis de tal acontecer, nos termos expostos; entendemos, de acordo com o exposto, que nenhum deles se verifica, devendo permanecer inalterada a matéria de facto dada como provada e como não provada.

4 - Quanto às diversas questões suscitadas em matéria de direito, acima discriminadas, também pelos motivos expostos e por tudo o mais que se fundamenta no acórdão recorrido não merecem qualquer acolhimento.

Assim, em conclusão, somos de parecer não assistir qualquer razão ao arguido recorrente, devendo manter-se integralmente o douto acórdão recorrido.

Vossas Excelências, porém, como sempre, não deixarão de fazer a costumada JUSTlÇA


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Respondeu o arguido ao recurso dos assistentes, concluindo:

1.ª       A pretensão dos assistentes de serem indemnizados pelos danos ‘não patrimoniais’ próprios sofridos em consequência da morte da vítima não é subsumível ou justificável com recurso às regras dos art.os 483.º, n.º 1, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil;

2.ª       Seja porque nenhuma norma do ordenamento jurídico lhes atribui um direito específico, na titularidade dos assistentes, cuja violação lhes confira esse direito, seja porque não existe nenhuma norma que, mesmo reflexamente, os inclua no núcleo de pessoas protegidas ou no fim pretendido com a norma violada;

3.ª       Seja porque aquelas normas (art.os 483.º, n.º 1, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil) prevêm e regulam exclusivamente a reparação de danos de natureza patrimonial;

4.ª       A previsão e reparação dos danos não patrimoniais é excepcional e tem um regime especial, previsto e regulado específica e exclusivamente no art.º 496.º do Código Civil;

5.ª       No qual se definem (n.º 1) quais os danos não patrimoniais juridicamente relevantes, fixando-se, ainda (n.ºs 2 e 3), em caso de morte, o núcleo de pessoas beneficiárias do direito à reparação;

6.ª       Em termos de não serem admitidos a reclamar indemnização por danos não patrimoniais (sejam da vítima, sejam próprios dos peticionantes) outros terceiros que não sejam os elencados nos vários grupos de beneficiários elencados nos n.os 2 e 3 daquele art.º 496.º;

7.ª       Elencagem essa em que o chamamento é sucessivo, em termos de a existência de beneficiário ou beneficiários de determinado grupo anterior preterir os designados no grupo ou grupos subsequentes;

8.ª       Tal delimitação de beneficiários é feita em termos de exclusividade, excluindo do direito à reparação por danos não patrimoniais (próprios ou da vítima) todos aqueles terceiros que, podendo embora ter sofrido moralmente com a morte da vítima, não estejam, todavia, incluídos naquela elencagem, ou que, estando aí incluídos, sejam preteridos pela existência de beneficiários do grupo precedente;

9.ª       Caso em que o ‘dano’ não patrimonial que eventualmente tenham sofrido não tem relevância jurídica, do mesmo passo que nenhum ‘direito’ que directa ou reflexamente reclamem foi violado;

10.ª     Assim inexistindo, nesses casos, o “dano” e a “ilicitude” juridicamente relevantes, não se verificando, por consequência, a plenitude dos necessários pressupostos da obrigação de indemnizar;

11.ª     É esse o caso dos assistentes, os quais, uma vez que a vítima faleceu no estado se solteiro e deixou uma descendente (filha) – já habilitada como sua herdeira, cfr. doc. junto aos autos – foram preteridos pela existência desta como beneficiários do direito de indemnização pelos danos morais próprios que invocam e cujo ressarcimento reclamam;

12.ª     Assim, a pretensão dos assistentes assenta em errada interpretação e aplicação de todas as disposições legais precedentemente invocadas, designadamente os art.ºs 483, n.º 1, 496, n.ºs 2 e 3, 562, 563 e 564, todos do CC, que resultariam violados, caso a sua tese tivesse vencimento;

13.ª     Igualmente, não merece acolhimento o argumento que invocam de que, em tese, o Acórdão recorrido liberta o arguido da obrigação de indemnizar a filha menor da vítima, em consequência de o exercício de tal direito não ter sido efectivado na presente acção penal, pois tal pretensa omissão não acarreta a preclusão de esta exercer tal direito posteriormente, em acção própria, e até um ano após atingir a maioridade – como decorre, aliás, do disposto ma alínea d) do n.º 1 do art.º 72.º do Código de Processo Penal, bem como do disposto nos art.os 320.º, n.º 1, 1889.º e 1893.º do Código Civil – nomas que seriam violadas, caso essa tese dos assistentes obtivesse vencimento;

14.ª     A isto acresce que o arguido, que mantém uma relação com a neta de profundo e recíproco afecto, como se acha dado como provado no ponto 149, já lhe doou todo o seu património (cfr. doc. que se junta), daqui resultando inequivocamente que a levantar-se a hipótese abstracta de o arguido lhe ter causado qualquer dano, sempre este teria que considerar-se integralmente e voluntariamente ressarcido para efeitos do disposto no art.º 72, n.º 2, alínea c) do CPP, conforme alegação subsidiária formulada na motivação de recurso (conclusão 119.ª);

15.ª     Finalmente, não tem qualquer sentido a pretensão dos assistentes de que ao caso se aplique por analogia o disposto no art.º 1237.º do Código Civil,

16.ª     seja porque não se verifica o pressuposto ali previsto com a expressão “não quiserem”, que resulta de ter havido repúdio da herança/renúncia à indemnização – que, como já visto, não se verificou,

17.ª     seja, ainda, porque no caso não ocorre a impossibilidade prevista com a expressão “não puderem” do mesmo normativo, que se verifica nos casos de incapacidade sucessória (por indignidade ou deserdação) ou de predecesso – nenhuma dessas situações se verificando neste caso em concreto.

18.ª     Assim, devem ser julgadas totalmente improcedentes as conclusões dos assistentes na sua motivação de recurso.

Termos em que se requer seja negado provimento ao presente recurso dos assistentes e, consequentemente, mantido e confirmado o Acórdão recorrido na parte em que por eles vem impugnado.


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Responderam os assistentes ao recurso do arguido no sentido de ser julgado integralmente improcedente o presente recurso e confirmado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra nos presentes autos, salvo na parte em que julgou improcedente o direito à indemnização fixado aos aqui assistentes, pelo Tribunal de Júri.


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Neste Supremo, a Exma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:

“O recurso do arguido AA agora interposto nas conclusões já acima referidas suscita e impugna essencialmente:

a) tudo o que foi decidido sobre os recursos intercalares

b) matéria de facto não só através dos vícios p. no artº 410º, nº 2, mas também a violação do artº 127º do CPP na valoração da prova e o princípio in dúbio pro reo

c) a nulidade por omissão de pronuncia do artº 379º do CPP

d) a subsunção do crime de homicídio atípico do nº 1 do artº 132º e dupla valoração com a agravação do nº 3 do artº 86º da lei 5/06.  

e) medida da pena pelo crime de homicídio do artº 131º, especialmente atenuada (artº 72º nº 2 b))

f) e por último a legítima defesa incluindo as vertentes defesa de terceiro e defesa putativa e crime de homicídio privilegiado.

Questões preliminares que nos suscita este resumo das conclusões:

1- Não são admissíveis recursos para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões judiciais que foram objeto de recursos intercalares apreciados no Tribunal da Relação, conforme resulta do disposto da al. c) do nº 1 do artº 400º do CPP, pois este tipo de recurso é autónomo, relativamente à decisão final.

 O facto dos recursos interlocutórios terem subido com o recurso interposto do acórdão final e terem sido apreciados simultaneamente no tribunal da relação, mantêm formalmente a sua autonomia e por isso não fazem parte da decisão condenatória (entre outros Acs. do STJ de 25/2/09, p. 101/09, 3ª Sec. e de 2/2/2011, proc. 1375/07.6PMMTS.P1.S2).

Quando a alínea c) do nº 1 do artº 400º dispõe não ser admissível recurso de acórdãos proferidos, pelas relações que não conheçam a final do objeto do processo apenas se tem de definir o seu significado.

Sendo a questão a decidir e decidida interlocutória, não põe termo ao processo porque a questão substantiva que foi objeto do recurso fica definitivamente decidida, não podendo prosseguir para ser apreciado.

Todas as questões ao longo do julgamento surgidos e/ou colocados pelo arguido foram objeto de decisão do Mm.º Juiz Presidente por serem diversas da causa final.

            Quando o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, a sua competência limita-se à apreciação da matéria de direito e ao mérito da causa, por isso, só, oficiosamente é que poderá apreciar os recursos “interlocutórios” que subam conjuntamente com recursos diretos para o Supremo Tribunal de Justiça (artº 432.º, n.º 1 b) e d) do C.P.P.).

Não será, pois, recorrível o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que negou provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelo arguido AA AA (Ac. do STJ de 2/2/2011, p. 1735/07.5PBMTS.P1.S2.).

            2- Os recursos dos acórdãos das relações interpostas para o Supremo Tribunal de Justiça só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito sobre decisões recorríveis que foram objeto do recurso e já não sobre matéria de facto incluindo os vícios p. no nº 2 do artº 410º do CPP porque estes só poderão ocorrer oficiosamente (artº 432.º, al. c) e 434.º do C.P.P.).

            Não temos dúvidas de que, jurisprudencialmente, é considerado unanimemente que não entra no âmbito dos recursos para o Supremo Tribunal o conhecimento duplo dos vícios apontados à matéria de facto provada na 1ª instância, em tudo o que foi conhecido pelo tribunal da relação a quem competia apreciar e decidir.

 Sem prejuízo e excecionalmente o STJ, como tribunal de revista, por sua iniciativa (oficiosamente), conhecerá dos vícios do n.º 2 do artº410.º do CPP que possam verificar-se no Acórdão da Relação e não nos parece que se verifique algum.

            Por isso todas as considerações defendidas pelo arguido recorrente AA que envolvem diretamente matéria de facto, desde a livre apreciação da prova (artº 123º), princípio in dubio pro reo, e os vícios do nº 2 do artº 410º do C.P.P. não poderão ser objeto do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, por ser irrecorrível a decisão condenatória nesta vertente (neste sentido entre muitos outros o Ac. do STJ de 20/6/2012, p. 4022/02.9TDLSB.L1.S1.3ª sec). 

             3- O recurso pode ter como fundamento, a inobservância de requisitos cominados sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, embora seja ao Tribunal da Relação que, em última instância, caiba apreciar e decidir a matéria de facto.

Dentro dos poderes do Supremo Tribunal, em recurso, está a apreciação de nulidades insanáveis e por isso previstas no artº 379º por omissão de pronúncia, suscitada pelo arguido/recorrente.

Mas o arguido, dentro de todos os poderes que lhe são concedidos com proteção constitucional, só pode questionar o que expressa e claramente suscitou como contradição ou outro vício.

Vejamos:

O arguido levanta a omissão de pronúncia do acórdão da relação, a pag. 192, indicando apenas os números/letras dos factos provados, sem indicar os factos concretos, o que faz certamente para tentar “baralhar” e inventar uma omissão.

Resulta da transcrição das conclusões do recurso do arguido no acórdão da relação que as contradições entre a fundamentação que invocou no p. 13 eram respeitante aos pontos 108, 109 e 110… em confronto com o teor das alíneas aaaa) e bbbb) dos factos dados como não provados.

A fls. 191 do Acórdão do Tribunal da Relação além de serem transcritos os pontos provados dos 108 a 110 são também transcritos as alíneas não provadas aaaa) e bbbb) e também muito bem fundamentada a inexistência de contradição.

No entanto o arguido/recorrente indica agora nas conclusões do seu recurso deste acórdão da relação os factos não provados nas alíneas aaaaa) e bbbbb) (cinco letras) que não correspondem aos factos que ele havia invocado no 1º recurso, e que logicamente são diferentes das alíneas aaaa) e bbbb) (quatro letras).

Tendo sido apreciada e decidida a não verificação de contradição entre os factos provados e não provados, nos precisos termos que o arguido havia suscitado não há qualquer omissão de pronúncia que possa ser apreciada no STJ.

Recurso sobre a decisão final.

4- Homicídio qualificado e homicídio qualificado atípico.

Como já temos vindo a considerar e defender as circunstâncias enumeradas como exemplo padrão no nº 2 do artº 132º do CP não sendo elementos do tipo do crime de homicídio, mas sim da culpa, não funcionam, automaticamente, como de espacial censurabilidade ou perversidade, devendo a sua determinação ser indispensável em cada caso concreto para que a sanção pelo crime de homicídio ultrapasse a moldura do p. no artº 131º do CP.          

Seguindo a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente, Figueiredo Dias, in comentário Conimbricense, fls. 26 e segs. e acórdão do STJ, entre muitos o de 15/03/2007, p. 340/07, o crime base é o homicídio simples, p. no art.º 131º conforme está determinado na lei e o homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio simples, não se podendo considerar o contrário, isto é que o homicídio simples é a uma atenuação do agravado.

A forma de qualificação do crime p. no artº 132º, também segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, não é taxativa, mas sim uma “fórmula aberta” com certos parâmetros, deixando ao julgador uma margem de ponderação das circunstâncias caso a caso.

A agravação da culpa no dizer de Figueiredo Dias é em todos os casos suportada por uma correspondente agravação do conteúdo do ilícito caindo a “especial censurabilidade” nas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas e a “especial perversidade” terá de cair naqueles casos em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação, no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas (anotação artº 132º, Comentário Conimbricense, T.1, fls. 29).

O crime de homicídio, apesar da descrição dos factos provados poderá ser no sentido de estar preenchido um ou mais dos exemplos padrão do nº 2 do artº 132º, mas poderá não ser qualificado só por isso. Para que a qualificação se verifique terá de ocorrer uma “imagem global do facto agravado” (neste sentido o Ac. do STJ de 8/10/2011. p. 88/09.9, 5ª sec. e toda a jurisprudência e doutrina aqui referidos).

4.1 Embora na fundamentação do acórdão recorrido seja referido que … o ser pai da sua neta e o seu bom relacionamento tinha algumas afinidades com as alíneas a) e b) do nº 2 do artº 132º, sendo considerado que não podiam ser englobadas naqueles exemplos.

Parece-nos que os factos e as circunstâncias, noutros moldes, poder-se-iam enquadrar-se exclusivamente na alínea b).

4.1.2. Se nos detivermos nos factos provados sobre a vítima e o arguido, parece-nos que a agravação direta ou indiretamente se poderá enquadrar no padrão da al. b), do n.º 2 do 132º, como relação parental não familiar.

A vítima era/é pai da GG, neta do arguido AA e os contactos que se verificavam entre a vítima DD e o arguido/avô eram exclusivamente para o pai/vítima visitar/estar com a filha GG que o avô/arguido tinha em sua casa em ..., juntamente com a mãe, sua filha.

Este conjunto de circunstâncias, segundo nos parece, poderão preencher a al. b) do nº 2 do artº 132º do C.P. que dispõe - Praticar facto contra … progenitor de descendente comum em 1º grau.

 Neste sentido a anotação ao artº 132º de Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do CP, sobre esta alteração ao nº 2 em que diz: 

Os laços familiares básicos com a vítima devem constituir para o agente fatores inibitórios acrescidos, cujo vencimento supõe uma especial censurabilidade”.

A lei 59/2007 veio alargar ainda mais esta tutela penal, prescindindo mesmo da existência de laços familiares básicos entre a vítima e o agente ao incluir o homicídio de ex-cônjuge … e mesmo de progenitor descendente comum em 1º grau.

Deste modo incluem-se sob a tutela penal as relações familiares pretéritas e as relações parentais não familiares.

4.2 Ainda que expressamente não se pudesse considerar que o descendente comum, relativamente ao arguido não era de 1º grau, mas apenas da vítima, porque não incluído na alínea b) do nº 2 do artº 132º, então também esta circunstância se teria de enquadrar na especial censurabilidade atípica e vejamos porquê.

Teresa Serra (in Homicídio Qualificado, 2000, Casos de Homicídio Qualificado Atípico, fls. 70 e sgts), quanto aos casos de homicídio atípico começa por questionar em que circunstâncias se pode concluir pela afirmação de um caso destes quando não se está perante qualquer das circunstâncias exemplificativas do

 n.º 2 do artº 132º.

         Mas depois considera que só em circunstâncias extraordinárias que assentem num aumento essencial de culpa (ou ilicitude) e que sejam expressivas do Leitbild dos exemplos padrão poderão levar à especial censurabilidade

Seguindo-se estas restrições, parece-nos poder defender que caberá no âmbito da estrutura valorativa da circunstância da alínea b) do nº 2 - praticar facto contra progenitor de descendente comum em 1º grau, outras circunstância muito próxima – descendente comum em 1º e 2º graus respectivamente, por revelar igualmente um especial grau de gravidade da culpa

E aqui serão chamadas todas as circunstâncias conexionadas que foram tidas na fundamentação da agravação pelo acórdão recorrido e que nos dispensaremos de reproduzir. 

Segundo nos parece o que acabamos de tentar defender, poderá também servir de fundamento mais restrito à qualificação atípica do crime de homicídio cometido pelo arguido/recorrente AA.

Não desconhecemos a nota “supérflua” sobre toda a alínea b) do nº 2 do artº 132º do CP que sem qualquer fundamentação doutrinária se limita à crítica destas circunstâncias terem sido englobadas nos exemplos padrão e por isso sem qualquer relevância para o caso concreto, tal como o colocamos em hipótese para poder ser apreciada (§ 20 ao artº 132º, T.1, 2 ed.).

Todas as circunstâncias conjuntamente com todas as outras realçadas e mantidas no acórdão recorrido, parece-nos ser suficientes para fundamentar uma exteriorização de censurabilidade da conduta do arguido AA revelando e conduzindo à especial agravação do homicídio.

4.3 Não podemos deixar de referir jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre homicídios qualificados e censurabilidade atípicas, Acs. do STJ de 18/10/2012, p. 735/10.0JACBR.C1.S1, de 29/3/2007, p. 647/07, de 17/4/2013, p.237/11.7JASTB.L1.S1.e de 21/3/2013, p. 2024/08.0PAPTM.E1.S1.

5- Qualificação e agravação do crime de homicídio qualificado.

Também somos do parecer que não se verifica qualquer dupla agravação/qualificação ao ser também aplicado o nº 3 do artº 86º da lei 5/2006.

Ao contrário do defendido pelo arguido o acórdão recorrido proferido no Tribunal da Relação de Coimbra manteve e fundamentou a aplicação desta agravação ao não ter sido considerado valorado o uso da arma aquando a qualificação atípica do homicídio, mas apenas ter sido referido que haveria frieza de ânimo por parte do arguido ao ter-se munido da arma de fogo para a levar na visita do pai à sua neta.

5.1 Resulta da leitura atenta do nº 3 do artº 86º que a prática de um crime será sempre agravada se cometida com uma arma, qualquer que seja a sua classe (fogo, branca, química, biológica, radioativa, etc.) desde que tal arma, não faça parte do tipo do crime.

O crime de homicídio foi cometido/praticado pelo arguido usando uma arma de fogo sem que a mesma seja elemento do crime p. no artº 131º do CP.

A agravação da pena por autoria do crime de homicídio qualificado não se mostra proibida legal e constitucionalmente, como resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente do Ac. do STJ de 18/1/2012, p. 306/10.0JAPRT.P1.S1. 3ª sec.:

Não se vislumbra razão legal, ou imperativo constitucional, que proíba uma dupla agravação da pena, desde que a mesma corresponda a uma diversa dimensão da ilicitude, ou da culpa, e não a uma arbitrária violação do principio non bis in idem. A particularidade do caso vertente surge com a circunstância de, para além das circunstâncias que se inscrevem no artº 132º do C.P., surgir uma outra qualificativa de carácter geral cominada no artº 86º da Lei 5/2006. Existe, assim, uma concorrência de qualificativas.

O uso do mesmo revolver não foi tida como circunstância qualificativa que integrasse qualquer das enunciadas no nº 2 do artº 132º nomeadamente nas alíneas e) e/ou j) ou tivesse sido considerada como circunstância atípica que revelasse especial censurabilidade (neste sentido o Ac. do STJ do Exmº Conselheiro Relator de 12/9/2013, proc. 680/11.6GDALM.L1.S1. 3ª sec.).

E ainda que o crime de homicídio não tivesse sido considerado qualificado sempre a medida da pena pelo crime de homicídio seria agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo.

6- Medida da pena.

O arguido/recorrente continua a impugnar, com os mesmos fundamentos, a medida da pena aplicada, ao considera-la apenas “chocante e inexplicável” face ao comportamento concreto, sem antecedentes, cidadão exemplar a todos os títulos (factos provados de fls. 143 a 161) e com 65 anos de idade o que impunha que a medida da pena se situasse próximo do limite mínimo da moldura penal, por serem reduzidos ou nulas as necessidades de prevenção especial, devido à culpa se achar acentuadamente diminuida face ao estado emocional em que atuou e se condenado apenas pelo artº 131º do CPP, a pena devia ser especialmente atenuada pelo artº 72º nº 1 e 2 b) c) e d) do CP.

6.1 Como já defendemos, também nos parece que devido aos factos provados o arguido cometeu o crime de homicídio qualificado agravado dos artºs 131º, 132º nº1 com referência também ao nº 2 b) do CP e 86º nº 3 da lei 5/2006 e a medida da pena foi e tem de ser encontrada entre os 16 e os 25 anos de prisão.

A pena determinada pela 1ª instância e mantida pelo acórdão da Relação de Coimbra foi de 20 anos de prisão.

Além de terem sido referidos os fundamentos que a 1ª instância havia doutamente invocado para encontrar a pena adequada e fixada, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação além de os manterem, afastaram os argumentos do arguido/recorrente e acrescentaram mais motivos a justificar/ fundamentar os 20 anos de prisão aplicados e mantidos.       

Foi realçado, por isso, que embora as necessidades de prevenção especial não sejam consideráveis, o grau da ilicitude, o dolo e as necessidades de prevenção geral são muito elevadas.

A problemática das relações conjugais e de parentalidade, são suscitadas por haver conflitualidade muito elevada e de proporções dramáticas especialmente nas responsabilidades parentais, com muita visibilidade social e preocupações sociais e da incapacidade dos tribunais gerirem estas questões.

Por isso foi considerado que o “caso dos autos é paradigmático. Desde o nascimento de EE, ocorrido na primeira metade de 2007, nunca o seu pai conseguiu ter um relacionamento adequado com a menor e nunca os tribunais conseguiram introduzir alguma normalidade nessa relação. Para ilustrarmos esta afirmação basta pensarmos nos termos em que a decisão de 28/1/2011, que regulamentou as visitas de DD à filha, foi cumprida.

A comunidade não aceita que, devido à impossibilidade de o tribunal estar em casa de cada um para, digamos, fazer cumprir as decisões que profere, os litígios se tornem numa guerra em que ganhe o mais forte.

Estes casos geram, por tudo isso, enorme alarme social, o que também se verificou na presente situação”.         

Toda a fundamentação sobre a grande ilicitude, o dolo direto, as medidas de prevenção geral relevantíssimas não nos parece poderem levar a alterar a pena encontrada apenas devido à idade do arguido, antecedentes criminais sem sequer se ter mostrado arrependido, possuir nível intelectual acima dos padrões médios, ter uma vida familiar, profissional e social estável e equilibrada, mas sendo visto por alguns, no local de residência com desconfiança ou indiferença em virtude de ter uma reduzida convivência com os residentes locais.

A jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimamente no sentido de relativamente à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A prevenção geral negativa ou intimidatória surgirá como uma consequência de todo este procedimento

E no encontro da medida da pena encontrada, foram tidas também em consideração todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime de homicídio, depuseram a favor (e contra) do arguido – a sua personalidade, o meio em que se insere, o comportamento anterior, conforme estabelece o nº 2 do artº 71º do CP (Ac. de 23/11/11, p. 508/10.0JAFUN.S1).     

A determinação da medida da pena, nos termos do artº 71º, nº 1, do Código Penal “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei.

Segundo Figueiredo Dias (As consequências do crime, 277 e ss) e a doutrina, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídica e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade  - em concreto a pena terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias e como limite inferior o “quantum” abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Ac. STJ de 8/10/2011).

E ainda dentro destes critérios para determinação da pena concreta a aplicar ao arguido AA, poder-se-á dizer também que a pena deverá ser sempre “utilitária” tal como impõe a Constituição no seu artº 18º.

Não descortinamos, por isso, quaisquer outras circunstâncias que pudessem levar a alterar/diminuir a pena aplicada (entre outros Ac. do STJ de 29/5/2013, p. 1264/11.0PCSTB.E1.S1, 3ª sec do Exmo. Conselheiro Relator) 

6.2 A pretendida atenuação especial defendido pelo arguido/recorrente teria de verificar-se se houvesse “um afastamento crítico entre o modelo formal de integração da sua conduta no homicídio e as circunstâncias que se verificaram no parque de ... que pudessem fazer situar a ilicitude ou a culpa, aquém desse modelo”

A atenuação especial da pena só poderia ser decretada quando a imagem global do facto revelasse que a dimensão da moldura da pena prevista para o crime de homicídio não pudesse realizar adequadamente a justiça da condenação do arguido.

Perante toda a matéria de facto provada não vislumbramos que a medida da pena aplicada pudesse vir a ser corrigida através da atenuação especial p. no artº 72º do CP (neste sentido a fundamentação jurisprudencial do acórdão do STJ de 27/10/2010, p. 971/09.1JAPRT.S1, 3ª sec.). 

7- Depois de defender o ter cometido o crime de homicídio não qualificado, mas apenas o homicídio do artº 131º e da medida da pena respectiva, embora se tenha “ esquecido” da agravação do nº 3 do artº 86º da lei 5/2006, termina as suas conclusões a expôr a doutrina conjugada inicialmente não com os factos provados, mas com a sua “história” para tentar defender todo o tipo de legitimas defesas (só defesa, defesa de terceiros, defesa putativa, excesso extensivo de defesa) para acabar com homicídio privilegiado – compreensível emoção violenta, também através de doutrina e uma interpretação adaptada dos factos provados sobre a conduta da vitima durante 3 anos para conviver e ver a filha.

7.1 A legítima defesa que o arguido/recorrente AA pretende defender por último, não resulta minimamente da matéria de facto provada e é colocada com alternativas, e ao mesmo tempo que arguiu nulidades por omissão no acórdão recorrido.

Ao contrário do que o arguido alega foi nomeadamente apreciada e refutada “a tese do arguido” sobre os disparos se deverem, ao medo que tinha da vítima, ao gesto do saque que o arguido viu DD fazer, à intenção de defender a neta e à agressão bárbara à sua tia (fls.7325)”.

E por isso o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra concluiu:

Não tem sentido falar, pois, falar de legitima defesa, como não tem sentido falar de excesso de legítima defesa: o arguido não se defendeu, antes atacou e acabou por matar.

Quanto à compreensível emoção violenta, também não ocorre, por todas as razões que expusemos. O arguido e a sua família foram, desde o primeiro momento, os provocadores: foram eles que determinaram toda a tensão que se instalou, foram eles que determinaram a agressão de DD a II. Não pode, agora, o arguido, querer utilizar a seu favor a situação que ele próprio criou.    

Não há pois qualquer omissão no acórdão recorrido que possa ser conhecido.

E também a nós nos parece que não tem sentido o arguido/recorrente continuar a invocar legitima defesa quando DD, tinha a filha ao colo e só porque ela chorou foi rodeado e obrigado a ajoelhar não só pela tia da esposa, ainda por esta e pela filha (mãe da criança) mas também pelo arguido e a testemunha que para si trabalhava. E foi nessa posição de curvado com os joelhos no chão que lhe foi retirada a filha. E já em pé as duas senhoras de mais idade, continuaram a agarrar o DD, uma à direita e outra à esquerda.

E basta ver os 574 fotogramas (frames) do filme para não se perceber a razão do arguido/recorrente AA continuar a tentar defender a legítima defesa com ausência das circunstâncias indispensáveis.

A necessidade de ação defensiva para se repetir o ataque é um pressuposto que se tem de verificar até porque não pode passar para lá da defesa adequada para evitar a agressão.

Nem este nem outro qualquer pressuposto se verificou como meio necessário para o arguido poder invocar a legitima defesa.   

7.2 O arguido também não pode colocar a hipótese de vir a ser condenado pelo homicídio privilegiado do artº 133º por falta de pressupostos.

A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável. Ele é, de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Mas terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor não extensível aos outros elementos privilegiadores.

Tal ponderação terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas; doutra forma, poderia dar-se relevância atenuativa a reações violentas desproporcionadas e extravagantes, ou a condutas completamente reprováveis, com o alibi de serem desencadeadas por “estados de alma” fortemente emotivos. (Ac. do STJ de 3/10/2007, p. 2791/07, 3ª sec.).

A culpa do arguido AA não sofreu qualquer diminuição sensível, pelo que não se pode colocar, sequer como hipótese, que o crime de homicídio cometido pelo arguido seja privilegiado (artº 133º do CP).

Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso interposto pelo arguido AA deverá:

a) ser rejeitado por ser irrecorrível o Acórdão da Relação de Coimbra não só quanto aos recursos intercalares (artº 400º nº 1 c), 420º nº 1 a) e 432º nº 1 b)).

b) mas também ser irrecorrível quando o recurso versa matéria de facto nas várias vertentes (artºs 432º, nº 1 c), 434º e 420º nº 1 a) do CPP).

c) e julgado improcedente quanto a todas as questões de direito, por ser manifesta a sua improcedência (artºs 131º e 132º, nº 1, nº 2 b) do CP). “ 


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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 e 424º nº 3, do CPP, tendo o arguido apresentado resposta em que “termina como na motivação de recurso, com expresso e veemente repúdio do Parecer do Illmo representante do MP” e dá “como inteiramente reproduzidos os Pareceres juntos aos autos dos Prof. Doutores COSTA ANDRADE, FERNANDA  PALMA,, RUI PEREIRA  e FARIA COSTA


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Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais.


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“Consta do acórdão recorrido:

“FACTOS PROVADOS

No acórdão recorrido, e antes do elenco dos factos dados como provados, foi dada a seguinte explicação sobre o método seguido:

«… embora fosse desejável e tecnicamente mais correto integrar toda a matéria alegada e disseminada pelos vários articulados (despacho de pronúncia, requerimento do pedido cível e contestação) numa única sequência lógica e cronológica, o certo é que tal tarefa se revelou demasiado complexa, não permitindo sequer alcançar os efeitos pretendidos. Sobretudo pela forma como foi elaborada a contestação, com alegação exaustiva, repetida e com diferenças de redação dos mesmos episódios de forma imbricada, alguns deles já descritos, embora muito mais sinteticamente, no despacho de pronúncia. Daí que se tenha optado, pontualmente em situações mais complexas e sempre que tal se revelou preferível para manter o sentido da restante alegação da contestação, repetir parte da factualidade já dada como provada».

            Quanto aos factos dados como provados, foram os seguintes:

«Do despacho de pronúncia e da discussão da causa

1. DD e GG AA, única filha do arguido, AA, tiveram um relacionamento amoroso durante cerca de treze anos, do qual nasceu, em … de … de 20…, uma filha, de nome EE, igualmente neta única do arguido.

2. As relações deste último com DD processaram-se de um modo cordial e afetivo durante os treze anos em que este foi namorado da sua filha e, no mês que antecedeu o nascimento da menor EE, companheiro daquela, chegando o arguido a declarar a várias pessoas que o considerava como filho, sempre o tendo recebido em sua casa e mantido boas relações com ele e com a respetiva família, que, por vezes, também aí recebeu.

3. Entretanto, DD e GG terminaram a referida relação afetiva em Novembro de 2007, tendo corrido termos no Juízo de Família e Menores de Aveiro, após uma primeira ação de regulação das responsabilidades parentais, com o n.º 856/08.9TMAVR, uma outra ação, com o n.º 178/10.5T6AVR.

4. O termo desse relacionamento verificou-se num quadro de animosidade e ressentimento mútuos, de conflitualidade crescente, que se estendeu aos restantes familiares de GG e que resultou, inclusivamente, na apresentação de diversas queixas crime, envolvendo não só o casal, mas também aqueles familiares, designadamente o arguido, se bem que numa fase inicial este adotasse uma atitude apaziguadora e de mediação.

5. Durante os anos de 2008, 2009 e 2010, DD viu-se frequentemente impedido de conviver com a sua filha como pretendia, designadamente de acompanhar de perto o seu crescimento e desenvolvimento, por, nomeadamente, GG não permitir que ele, sozinho, levasse a menor a passear, a casa dele ou a casa dos avós paternos, nem que ele participasse nas tarefas de alimentação e higiene da menor.

6. Em dia não concretamente determinado, DD telefonou ao arguido, dizendo-lhe “que a filha dele lhe estava a fazer uma filha da putice”, após esta lhe ter dito que precisava de ser internado.

7. No dia 24-01-2010, cerca das 17 horas, e com o objetivo de a menor EE visitar o avô paterno, que na altura estava a recuperar de um acidente vascular cerebral, o arguido deslocou-se, acompanhado da sua filha e da sua neta, a casa de um tio paterno desta última, em Santa ....

8. Nessas circunstâncias, após ter pretendido dar o leite à criança, DD desentendeu-se com a mãe da mesma, envolvendo-se ambos em discussão, após o que lhe foi dito pelos seus familiares para se retirar para o exterior da casa, o que ele fez.

9. Quando aí se encontrava, DD manifestava vontade de entrar, não lhe tendo sido aberta a porta.

10. Momentos depois, a filha do arguido dirigiu-se com o seu pai e a menor para a garagem, com intenção de se ausentarem do local, acedendo por aí ao veículo onde se tinham feito transportar, que estava estacionado no exterior, junto ao portão daquela.

11. Ao aperceber-se de tal facto pela janela da garagem, DD deu murros na porta e, entrando no jipe onde se tinha feito transportar, fê-lo embater voluntariamente várias vezes contra o veículo do arguido, danificando-o de encontro ao portão da garagem, no interior da qual se encontravam aquele, a sua filha e a sua neta, estando esta ao colo da mãe, a chorar.

12. Ao agir desta forma, DD fê-lo com o propósito de deixar aquele veículo impossibilitado de circular pelos seus próprios meios e, desse modo, impedir que a sua filha fosse retirada do local sem ele se despedir dela, tendo ficado transtornado ao ver o objetivo da visita gorado.

13. A partir destes factos ocorridos em Santa ..., GG deixou totalmente de contactar diretamente com DD, razão pela qual os contactos deste para combinar as visitas semanais à filha passaram a ser feitos com o arguido, o qual lhe indicava a data e a hora em que ele a poderia ver, de acordo com as disponibilidades de horário da mãe da menor.

14. Visitas essas que passaram a decorrer exclusivamente na casa do arguido, sita na ..., Oliveira do Bairro, às horas por ele fixadas e em locais limitados da mesma.

15. Durante tais visitas, DD era acompanhado de perto pelo arguido ou seus familiares próximos.

16. Frequentemente essas visitas eram dadas sem efeito, regressando DD ao ... sem ter visitado a menor.

17. Estes factos causavam-lhe indignação, revolta, desgaste emocional e sofrimento.

18. Em alguns dos referidos contactos, geraram-se conflitos entre o arguido e DD, nos quais este insultou aquele.

19. Nomeadamente, em 13-02-2010, ao telemóvel, que estava em alta voz e audível por amigos do arguido, facto que este lhe transmitiu, DD disse-lhe: “vocês não prestam para nada, caralho, você é um filho da puta, um pequeno filho da puta, vocês são baixos, são reles, besta quadrada, cabrão, besta nem a tua filha soubeste criar, criaste uma maluca, criaste uma bebé mimada de merda que não sabe nada da vida, não vales nada” “puta que vos pariu”, “psicopata”, “qualquer dia ainda levas duas estaladas”.

20. Em data não concretamente apurada, mas próxima de Abril de 2010, ao telefone, que o arguido pôs em alta voz, por forma a ser ouvido por familiares que se encontravam na sua casa, DD chamou-lhe “canalha” e disse-lhe “vejo a minha filha quando eu quiser, vá-se foder, vá para o caralho, você é um filho da puta”.

21. Neste contexto, o arguido passou a recear que ele ou a sua filha pudessem ser agredidos fisicamente por DD.

22. Em data não concretamente apurada, o arguido teve conhecimento que DD era seguido por um psiquiatra que, em Setembro de 2008, lhe diagnosticara perturbação delirante de tipo persecutório e perturbação paranoide da personalidade e lhe prescrevera medicação.

23. O arguido soube igualmente que, em 29-01-2010, na sequência dos referidos factos ocorridos em Santa ..., a mãe e os irmãos de DD tinham requerido internamento compulsivo deste, o qual não fora decretado por não verificação do suposto perigo para si e para terceiros que motivaria tal internamento.

24. Esses familiares requereram o internamento compulsivo de DD por considerarem que o mesmo estava física e psicologicamente esgotado, devido, nomeadamente, aos referidos conflitos que mantinha com GG, tendo tal preocupação assumido grandes proporções após presenciaram os factos ocorridos em Santa ....

25. Por outro lado, também DD passou a ter medo que pudesse ser agredido pelo arguido, tendo inclusivamente solicitado a um amigo, que sabia ser possuidor de arma, que o acompanhasse e levasse esta na visita à sua filha, a decorrer em casa do arguido em dia não concretamente apurado de janeiro de 2011, o que ele fez, embora sem levar qualquer arma, facto este que era do conhecimento de DD.

26. No dia 28-01-2011 teve lugar a conferência de pais no referido processo de regulação das responsabilidades parentais com o n.º 178/10.5T6AVR, na qual foi estabelecido um regime provisório, tendo a guarda da criança sido atribuída à mãe e as visitas ao pai reguladas com a aposição da cláusula de que as mesmas ocorreriam “todos os sábados, entre as 11 horas e as 13 horas, no parque de lazer do ..., na ..., em Oliveira do Bairro, sempre que o tempo o permitisse, ou no Centro Comercial Glicínias, em Aveiro, quando tal não acontecesse”.

27. No final dessa conferência, a juíza que a ela presidiu aconselhou os progenitores a que nas visitas estivessem apenas o pai e uma pessoa da família materna da menor, que levaria esta para o local e que, por um lado, representasse uma presença securizante para a mesma, por ela não estar habituada a conviver com o progenitor, e que, por outro lado, tivesse o mínimo grau de conflitualidade com DD.

28. Mais aconselhou que tal pessoa, embora presente durante a visita, deveria deixar o espaço necessário para que a menor interagisse à vontade com o pai.

29. A mãe da menor afirmou que essa pessoa poderia ser o arguido, pois era uma pessoa calma e que tinha bom relacionamento com DD.

30. Na primeira dessas visitas, que ocorreu no dia 29-01-2011, no referido parque de lazer, estiveram presentes o arguido, a sua mulher HH, a sua tia por afinidade II, a sua filha GG, que ficou a aguardar no interior do seu automóvel, e três amigos do arguido, a quem ele pediu para aí comparecerem, dizendo-lhes que tal se destinava a impedir eventuais agressões físicas por parte de DD.

31. No final dessa visita, já depois de o arguido e a menor se terem ausentado, DD, dirigindo-se aos três amigos daquele, disse-lhes que se tinham prestado a um papel de palhaços e que a filha do mesmo se havia prostituído consigo, facto que eles, depois, relataram ao arguido.

32. No dia 05-02-2011, cerca das 11 horas, para concretização da visita subsequente, GG dirigiu-se ao referido parque de lazer do ..., levando consigo a menor EE.

33. Foram também para o local, a fim de acompanhar a visita, o arguido, a sua mulher, a sua referida tia e QQ, conhecido do arguido e a quem este havia previamente contactado para comparecer, dizendo-lhe que seria para impedir eventuais agressões físicas por parte de DD, tendo aí o arguido encontrado casualmente outro amigo seu, RR, com quem estabeleceu e manteve uma conversa com o propósito de ele aí permanecer, assistindo também à visita.

34. O arguido trazia, preso no cinto das suas calças, na zona sacro-coccígea, e oculto pelo seu vestuário, um revólver da marca Amadeo Rossi, de calibre .32 S & W long, de sua propriedade, com o tambor totalmente preenchido por seis munições de idêntico calibre.

35. A determinada altura, chegou ao parque DD, acompanhado da sua então namorada, JJ, a qual se encontrava grávida, e da sobrinha desta, SS.

36. A determinado momento do decurso da visita, DD segurou ao colo a sua filha.

37. Após algum tempo ao colo do pai, a menor EE começou a chorar, tendo o arguido feito gesto de filmar com o telemóvel o que se estava a passar.

38. Nessa sequência, os ânimos exaltaram-se, tendo-se DD e GG aproximado um do outro, tentando ela acalmar a filha e retirá-la a ele, o que não conseguiu.

39. Após, o arguido, a sua mulher, a sua tia e QQ abordaram-nos e rodearam DD, tendo em vista retirar-lhe a filha do colo, fazendo-o tombar.

40. Entretanto, SS começou a filmar esses acontecimentos com o seu i-Phone.

41. A dada altura, a EE foi agarrada por QQ, que a entregou ao arguido, ficando ao colo deste.

42. Já com DD em pé, continuou a troca de palavras entre ele, o arguido e os familiares deste.

43. Após lhe ter sido retirada a menor, DD foi agarrado por HH, que estava à sua direita e lhe segurava o braço desse lado, e por II, que estava à sua esquerda e o segurava deste mesmo lado, procurando ele libertar-se.

44. Esta é uma pessoa idosa, com quase 80 anos, vivendo na mesma casa que o arguido desde o casamento deste com a sobrinha dela.

45. Depois de HH lhe ter largado o braço direito, DD disse a II que o largasse, senão que lhe dava uma estalada.

46. Continuando II à esquerda de DD e a agarrá-lo, este desferiu-lhe com a sua mão esquerda uma bofetada na face, o que provocou a queda desamparada dela no solo, ficando com a cabeça próximo de paralelos que ali se encontravam.

47. De imediato, DD ergueu o seu braço direito para o ar e estendeu a mão, apontando com o dedo indicador da mesma para o seu lado direito.

48. Imediatamente após, quando DD já se encontrava com o braço direito erguido para o ar e a mão a apontar como descrito, o arguido, que estava de frente para ele, agarrou com a sua mão direita o referido revólver, empunhando-o e apontando-o na direção do corpo de DD, ao mesmo tempo que se aproximou dele, caminhando na sua direção, com a neta ao colo.

49. Encontrando-se já a curta distância do mesmo e ladeado designadamente pela sua filha e pela sua mulher, o arguido disparou um tiro, que atingiu DD no hemitórax esquerdo.

50. O projétil disparado pelo arguido penetrou, com uma orientação ântero-posterior, ligeiramente de dentro para fora e de cima para baixo, no corpo de DD, no terço médio da região peitoral esquerda, a onze centímetros e meio do mamilo esquerdo e a oito centímetros da incisura jugular, atravessando o grande e pequeno peitorais e o 3° espaço intercostal anterior, condicionando fratura da 3ª cartilagem costal, continuando pelos lobos superior e inferior do pulmão homo lateral, cruzando o 6° espaço intercostal posterior, dando origem a fratura do arco posterior da 7ª costela, perfurando os músculos eretores da espinha e o trapézio, e atingindo a região escapular esquerda.

51. Sentindo-se atingido por esse disparo, DD voltou as costas ao arguido e fugiu.

52. No entanto, o arguido perseguiu-o e, continuando a segurar a sua neta ao colo, efetuou mais cinco disparos com a referida arma na direção daquele, sempre a curta distância, dois dos quais atingiram DD, ambos por trás, nas regiões lombar e escapular esquerda.

53. Um destes projéteis, com uma trajetória de baixo para cima e sensivelmente de trás para a frente e de dentro para fora, penetrou o corpo de DD na região dorsal direita, perfurando os músculos latíssimus dorsal, serratus posterior e inferior, erector da espinha e os músculos do 10º espaço intercostal posterior direito, condicionando fratura do arco posterior da 11ª costela, continuando o seu trajeto pelos lobos inferior e superior do pulmão direito, atravessando de seguida o 2° espaço intercostal direito, na zona de transição entre o arco médio e posterior, fraturando a 2ª costela, trespassando os músculos escaleno posterior, elevador da escápula e trapézio e terminando na região supra clavicular direita.

54. O outro projétil, com uma trajetória de trás para a frente, de fora para dentro e de baixo para cima, penetrou o corpo de DD ao nível do terço proximal da face posterior do braço direito, descrevendo um trajeto entre o músculo deltóide e o tricípete braquial, cruzando o espaço axilar medial (entre os músculos teres minor, teres major, longa porção do tricípete), e a região axilar, originando fratura do terço medial da clavícula direita e infiltração do músculo subclávio ipsilateral, após o que uma alteração no trajeto, dirigindo-se subcutaneamente para cima e para dentro e terminando sensivelmente na linha média, entre o platisma e o esterno-hioideu, onde se encontrava alojado o projétil.

55. DD ainda se afastou, cambaleante, algumas dezenas de metros, até tombar no chão, inanimado, próximo do seu veículo automóvel.

56. Depois de efetuar os disparos, o arguido proferiu, pelo menos três vezes, a expressão “acabou”, após o que acrescentou, por três vezes, dirigindo-se à namorada de DD, “leve-o ao hospital”, e disse ainda “isto é insuportável, bateu na minha tia, isto é insuportável” e “vou-me entregar à polícia”.

57. Em consequência dos disparos efetuados pelo arguido que atingiram DD, este sofreu, ao nível do tórax, infiltração sanguínea do músculo subclávio direito, perfuração dos músculos grande e pequeno peitoral esquerdos, intercostal médio do 3º espaço esquerdo (junto ao bordo inferior da 3ª cartilagem costal), rodeada de infiltração sanguínea, perfuração dos músculos intercostais (externo, médio e interno) do 2° espaço posterior direito, rodeada de infiltração sanguínea, perfuração dos músculos trapézio, erector da espinha e músculos intercostais (externo e interno) do 6° espaço posterior esquerdo, rodeada de infiltração sanguínea, perfuração dos músculos latissimus dorsal, serratus posterior e inferior, erector da espinha e músculos intercostais (externo e interno) do 10° espaço posterior direito, rodeada de infiltração sanguínea, fratura da 2ª costela, na transição do arco médio para o posterior, com rotura da pleura e infiltração sanguínea que se estendia à zona adjacente do 1° espaço intercostal, fractura do arco posterior da 11ª costela, com rotura da pleura e infiltração sanguínea que se estendia à zona adjacente do 10° espaço intercostal, fratura esquirolosa do terço medial da clavícula, rodeada de infiltração sanguínea, e ao nível das costelas, cartilagens e clavícula esquerdas, fratura da 3ª cartilagem costal, com rotura da pleura, rodeada de infiltração sanguínea que se estendia à zona adjacente do 3º espaço intercostal, fratura pelo arco posterior da 7ª costela, com rotura da pleura e rodeada de infiltração sanguínea, a qual se estendia à zona adjacente do 6° espaço intercostal, ao nível do pulmão direito e pleura visceral, zonas de antracose moderada, solução de continuidade no terço inferior da face costal do lobo inferior, prolongando-se em trajeto, pelo parênquima deste lobo, até ao terço superior da face cisural do mesmo, solução de continuidade no terço superior da face cisural do lobo superior, prolongando-se em trajeto pelo parênquima deste lobo até ao terço superior da face costal do mesmo e superfícies de secção secas ao corte, com parênquima de aspeto hemorrágico nas regiões adjacentes aos trajetos descritos, sendo que, ao nível do pulmão esquerdo e pleura visceral, sofreu zonas de antracose moderada, solução de continuidade no terço médio da face costal do lobo superior, atravessando o parênquima deste lobo, até à face cisural do terço superior do lobo superior, solução de continuidade no terço superior da face cisural do lobo inferior, prolongando-se em trajeto, pelo parênquima deste lobo até ao terço superior da face costal do lobo inferior, com e superfícies de secção secas ao corte, com parênquima de aspecto hemorrágico em ambos os lobos, nas regiões adjacentes aos trajetos descritos.

58. DD morreu em consequência destas lesões traumáticas torácicas.

59. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de matar DD.

60. Sabia que essa sua conduta era proibida pela lei penal.

61. O arguido muniu-se do referido revólver aquando da deslocação para a realização da visita de DD à filha deste, bem sabendo que existiam conflitos com o mesmo sobre tais visitas.

62. O arguido tinha adquirido essa arma em 05-07-1982, tendo-a manifestada em seu nome à data de 05-02-2011, mas sem ser detentor de licença de uso e porte de arma de defesa pessoal válida, por ter deixado caducar a licença concedida pelo Comando da PSP de Aveiro com o n.º …, mas sendo titular de licença para a sua detenção no domicílio.

63. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, querendo deter, trazer consigo e usar arma de defesa pessoal, sem que fosse titular de licença de uso e porte da mesma válida, mas apenas de detenção domiciliária, bem sabendo ser proibida e punida por lei tal detenção fora do seu domicílio.

Do pedido de indemnização civil:

64. O arguido é uma pessoa licenciada, bem ciente de si e dos seus deveres em sociedade, sendo a sua filha juíza.

65. Foi ex-combatente na guerra colonial e chegou mesmo a comandar um grupo especial em Moçambique.

66. Os lesados, BB e CC, são pais de DD, o qual tinha, à data dos factos, 35 anos.

67. DD concluiu com êxito o curso de direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo sido um bom aluno.

68. Após o respetivo estágio, passou, desde data não concretamente apurada, a exercer a prática da advocacia, sendo reconhecido pelos colegas, clientes e público em geral, como um bom profissional, com conhecimento profundo das matérias de direito, dotado de uma boa capacidade de raciocínio e argumentativa.

69. Auferia uma remuneração média mensal de valor não concretamente apurado, mas que rondaria os € 2.500.

70. Os lesados acompanharam toda a vida do seu falecido filho, testemunhando todo o seu percurso académico e profissional e financiando o primeiro.

71. DD era muito amado pelos seus pais, motivo de enorme orgulho, que partilhavam com familiares, amigos e conhecidos.

72. E era um bom filho, dedicado aos pais e à vida familiar em geral, nutrindo pela sua própria filha um grande afeto.

73. DD, após ter sido baleado, por três vezes, com um tiro de frente e dois de costas, estes últimos enquanto fugia do arguido, caminhou durante vários metros, ainda com vida, em direção ao seu automóvel.

74. Sofreu, assim, aflição, angústia e dor, causadas pela consciência da sua morte iminente, tendo noção de que foi baleado várias vezes.

75. Bem como que deixaria os seus pais sem este filho e que deixaria sem pai, não só a sua filha EE, como também o filho com cerca de 6 meses de vida que ainda se encontrava no ventre da sua então namorada, o qual veio a falecer antes do nascimento.

76. O facto de terem perdido o seu filho, bem como saberem que perderam um outro neto e que a sua neta crescerá sem o amor do pai, provocou e provoca ainda aos lesados uma dor profunda, uma tristeza imensa, angústia e sofrimento.

77. Tendo deixado de conviver e de sair de casa com a regularidade com que o faziam anteriormente.

78. O lesado TT tinha já sofrido, em finais de 2009, um acidente vascular cerebral, com sequelas neurológicas.

Da contestação:

79. Após o termo da relação afetiva mantida entre DD e GG, foram apresentadas contra ele queixas-crime que deram origem aos inquéritos n.ºs 2031/10.3T3AVR, 1074/10.1T3AVR, 1603/10.0T3AVR, 182/11.6T3AVR, 2269/10.3T3AVR e 52/10.5PAVFR, cujas certidões foram juntas aos autos, constando do anexo 1.

80. Também DD apresentou queixas-crime, duas contra a filha do arguido e uma terceira contra este, a mulher, a filha, a tia e um cunhado do mesmo, dando origem aos inquéritos n.ºs 53/10.3PAVFR, 223/10.4GAOBR e 1009/08.1TRCBR, tendo todos sido arquivados, este último por desistência de queixa.

81. Devido às referidas dificuldades em conviver com a filha como pretendia e ao processo disciplinar por faltas injustificadas que lhe foi movido na Câmara Municipal do ..., onde trabalhava como advogado síndico, e que culminou com a sua demissão em Fevereiro de 2009, DD, durante o ano de 2008, atravessou um período depressivo, o que fez com que o arguido o levasse consigo a almoços de convívio que organizava com amigos seus, empenhando-se em integrá-lo nesse ambiente.

82. Em 2008, o arguido procurou uma médica psiquiatra, no ..., FF, a quem demonstrou preocupação pelo estado psicológico em que se encontraria DD, que sempre fora um indivíduo pacífico, e a quem pediu que o recebesse em consulta e eventualmente o tratasse.

83. Tendo ele, efetivamente, chegado a ser consultado uma vez por essa médica.

84. Posteriormente a Outubro ou Novembro de 2007, no decurso de desentendimentos entre ambos, DD disse à filha do arguido que “podia ter recorrido à procriação medicamente assistida se queria ser mãe”.

85. Isso chegou ao conhecimento do arguido, que nutre um profundo afeto pela filha.

86. Em data não concretamente apurada, mas próxima do Natal de 2009, DD telefonou ao arguido e, no decurso da conversa, disse-lhe que a filha dele se havia prostituído consigo, querendo com isso significar que ela se tinha reaproximado de si apenas para o levar a desistir de um processo judicial.

87. Na sequência disso, o arguido enviou a DD o mail junto a fls. 1878 a 1879, ao qual ele respondeu através do mail junto a fls. 2059 (parte final) a 2060.

88. Depois, o arguido enviou-lhe outro mail, junto a fls. 1880 e 2059 (1ª parte), onde lhe reafirma a sua amizade.

89. Aquando dos factos descritos no ponto 8, ocorridos em Santa ..., a determinada altura, GG, que se encontrava com DD e a filha de ambos na cozinha, surgiu na sala contígua, onde estava, entre outros, o seu pai, dizendo que aquele a tinha agredido com um murro na cabeça e pedindo ao arguido que a tirasse imediatamente daquele local.

90. Após, DD agarrou GG pelo pulso esquerdo e puxou-a alguns metros, provocando-lhe um eritema, tendo-se ela deslocado no dia seguinte ao SAP, em Aveiro, onde recebeu assistência médica.

91. Quando chegou a casa, a menor dirigiu-se à avo materna, fazendo gestos de que o pai dera um murro à mãe, tendo mais tarde, em sede de psicoterapia, feito um gesto de agressão na cabeça, dizendo que o pai tinha agido dessa forma para com a mãe.

92. Na sequência dos factos ocorridos em Santa ..., a mãe e os irmãos de DD requereram, a 29-01-2010, o internamento compulsivo do mesmo, alegando no respetivo requerimento que o faziam "para continuar o tratamento, uma vez que neste momento se encontra bastante agressivo e descompensado, pondo em risco a nossa integridade física, a dele e a de terceiros, como aliás sucedeu este fim de semana".

93. Em 2008 foi diagnosticado a DD uma "Perturbação Delirante Tipo Persecutório (DSM IV-FZZ.O) e Perturbação Paranoide da Personalidade (DSM IVF60.0)”, tendo o psiquiatra por si consultado elaborado a carta junta a fls. 2190, na qual consta, nomeadamente: "É de salientar do referido estudo psicológico, que o Dr. DD está ressentido e encolerizado, anota-se o risco de poder recorrer à violência contra aqueles que crê estarem na origem do prejuízo".

94. A referida carta foi dirigida pelo respetivo autor aos seus colegas que, no departamento de recursos humanos da Câmara Municipal do ..., onde corria um processo disciplinar por faltas injustificadas, estariam a acompanhar a situação dessas faltas.

95. Em 28-01-2010, a médica de família de DD, OO, emitiu a seguinte: "Informação: O Sr. Dr. DD frequenta a minha consulta desde Janeiro de 2008, apresentando nessa altura um quadro depressivo e, para o qual foi medicado. Como a situação não melhorasse e os seus problemas familiares e laborais se agravaram, foi aconselhado a consultar um especialista em psiquiatria que o medicou com Antidepressivos, Ansioliticos, Antipsicóticos e indutores do sono. Foi-lhe diagnosticado uma Perturbação Paranoide de Personalidade. Nessa altura penso que o Dr. DD terá abandonado a terapêutica uma vez que não tendo vindo à minha consulta e presumo também que também terá abandonado a consulta do psiquiatra. É de salientar que o Dr. DD se apresenta descompensado, podendo atentar contra a sua própria vida ou dos seus familiares, uma vez que tem tido graves alterações comportamentais.”

96. No dia 30-01-2010, pelas 21h e 22m, tendo DD sido conduzido ao hospital, a coberto de mandados de condução emitidos no âmbito do aludido processo de internamento compulsivo, o médico que o observou e fez a avaliação clínicopsiquiátrica fez constar do relatório completo do episódio de urgência, nomeadamente, que aquele foi "conduzido ao serviço de urgência por autoridade policial mandatada por autoridade local de saúde para avaliação clínico-psiquiátrica de urgência (art. 22º da Lei de Saúde Mental)" (...) "Evidencia claro componente manipulativo, justificando todas as suas acções, assumindo a responsabilidade pelas mais benignas, projectando no exterior (nos outros) todas as que eventualmente lhe possam ser mais prejudiciais."

(…) "Dos seus antecedentes pessoais valorizam-se episódios de conflitualidade com a hierarquia, dificuldade no cumprimento de regras, desorganização da sua vida pessoal e profissional (que aliás conduziram a anterior despedimento, após processo disciplinar, na Câmara Municipal do ..., onde exerceu funções) e alterações imotivadas de humor, são ainda valorizáveis alguns fragmentos paranoides (persecutórios) a nível ideativo, exacerbados durante períodos de conflitualidade", concluindo que “configura-se um diagnóstico provisório de distúrbio de personalidade” e que “não se evidencia, no momento atual, qualquer situação de risco iminente, para si próprio, para outros ou para bens patrimoniais relevantes; não se cumprem pois, de momento, os pressupostos de internamento compulsivo de urgência”.

97. Na sequência do descrito episódio ocorrido em Santa ..., por iniciativa da sua mãe, a menor começou a ser objeto de acompanhamento psicológico e de psicoterapia, inicialmente com uma avaliação por parte da psicóloga UU (que depois passou a acompanhar a filha do arguido), que a encaminhou para psicoterapia com VV.

98. Durante todo o ano 2010, sem que estivessem judicialmente estipuladas, foram agendadas pelo arguido para ocorrerem na sua casa, sita na Rua …, n.º …, na ..., em regra com periodicidade semanal, visitas de DD à menor, tendo algumas delas efetivamente ocorrido.

99. Em algumas dessas visitas, o arguido, estando presente, tinha à mão uma arma de fogo, nomeadamente por, na sequência dos factos ocorridos em Santa ..., terem aumentado os receios em relação às reações de DD.

100. O arguido comunicou por diversas vezes com um amigo seu, que é assumidamente maníaco-depressivo, no sentido de marcarem encontros com DD.

101. Uma dessas comunicações foi no sentido de marcarem uma reunião para o dia 03-02-2011.

102. Em algumas ocasiões, DD deslocou-se a casa do arguido sem previamente agendar qualquer visita à menor.

103. Ao longo da conferência de pais ocorrida no dia 28-01-2011, foi abordada a hipótese de as visitas serem supervisionadas pela Segurança Social.

104. Não obstante a imediata anuência da filha do arguido, DD opôs-se, dizendo que queria ir para um parque, ao que a filha do arguido acedeu.

105. A já referida psicóloga que, desde Abril de 2010, acompanhava a menor, elaborou um relatório em que entendia que as visitas deveriam ser supervisionadas pelos avós maternos, relatório esse que, imediatamente antes da conferência, foi facultado pelo advogado de GG aos advogados de DD.

106. No final da dita conferência, a mencionada psicóloga foi informada pela filha do arguido e pelo seu advogado que o arguido poderia estar presente nas visitas.

107. O mesmo foi transmitido ao arguido pela sua filha e respetivo advogado, tendo-se ele efetivamente deslocado e estado presente em ambas as visitas, que tiveram lugar no parque de lazer do ..., a primeira no dia 29-01-2011 e a segunda no dia 05-02-2011, cerca das 11 horas.

108. A partir de data não concretamente apurada, mas pelo menos depois dos factos ocorridos em Santa ..., o arguido passou a temer que DD atentasse contra a sua integridade física e dos seus familiares.

109. E passou a ter consigo em casa, único local onde os encontros passaram a ocorrer, uma arma de defesa e neles procurando estar atento às movimentações e ao volume nos bolsos de DD.

110. E, aquando da primeira visita a seguir aos factos ocorridos em Santa ..., o arguido pediu ao seu familiar que intercedeu junto de si no sentido de permitir que DD visse a filha, que verificasse se este trazia arma.

111. Na época de 1970/1973 em que, integrando tropa especial, prestou serviço militar em Moçambique, o arguido adquiriu conhecimentos sobre manuseamento de armas, com que quotidianamente lidava.

112. O arguido foi caçador durante dezenas de anos e, por isso, adquiriu seis armas de caça.

113. O arguido pediu a QQ para comparecer à hora e no local da visita, para, nomeadamente, impedir ou ajudar a conter eventuais agressões por parte de DD.

114. E nessa conversa o referido QQ sugeriu levar os seus dois filhos menores, com o que o arguido concordou, para dissuadir qualquer atitude agressiva por parte de DD e para ajudar a EE a aceitar melhor a visita.

115. DD fazia-se acompanhar, para além da sua namorada, de uma sobrinha desta, que viera da Suíça passar o fim-de-semana e que filmou parte dos eventos desse dia.

116. A visita iniciou-se cerca das 11 horas e, algum tempo após o seu início, DD colocou a menor EE em cima do parapeito da ponte existente sobre o lago.

117. A determinada altura, a criança começou a chorar, procurando sair do colo do pai.

118. Como este continuou a agarrá-la e a mantê-la no colo, o arguido procedeu da forma descrita no ponto 37.

119. Foi então que DD se dirigiu ao arguido, dizendo-lhe para filmar.

120. A criança começou inicialmente a chamar a avó e depois a mãe, e foi então que GG (que se encontrava dentro da sua viatura a falar ao telemóvel, ouvindo os gritos da filha, se dirigiu a ela e a DD, pedindo a este, que entretanto se havia deslocado para o outro lado do parque, que lhe entregasse a menor, pedido que não foi atendido, continuando ele sempre com a EE ao colo.

121. A filha do arguido continuou, infrutiferamente, a tentar retirar a criança a DD, gerando-se um envolvimento físico entre ambos e o arguido, tendo igualmente acorrido de imediato a tia e a mulher do mesmo, que seguraram DD pelos braços.

122. Durante esse envolvimento, DD fez um gesto de pontapé em direção ao arguido.

123. Entretanto, o referido QQ, ali presente, aproximou-se desse grupo, a correr, tirou a EE do colo do pai, afastando-se com ela, pelo menos, dois metros.

124. Nesta altura, a filha do arguido disse várias vezes a DD “pára”.

125. A tia e a mulher do arguido continuaram a segurar DD.

126. O arguido afastou-se cerca de dois metros, entregando-lhe QQ a EE.

127. Após, DD, que tinha na mão direita um lenço ou guardanapo de papel, levou essa mão ao bolso posterior das calças, onde colocou tal objeto.

128. De seguida, procedeu da forma descrita no ponto 46.

129. DD era dextro.

130. A referida II ajudou a criar a filha do arguido, dedicando-lhe este carinho e gratidão.

131. A descrita agressão praticada nessa sua tia, causou ao arguido dor e revolta.

132. DD encontrava-se a cerca de dois metros de distância do arguido.

133. Nesse momento, o arguido retirou rapidamente a arma que tinha presa no cinto das calças, atrás, empunhou-a e desviou-se para conseguir vislumbrar o corpo de DD, que entretanto ficara fora do seu alcance visual por a filha do arguido e QQ terem passado à frente do mesmo.

134. Logo que conseguiu vislumbrar o corpo de DD, o arguido disparou sobre ele.

135. A menor continuava ao colo do arguido, agarrada ao pescoço do mesmo e com a cabeça encostada à dele, bloqueando-lhe parcialmente o campo de visão periférica do lado esquerdo.

136. O arguido continuou a disparar já depois de esgotadas as munições.

137. Os comportamentos supra descritos de DD, inseridos no referido litígio que mantinha com a filha do arguido sobre a menor EE, provocaram neste, de modo crescente e contínuo, humilhação, sofrimento e mágoa.

138. O arguido sempre devotou à sua filha amor e afeição.

139. Para a qual desejou sempre uma vida feliz.

140. XX, amigo do arguido que se encontrava no local, conseguiu fazer a chamada para contactar o INEM.

141. O arguido não nutria sentimentos de ódio e desprezo por DD, de quem, pelo menos até certa altura, foi amigo.

142. O arguido conviveu com DD em sua casa durante mais de um ano.

143. O arguido é tido pelas pessoas que constituem o seu núcleo de amigos e familiares como uma pessoa cordata, calma, ponderada, paciente, séria, íntegra, responsável, solidária, afável, afetuosa, leal, pacífica, como capacidade de liderança, bom cidadão, pai e marido, socialmente integrado, respeitado e respeitador, com elevado grau de qualidade e empenho no desenvolvimento e execução da sua atividade profissional e nas tarefas que desempenhou durante a sua vida, sendo por eles respeitado e considerado.

144. Não obstante, no local de residência é visto por alguns com desconfiança ou indiferença, em virtude de ter uma reduzida convivência com os residentes locais.

145. O arguido nunca esteve preso, do seu certificado de registo criminal nada consta e mostra-se arrependido.

146. O arguido nasceu em anadia numa família estruturada de proprietários agrícolas.

147. Casou com 26 anos de idade, integrando atualmente o seu agregado familiar o próprio, a cônjuge, com 66 anos e reformada, um tio de 86 anos de idade, reformado, a referida tia, de 78 anos de idade, reformada, a filha de 37 anos de idade, juíza, e a neta de 5 anos de idade, tendo a família forte coesão e vínculos afetivos consistentes.

148. Vive na ..., numa habitação integrada numa quinta murada, habitação que oferece muito boas condições de conforto, indicando um nível de vida elevado.

149. O arguido tem uma relação de recíproco e profundo afeto com a sua única neta, EE, tendo ajudado a cuidar da mesma quando a mãe estava a trabalhar, após o termo da sua licença de maternidade, ainda antes da criança ingressar na escola, o que sucedeu em 2011.

150. Tem uma vida familiar, profissional e social estável e equilibrada.

151. Até à data dos factos, dividia o seu tempo entre a cidade de Aveiro, onde exercia atividade empresarial, e a localidade de ..., onde se dedicava aos seus hobbies hortícolas e florestais.

152. Após completar o antigo 5º ano do liceu, na década de 60 concluiu o curso de regente agrícola, sendo-lhe posteriormente atribuída equivalência ao bacharelato em Ciências Agrárias, obtendo o título de engenheiro técnico agrário, não tendo tido, nesses contextos, qualquer conflito com quem quer que seja e tendo criado amigos que mantém até hoje, com os quais regularmente se reúne.

153. Frequentou, de 1969 a 1970, dois estabelecimentos militares, a Escola Prática de Infantaria, em Mafra, e depois o Centro de Operações Especiais, em Lamego, onde revelou uma personalidade pacífica, apaziguadora e fomentadora da unidade.

154. De 1970 a 1972 encontrou-se colocado, como Alferes Miliciano de Operações Especiais, na Ilha Terceira e em Setúbal, tendo ministrado recruta, após o que foi colocado a prestar serviço em Moçambique, com funções de chefia de pelotão, onde permaneceu até 1973 e onde se revelou, perante todos, um elemento calmo, ponderado e respeitado por todos.

155. De 1973 a 1978 trabalhou como enólogo nas …., em ..., onde criou consensos, apaziguou pequenas desavenças e cultivou, reconhecidamente por todos quantos com ele privaram, o espírito da concórdia, vindo a estabelecer-se por conta própria no negócio de comercialização de vinhos.

156. Desde 1980, exerce, paralelamente, a atividade de construção civil e compra e venda de propriedades, que se tornou principal.

157. O arguido exerce o cargo de vogal na Junta de Freguesia da ... e faz parte, desde datas não apuradas, dos órgãos directivos de alguns organismos e associações (Associação de Engenheiros Técnicos da Zona Centro, Associação de Produtores Florestais, Liga dos Combatentes e Associação de Amigos do Rio Levira).

158. Nesses cargos, fomentou o bom entendimento entre todos, apaziguando as divergências que por vezes existiam entre um e outro membro daquelas associações, criando um espírito de grupo e solidariedade entre todos.

159. Mantém contactos de amizade com militares que se encontravam envolvidos nas várias frentes das guerras de África.

160. Em 2009/2010 empenhou-se na criação de uma única lista eleitoral candidata à Junta de Freguesia da ..., esforçando-se por unir pessoas com feitios e convicções diferentes, superando antagonismos pessoais ou ideológicos, tarefa que esteve quase a conseguir concretizar.

161. Desde alguns anos e até hoje, o arguido vem promovendo e organizando encontros semanais com um grupo de amigos superior a duas dezenas, com a realização de almoços de convívio e confraternização.

162. O arguido possui um nível intelectual acima dos padrões considerados médios.

163. Revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo quando confrontado com situações de maior tensão emocional.

164. Possui estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas, tendendo a reagir adequadamente em situações de stress».

E foram julgados não provados os seguintes factos com relevância para a causa:

«Do despacho de pronúncia:

a) No dia em que festejavam o aniversário da menor EE na casa do arguido, em Maio de 2008, DD, dirigindo-se à filha daquele, na presença do mesmo, insultou-a, apelidando-a de “doente mental” e dizendo-lhe “não prestas para nada” e “não és mulher nenhuma”.

b) Aquando dos factos ocorridos em Santa ..., DD agrediu a filha do arguido com uma pancada na orelha, após o que, nesse momento, a agarrou pelos braços (para além do que resulta do ponto 90 da matéria provada).

c) Nessa situação, DD foi colocado fora de casa pelos seus próprios familiares, mas, não acatando tal decisão, deu murros na porta para tentar entrar (sem prejuízo do que consta do ponto 11).

d) No interior da garagem, a menor estava a gritar em pânico.

e) No dia 10-04-2010, DD escusou-se a sair da casa do arguido, apesar de convidado a isso, e disse que ainda haveriam de sofrer muito com ele.

f) No contexto referido no ponto 21, o arguido ficou emocionalmente afetado.

g) O internamento compulsivo de DD não foi decretado por não confirmação do diagnóstico.

h) Para além do que já resulta do ponto 39, o arguido e DD envolveram-se fisicamente.

i) Também XX abordou e rodeou DD.

j) A menor foi agarrada e puxada também pelo arguido e seus familiares.

k) DD foi empurrado.

l) O arguido colocou a menor debaixo do braço.

m) O arguido vê II como uma segunda mãe.

n) DD retirou a sua mão direita do bolso.

o) E quando ergueu o braço direito, fê-lo ao mesmo tempo que desferiu a bofetada a II.

p) O arguido proferiu as expressões referidas no ponto 56º com DD já tombado e quando passou ao lado do seu corpo.

Do requerimento do pedido de indemnização civil:

q) O arguido vinha nutrindo ódio por DD, o que foi motivo bastante para determinar que carregasse o revólver com seis balas e se deslocasse para o local da visita com tal arma na sua posse, de forma a permitir que à menor oportunidade (ao menor conflito) pudesse descarregá-lo no corpo de DD.

r) Ainda em momento anterior ao primeiro disparo, o arguido tinha já retirado a arma do cinto das suas calças na zona sacro-coccígea, empunhado e apontado a mesma em direção ao corpo de DD.

s) Porém, vendo que ainda não era o momento para a concretização dos disparos, o arguido voltou a recolher o revólver.

t) DD foi um dos melhores alunos durante o período de duração do curso e um profissional excelente e as suas capacidades de raciocínio e argumentativa eram invulgares.

u) Os lesados financiaram também todo o seu percurso profissional.

v) Ao caminhar vários metros depois de ter sido baleado, DD ia a esvair-se em sangue.

w) Os lesados perderam a força de viver, não conseguem dormir ou dormir sem acordar sobressaltados com suores frios e terrores noturnos (pesadelos).

x) Têm tido acompanhamento psicológico e, desde a data do homicídio do seu filho, andam sob o efeito de medicamentos antidepressivos.

y) A morte do filho agravou o estado de saúde do lesado TT.

Da contestação:

z) As queixas referidas no ponto 79, foram apresentadas, todas elas, com base em factos efetivamente praticados por DD e que correspondem inteiramente ao modo como os mesmos ocorreram.

aa) As queixas apresentadas por DD contra o arguido e seus familiares foram-no na perspetiva de negociar eventuais desistências de queixa, sem fundamentos verdadeiros.

bb) Depois da sua filha e DD terem terminado a relação afetiva (em finais de 2007), o arguido presenciou durante cerca de três anos consecutivos o comportamento agressivo daquele para com ela.

cc) O arguido, inicialmente, e posteriormente toda a sua família, foram objeto de violência por parte de DD.

dd) O arguido estava convicto de que os comportamentos agressivos de DD indiciavam que o mesmo padecia de alguma perturbação grave, suspeitando tratar-se de esquizofrenia ou perturbação maníaco-depressiva.

ee) Depois do referido acidente vascular cerebral sofrido pelo seu pai, o estado de saúde mental de DD foi sofrendo um agravamento progressivo, com um crescendo de violência e perigosidade, fruto da perturbação paranoide e delirante de personalidade que lhe foi diagnosticada em 2008 que se traduziam numa violência desmedida e imprevisível.

ff) Em finais de Abril de 2007, em Gondomar, estando a filha do arguido grávida de oito meses, DD desferiu-lhe um violento empurrão que causou a sua queda aparatosa no chão e lhe provocou lesões (hematomas na nádega e braço), fortes dores e profunda perturbação psicológica, tomada de pânico com receio pela saúde do feto.

gg) A partir do mês de Outubro/Novembro de 2007, DD passou a injuriar a filha do arguido, por diversas vezes, com frequência semanal, utilizando os epítetos de "doente mental", "criança", "manipuladora", "falsa", "mentirosa", "sem dignidade", "mal educada", "incompetente", "não és mulher nenhuma", "não prestas para nada", "és uma merda", "que precisas é de ser fodida", "podias ter pedido o favor a um amigo se querias ser mãe solteira", algumas das vezes em público, designadamente em centros comerciais.

hh) Também isso chegou ao conhecimento do arguido que, mau grado a perturbação que lhe causava, procurou chamar DD à razão e demovê-lo dessas atitudes, com a bonomia que o caracteriza, sendo que ele reconhecia então os erros do seu comportamento e deles pedia desculpa.

ii) No 1º fim de semana de Novembro de 2007, em Gondomar, na casa da família de DD, este, inusitadamente, deu um forte empurrão com o seu corpo (com a criança ao colo) contra o corpo da filha do arguido, ato contínuo abriu a porta de casa violentamente, embatendo brutalmente com a mesma porta contra a pessoa daquela, à qual causou hematomas no braço, costas e pé direito e fortes dores físicas.

jj) Posteriormente, ainda no mesmo mês de Novembro, DD e a filha do arguido realizaram uma viagem na A25, próximo de Aveiro, seguindo o arguido atrás noutra viatura, quando sucedeu uma discussão e, como consequência, DD, que ia ao volante da viatura, lançou uma forte estalada na face esquerda de GG, causando-lhe fortes dores e um vermelhão.

kk) No último fim de semana do mês de Novembro de 2007, na casa do arguido e na sua presença, DD, de forma inusitada e despropositada, tratou mal a filha do arguido e a própria menor e, nesse mesmo dia à noite, quando aquela o transportava no seu carro e procurou falar no assunto, ele puxou o travão de mão mesmo com o automóvel em andamento a ser conduzido pela filha do arguido, chegando mesmo perto de provocar um acidente, e saiu, não sem antes começar a lançar murros impetuosos na viatura, ao mesmo tempo que vociferava e a ameaçava:

"se não vieres a minha casa no próximo fim-de-semana venho buscar a EE e levo-a comigo para o ..., para passar o fim-de-semana comigo. Ela bem pode tomar biberão. E se alguém se atrever a impedir-me parto tudo e todos".

ll) Depois, foi o arguido que o levou a casa, ao ..., procurando demovê-lo de tais atitudes, no que gastou três horas de conversa até ele reconhecer, como reconheceu, o seu erro.

mm) Posteriormente, os episódios de violência de DD sobre a filha do arguido sucederam-se sempre na presença da menor, que aquele, em regra, mantinha ao seu colo, recusando-se a entregá-la à mãe quando ela entrava em choro convulsivo a querer ir para o colo da mãe, o que provocou à menor traumas e perturbação psicológica, com dificuldades em se alimentar e dormir nos dias em que tal sucedia, ficando de tal forma traumatizada que rejeitava o contacto com indivíduos do sexo masculino, fugindo amedrontada.

nn) No dia 26-01-2008, na casa do arguido, DD entrou desabridamente sem cumprimentar ninguém e logo acordou a filha, que se encontrava a dormir a sesta, pegando-lhe ao colo e quando a pequenita começou a chorar intensamente e a estender os braços para a mãe, DD deu um violento empurrão à filha do arguido, que a fez embater contra a porta do quarto, causando-lhe dores nas costas e um hematoma, e dizendo-lhe que se afastasse porque estava na hora da visita e a criança tinha de se habituar.

oo) Depois, ao descer as escadas, DD deu um violento empurrão à filha do arguido que quase a fez cair escadas abaixo, impedindo que aquela se aproximasse da menor, que ele transportava ao colo.

pp) Dirigiu-se de seguida para o jardim e - com a criança ao colo sempre a chorar e a gritar - começou aos murros a uma porta de vidro, deixando a menina em pânico e, tendo acorrido de imediato o arguido, este pediu calma a DD e solicitou-lhe que entregasse a criança à mãe para que esta a colocasse em condições de prosseguir a visita.

qq) Mas, DD, tresloucado, disse-lhe que não entregava a criança porque estava na hora da visita, sugerindo ao arguido que chamasse a GNR e, com a criança ao colo sempre a chorar e a gritar, saiu para rua, sem sequer ver se passava algum carro, sujeitando-se a ser atropelado com a criança ao colo e ali ficou com ela a deambular na estrada - só de pijama, embrulhada num lençol - durante quase uma hora, sem se demover com os pedidos de calma formulados pelo arguido, que assistia, angustiado, a esta cena.

rr) Depois de decorrida a "hora da visita", DD entrou e disse à filha do arguido "agora já lhe podes pegar" e foi então que, quando a mulher do arguido criticou o comportamento dele, o mesmo logo a ameaçou fisicamente, erguendo o braço no ar com a intenção de agredir, e só a intervenção do arguido, impediu que DD provocasse mais desacatos, seguindo com ele, na sua viatura, procurando pacificamente acalmá-lo e demovê-lo daquelas intenções.

ss) Em Outubro de 2007, à noite, na casa do arguido, DD forçou a criança a tomar um biberão, não se demovendo com a sua recusa, em virtude de estar a ser amamentada, provocando o seu engasgamento, e, no mesmo mês, ameaçou fisicamente agredir a filha do arguido, na presença da criança.

tt) Tais episódios causaram perturbações imediatas à criança, que não comia e dormia mal no dia e noite subsequente à visita, dado o contexto de agressividade que caracterizava esses dias, em contraste com a paz e serenidade dos demais dias "normais", o que tudo o arguido diariamente verificava.

uu) Um sem número de vezes o progenitor violentou a criança para satisfazer os seus caprichos, designadamente forçando-a a entrar no seu carro (Verão de 2008) só porque queria que ela aí brincasse por capricho seu, com a criança a gritar, a chorar e a espernear.

vv) Todos os factos atrás narrados foram do conhecimento direto do arguido, que os presenciou regular e quotidianamente.

ww) No dia em que festejavam o aniversário da EE na casa do arguido, em Maio de 2008, DD - com a criança ao colo - ameaçou fisicamente a filha do arguido na presença deste e, levantando a mão no ar, com intenção de a agredir, insultou-a, usando os epítetos supra mencionados, designadamente "doente mental", "não prestas para nada", "não és mulher nenhuma", e forçou a miúda a beber água, usando da força física, e como a criança chorava convulsivamente e esperneava, logrou provocar o seu engasgamento, que quase a fez sufocar e encharcar a roupa da mesma, ficando a criança em pânico, aproveitando depois para denegrir a imagem da filha do arguido (na sua própria casa) junto dos convidados.

xx) No mês de Julho de 2008, em Mira, a pretexto da recusa da filha do arguido em dar água à criança com um copo que tinha caído no chão, DD dirigiu-lhe toda a espécie de impropérios ("doente mental ", "estúpida", "és uma merda", "não prestas para nada", entre outros supra descritos), em situação de tudo ter sido ouvido e presenciado pelas pessoas a passar na rua e de que o arguido logo veio a tomar conhecimento.

yy) Em finais de Julho de 2008, no Centro Comercial Fórum, em Aveiro, em frente ao parque infantil, DD, com a criança ao colo e mais uma vez inusitadamente e sem justificação, começou a gritar com a filha do arguido, chamando-lhe "doente mental" e dizendo-lhe "criança", "és uma merda", "não prestas para nada", "não és mulher nenhuma", entre outros epítetos, retendo uma vez mais a criança no colo, e indiferente ao pânico que criara na menor, entrou de seguida no elevador, quando esta, aterrorizada, esperneava e gritava pela mãe, o que causou tal trauma à EE que durante mais de um ano a menina se recusou a entrar em elevadores, tendo forçosamente a filha do arguido que subir com ela sete andares de escadas para a levar à psicóloga.

zz) Na viagem de volta, no interior da viatura, DD insultou a filha do arguido, dizendo-lhe, designadamente, que "precisava era de quem a fodesse", factos de que o arguido tomou logo conhecimento.

aaa) Em 10-07-2008, quando a filha do arguido disse a DD para se desculpar junto do seu pai pelo referido no ponto 6, aquele destratou-a, dizendo que não pedia desculpa de nada e utilizando os epítetos habituais, "não és mulher nenhuma", "és uma merda", "não prestas para nada", etc., e aproveitou para também insultar a mulher do arguido que estava pacificamente a regar o jardim com os epítetos de "estúpida" e "doente mental", isto à frente da criança, do arguido e de outras pessoas.

bbb) Em Agosto de 2008, em Aveiro, depois de impedir a menor de fazer as suas necessidades fisiológicas, não obstante saber que a mesma padecia de fissura, DD desceu então a Avenida e, quando chegou ao Rossio, colocou a criança na beira do muro que dá para a Ria, a fim de assustar a filha do arguido.

ccc) Depois, entrou perigosamente com a criança ao colo para um barco moliceiro, enquanto tecia inúmeras provocações ao arguido e a sua filha, que se mantinham à distância.

ddd) Finalmente, quando saiu do barco, colocou a criança no chão e largou-a, ignorando os apelos da filha do arguido para que a segurasse pois esta ainda não andava autonomamente, tendo quase de imediato a criança caído de cabeça no chão violentamente, ficando a chorar copiosamente e fazendo um hematoma na testa.

eee) Em 06-11-2008, pelo telefone, DD insultou a filha do arguido, dizendo que ela era uma "merda" e "doente mental", e ameaçou-a, dizendo "é hoje que vai acontecer tudo", tendo aquela, logo de seguida, recebido um telefonema da avó paterna da EE a chorar, pedindo-lhe para sair de casa e retirar daí a avó materna e a criança, porque DD estava a caminho, e mais não disse.

fff) Tanto o arguido como a sua filha ficaram gravemente preocupados, aguardando a chegada de DD, com o telefone da GNR na mão, mas passada uma hora a filha do arguido recebe novo telefonema da mãe daquele, dizendo que o mesmo tinha voltado a casa e que não podia falar mais, sendo que até hoje continua sem saber o que teria DD ameaçado fazer perante a sua mãe que a teria levado a telefonar em tal estado aflitivo.

ggg) No dia 24-12-2009, DD, de forma totalmente inesperada e despropositada, por causa de um diferendo relativo ao dia da visita de Natal, insultou a filha do arguido com os epítetos supra mencionados, gritando irado e de forma ameaçadora, telefonando ao arguido de propósito para lhe fazer a afirmação referida no ponto 86.

hhh) Aquando dos factos descritos no ponto 8, ocorridos em Santa ..., DD desferiu um murro na têmpora direita da filha do arguido, sobre a orelha, provocando a sua projeção lateral, que lhe causou fortes dores e um vermelhão.

iii) Ao avançar para a sala, GG vinha cambaleante.

jjj) DD, que a havia seguido - sempre com a criança ao colo, em pânico, a gritar "mamã" e a espernear - ameaçou-a de que lhe daria outro murro na cabeça, o que causou a indignação aos presentes, e uma dor profunda ao arguido.

kkk) De seguida, DD, quando agarrou a filha do arguido pelo pulso, fê-lo também pela mão esquerda e fortemente, provocando-lhe fortes dores e três equimoses, e, arrastando-a contra a sua vontade, ao longo de vinte metros, tentou colocá-la fora de casa, dizendo que a criança ficaria, no que foi impedido pelos seus irmãos, e ficando aquela impossibilitada para o trabalho nos três dias seguintes.

lll) Só com a intervenção "musculada" dos irmãos de DD é que a criança foi retirada ao mesmo e entregue à filha do arguido.

mmm) DD foi colocado fora de casa pelos seus familiares.

nnn) Não acatando tal situação, tentou novamente entrar, dando murros, designadamente na porta.

ooo) Por bater nas janelas da garagem e nas portas, DD impediu a filha do arguido de concretizar o seu propósito de se ausentar do local.

ppp) O choro da criança era convulsivo e ela agarrava-se aterrorizada ao pescoço da mãe, gritando sempre que via o pai através das janelas, situação que a marcou profundamente.

qqq) A menor, mais tarde, repetiu o simulacro do ato e do gesto que vira, também a outras pessoas.

rrr) A mãe da menor, com a sua filha ao colo, estavam fechadas à chave na garagem, a última a gritar em pânico.

sss) Nessa situação, ocorrida em Santa ..., DD fez a todos temer pelas suas vidas.

ttt) O arguido assistiu a tudo isto petrificado, incapaz sequer de telefonar para as autoridades, por se encontrar em estado de choque, tendo sido a cunhada de DD que telefonou e chamou as autoridades, enquanto a mãe do mesmo procurava um ferro numa arrecadação para se defender, enquanto dizia consternada "nunca pensei que o meu filho pudesse fazer isto".

uuu) Por altura do referido requerimento de internamento compulsivo, o psiquiatra que acompanhava DD, Dr. NN, foi contactado telefonicamente pelo arguido (por se encontrar no Funchal), e desaconselhou a visita à criança sem que aquele estivesse medicado (com "Abilify").

vvv) Pouco tempo depois, no funeral da avó de um amigo, DD quase o impediu de receber os pêsames, por ter permanecido junto do mesmo a vangloriar-se do feito, relatando em pormenor a forma como destruiu a viatura da filha do arguido em Santa ....

www) A perturbação causada na menor EE por tais atos violentos do pai foi tal que a criança, em pânico, rejeitou a presença dele, na visita que o mesmo fez, cerca de 15 dias depois do sucedido em Santa ..., na casa do arguido, gritando-lhe insistentemente "porque é que bateste na mamã?" e fugindo amedrontada dele.

xxx) Na psicoterapia, a menor sinalizava medo do progenitor, fruto da sua vivência traumática por força da violência do mesmo quando descompensado (por não ingerir o Abilify), decorrente da perturbação paranoide da personalidade de que padecia, sintomatologia essa da menor que foi trabalhada em consulta e atenuada.

yyy) Para além do referido no ponto 19, DD começou também a ameaçar o arguido e, posteriormente, a atuar contra os demais familiares maternos da menor.

zzz) As visitas referidas no ponto 98 eram sempre agendadas com a periodicidade semanal e efetivamente ocorreram.

aaaa) Para além do que resulta dos pontos 99 e 109, tais visitas foram rodeadas de fortes medidas de segurança, num clima de grande receio e insegurança.

bbbb) O arguido fazia-se acompanhar de arma de fogo nas visitas referidas no ponto 99, também por DD ter dito, em finais de 2009, que tinha adquirido arma de fogo e que pensara em matar o arguido.

cccc) Foi esta afirmação que justificou o requerimento que a filha do arguido dirigiu ao Juízo de Família e Menores de Aveiro, no sentido de DD ser sujeito a detetor de metais - atento o receio de que se fizesse acompanhar de arma de fogo - antes da conferência de pais agendada para o dia 28-01-2011, no Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais.

dddd) Fruto da doença de DD, o seu comportamento era imprevisível, dependendo da circunstância de estar ou não "compensado" com Abilify, e de, por conseguinte, estar ou não violento e agressivo.

eeee) Em duas visitas que fez à sua filha, respetivamente em 24-05-2010 e 30-05-2010, DD colocou a criança em cima do portão com cerca de 2 metros de altura, dando a entender que a pretendia atirar para o exterior, o que causou pânico e perturbação psicológica à criança, à mãe e ao arguido.

ffff) O arguido muito sofria com o tratamento desabrido e violento que DD dava à neta, produto do seu feitio conflituoso e agressivo e da doença mental de que padecia.

gggg) Por fim, o arguido e a sua mulher foram mesmo agredidos fisicamente por DD.

hhhh) O arguido nunca sequer elevou a voz a DD.

iiii) Depois dos acontecimentos de Santa ..., o arguido continuou a encetar diligências no sentido de promover o tratamento de DD, designadamente procurando que ele frequentasse as consultas do psiquiatra e se medicasse adequadamente.

jjjj) O referido amigo do arguido pertence a uma Associação de Ajuda.

kkkk) A intenção em o arguido o contactar era obter informação sobre o melhor modo de ajudar DD.

llll) A reunião do dia 03-02-2011 era para definir estratégias para que DD se tratasse.

mmmm) DD telefonava e enviava mensagens diária e insistentemente ao arguido, com o fito de o achincalhar e à filha do mesmo.

nnnn) Quando se deslocava a casa do arguido sem previamente agendar a visita, DD chamava a GNR, também com o fito de o achincalhar a ele e à filha.

oooo) O arguido foi continuamente ameaçado por DD e viu este, semanalmente, quando entrava em sua casa, a destratá-lo e chegando mesmo a expulsá-lo a ele, à mulher e à tia dentro da própria casa deles, recusando-se a sair quando convidado, filmando o arguido contra a sua vontade expressa, tendo dito, uma vez, que o mesmo e a sua filha teriam ainda muito a sofrer nas suas mãos.

pppp) O arguido viu a sua filha, durante um ano (entre Janeiro de 2010 e Janeiro de 2011) aterrorizada pelos telefonemas de DD a todas as horas do dia, várias vezes por dia, perturbando o seu trabalho, as suas refeições e o seu sono, e pelas mensagens ameaçadoras do mesmo, não obstante nunca atender nem responder.

qqqq) Na conferência de pais ocorrida no dia 28-01-2011, foi determinado, pela juíza do processo, que as visitas a realizar dentro do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais fosse supervisionado, tendo tal determinação, embora comunicada a todos os presentes, escapado à redação da ata.

rrrr) A sugestão da supervisão pela Segurança Social foi feita pela referida juíza.

ssss) A anuência da filha do arguido a que as visitas tivessem lugar num parque foi manifestada desde que sob supervisão dos seus pais, tendo a juíza questionado se a presença do arguido seria aconselhável, ao que a filha do arguido retorquiu que, ainda que fosse alvo de qualquer provocação, assegurava que o seu pai "não dirigiria sequer a palavra à vitima" (sem prejuízo do teor do ponto 29).

tttt) O relatório referido no ponto 105, foi apresentado na conferência de pais.

uuuu) O arguido deslocou-se ao parque de lazer do ... e esteve presente nas duas visitas por determinação judicial e por lhe ter sido transmitido pela sua filha e respetivo advogado que o poderia fazer.

vvvv) A intenção do arguido, ao pedir aos seus amigos referidos no ponto 30 para estarem presentes na visita que teve lugar no dia 29-01-2011, era, efetivamente, para evitarem que DD tomasse qualquer atitude violenta contra si ou contra a sua filha.

wwww) O referido no ponto 137 era agravado pelo facto de tais insultos, impropérios, injúrias e ameaças serem conhecidos de todos quantos privavam com o arguido (sem prejuízo do teor dos pontos 19 e 20), para além dos familiares e amigos de DD.

xxxx) No Natal de 2009, DD disse à filha do arguido que era portador de arma de fogo para defender as suas mulheres e que lhe havia já passado pela cabeça matar o arguido, situações narradas a este por aquela.

yyyy) DD ia sucessivamente proclamando ódio contra o arguido, mesmo perante terceiros, o que era do conhecimento dele.

zzzz) E apresentava um agravamento da perigosidade, agressividade e violência decorrentes da perturbação mental de que estava possuído, com caráter imprevisível, ora aparentando um estado “normal”, quando medicado com “Abilify”, ora completamente descontrolado, quando descompensado.

aaaaa) Por causa de tudo isto o arguido passou a temer que DD atentasse contra a sua vida e da sua família.

bbbbb) O arguido passou também a pedir a amigos que verificassem se DD não trazia arma aquando das visitas a sua casa.

ccccc) O receio referido no ponto 108 evidenciou-se mais após o modo como ocorreu a primeira visita no parque de lazer.

ddddd) Foi por causa da referida perturbação mental que DD veio a ser despedido das funções que desempenhou no Município do ..., tendo tido episódios de conflito com a hierarquia do Departamento Jurídico, nomeadamente com a diretora Dra. ZZ.

eeeee) Foi por ter integrado a tropa especial e por ser caçador que o arguido também adquiriu o revólver mencionado no ponto 34.

fffff) O arguido tinha igualmente munições com dezenas de anos e encontrando-se a arma de defesa com munições há pelo menos uma dezena de anos.

ggggg) O arguido foi sucessivamente renovando a licença de uso e porte de arma referida no ponto 62.

hhhhh) O arguido foi informado por um amigo militar, disso tendo ficado convicto, de que, dado o facto de ter sido oficial militar miliciano, não carecia sequer daquela licença de uso e porte de arma.

iiiii) Foi face à atitude agressiva de DD para consigo, designadamente através da formulação de ameaças de morte, que o arguido, em 2010, passou a ter consigo a arma referida, em sua casa, sempre que a vítima ali se encontrava.

jjjjj) Foi também por isso que, no dia 05-02-2011, o arguido trazia consigo o referido revólver, enquanto instrumento de defesa e dissuasão de qualquer ataque de que porventura fosse vítima por parte de DD, do qual suspeitava fundadamente que lhe quisesse, a ele arguido, tirar a vida.

kkkkk) Dada o agravamento da perigosidade do comportamento de DD, designadamente de tudo quanto este contra si vinha fazendo e ameaçava fazer, concentrando na pessoa do arguido, o qual dissera que o havia de matar, o seu instinto demencial persecutório e a atitude do mesmo perante os amigos do arguido na visita anterior, o arguido tentou obter a presença, nesta segunda visita, dos serviços de uma empresa privada de segurança.

lllll) Foi por não ter conseguido obter esses serviços, que o arguido pediu a comparência de QQ no local da visita e também que ele levasse consigo os seus dois filhos, com 2 e 4 anos.

mmmmm) DD tinha no seu carro a cadeirinha de transporte para crianças.

nnnnn) Ao colocar a menor EE sobre o parapeito da ponte do lago, DD fê-lo como se a fosse atirar ao mesmo.

ooooo) Foi então que a criança, que já se encontrava relutante, entrou em pânico e começou a esbracejar, a contorcer-se, a pontapear e a gritar.

ppppp) A EE mostrou-se relutante desde o início da visita, por pressentir (como amiúde sucedia) a agressividade latente na pessoa do seu progenitor.

qqqqq) DD, ao agarrar a menor com força, apertava-a para a manter ao colo, o que agravava a situação de pânico dela.

rrrrr) Quando se dirigiu ao arguido, DD chamou-lhe, em altos gritos, “fraco ", "porco " e "nojento ", sem que este tenha feito ou dito o que quer que seja.

sssss) A criança estava em total pânico, por estar a ser direcionada para o telemóvel pelo pai.

ttttt) E estava já quase a sufocar, tal era a força com que o progenitor a agarrava.

uuuuu) Nessa altura, DD, vendo o arguido a filmar o estado de pânico da EE, começou a gritar-lhe que já não autorizava que filmasse e, ato contínuo, avançou fisicamente sobre ele, para o impedir de continuar a filmar, dizendo "vou dar cabo de si ".

vvvvv) A filha do arguido, vendo a EE em sério risco de se magoar, interpôs-se entre o arguido e DD, procurando acalmar este último, havendo uma agressão do mesmo ao arguido.

wwwww) O referido QQ é um amigo da família.

xxxxx) Após este ter retirado a menor do colo do pai, a mesma continuou a gritar "mamã".

yyyyy) A filha do arguido interpôs-se novamente entre ele e DD, procurando acalmar este último.

zzzzz) O objeto que DD tinha na mão assemelhava-se a uma arma e como tal foi percecionado pelo arguido, deixando-o tenso e alerta, pensando logo aí que aquele se preparava para disparar arma de fogo.

aaaaaa) A tia do arguido segurava a camisola de DD apenas com dois dedos, procurando acalmá-lo, para que ele não mais agredisse o seu sobrinho.

bbbbbb) Todos os presentes julgaram que, face à violência da agressão, à idade da tia do arguido e ao local da queda, esta seria letal.

cccccc) Ao desferir a bofetada com a mão esquerda, DD guardava a mão direita para ato iminente que se apresentava para executar.

dddddd) II era particularmente débil (para além da debilidade própria da sua idade avançada) e só estava pacificamente a tentar acalmar DD.

eeeeee) O arguido tinha a convicção que DD tinha consigo naquele momento arma de fogo.

ffffff) No filme vê-se um objeto volumoso, aparentemente embrulhado em material de cor clara, com volume adequado a corresponder a arma, tipo revólver ou semelhante, que o arguido pôde vislumbrar.

gggggg) Ainda com a idosa em queda, DD fez então o referido movimento com a mão direita em direção ao bolso do lado direito, com intenção que o arguido interpretou como um gesto de saque para empunhar arma de fogo, o que temia, por disso estar convicto, a vítima transportar consigo.

hhhhhh) O arguido, ao retirar e empunhar a arma, fê-lo motivado por aquela acção de DD, com o intuito de defender a sua vida e da sua família, apavorado, porque certo que aquele ia de imediato disparar, e, condicionado por tudo o que havia sucedido desde o início da visita e nos três últimos anos, retirou a arma e empunhou-a.

iiiiii) Ao continuar a disparar, o arguido fê-lo na direção do braço direito de DD, por ter interpretado o gesto do mesmo como ato de empunhar arma de fogo com o fito de disparar sobre si e a sua família, conforme o arguido sabia DD já ter ameaçado fazer, dizendo que já possuía arma de fogo adequada a ser utilizada em tal acto e propalado a intenção de matar o arguido e dada a perigosidade decorrente da doença mental de DD.

jjjjjj) O arguido ia sentindo cada vez mais medo que DD pudesse atentar contra a sua vida e dos seus familiares.

kkkkkk) O arguido, ao disparar o revólver, fê-lo dominado pelo estado da neta e pela agressão à sua pessoa, na iminência de sobre si DD disparar arma de fogo que recolhia do bolso direito das calças, do que estava convicto, no intuito de evitar que o mesmo disparasse sobre si.

llllll) Por várias vezes, o arguido foi encontrado sozinho a chorar, em consequência da situação criada por DD e do comportamento mental deste.

mmmmmm) O arguido estava ladeado pela esposa.

nnnnnn) Todos os presentes ficaram com a convicção de que os tiros não teriam acertado em DD e o arguido, quando verificou que o mesmo caíra ao chão, é que percebeu que tal ocorrera em virtude de ação sua, tendo então caído em si.

oooooo) O arguido apresentava dor no olhar enquanto dispara, ar emocionalmente alterado e tom de voz exaltado logo após os disparos e, ar desolado quando vê DD cair, abrindo e fechando ligeiramente os braços, baixando a cabeça, profundamente condoído.

pppppp) O arguido manifestou imediatamente arrependimento.

qqqqqq) O arguido tentou logo contactar o INEM, só se tendo dirigido à GNR depois de se assegurar que a assistência médica estava a caminho.

rrrrrr) O arguido ficou também deprimido e sem conseguir dormir bem.

ssssss) O arguido foi sempre amigo, protetor e conselheiro de DD, mesmo em situações em que foi ofendido por este.

tttttt) O arguido deslocou-se ao encontro exclusivamente com o desígnio de contribuir para que tudo corresse dentro da melhor ordem e correção.

uuuuuu) Mesmo na sua própria casa, o arguido tinha que se munir de todas as cautelas e precauções, face à conduta agressiva e ameaçadora de DD, agravada por distúrbio mental que o afetasse.

vvvvvv) O comportamento de DD na visita anterior fez o arguido suspeitar que tivesse interrompido a medicação.

wwwwww) O arguido é respeitado e considerado por todos quantos com ele privam, dentro e fora da comunidade em que se insere.

xxxxxx) O arguido estava convencido de que não precisaria de licença de uso e porte de arma para legalmente poder trazer consigo o referido revólver.

yyyyyy) O arguido teve uma infância feliz, com os seus pais e irmã mais nova.

zzzzzz) De 1978 até hoje, o arguido tem trabalhado na Sociedade ..., onde sempre manteve relações de cordialidade e amizade com sócios e clientes.

aaaaaaa) Entre 1980 e 2000 foi sujeito a melindrosas intervenções cirúrgicas do foro oncológico nas instâncias hospitalares por que passou, incluindo o Hospital da Ordem da Lapa, deixou um rasto de humanismo e amizade entre todos que com ele contactaram.

bbbbbbb) Também desde 1998 até agora que o arguido se dedicou à plantação de espécies florestais com aptidão paisagística, com o objetivo de criar fomentar a floresta ajardinada.

ccccccc) Para esta atividade tem convidado e incitado várias pessoas, às quais se vem ligando por relações de amizade e companheirismo, assim estimulando entre todos a camaradagem».


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Cumpre apreciar e decidir:

Apreciar-se-á em primeiro lugar o recurso do arguido, que versando igualmente matéria criminal, poderá reflectir-se na apreciação do pedido de indemnização civil.

A- O arguido/recorrente alega vícios na decisão recorrida, conforme conclusões 58ª a 82ª

            Analisando:

O nº 1 do artº 410º do CPP, refere: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, e o artº 434º do CPP diz, na verdade, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3.

E o nº 2 do mesmo artigo dispõe:

Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

Mas, como vem sendo entendido por este Supremo, não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2 do CPP, como fundamento de recurso, quando invocados pelos recorrentes, uma vez que o conhecimento de tais vícios sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do tribunal da Relação. (artºs 427º e 428º nº 1 do CPP)

Aliás, sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artº 434º do CPP).

Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação.

Dai que o Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, apenas conheça de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum,

Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.ª Secção)

Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado.

Como referiu por ex. o Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, proc.n. 3102/06- desta 3.ª Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.

Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para 0 STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.

É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP.

A Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, e a Lei nº 20/2013 de 21 de Fevereiro, não alteraram, esse entendimento.

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é um conceito jurídico-processual, que ao subsumir-se ao disposto na alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP, apenas tem a ver com o texto da decisão recorrida, perspectivado na matéria de facto provada e não provada, no sentido de que a decisão em matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito.

A contradição insanável de fundamentação ou entre esta e a decisão, revela-se em desarmonia intrínseca insanável, em termos de que a sua interligação se apresenta com resultados opostos sobre a mesma factualidade, não sendo possível, face ao texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, obter o facto seguro, sem dúvidas, saber qual a factualidade provada, perceptível, consistente, e conjugável harmonicamente entre si., apurada na versão transmitida,

            O erro notório na apreciação da prova, supõe, factualidade contrária à lógica e às regras da experiência comum, detectável por qualquer cidadão de formação cultural média que leia a decisão, como por ex. dizer-se que ocorrendo os factos sendo já noite, ainda havia sol.

Desde logo parece que o recorrente confunde o vício de erro notório na apreciação da prova, com a valoração desta.

Enquanto que esta obedece ao regime do artº 127º do CPP e, é prévia à fixação da matéria de facto, aquele – bem como os demais vícios constantes das alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP – só surgem perante o texto da decisão em matéria de facto, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, que resultou daquela valoração da prova.

            O arguido tinha alegado vícios na decisão, no recurso interposto para o Tribunal da Relação, e o acórdão recorrido conheceu ex professo sobre tais fundamentos do recurso, como se pode ler de fls 7266 a 7273, que se torna desnecessário reproduzir, onde sindicou a decisão da 1ª instância quanto aos vícios alegados constantes do artº 410º nº 2 do CPP e concluiu pela sua inexistência,

A matéria de facto não foi alterada pela Relação,

Não se perfilam no texto do acórdão da Relação, conjugado com as regras da experiência comum, qualquer desses vícios.

Na verdade, não se perfila insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque a decisão em matéria de facto é bastante para a decisão em matéria de direito, constando da mesma os elementos integrantes da definição da ilicitude criminal e da responsabilidade criminal do arguido e, da determinação da medida da pena.

Inexiste contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e decisão, uma vez que a decisão recorrida se mostra intrinsecamente harmónica e consonante..

Inexiste erro notório na apreciação da prova, pois que não ressalta da decisão recorrida qualquer erro ou situação contrária à lógica e às regras da experiência comum, detectável por qualquer cidadão que compreenda a decisão ao lê-la.

B- Alega também o recorrente na conclusão 78.ª que” Ao afastar a veracidade das declarações do arguido sem invocar qualquer prova que as tivesse infirmado, violou o Acórdão da Relação o princípio in dubio pro reo, contendo a nulidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 379 do CPP, o que se retira, de igual modo, do nº 1 do art. 6.º da CEDH”, e na conclusão 84ª que “O Acórdão da Relação viola claramente o princípio do in dubio pro reo quando, ao abrigo do art.º 127 do CPP, actua com manifesto abuso de poder, invertendo as regras de princípio probatório em processo penal, e fazendo pender sobre o arguido um “inadmissível ónus de prova”, como refere Costa Andrade na análise que faz ao problema no Parecer junto aos autos, designadamente a págs. 7 e ss., para afirmar que todo o non liquet em matéria de prova terá que ser, ao contrário do que faz a Relação, valorado a favor do arguido.”

Mas, desde logo deve dizer-se que a violação do princípio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.

Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República.

NA verdade, a apreciação da prova é um juízo valorativo, de raciocínio objectivo, de ponderação do que é revelado por cada prova produzida, e em conjugação com as demais,

 Eventual erro que daqui derive é um erro de julgamento na credibilidade de determinada prova, cuja impugnação é feita através do recurso em matéria de facto nos termos do artº 412º nºs 3 e 4 do CPP, sendo certo que o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.°do CPP, segundo o qual,, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as ,egras da experiência e a livre convicção da entidade competente, sendo que são admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artº 125º do CPP

O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

 Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, perante as provas produzidas que motivaram essa convicção, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova, e traduz a dimensão soberana da independência judicial na administração da justiça.

Por isso, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior.

Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.

Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas.

Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)

Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).

Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção)
O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)

Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.

Como se decidiu por ex., no  Ac. de 3-10-07, in proc 07P1779, deste Supremo e, desta 3ª Secção, a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

Porém, aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem porém, aplicação em toda a sua extensão, pois que, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista.

 Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (v. Acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60)

Na verdade, como se elucida no Acórdão deste Supremo, de14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se  a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

Em síntese e, parafraseando o Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção.

No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º).

Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo.

Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório

Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

De fls 7275 a 7320v, o acórdão recorrido analisou “a conformidade entre a decisão de facto e a prova produzida” acabando por rematar que:

“Por todo o exposto, improcede, na totalidade, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”

Sobre matéria de facto, o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

C- Nas conclusões nºs 1 a 57º o recorrente convoca várias questões suscitadas antes da decisão final.

Questões essas interlocutórias, que foram suscitadas no recurso interposto para a Relação.

Como assinala o acórdão da Relação:

            “Para além do recurso da decisão final o arguido havia, antes, interposto outros recursos de decisões interlocutórias, em cuja decisão manifestou manter o interesse.

            São estes recursos os seguintes:

1º - recurso do despacho que admitiu a intervenção do tribunal de júri;

2º - recurso do despacho que indeferiu o pedido de devolução do telemóvel;

3º - recurso do despacho que indeferiu o pedido de desentranhamento das fotos da menor;

4º - recurso do despacho que admitiu a junção de gravações vídeo feitas pela vítima à menor;

5º - recurso do despacho que indeferiu o pedido de junção de certidão judicial e de solicitação de elementos relativos aos rendimentos auferidos pela vítima;

6º - recurso do despacho que fixou o prazo para a apresentação da defesa relativa à alteração da qualificação jurídica dos factos;

7º - recurso do despacho que indeferiu a produção da prova indicada na defesa apresentada à alteração da qualificação jurídica dos factos.

            […]

Proferido despacho preliminar teve lugar a audiência.

Na audiência o arguido reafirmou os argumentos invocados nos recursos interpostos, com especial enfoque quanto às questões relativas aos despachos tomados pelo sr. presidente do tribunal cuja competência cabia, na sua tese, ao tribunal, para o procedimento de prazo que lhe foi concedido para a apresentação da defesa relativa à decisão de alteração da qualificação jurídica, para o indeferimento da produção da prova apresentada nesta defesa, para o indeferimento do pedido de junção de um documento e pedido de elementos às Finanças e depois, e em geral, para as questões suscitadas no recurso final, muito especialmente quanto à desconsideração da verificação de legítima defesa, da qualificação do homicídio por referência ao n° 1 do art. 132º do Código Penal e da pena que veio a ser aplicada.”

De fls 7186 a 7218, o acórdão da Relação conheceu e decidiu os recursos interlocutórios.

            O artº 432º nº 1 al. d) do CPP, refere que:

            Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores”, que, não sendo decisões interlocutórias, são decisões finais,

            Porém, resulta do artº 400º nº 1 al. c) do CPP, que não é admissível recurso: De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo,”

           

     O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (do tribunal do júri ou do tribunal colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações.

A circunstância de o recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal. (v. Ac. deste Supremo de 21-06-2007, Proc. n.º 1581/07 - 5.ª Secção).

É irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do art. 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo. Para efeito da recorribilidade, mostra-se indiferente a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é, se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final (v.. o Ac. deste Supremo, de 09-01-2008, Proc. n.º 2793/07 - 3.ª, e o Ac. de 21-05- 2008, in Proc. nº 414/08- 5ª)

Este entendimento respeita a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e encontra-se em perfeita sintonia com o regime traçado pela Reforma de 1998, e mantido na Reforma de 2007, para os recursos para o STJ: sempre que se trate de questões processuais ou que não tenham posto termo ao processo, o legislador pretendeu impedir o segundo grau de recurso, terceiro de jurisdição, determinando que tais questões fiquem definitivamente resolvidas com a decisão da Relação. (v. Ac. deste Supremo, de 19-6-08 proc.2043 - 5ª)

A Lei 59/98, de 25-08, introduziu um fundamento novo de irrecorribilidade das decisões da Relação que não ponham termo à causa; a Lei n.º 48/2007, de 29-08, ampliou o âmbito da irrecorribilidade das decisões da Relação que não conheçam, a final, do objecto do processo

O propósito da Lei 48/2007, escreve Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1002), foi o de alargar a irrecorribilidade a todos os acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que ponham termo à causa mas não conheçam do mérito do pleito. (v. Ac. deste Supremo e desta Secção de 12-6-08 proc.1782/08)

; As Leis nº 28/2010, de 30 de Agosto, e nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, não alteraram a situação,

De acordo com o entendimento já expresso por este Supremo Tribunal, decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento, ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise, trata-se da decisão que põe termo àquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o terminus da relação entre o Estado e o cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal.

Verifica-se, assim, sem margem para dúvidas que o recurso interlocutório versava exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que pusesse fim à causa. Consequentemente, por inadmissibilidade do respectivo recurso, não pode, nem deve, o STJ apreciar qualquer patologia concernente ao mesmo. (v. Ac. deste Supremo e desta Secção de 16-5-08, P 899/08, 3ª))

O artigo 379º, do CPP determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (nº 1 al. c))

Mas a discordância do recorrente sobre o modo de valoração das provas, ou sobre o juízo decisório de questões postas, sejam de facto ou de direito, que o tribunal conhecesse e decidisse, não traduz ipso facto omissão de pronúncia ao não coincidirem com a perspectiva do recorrente pelo que não integra qualquer nulidade.

Nem o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

            Não se vislumbra pois, a existência de nulidades no acórdão recorrido, de que cumpra conhecer no âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista.

            D- Discute o recorrente a qualificação jurídica da ilicitude nas conclusões 85ª a 116ª, porquanto e, em suma:

            O art.º 165, n.º 1, alínea c), da CRP, prescreve a reserva de competência da Assembleia da República em matéria de crimes, só podendo o Governo legislar sobre tal matéria no domínio de autorização legislativa correspondente.

Ora, ao decidir criar um homicídio qualificado atípico fora da verificação de qualquer dos exemplos-padrão elencados no n.º 2 do art.º 132 do CP e outrossim condenar o arguido pela prática de tal crime com base no n.º 1 do mesmo art.º 132 do CP, o Acórdão recorrido postergou claramente as garantias constitucionais e convencionais apontadas, designadamente ao fazer substituir a função reservada ao Parlamento pelo Estado Democrático de Direito pelo poder singular, concreto e casuístico, fora de qualquer preocupação de legalidade, do Juiz aplicador da Lei.

Na interpretação concreta que o Acórdão recorrido faz do disposto no art.º 132, n.º 1, do Código Penal, no sentido de, com base nele, construir a figura do crime de homicídio qualificado atípico, quando se não encontram verificados os pressupostos de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do mesmo preceito, faz com que se interprete aquele art.º 132, n.º 1, contra a Constituição e, consequentemente, faz padecer este preceito, na concreta interpretação assim adoptada, do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tipicidade, da legalidade da estrutura democrática do Estado de Direito, garantidos pelos art.ºs 29, n.ºs 1, 3 e 4 e 165, n.º 1, alínea c), da Constituição da República, e, bem assim, pelo art. 7.º da CEDH.

O Acórdão de 1ª instância, mantido nos seus exactos termos pelo TRC, apesar de - na motivação/fundamentação - fazer apelo à extensão valorativa de exemplos padrão, no dispositivo acaba por condenar pelo art. 132º nº1 do CP ou seja, apelando em exclusivo à cláusula geral a especial censurabilidade/perversidade.

Mas ainda que assim não fosse, se o Acórdão condenasse (no dispositivo) pelo nº1 e pelo nº2 do art. 132º do CP sem referir qualquer alínea (que é o mesmo que dizer, fazendo uso da expressão “entre outras” e por extensão valorativa dos exemplos padrão), tal procedimento estaria também ferido de inconstitucionalidade, porquanto a punição do arguido por homicídio qualificado “atípico” assenta numa interpretação inconstitucional do artigo 132º, nº 2, do Código Penal.

            Diz o arguido que nunca poderia aqui ter lugar a qualificação atípica do crime de homicídio baseada em qualquer circunstância, muito menos as que são apontadas pelo Acórdão para o efeito de ter concluído pela prática de crime de homicídio qualificado atípico, não só porque os factos provados afastam qualquer juízo de especial perversidade ou censurabilidade na personalidade ou no comportamento do arguido, como não existe qualquer circunstância que pudesse funcionar ou ser admitida como extensão valorativa de qualquer dos exemplos-padrão do n.º 2 daquele art.º 132, pelo que se acha violado o disposto no art.º 132, n.ºs 1 e 2, do CP – cfr. Teresa Serra, “Homicídio Qualificado”, pág 74 e Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, tomo I, pág. 40. e que, os factos dados como provados de 141 a 164 atestam o carácter extraordinário da personalidade do arguido e impedem que o seu comportamento ou a sua personalidade se possam ver qualificados como de especial censurabilidade ou perversidade, não podendo pois a conduta do arguido ver-se subsumido no art.º 132 do Código Penal, que é preceito que aqui não pode aplicar-se;

            Aduz ainda queque existe dupla valoração do uso da arma e o modo como se usou – e o da agravação constante do art.º 86, n.º 3, da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, a qual, nunca poderia subsistir por o uso e porte da arma ter dado já lugar, pela via da qualificação do homicídio, da qual foi pressuposto, a agravação mais elevada;

            Analisando:

O acórdão recorrido explicitou:

“X – Inconstitucionalidade por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de crimes e do princípio da tipicidade por o tribunal recorrido ter qualificado o ato cometido pelo arguido como homicídio qualificado, fora da verificação de qualquer dos exemplos padrão elencados no nº 2 do art. 132º do Código Penal

            XI – Verificação de dupla valoração por o tribunal recorrido ter procedido à qualificação do crime devido ao facto de o arguido se ter munido de arma, completamente municiada, que ocultou, e, depois, ter procedido à agravação por via do art. 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23/2

O arguido impugnou a possibilidade de a qualificação jurídica do crime de homicídio assentar, apenas, no nº 1 do art. 132º, por uma tal decisão violar vários princípios constitucionais e legais.

            A questão geral está, já, ultrapassada, com a decisão antecedente, em que consideramos que a qualificação do homicídio na base do nº 1 do art. 132º do Código Penal respeita a Constituição e a lei: não suscita dúvidas de legalidade a figura do homicídio qualificado atípico, ou seja, sem enquadramento em nenhuma das circunstâncias do nº 2 do art. 132º do Código Penal.”

Na verdade já a nível de recurso interlocutório o acórdão recorrido tinha fundamentado:

            “A pronúncia foi objeto de recurso e esta relação, por acórdão de 26-10-2011 (fls. 2781 a 2793), decidiu:

•           que as circunstâncias qualificativas do art. 132º, nº 2, do Código Penal são meramente exemplificativas e de funcionamento não automático, pois só serão qualificativas se revelarem a censurabilidade e perversidade pressupostas no nº 1;

•           que «revelam uma conduta especialmente censurável e perversa» os seguintes factos constantes da pronúncia:

- a emoção e o medo, referidos no ponto 7, não justificam o ato cometido nem o atenuam;

- se o agente se sentia ameaçado devia reagir pelos meios legais;

- para além disso não se confirmou a verificação do suposto perigo;

- o arguido foi para um encontro de entrega de uma criança de 3 anos com um revolver à cintura, carregado com 6 munições e oculto pelo vestuário;

- houve troca de palavras e envolvimento físico e elementos que acompanhavam o arguido fizeram a vítima tombar;

- a vítima dá uma estalada à tia-avó do arguido;

- o arguido, com a menor ao colo, aproxima-se da vítima, agarrou no revólver, apontou-o à vítima e, a curta distância e à queima roupa, atingiu-a no peito;

- a vítima virou-se de costas para fugir e o arguido perseguiu-a, sempre com a neta ao colo, fez mais 5 disparos, sempre a curta distância, e atingiu a vítima mais 2 vezes, pelas costas;

- o arguido foi para o encontro munido com uma arma, agiu de forma pensada e sabendo que estava incompatibilizado com a vítima.”

           

E continuou:

«… A agressão da vítima à tia do arguido, bofetada e fazendo-a desequilibrar e cair não pode ser o único impulso que espoleta toda a sequente conduta. Desde logo é de questionar o porquê de ir para um encontro de visita da vítima à sua filha, neta do arguido, com um revólver completamente carregado.

Assim como é de questionar porque se reage a uma agressão a familiar com a mão, através do uso de meio explosivo, arma de fogo.

Ou o correr para a vítima para disparar de mais perto e acertar na zona do peito do lado esquerdo.

Disparar nas costas da vítima (cinco disparos efectuados), quando esta pretendia era fugir.

Quem tem medo e receio evita encontros e não se arma para os mesmos. O arguido preparou-se revelando sentimentos de desforço.

… A actuação do arguido revela, pois, especial censurabilidade e perversidade […].

[…]       


*

III – Violação dos princípios da legalidade, da tipicidade, das garantias de defesa, do acusatório e do contraditório por a comunicação da alteração da qualificação jurídica não assentar em qualquer dos exemplos padrão e redundar na criação de um novo tipo legal

            Dispõe o art. 132º do Código Penal, cuja epígrafe é “homicídio qualificado”:

«1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

 ».

            Tentemos, então, indagar sobre o sentido das palavras do legislador.

            E para início de discussão recordemos o acórdão do S.T.J., de 14-11-2002 [1], que, em jeito de conclusão, decidiu que o nº 1 do art. 132º do Código Penal contem uma cláusula geral da qual resulta que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade. É essa a matriz da agravação, por forma a que sem especial censurabilidade ou perversidade ela não ocorre. É nela, portanto, que assenta a agravação.

Continua a decisão dizendo que ao lado deste critério assente na culpa, o nº 2 contém uma enumeração aberta, ou seja, meramente exemplificativa, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei "é susceptível", indicadores que não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador "entre outras".

            Face ao texto – assaz claro -, da lei esta decisão manifesta, tanto quanto sabemos, a opinião unânime da jurisprudência e quase unânime da doutrina.

            Independentemente de os factos provados no processo serem, ou não, enquadráveis na figura do homicídio qualificado – o que se decidirá adiante -, não tem razão o arguido quando invoca a ilegalidade de qualificar o homicídio fora dos exemplos padrão elencados no nº 2 do art. 132º do Código Penal.

            A primeira razão é evidente e deriva do teor literal da norma.

            Diz o nº 1 que o homicídio será qualificado se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade. Acrescenta o nº 2 que é suscetível de revelar especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as circunstâncias que a seguir enumera.

            Ou seja, a qualificação resultante da verificação das circunstâncias do nº 2 está dependente da verificação da cláusula da especial censurabilidade ou perversidade: só na medida em que tais circunstâncias as revelem é que qualificarão o crime. Para além disso, a enumeração das circunstâncias que podem revelar especial censurabilidade ou perversidade é exemplificativa: são estas e podem ser outras, se preencherem o requisito do nº 1.

            Portanto, não estamos perante uma agravação casuística do tipo, um numerus clausus de situações qualificadoras do homicídio.

            No tipo legal do crime de homicídio o nosso legislador usou a técnica exemplificativa ou dos exemplos-padrão para indicar casos que lhe mereciam um maior desvalor relativamente ao tipo fundamental.

            Nas palavras de Figueiredo Dias [2] «trata-se de circunstâncias modificativas agravantes que o legislador se não contenta com indicar através de uma pura cláusula indeterminada de valor, mas que também não descreve com a técnica detalhada que utiliza para os tipos, antes nomeia através da sua exemplificação padronizada».

            As consequências desta opção são, continua o mesmo autor:

- a de que cada um dos exemplos constitui um indiciador de casos de agravação;

- mesmo verificando-se um caso abrangido pelos exemplos a agravação pode não ocorrer se se entender, «através da valoração global do caso», que não se verifica a razão de ser da agravação;

- pode verificar-se a agravação apesar de a situação não estar configurada na enumeração legal.

            E isto é assim porque, como é patente face ao texto da lei, o efeito agravador funciona sempre por referência à cláusula agravante do nº 1 do art. 132º do Código Penal que diz, recordemos, «se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos».

            Ainda sobre esta norma diz este mesmo autor, agora no Comentário Conimbricense do Código Penal [3]: «o legislador português de 1982 seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular e … original …: a combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos padrão … a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a especial censurabilidade ou perversidade do agente referida no nº 1: verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogo”!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador».

O tipo qualificado do crime de homicídio, do art. 132º, parte do tipo simples de homicídio em que ocorre, porém, uma culpa agravada do agente derivada da especial censurabilidade e/ou perversidade, tal como a define o nº 1.

Ou seja, o homicídio qualificado é um homicídio simples agravado.

Depois, no nº 2, exemplificam-se algumas das situações que, entre outras não enumeradas, podem revelar a especial censurabilidade ou perversidade referida no nº 1.

Como estes exemplos não comportam circunstâncias de agravação automática, elas não se bastam a si próprias para qualificar o crime: por isso pode ocorrer a qualificação mesmo sem se verificarem aquelas circunstâncias, tal como pode não haver qualificação na presença delas. Por outro lado, as circunstâncias enumeradas não esgota o elenco das possíveis situações agravadoras.

            Citando, mais uma vez, o S.T.J., no processo 07P1602[4], «é pacificamente aceite o bem fundado da doutrina e da jurisprudência que admitem a figura do homicídio qualificado atípico, tendo como verificado um crime agravado dessa natureza, não obstante, no caso, não se haver provado nenhuma das circunstâncias a que alude a enunciação exemplificativa do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal. Isto porque um grau especialmente elevado de ilicitude ou de culpa, para se poder afirmar um homicídio qualificado atípico, constitui um critério razoavelmente seguro quanto à decisão a tomar relativamente a casos cuja pena concreta se venha a situar no âmbito de justaposição das molduras penais do tipo simples e do tipo qualificado, e, assim, com tais exigências, é posta de parte qualquer possibilidade de multiplicação de casos de homicídio qualificado atípico, e, assim, a ofensa ao princípio da tipicidade» [5].

            A este mesmo propósito concluiu Teresa Serra [6] que «na medida em que a enumeração exemplificativa concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interacção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito do art. 132º, a técnica dos exemplos-padrão conduz a um resultado qualitativamente novo. Daí que deva afirmar-se a inteira compatibilidade dos exemplos-padrão com o princípio da legalidade e a função de garantia da lei penal, designadamente com a exigência da máxima determinação da lei penal e da proibição da analogia em Direito Penal».

A expressão do princípio da legalidade consta da máxima latina "nullum crimen, nulla poena sine lege", que estabelece que ninguém pode ser punido sem que haja uma lei prévia, escrita, certa, criminalizando um concreto comportamento.

Pelo que acima se deixou dito a qualificação do homicídio na base do nº 1 do art. 132º do Código Penal não ofende este princípio, assim como não ofende o princípio da tipicidade.

            Do mesmo modo não ofende qualquer princípio constitucional e legal, inerente ao Estado de direito democrático, nomeadamente os invocados pelo arguido.

Pelo exposto, na improcedência do recurso, mantém-se a decisão recorrida.”

Na verdade, como se sabe, o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo acrescer ao tipo-base, circunstâncias que qualificam o crime, por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.

O crime de homicídio qualificado verifica-se: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade,(…)” artº 132º nº 1 do C.Penal

As circunstâncias referidas no nº 2 do mesmo preceito, são meramente indicativas e, não taxativas, são circunstâncias de referência exemplificativa, mas não de abrangência exclusiva.

O nº 2 apenas determina que:

“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente (…)”, seguindo-se a indicação de circunstâncias descritas nas respectivas alíneas do preceito. (sublinhado nosso)

A especial censurabilidade ou perversidade, sendo conceitos indeterminados, são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e são descritas como exemplos-padrão. A ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. (Ac. do STJ de  07-07-2005, Proc. n.º 1670/05 - 5.ª).

No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág. 191.

Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de uma ou mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.

A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção)

O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente.

Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124:

“3.O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente.

4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.”

O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático”

Mesmo na construção do Leitbild dos exemplos padrão, é a partir de cada uma das concretas circunstâncias agravantes exemplificadas que se retira não apenas o seu especial grau de gravidade, mas também a sua própria estrutura valorativa. (idem, ibidem, p. 126 e 127)

Ora como bem salientou o acórdão da Relação, em sua fundamentação “sobre a concreta qualificação do homicídio discutido no processo.”

“O arguido estava pronunciado pela prática de um crime de homicídio qualificado, do art. 132º, nº 1 e 2, al. e) e j), por se ter entendido que a sua ação foi determinada por motivo torpe ou fútil e que agiu com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados.

Entendendo como torpe o motivo infame, indecoroso, repugnante, baixo, sórdido, ignóbil, asqueroso, profundamente imoral, que repugna à generalidade das pessoas, e fútil aquele que é incompreensível para a generalidade das pessoas, que não tem relevo, que é insignificante, gratuito, frívolo, sem valor, que não pode razoavelmente explicar o tribunal recorrido afastou qualquer uma destas circunstâncias porque inserindo-se a conduta do arguido num contexto de conflitualidade crescente, que perdurou por mais de três anos, entre a sua filha e a vítima, conflitualidade essa que se estendeu a outros membros da família desta, decidiu «que a existência desse conflito, a sua natureza, dimensão e situação subjacente, retiram à conduta do arguido as características que permitiriam considerar que foi determinada por um motivo torpe ou fútil».

            Quanto à segunda circunstância, o tribunal também a afastou porque, não obstante o arguido ter ido armado para o encontro combinado com a vítima para que este visse a filha, entendeu que «não se apurou que o arguido tenha tomado a decisão de atentar contra a vida da vítima anteriormente a ter sacado do revólver e muito menos quanto tempo antes. O facto de se ter munido de uma arma para um encontro deste tipo, não significa necessariamente, desacompanhado de outros elementos, que logo nesse momento tenha tomado a decisão de a vir a usar para matar ou sequer que tenha admitido essa possibilidade, embora em muitas situações assim seja efetivamente …» não permitindo a matéria de facto provada «afirmar que o arguido tenha refletido sobre o desígnio criminoso, a ponto de revelar tenacidade, firmeza, persistência e intensidade da vontade criminosa, integradoras de uma especial perversidade».

            Não obstante, o tribunal recorrido qualificou o crime cometido pelo arguido na base da seguinte argumentação e partindo do entendimento que a qualificação do crime por circunstância não prevista no nº 2 do art. 132º do Código Penal só é possível se se situar num espaço de congruência com os exemplos padrão, a ponto de justificar também, como sucede nestes, uma especial desaprovação da conduta:

«… a matéria de facto provada revela várias circunstâncias que tornam o homicídio em causa altamente invulgar ou incomum, a ponto de o comportamento do arguido revelar especial censurabilidade ou perversidade.

Por um lado, a circunstância de ter assassinado o pai da sua própria neta, que tinha apenas três anos e 8 meses de idade, bem sabendo que ele nutria pela filha um enorme afeto, batalhando até à exaustão para conseguir conviver com a mesma como pretendia, por forma a acompanhar de perto o seu crescimento e desenvolvimento, o que, ao longo de três anos, foi frequentemente impedido de fazer pela progenitora da menor, filha do arguido. Assim, este privou a neta muito precocemente do afeto, do apoio e do acompanhamento do pai, seguramente com reflexos negativos no seu normal desenvolvimento psicológico e emocional. Para além disso, durante os treze anos em que DD foi namorado e, nos últimos tempos antes do nascimento da menor, mesmo companheiro da sua filha, as relações entre aquele e o arguido processaram-se de um modo cordial e afetivo, chegando este a declarar a várias pessoas que o considerava como filho … E mesmo quando aquela relação afetiva terminou e se instalou um quadro de conflitualidade crescente por causa do exercício das responsabilidades parentais … o arguido inicialmente adotou uma atitude pacificadora e de mediação, tendo sido amigo de DD.

Ora, o arguido foi profundamente indiferente a todas estas circunstâncias de ordem afetiva, que não foram suficientes para refrear o seu propósito de atentar contra a vida da vítima, vencendo facilmente as contramotivações éticas habitualmente derivadas desses laços, o que, em nosso entender, é especialmente censurável.

[…]

Por outro lado, é claramente chocante a circunstância de DD ter sido morto na presença da própria filha, com 3 anos e 8 meses de idade, que inclusivamente se encontrava ao colo do arguido, assistindo, assim, ao assassinato do pai pelo avô materno, o que também não foi suficiente para dissuadir este do seu comportamento, revelando uma atitude altamente censurável e reprovável, muito para além do que é normal encontrar num homicida.

Para mais, tendo presente o circunstancialismo em que os factos ocorreram, ou seja, num parque público, no decurso de uma visita de exercício das responsabilidades parentais, cuidadosamente estipulada pelo tribunal, com a recomendação expressa, por parte da juíza, cerca de quinze dias antes, na conferência de pais, que a pessoa da família materna da menor que a levasse para o local tivesse o mínimo grau de conflitualidade possível com DD, tendo então a filha do arguido respondido que tal pessoa poderia ser este último, por ser calmo e ter bom relacionamento com aquele.

E não obstante tudo isso ser do conhecimento do arguido, que tinha então um papel pacificador, ao dirigir-se para o parque de lazer, a fim de estar presente na visita, muniu-se de um revólver, completamente municiado, que ocultou no vestuário…

Ainda que este facto, pelas razões supra expostas, não seja suficiente para preencher o exemplo padrão da al. j), não deixa de ser um forte indício de frieza de ânimo e de reflexão sobre os meios empregados. Com efeito, ainda que na mera atitude do arguido, ao munir-se da arma, não se possa ver, indiscutivelmente, a formulação da intenção de matar, desconhecendo-se, pois, quando a tomou, milita fortemente nesse sentido o facto de levar uma arma de fogo para uma visita daquela natureza e com aqueles contornos. Tanto mais que o arguido tem uma personalidade que lhe permitiria facilmente resolver de forma racional um eventual conflito que surgisse durante a visita. Com efeito, provou-se que revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo quando confrontado com situações de maior tensão emocional, e possui estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas, tendendo a reagir adequadamente em situações de stress.

E refira-se aqui que o alegado receio do arguido de que DD atentasse contra a sua vida e dos seus familiares, não ficou comprovado, nem tão pouco a doença mental que ele e a sua filha lhe atribuíam. Aliás, do conjunto da prova produzida resulta, à saciedade, que o propósito de DD era, única e exclusivamente, estar com a sua filha, de forma tranquila e pacífica, interagindo com ela durante os períodos limitados das visitas, pelo que se apresenta completamente desproporcionada a circunstância de o arguido ir para um desses momentos armado, tornando a sua conduta especialmente censurável. Note-se que, aqui, estamos somente a valorar o facto de ele se ter munido da arma e não de a ter utilizado no cometimento do crime, circunstância esta valorável autonomamente nos termos do art. 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02.

Por outro lado, contrastando com a posição dominante e de superioridade do arguido, que estava rodeado de três familiares (a filha, a mulher e a tia), um amigo e um conhecido a quem pedira especialmente para estar presente para evitar eventuais agressões físicas por parte da vítima (das quais, aliás, não tinha razões fundadas para suspeitar, atenta a forma como tinham decorrido as visitas no último ano), DD encontrava-se apenas acompanhado pela então namorada, grávida de seis meses, e por uma sobrinha desta. Além disso, o encontro destinava-se exclusivamente a ele conviver com a sua filha menor, num parque público e infantil, onde pretendia estar com ela à vontade, não sendo de esperar um comportamento violento como o que o arguido protagonizou, reduzindo as suas hipóteses de reação, até porque o arguido tinha a menor ao colo, apresentando-se, pois, DD numa posição indefesa.

Por seu turno, parece claro que a motivação para a conduta do arguido assentou na relação de conflito crescente entre a sua filha e DD por causa do exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos.

Tal motivação, embora sem poder ser considerada, como já referimos, um motivo fútil, não deixa de revelar uma grande desproporção, revelando um código de valores individuais que se afasta dos padrões éticos socialmente aceitáveis, constituindo um ato altamente censurável.

Por fim, mencione-se a muito forte persistência na intenção de matar, tendo o arguido efetuado seis disparos, cinco deles depois de já ter atingido a vítima com o primeiro e após esta se ter virado de costas e posto em fuga, indo o arguido no seu encalço e continuando a disparar sobre ela mesmo depois de esgotar as seis munições do revólver. Acresce que disparou a curta distância e em direção ao tórax, onde era de esperar com maior certeza o efeito pretendido e a eficácia do disparo.

Igualmente impressivo é o facto de, imediatamente após os disparos, o arguido ter proferido a expressão “acabou”, por pelo menos três vezes, o que traduz inegável brutalidade e forte insistência em consumar o ato. E não afasta esta conclusão o facto de também ter dito “isto é insuportável, bateu na minha tia, isto é insuportável”, atenta a enorme desproporção entre essa agressão e aquela persistência na execução do ato.

Isto revela um acentuadíssimo desvalor da personalidade do arguido, suficientemente caracterizador de especial perversidade e traduzindo um grau de gravidade equivalente à estrutura valorativa dos exemplos padrão.

            […]

O arguido foi para o encontro destinado a efetivar a visita da vítima à filha, conforme havia sido decidido pelo tribunal, com uma arma escondida.

O que é que determinou o arguido a levar aquela arma completamente municiada?

Confessamos que não vimos outra possibilidade que não o seu uso. Mesmo que o arguido, no momento em que decidiu levar a arma, não tenha decidido, também, matar DD, seguramente que decidiu a possibilidade de usar essa arma, pois só assim se entende que a tenha levado.

A certa altura esta possibilidade passou a certeza.

Sobre esta situação o acórdão recorrido diz que uma vez que não se apurou que o arguido tenha tomado a decisão de matar a vítima anteriormente a ter sacado do revólver, dado que o facto de ele se ter munido de uma arma para um encontro deste tipo não significava necessariamente que logo nesse momento tenha tomado a decisão de a vir a usar para matar, então não se podia falar em reflexão sobre os meios empregados.

Concordamos com o decidido. Efetivamente os factos não permitem afirmar que a decisão de matar foi contemporânea com a decisão de levar a arma ou quão anterior o foi relativamente à sua utilização.

           

Socorrendo-nos do acórdão do S.T.J. proferido no processo 508/10.0JAFUN [7], diremos que o modo de cometimento do crime, a motivação que a ele presidiu, a forma e a intensidade com que foi executado, a ligação que havia entre a vítima e o arguido - recordemos que tiveram uma relação íntima, familiar, harmoniosa, durante 14 anos, que as desavenças que surgiram não se deveram a DD e que, para além de tudo, este era o pai da sua neta -, tornam este crime mais grave porque a conduta do agente é mais reprovável, isto é, a distância que separa este crime dos demais crimes de homicídio, que continuam a ser inaceitáveis, é maior porque nestes muitas vezes ocorre uma convicção de que os motivos que os determinaram eram atendíveis ou mais difíceis de resistir.

            Por isso, não há dúvida que o crime cometido pelo arguido reveste-se da especial censurabilidade e perversidade do nº 1 do art. 132º do Código Penal.

            Por todas as razões apontadas no acórdão recorrido, ponderando todas circunstâncias do caso, bem como a personalidade do agente, resulta que a gravidade do facto cometido pelo arguido equivale à gravidade dos casos mencionados nos exemplos típicos das alíneas a), b), e) e j) do nº 2 do art. 132º do Código Penal: a imagem global do facto é, em tudo, semelhante aos casos concretizados naquelas alíneas como justificadora da agravação; o desvalor do facto é correspondente a daqueles exemplos-padrão, derivado da especial censurabilidade e perversidade demonstradas pelo agente no cometimento do crime [8].     

A tese do arguido é que os disparos se deveram, por um lado, ao medo que tinha da vítima, ao gesto de saque que o arguido viu DD fazer, à intenção de defender a sua neta, que mantinha ao colo, e, finalmente, à agressão bárbara à sua tia.

            O alegado medo do arguido perante DD não se provou e, para além disso, não se provou qualquer ato de DD que pudesse ter suscitado um tal sentimento por parte do arguido.

            O medo que leva a matar alguém tem que ser um medo qualificado, um medo que perpasse para todos quantos sejam confrontados com o caso.

            Ora, os sentimentos que o comportamento de DD criou no arguido resultaram, em última instância, do seu próprio comportamento.

Ao longo de mais de três anos DD reagiu ao que lhe ia sendo feito: a sua atitude não foi ativa, mas reativa. O que é que ele fazia? Telefonava, mandava mensagens, reclamava, insultava, aparecia fora dos dias previamente acordados, mas o retorno de tudo isto era quase insignificante para aquilo que DD pretendia, que era poder ter um convívio normal com a filha. Se assim era, então os atos de DD não tinham a capacidade de atemorizar.

A presença de DD na vida da filha era quase insignificante e tendia a tornar-se mais insignificante, pelos crescentes obstáculos colocados aos contactos.

O queixoso de toda a situação, o ofendido, o violentado era DD, não o arguido.

            Sobre o tal gesto de DD, que o arguido entendeu como sendo de sacar uma arma, é visível nos filmes que isto não aconteceu. DD levou a mão direita ao bolso das calças quando lá colocou um guardanapo ou lenço de papel que tinha nessa mão. Recordemos que nessa altura HH estava do lado direito de DD e estava a agarrá-lo.

            Sobre a intenção de defesa da neta, lembremos que EE era, mesmo ou quase, o centro da vida de DD e que este, para além de não ser uma pessoa perigosa, nunca teve qualquer atitude que pudesse fazer perigar a vida e/ou a integridade física de EE. Portanto, não tem sentido o arguido alegar que o seu gesto também foi motivado por aquela intenção.

            Finalmente, sobre a agressão de DD a II, já dissemos que o seu comportamento foi reativo e também aqui isso sucedeu: ele reagiu à provocação de que ele estava a ser vítima por parte da família materna de EE que a acompanhou ao parque.

            Portanto, nenhuma destas teses colheu porque para além dos necessários factos fundamentadores não terem resultado provados, outros se provaram que demonstraram o contrário.

            Depois, e por fim, o arguido disse, por três vezes, a palavra “acabou”.

E o que é que tinha acabado?

Dos factos resulta que o que tinha acabado foi aquilo que para o arguido se tornara insuportável: o contacto entre DD e EE.

            É verdade que o arguido também disse, de seguida, “isto é insuportável, bateu na minha tia, isto é insuportável”, mas não relevamos esta expressão porque, como dissemos, o que DD fez foi reagir à violação dos seus direitos e à desconsideração da sua pessoa.

            Não tem sentido falar, pois, falar de legítima defesa, como não tem sentido falar de excesso de legítima defesa: o arguido não se defendeu, antes atacou e atacou para matar.

            Quanto à compreensível emoção violenta, também não ocorre, por todas as razões que expusemos. O arguido e a sua família foram, desde o primeiro momento, os provocadores: foram eles que determinaram toda a tensão que se instalou, foram eles que determinaram a agressão de DD a II. Não pode, agora, o arguido, querer utilizar a seu favor a situação que ele próprio criou.”

            Já o acórdão da 1ª instância se tinha pronunciado sobre a questão e, fundamentado:

“Desde logo a questão da legítima defesa, não verificada, ainda que por excesso, ou meramente putativa, pois como referiu “apenas se provou que DD, que tinha na mão direita um lenço ou guardanapo de papel, levou essa mão ao bolso posterior das calças, onde colocou tal objecto.

            Ou seja ficaram completamente por demonstrar os factos em que o arguido fundou a legítima defesa, desde logo os alegadamente consubstanciadores de uma agressão atual e ilícita, afastando-se igualmente um eventual excesso ou uma legítima defesa putativa, Com efeito, não se provou sequer que o arguido estivesse convencido que DD tinha uma arma, que a tinha sacado e que se preparava para a disparar.

            Em face do exposto, conclui-se pela não verificação da causa de exclusão da ilicitude de legítima defesa invocada pelo arguido,”

           

            Aliás como bem assinala o Ministério Público junto do Tribunal da Relação, na sua resposta à motivação do recurso, equacionando as conclusões do recorrente sobre a legítima defesa; a legítima defesa de terceiro; a legítima defesa putativa; do excesso de legítima defesa, (conclusões 121ª a 139ª)

“Começa o recorrente por alegar a existência de nulidade por omissão de pronúncia no acórdão recorrido relativamente ao suscitado recurso ao instituto da legítima defesa.

Ora, não é verdade que verifique omissão de pronúncia. O que existe é um pronunciamento, porventura sucinto, que vai contra a pretensão do recorrente desde logo em relação à sua argumentação para a 2ª instância como pode verificar-se do douto acórdão, a fls. 305 e 306.

Confirma-se, assim, a decisão tomada sobre esta matéria na 1ª instância.

O recorrente sustenta a existência de legítima defesa na actuação do arguido nas variantes de legítima de defesa própria e de terceiro.

Ora, o instituto da legítima defesa pressupõe uma agressão actual ilícita ao agente ou a terceiro e que o facto praticado pelo agente seja considerado um meio necessário para repelir a agressão, nos termos do art.° 32° do C. P.

Portanto, a agressão já tem que existir e ainda não ter cessado e o meio utilizado tem que ser adequado e proporcional à intensidade daquela e aos meios usados na agressão actual.

Sempre, para que se verifique uma situação de legítima defesa o agente terá que se mover apenas por um animus defendendi e nada mais do que isso.

Da matéria provada, com referência à actualidade do momento em causa, aparece uma bofetada na tia idosa, num gesto de pontapé ao arguido.

Acrescenta ainda o recorrente um gesto da vítima de sacar uma arma que não existia e que ninguém viu e que por esse motivo não se provou.

Não há assim qualquer agressão actual, ilícita que justifique a utilização dos concretos meios usados pelo arguido, bem assim toda a sua actuação em relação à vítima. Aliás, em nenhum dos pontos da matéria de facto se pode extrair a conclusão de que o arguido actuou com animus defendendi, antes pelo contrário, o que resulta claro é que o arguido "não se defendeu, antes atacou e atacou para matar", com bem conclui o douto acórdão recorrido.

Para concluirmos, assim, que da matéria provada não resultam elementos que suportem os requisitos legalmente previstos no art.° 132° do C. P. para a aplicação do instituto da legítima defesa próprio ou de terceiro, tal como alegou.

Partindo deste raciocínio, mais entendemos que ficam claramente prejudicadas as apreciações que o recorrente também solicita que sejam efectuadas, quanto ao excesso de legítima defesa e à legítima defesa putativa, mais referindo ainda quanto a este instituto que, para além do alegado pelo arguido na sua contestação o certo é que não se provaram factos enquadráveis em tal hipótese.

Com efeito, o recorrente a dado passo das suas motivações parece estar a tirar conclusões com referência, não à matéria provada, mas em relação à matéria alegada por si e que não se provou.

Por fim, neste âmbito ainda se dirá que não tem qualquer enquadramento factual e legal a figura do excesso extensivo de legítima defesa, quando a vítima já atingida por um tiro na parte da frente, no tórax e está em fuga do agressor, este com a neta e filha da vítima o persegue e continua a disparar nas costas daquele.

Estamos perante uma quadro que é pura e simplesmente arrepiante...

Não há qualquer medo ou susto causado pela vítima ao arguido que justifique continuar a disparar uma à queima-roupa, peias costas, estando aquele em fuga, muito menos que nos coloque perante a hipótese de um excesso extensivo de legítima defesa, sendo que esta nem se verifica.

O que estes factos revelam é uma actuação caracterizada de especial perversidade e censurabilidade do agente no crime cometido.”

            O desiderato apontado é bastante para se concluir pela não verificação do instituto de legítima defesa, ainda que de forma putativa.

            Note-se ainda que a 1ª instância também se tinha  pronunciado no sentido de a conduta do arguido não integrar o tipo de crime privilegiado constante do artº 133º do C:P. explicitando:

            “6. Ainda a respeito da qualificação jurídica dos factos, refira-se o seguinte: na contestação, o arguido pugnou pela integração da sua conduta na figura do homicídio privilegiado. p. e p. pelo art. 133° do Código Penal- Para tal, alegou ter atuado num estado de perturbação psicológica, humilhação, sofrimento e revolta que lhe foi causado pelas atuações de DD, ao longo de três anos e no próprio dia dos factos, ou seja, dominado por uma compreensível emoção violenta que lhe afetou a capacidade de atuar.

Essa alegação escorava-se, nomeadamente, num vasto conjunto de atuações que o arguido imputou a DD ao longo do referido período, designadamente agressões físicas e verbais, sobretudo à sua filha, mas também a si e restantes familiares, bem como num estado de doença mental atribuído àquele que o tomava perigoso, nomeadamente para com a própria menor. Porém, tais factos ficaram, na sua grande maioria, por demonstrar, apenas se tendo provado, em traços gerais, duas situações em que DD, ao telefone, injuriou e ameaçou o arguido, outra em que lhe disse que a filha dele se tinha prostituído consigo, um episódio de violência, ocorrido em Santa ..., para com o veículo deste e a agressão física, com uma bofetada, que, nos dias dos factos, desferiu contra a tia do arguido.

Mais se provou que, em consequência desses comportamentos de DD, inseridos no conflito mantido com a filha do arguido sobre a descendente de ambos, este sentia humilhação, dor e mágoa, bem como receio que aquele pudesse  atentar contra a sua integridade fisica e dos seus familiares.

Porém, deste conjunto factual, mais pormenorizado e contextualizado na descrição da matéria de facto provada - nomeadamente no que conceme à motivação do episódio de violência contra o veículo do arguido e à expressão de que a filha deste se prostituíra consigo - não é de modo algum possível concluir por um estado de perturbação suscetível de demonstrar que o arguido, ao disparar sobre DD da forma que o fez, agiu dominado por uma compreensível emoção violenta.

Como tal, fica arredada a hipótese de integrar a sua conduta no tipo privilegiado do art. 133° do Código Penal.”


O artº 133.º do CP, prevendo o homicídio privilegiado dispõe: «Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. »

Não sendo alicerçável a discussão sobre os itens “compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral”, a questão suscitada assenta sobre “compreensível emoção violenta, que diminua sensivelmente a sua culpa.

            O normativo assenta em dois pressupostos: a causa ou conceito verificável  da modificação da matriz do tipo, que se desdobra em emoção violenta e que seja compreensível, e a consequência jurídica advinda: que diminua sensivelmente a culpa.

Há, pois, a esclarecer desde logo que o artº 133º do Código Penal não abarca qualquer emoção violenta, mas somente a compreensível emoção violenta.

Por outro lado, como desde tempos remotos já este Supremo Tribunal decidia, e se mantém válido:- Havendo desproporção entre o facto injusto e a reacção do agente, a emoção violenta causada por aquele facto nunca pode ser compreensível. A emoção violenta só é compreensível, isto é, natural ou aceitável, desde que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto provocador e o facto ilícito provocado. (V. Ac. de 16 de Janeiro de 1985 in BMJ 343, 237)

Inexistindo relação causal de proporcionalidade entre o facto injusto provocador e o facto ilícito provocado, nunca a emoção violenta será compreensível.

            Na verdade, não basta um estado de emoção violenta, mas sim que esse estado emotivo desencadeador da acção seja compreensível e só será compreensível, apesar da violência da emoção quando, directa e necessariamente por ela, seja levado a matar.(v.  o acórdão deste Supremo de 29 de Março de 2006, in Col. Jur, Acs do STJ, XIV, tomo I, 225, que refere:” “seja levado a matar, no sentido de que não lhe é exigível que agisse de maneira diferente.”)

  A diminuição sensível da culpa pressuposta pelo artº133º do CP, há-de resultar de motivação adequadamente proporcional à conduta assumida pelo agente.

Do exposto resulta a  manifesta desproporção da reacção do arguido.

A acção concreta do arguido não se revela adequadamente compreensível para desencadear a acção de matar.

Nem da matéria fáctica provada se retira que o arguido agisse dominado por emoção violenta.

Resulta pois, com evidência, da matéria de facto provada, a prática do crime de homicídio qualificado pela especial censurabilidade e perversidade da conduta do arguido ao praticá-lo,, perseguindo a vítima e disparando sobre ela, apesar de a mesma já ter sido atingida e por isso ter encetado a fuga, voltando as costas ao arguido, e assim notoriamente indefesa, ficando à mercê do arguido, não impediu este, com a neta ao colo, de continuar a disparar sucessivamente sobre ela., sendo certo que o arguido não nutria sentimentos de ódio e desprezo por DD, de quem, pelo menos até certa altura, foi amigo, e com ele conviveu em sua casa durante mais de um ano, e sendo certo ainda que o arguido possui um nível intelectual acima dos padrões considerados médios e revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo quando confrontado com situações de maior tensão emocional., possuído estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas, tendendo a reagir adequadamente em situações de stress.

            Como bem se encontra assinalado no acórdão da 1ª instância, “a matéria de facto provada revela várias circunstâncias que tornam o homicídio em causa latamente invulgar ou incomum, a ponto do comportamento do arguido revelar especial censurabilidade ou perversidade”, como aliás o mesmo acórdão fundamentou de forma clara nos pontos 5.2.1 e segs, e que a Relação teve em atenção.

            A determinação do crime de homicídio qualificado fundado em conduta de especial censurabilidade ou perversidade, exterior à tipicidade dos exemplos padrão, taxativamente indicados, nas alíneas do nº 2, do artº 132º do C.Penal, não é ilegal,, funda-se no princípio da legalidade, e não é, inconstitucional

Como refere o acórdão recorrido:

- A circunstância de o arguido ter assassinado o pai da sua própria neta, que tinha apenas três anos e 8 meses de idade, bem sabendo que ele nutria pela filha um enorme afeto, batalhando até à exaustão para conseguir conviver com a mesma como pretendia, por forma a acompanhar de perto o seu crescimento e desenvolvimento, o que, ao longo de três anos, foi frequentemente impedido de fazer pela progenitora da menor, filha do arguido.

            -O arguido foi profundamente indiferente a todas estas circunstâncias de ordem afetiva, que não foram suficientes para refrear o seu propósito de atentar contra a vida da vítima, vencendo facilmente as contra motivações éticas habitualmente derivadas desses laços, o que, em nosso entender, é especialmente censurável.

-As circunstâncias de DD ser ex-namorado e mesmo ex-companheiro da sua filha e, sobretudo, pai da sua neta, tendo sempre tido com ele bom relacionamento, inclusive de amizade, deveriam ter funcionado como travão para a ação homicida do arguido.”

            E- Sobre a apregoada dupla valoração de circunstância agravante decorrente do uso de arma de fogo:

            Disse a Relação:

            “Ainda no que respeita à qualificação jurídica, o arguido alega que se verifica dupla valoração do facto de ter ido armado para o parque, pois que foi valorado o uso da arma e o modo como foi usada.

            Vejamos.

            A propósito da discussão sobre a qualificação do crime pode ler-se no acórdão recorrido, a determinada altura, o seguinte: «… a matéria de facto provada revela várias circunstâncias que tornam o homicídio em causa altamente invulgar ou incomum, a ponto de o comportamento do arguido revelar especial censurabilidade ou perversidade.

… é claramente chocante a circunstância de DD ter sido morto na presença da própria filha … que inclusivamente se encontrava ao colo do arguido … no decurso de uma visita de exercício das responsabilidades parentais, cuidadosamente estipulada pelo tribunal, com a recomendação expressa … que a pessoa da família materna da menor que a levasse para o local tivesse o mínimo grau de conflitualidade possível com DD, tendo então a filha do arguido respondido que tal pessoa poderia ser este último, por ser calmo e ter bom relacionamento com aquele. E não obstante … ao dirigir-se para o parque de lazer, a fim de estar presente na visita, muniu-se de um revólver, completamente municiado, que ocultou no vestuário …

Ainda que este facto, pelas razões supra expostas, não seja suficiente para preencher o exemplo padrão da al. j), não deixa de ser um forte indício de frieza de ânimo e de reflexão sobre os meios empregados … ainda que na mera atitude do arguido, ao munir-se da arma, não se possa ver, indiscutivelmente, a formulação da intenção de matar, desconhecendo-se, pois, quando a tomou, milita fortemente nesse sentido o facto de levar uma arma de fogo para uma visita daquela natureza e com aqueles contornos … aqui, estamos somente a valorar o facto de ele se ter munido da arma e não de a ter utilizado no cometimento do crime, circunstância esta valorável autonomamente nos termos do art. 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02».

            Mais adiante, aquando da fixação da pena a aplicar, diz o acórdão «O crime de homicídio qualificado é punível em abstracto com pena de prisão de 12 a 25 anos (art. 132º, n.º 1). No caso concreto, tendo sido cometido com arma, será de fazer funcionar a agravação de um terço nos limites mínimo e máximo da moldura, de acordo com o disposto no art. 86º, n.º 3, da citada Lei n.º 5/2006, de 23-02 … Ora, na situação vertente, o uso de arma não é elemento do crime de homicídio cometido pelo arguido e, no caso, não levou ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132º, pelo que não há fundamento para afastar a agravação prevista no citado art. 86º, n.º 3, por força da qual a moldura legal da pena aplicável passa a ser de 16 a 25 anos».

            Será, então, como diz o arguido, que houve dupla agravação da mesma circunstância?

            Pensamos que não, pelos motivos indicados no acórdão recorrido.

            O que relevou, inicialmente, para a visão da enorme frieza de ânimo com que o arguido ia animado, para aquela que era a concretização de uma visita do pai da sua neta à menina, foi o arguido ter decidido ir armado, não obstante ir acompanhado de várias pessoas, uma das quais até foi para acautelar qualquer agressão de DD.

            Isto é uma coisa.

            Depois, com a sua utilização a situação passa a integrar o âmbito da previsão da norma do art. 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23/2, levando à agravação de 1/3 dos limites mínimo e máximo do crime cometido com arma de fogo.


*

            Improcede, portanto, a impugnação do enquadramento jurídico dos factos.”

            Na verdade, de harmonia com a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que estabelece o REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES

3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.

5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.

            E, como é jurisprudência deste Supremo, v. por ex. acórdão, de 31 de Março de 2011, proc.361/10.3GBLLE ,  5ª SECÇÃO

O n.º 3 do art. 86.º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada. A agravação do art. 86.º, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de accionar efectivamente essa outra agravação.

Ora, o uso de arma não é elemento do crime de homicídio, e, no caso, não levou ao preenchimento do tipo qualificado do art.132.º, pelo que não há fundamento para afastar a agravação do art. 86.º, n.º 3.

F- Sobre a medida da pena

           

            Alega o recorrente nas conclusões 117º, 117ª A e 118, que:

            É chocante e inexplicável, em termos até de jurisprudência comparativa, a pena aplicada no caso vertente, pois que, sem conceder, qualquer que fosse a qualificação jurídica adoptada, face ao comportamento concreto de um arguido como o recorrente, sem antecedentes, cidadão exemplar a todos os títulos, como se deu provado nos factos de 143 a 161 (págs. 24 e 26 do Acórdão), com 65 anos de idade, impunha-se que a medida da pena a aplicar se situasse próxima do limite mínimo da moldura penal, por serem reduzidas, para não dizer nulas, as necessidades de prevenção especial, reiterando-se que, como resulta de tudo quanto atrás se alegou, a culpa do agente, face ao estado emocional em que actuou, resultante da conduta da vítima, se acha acentuadamente diminuída (art.º 71, n.º 1, do CP) e que a pena aplicada é manifestamente desproporcional, exagerada e injusta traduzindo-se, em face da idade do arguido, numa pena de prisão perpétua pelo que resultam assim violados os art.s 40º do CP bem como o art. 71º nºs 1 e 2 do  CP e, mais flagrante se torna (contendendo até  com o princípio da igualdade plasmado no art. 13º da CRP e da segurança jurídica) se tivermos em conta, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência:

            Aduz ainda que “face a esses mesmos factos dados como provados pelo Acórdão, sempre a pena, então no quadro do homicídio simples previsto no art.º 131, teria que ser especialmente atenuada, nos termos do disposto no art.º 72, n.ºs 1 e 2, alíneas b), c) e d) do CP;”

            Analisando

            Desde logo cumpre dizer que O artigo 72º nº 1 do C.Penal dispõe que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sendo consideradas entre outras as circunstâncias seguintes: ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta (als c) e d) do citado artº 72º)

O princípio regulador da atenuação especial, segundo o art. 72.º do CP, é pois, o da acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa, ou da necessidade da pena, portanto das exigências de prevenção.

A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo. Fora destes casos, é dentro da moldura normal que aquela adequação pode e deve ser procurada. (Ac. STJ de 10 de Novembro de 1999, proc. 823/99 – 3ª, SASTJ. nº 35.74).

            O artigo 72º do CP, ao prever a atenuação especial da pena, criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências da punição do facto, por traduzirem, uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. (Ac. do STJ de 18 de Outubro de 2001, proc. nº 2137/01- 5ª, SASTJ, nº 54. 122)

A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar; para a generalidade dos casos, para os casos ‘normais’, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 192, 302, 306 e, Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-06-2007 in,Proc. n.º 1899/07 .

Como também refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português anotado e comentado, 18ª edição, 2007,p. 278 e 279: “Com penas que correspondem a uma visão hodierna e um amplo quadro de substitutivos das penas de prisão quando esta não é exigida pela ressocialização, reprovação e prevenção do crime, impõe-se agora um uso moderado da atenuação especial da pena, com particular atenção para o estreito para o estreito condicionalismo exigido pelo nº 1 do artº 72º”

            Ora como bem salienta o Ministério Público no Tribunal da Relação

“Em primeiro lugar, não existe matéria provada que justifique uma diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do arguido ou da necessidade de pena, atento exactamente o crime escolhido por este para praticar e que consumou, perante os factos provados e que traduzem a refrega que ocorreu no momento.

Em segundo lugar, o arrependimento surge na parte final do ponto 145 dos factos provados, como tendo sido verbalizado por este, já que não se mostra acompanhado por nenhum acto concreto que o credibilize, nem acompanhado por nenhum "acto concreto demonstrativo" desse arrependimento sincero como por exemplo a reparação de algum dos males do crime como exige a alínea b) do n° 2 do art° 72° citada pelo próprio recorrente.

Em terceiro lugar, para a boa conduta que o recorrente apela nos termos da al. c) da norma citada, exige a lei ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime. Ora, é óbvio que nos autos decorreu ainda muito pouco tempo para o efeito que o legislador pretende. E decorreu pouco tempo, porque tratando-se de um processo classificado por lei de urgente, o mesmo tem decorrido até ao momento dentro dos prazos legais que obedecem a tal classificação.

Não tem assim o mínimo suporte factual a alegação do recorrente no sentido da aplicação do instituto da atenuação especial ou extraordinária da pena.”

            Com efeito, como refre a Exma Magistrada do MºPº junto deste Supremo,

“6.2 A pretendida atenuação especial defendido pelo arguido/recorrente teria de verificar-se se houvesse “um afastamento crítico entre o modelo formal de integração da sua conduta no homicídio e as circunstâncias que se verificaram no parque de ... que pudessem fazer situar a ilicitude ou a culpa, aquém desse modelo”

A atenuação especial da pena só poderia ser decretada quando a imagem global do facto revelasse que a dimensão da moldura da pena prevista para o crime de homicídio não pudesse realizar adequadamente a justiça da condenação do arguido.”,

            Não procedem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, pelo que não é caso de atenuação especial da pena

            Sobre a medida concreta da pena

                       

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

 

            A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do ... da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

            As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84)

Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a  pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118)     

       Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

            O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

            Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados..

Como se refere no sumário do Acórdão  de 01.04.98, deste Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”

Refere o acórdão da Relação:

            O ponto de partida para a determinação da pena concreta é a moldura do crime de homicídio qualificado do art. 132º do Código Penal – 12 a 25 anos -, mais a agravação de 1/3 no limite mínimo, resultante do nº 3 do art. 86º da Lei 5/2006, de 23/2 [9].

            Deste modo, a moldura abstrata aplicável ao caso situa-se entre os 16 e os 25 anos de prisão.

O tribunal fixou em 20 anos a pena concreta porque, e citamos, «o comportamento do arguido revela uma grande intensidade dolosa, em termos de dolo direto, com uma forte persistência na intenção de matar, circunstância que, como já referimos, pode aqui ser valorada por não ter sido utilizada para a qualificação do homicídio. Na verdade, ao efetuar seis disparos, cinco deles depois de já ter atingido a vítima e de esta se ter virado de costas e posto em fuga, indo o arguido no seu encalço e continuando a disparar sobre ela mesmo depois de esgotar as seis munições do revólver, bem como ao disparar a curta distância e em direção ao tórax, e ainda ao afirmar, no final dos disparos, por pelo menos três vezes, “acabou”, o arguido agiu de forma brutal e com forte insistência em consumar o ato.

A motivação para a sua conduta – a relação de conflito crescente entre a sua filha e DD por causa do exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos - revela uma grande desproporção e, consequentemente, um código de valores individuais que se afasta dos padrões éticos socialmente aceitáveis.

Embora reconhecendo objetivamente a sua conduta … o arguido não assumiu inteiramente a respetiva responsabilidade nem, consequentemente, demonstrou autocensura. Com efeito, em primeiro lugar invocou uma situação de legítima defesa, que manifestamente não se comprovou, tendo procurado fazer crer que, nomeadamente, a vítima tinha na mão ou no bolso uma arma, quando não havia razões fundadas para assim crer. Nem objetivamente, por o objeto que aquela tinha na mão (lenço ou guardanapo de papel branco) não se poder confundir com uma arma, nem subjetivamente, atenta a forma como tinham decorrido as visitas no último ano, sendo que o incidente que ocorreu no final da visita anterior, em que a vítima disse aos amigos do arguido que aí se encontravam a convite deste, que tinham feito figura de palhaços e que a filha do mesmo se havia prostituído consigo, não tem o relevo que o arguido lhe pretende atribuir. Por outro lado, a forma algo censurável como procurou imputar a responsabilidade pela situação conflituosa à própria vítima, atribuindo-lhe uma doença mental que manifestamente não se comprovou, bem como atitudes e comportamentos, designadamente para com a sua própria menor, que a colocariam em risco, o que também ficou completamente por demonstrar, não havendo qualquer indício nesse sentido. Ao invés, retira-se da matéria de facto provada que o que movia a vítima era um intenso desejo e vontade de conviver com a sua filha, de forma a acompanhar de perto o seu processo de desenvolvimento e crescimento, o que frequentemente não lhe era permitido pela mãe da mesma, filha do arguido, assim se gerando situações de conflito. Ora, até pela experiência de vida que, necessariamente o arguido tem, face à sua idade e principalmente o facto de também ele próprio ser pai, o que seria normal era promover um são convívio da sua neta com o pai, DD, o que até chegou a fazer, inicialmente, ao invés de fomentar o aumento de conflitos, com atitudes de vigilância nas visitas, sabendo que isso era do desagrado daquele.

Acresce que, pela sua formação superior e características de personalidade, era exigível ao arguido outro tipo de comportamento, mais apaziguador. Com efeito, o mesmo revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo em situações de maior tensão emocional, e possui estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com situações conflituosas. Contrariamente, o arguido optou por levar ou permitir que fossem várias pessoas da suas relações para a visita de DD à filha, o que sabia desagradar a este e ser contrário à recomendação feita pela juíza do processo de regulação das responsabilidades parentais, para além de ser desde logo desaconselhado pelas regras do senso comum.

Atenta a absoluta primazia do bem jurídico atingido (vida), a comunidade manifesta para com os crimes de homicídio uma compreensível apreensão e um justificado sentimento de rejeição, o que revela fortes exigências de prevenção geral positiva.

No caso concreto, essas necessidades são mais acentuadas pelo contexto e circunstâncias em que o crime foi cometido, associado a desentendimentos entre progenitores comuns e seus familiares sobre o exercício das responsabilidades parentais de uma criança, não tolerando a comunidade que esses litígios se resolvam através deste tipo de comportamentos, sendo, pois, forte o alarme social gerado.

Acresce que, nomeadamente pela forma violenta como foi executado, à qual a comunidade teve fácil acesso pela existência de um filme gravando a ação homicida, o caso teve e continua ainda a ter grande repercussão social, por todo o país, como é do conhecimento geral.

Em matéria de prevenção especial não se manifestam particulares exigências, uma vez que o arguido tinha 63 anos de idade à data dos factos, não tem passado criminal, tem uma vida familiar, profissional e social estável e equilibrada. Não obstante ser considerado pelas pessoas que constituem o seu núcleo de amigos e familiares e estar socialmente inserido, no local de residência não deixa de ser visto por alguns com desconfiança ou indiferença.

Ainda com algum valor atenuante destacam-se as circunstâncias de o arguido, depois do crime, ter ido entregar-se às autoridades, e de os factos terem ocorrido numa situação de conflito (para a qual, porém, pelas razões expostas, ele contribuiu de alguma medida), imediatamente após a vítima ter desferido uma bofetada na tia idosa do arguido, por quem este tem bastante afetividade. Mas, mesmo aqui, pelos referidos traços da sua personalidade, o arguido dispunha de capacidades psicológicas que lhe permitiam reagir de forma diferente.

Tudo isto ponderado, entende-se que a pena a aplicar se deverá situar próximo do limite inferior do terço médio da moldura abstrata.

Assim, o tribunal do júri entende como adequada a pena de 20 anos de prisão».

Na fixação da pena há parâmetros de análise imperativos, que constam do art. 71º do Código Penal, relativos à culpa, à prevenção especial e geral e às demais circunstâncias que rodearam o crime - passadas, contemporâneas ou posteriores -, que têm que ser considerados. Percorridos os itens da lei a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena.

No entanto, o julgador goza de alguma margem de liberdade, de modo que o que há que analisar, quando o recurso se dirige contra a pena aplicada, é se aqueles critérios foram consideradas e se a pena encontrada é inadequada ou desajustada quanto à duração.

Tida como boa a pena aplicada, para se proceder a qualquer alteração na sua duração a pena terá que surgir como desproporcionado face à culpa e exigências de prevenção que se façam sentir, pois é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação [10].

Ora, a quantificação decidida pelo tribunal é adequada ao caso, por todas as razões expostas na decisão recorrida, com as quais concordamos inteiramente: a decisão focou todos os aspetos decisivos nesta operação e explicou cabalmente porque os relevou e de que forma relevaram.

            Antes de mais, temos os factos provados e estes são inexoráveis contra as pretensões do arguido. Louvamo-nos na decisão recorrida e dispensamo-nos de repetir, de novo, tudo o que já ficou dito. Realçamos, apenas, o grau da ilicitude e do dolo.

            Depois, se é verdade que as necessidades de prevenção especial a satisfazer não são consideráveis, já as necessidades de prevenção geral são elevadas.

            As relações conjugais e de parentalidade são um tema a que toda a sociedade está atenta, nomeadamente porque a conflitualidade é grande. A conflitualidade em torno das responsabilidades parentais assume, com frequência, proporções dramáticas. Todos os dias surgem notícias sobre estes temas e, por vezes, têm a morte associada. E a sociedade está muito atenta e tem manifestado uma preocupação crescente pelo tema.

            Portanto, esta é uma problemática com muita visibilidade social.

Esta visibilidade é acrescida devido à incapacidade de os tribunais conseguirem executar as decisões que proferem: a comunidade está atenta ao problema e ao modo como os tribunais gerem esta questão, quer na composição desses conflitos, quer na reação a atos ilegais que deles derivam.

Pensemos nos termos em que a decisão de 28-1-2011, que regulamentou as visitas de DD à filha, foi cumprida. A comunidade não aceita que devido à impossibilidade de o tribunal estar em casa de cada um, digamos, para fazer cumprir as decisões que profere, que os litígios se tornem numa guerra em que ganhe o mais forte.

            Depois, e no caso concreto, a situação gerou enorme alarme social.

            Assim, temos por adequada a pena aplicada, pelo que se mantém.

            Tendo em conta:

            A elevada ilicitude do facto e modo de sua execução: eliminação do bem vida com vários disparos de revólver a curta distância, e em perseguição da vítima quando esta fugia, encontrando-se de costas para o arguido,

            A gravidade das consequências ao matar o pai de sua neta, tornou esta órfã de pai, com os atinentes e notórios prejuízos do desenvolvimento do crescimento da menor  sem o amparo e carinho – definitivos .-do pai, DD, o qual tinha, à data dos factos, 35 anos.

O grau de violação dos deveres impostos ao arguido:

As relações do arguido com DD processaram-se de um modo cordial e afetivo durante os treze anos em que este foi namorado da sua filha e, no mês que antecedeu o nascimento da menor EE, companheiro daquela, chegando o arguido a declarar a várias pessoas que o considerava como filho, sempre o tendo recebido em sua casa e mantido boas relações com ele e com a respetiva família, que, por vezes, também aí recebeu

O arguido não nutria sentimentos de ódio e desprezo por DD, de quem, pelo menos até certa altura, foi amigo.

O arguido conviveu com DD em sua casa durante mais de um ano.

            A forte intensidade do dolo: O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de matar DD. Sabia que essa sua conduta era proibida pela lei penal….

           

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime:

Indiferença perante a vida do progenitor de sua neta e persistência em lograr o resultado letal, pois que: Encontrando-se já a curta distância do DD e ladeado designadamente pela sua filha e pela sua mulher, o arguido disparou um tiro, que atingiu DD no hemitórax esquerdo. Sentindo-se atingido por esse disparo, DD voltou as costas ao arguido e fugiu. No entanto, o arguido perseguiu-o e, continuando a segurar a sua neta ao colo, efetuou mais cinco disparos com a referida arma na direção daquele, sempre a curta distância, dois dos quais atingiram DD, ambos por trás, nas regiões lombar e escapular esquerda. O arguido continuou a disparar já depois de esgotadas as munições.

            As condições pessoais do agente e a sua situação económica

O arguido é uma pessoa licenciada, bem ciente de si e dos seus deveres em sociedade, sendo a sua filha juíza

O arguido é tido pelas pessoas que constituem o seu núcleo de amigos e familiares como uma pessoa cordata, calma, ponderada, paciente, séria, íntegra, responsável, solidária, afável, afetuosa, leal, pacífica, como capacidade de liderança, bom cidadão, pai e marido, socialmente integrado, respeitado e respeitador, com elevado grau de qualidade e empenho no desenvolvimento e execução da sua atividade profissional e nas tarefas que desempenhou durante a sua vida, sendo por eles respeitado e considerado.

Não obstante, no local de residência é visto por alguns com desconfiança ou indiferença, em virtude de ter uma reduzida convivência com os residentes locais.

O arguido nasceu em … numa família estruturada de proprietários agrícolas.

Casou com 26 anos de idade, integrando atualmente o seu agregado familiar o próprio, a cônjuge, com 66 anos e reformada, um tio de 86 anos de idade, reformado, a referida tia, de 78 anos de idade, reformada, a filha de 37 anos de idade, juíza, e a neta de 5 anos de idade, tendo a família forte coesão e vínculos afetivos consistentes.

Vive na ..., numa habitação integrada numa quinta murada, habitação que oferece muito boas condições de conforto, indicando um nível de vida elevado.

O arguido tem uma relação de recíproco e profundo afeto com a sua única neta, EE, tendo ajudado a cuidar da mesma quando a mãe estava a trabalhar, após o termo da sua licença de maternidade, ainda antes da criança ingressar na escola, o que sucedeu em 2011.

Tem uma vida familiar, profissional e social estável e equilibrada.

 Até à data dos factos, dividia o seu tempo entre a cidade de Aveiro, onde exercia atividade empresarial, e a localidade de ..., onde se dedicava aos seus hobbies hortícolas e florestais.

 Após completar o antigo 5º ano do liceu, na década de 60 concluiu o curso de regente agrícola, sendo-lhe posteriormente atribuída equivalência ao bacharelato em Ciências Agrárias, obtendo o título de engenheiro técnico agrário, não tendo tido, nesses contextos, qualquer conflito com quem quer que seja e tendo criado amigos que mantém até hoje, com os quais regularmente se reúne.

Frequentou, de 1969 a 1970, dois estabelecimentos militares, a Escola Prática de Infantaria, em Mafra, e depois o Centro de Operações Especiais, em Lamego, onde revelou uma personalidade pacífica, apaziguadora e fomentadora da unidade.

De 1970 a 1972 encontrou-se colocado, como Alferes Miliciano de Operações Especiais, na Ilha Terceira e em Setúbal, tendo ministrado recruta, após o que foi colocado a prestar serviço em Moçambique, com funções de chefia de pelotão, onde permaneceu até 1973 e onde se revelou, perante todos, um elemento calmo, ponderado e respeitado por todos.

De 1973 a 1978 trabalhou como enólogo nas …, em ..., onde criou consensos, apaziguou pequenas desavenças e cultivou, reconhecidamente por todos quantos com ele privaram, o espírito da concórdia, vindo a estabelecer-se por conta própria no negócio de comercialização de vinhos.

Desde 1980, exerce, paralelamente, a atividade de construção civil e compra e venda de propriedades, que se tornou principal.

 O arguido exerce o cargo de vogal na Junta de Freguesia da ... e faz parte, desde datas não apuradas, dos órgãos directivos de alguns organismos e associações (Associação de Engenheiros Técnicos da Zona Centro, Associação de Produtores Florestais, Liga dos Combatentes e Associação de Amigos do Rio Levira).

Nesses cargos, fomentou o bom entendimento entre todos, apaziguando as divergências que por vezes existiam entre um e outro membro daquelas associações, criando um espírito de grupo e solidariedade entre todos.

Mantém contactos de amizade com militares que se encontravam envolvidos nas várias frentes das guerras de África.

Em 2009/2010 empenhou-se na criação de uma única lista eleitoral candidata à Junta de Freguesia da ..., esforçando-se por unir pessoas com feitios e convicções diferentes, superando antagonismos pessoais ou ideológicos, tarefa que esteve quase a conseguir concretizar.

Desde alguns anos e até hoje, o arguido vem promovendo e organizando encontros semanais com um grupo de amigos superior a duas dezenas, com a realização de almoços de convívio e confraternização.

O arguido possui um nível intelectual acima dos padrões considerados médios.

Revela tendência para reagir com níveis de ansiedade adequados, mesmo quando confrontado com situações de maior tensão emocional.

Possui estratégias de resolução de problemas, o que lhe permite lidar com as situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas, tendendo a reagir adequadamente em situações de stress».

            A conduta anterior ao facto e a posterior a este

O arguido nunca esteve preso, do seu certificado de registo criminal nada consta e mostra-se arrependido.

Depois de efetuar os disparos, o arguido proferiu, pelo menos três vezes, a expressão “acabou”, após o que acrescentou, por três vezes, dirigindo-se à namorada de DD, “leve-o ao hospital”, e disse ainda “isto é insuportável, bateu na minha tia, isto é insuportável” e “vou-me entregar à polícia”.

            Tendo ainda em conta as fortes exigências de prevenção geral atinentes ao crime de homicídio, que destrói o bem jurídico fundamental,, a vida humana, as normais exigências de prevenção especial, de socialização, dado que o arguido se encontra socialmente inserido, e os limites da culpa que é intensa, e que os limites legais da pena aplicáveis situam entre 16 e 25 anos, de prisão, por força da qualificativa arma,  a pena aplicada revela –se excessiva ,  havendo que reduzi-la à pena que se considera adequada e proporcional, de dezasseis anos de prisão. .

G- Alega o arguido que o Acórdão da Relação não se encontra rubricado por todos os seus Ilustres Subscritores, razão pela qual não foi dado cumprimento integral ao disposto no art.º 374, n.º 3, alínea e), que, salvo o devido respeito por entendimento diferente, imporia, para além das assinaturas no final da peça, a rubrica em todas as folhas.

Esta é uma questão nova e intempestiva, pois que não foi aflorada no recurso interposto para a Relação, sendo que em eventual hipótese de irregularidade, sempre seria de considerar suprida, pelo decurso do prazo de arguição nos termos do artº 123º nº 1 do CPP.

H- Sobre o recurso dos demandantes relativamente ao pedido de indemnização civil, alegam, em sínteses os recorrentes que

 O Tribunal da Relação de Coimbra modificou a decisão da 1ª Instância, absolvendo o Arguido da condenação no pagamento de indemnização cível aos pais da vítima DD, aqui Recorrentes.

Mas o referido direito de indemnização por danos morais decorrentes do homicídio de um filho radica no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos e na correspondente obrigação de indemnizar pelos danos causados, como bem entendeu, aliás, o Tribunal do Júri (cfr. artigos 483° e 496°, n.º 1 do Código Civil).

Estão aqui em causa os danos morais sofridos directamente pelos pais da vítima com a sua morte: A dor, o sofrimento, a angústia e a tristeza indizíveis por que passaram, e continuarão a passar, até ao fim dos seus dias, ao saberem o seu filho morto e da forma como foi executado pelo arguido.

Deverão ser atendidos os danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496°, n.o 1 do Código Civil).

Dizem os Recorrentes que terão, pelo menos, direito a ser indemnizados, por via do seu chamamento sucessivo, a ser efectuado, seja ao abrigo do artigo 496°, n. ° 2 do Código Civil, seja ao abrigo do artigo 2133° daquele Código, e que a situação em análise, em que a filha menor da vítima, devidamente representada pela sua mãe (filha do homicida), não quis deduzir pedido de indemnização cível, seja pelos danos morais próprios que sofreu, seja pelos danos morais que o pai (filho dos Recorrentes) sofreu (aí se incluindo o sofrimento vivido no período que antecedeu a morte e o próprio dano pela perda da vida) é análoga à situação constante da previsão da norma referida no parágrafo anterior em que à uma impossibilidade ou uma recusa de aceitação da herança.

Vejamos

A regra geral sobre responsabilidade por factos ilícitos consta do artº 483.º do Código Civil (CC), que estabelece:

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Sobre a Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal, dispõe o artº 495.º

1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.

2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.

3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

As pessoas obrigadas a alimentos encontram-se definidas no artº 2009º

1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:

a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;

b) Os descendentes;

c) Os ascendentes;

d) Os irmãos;

e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;

f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.

2 . Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima.

3. Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes.

            Cessando a obrigação alimentar nos termos do artº 2013º do CC

1. A obrigação de prestar alimentos cessa:

a) Pela morte do obrigado ou alimentado;   

b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;

c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

2. A morte do obrigado ou a impossibilidade de este continuar a prestar alimentos não priva o alimentado de exercer o seu direito em relação a outros, igual ou sucessivamente onerados. (Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

A questão foi analisada e decidida na 1ª instância, da seguinte forma:

b) - DO PEDIDO CIVEL

Os lesados, BB e CC. na qualidade de pais da vitima, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, a titulo de danos não patrimoniais. no valor global de € 350.000, acrescido dos respetivos juros. 

Sendo a indemnização dos danos emergentes de um crime regulada pela lei civil (art. 129° do Código Penal), o art. 483° do Código Civil estabelece como pressupostos do dever de indemnizar: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente (culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Face a factualidade provada, conclui-se que se encontram reunidos todos esses pressupostos. Com efeito, a conduta voluntaria e culposa (dolosa) do arguido, ao matar a vitima, violou direitos subjetivos absolutos desta e dos seus progenitores, causando-lhes prejuízos, concretamente e no que ao caso interessa, de ordem moral.

Entre esses direitos, suscetíveis de compensação através da atribuição de uma indemnização monetária, contam-se, por um lado, o direito a vida da vitima e, por outro, os danos morais por ela sofridos nos momentos que antecederam a sua morte.

A titulo de indemnização por esses dois danos, os lesados peticionam as quantias de € 100.000 e € 50.000, respetivamente.

Porem, como já deixamos expresso aquando da apreciação da exceção da ilegitimidade ativa suscitada pelo arguido, tendo a vitima falecido no estado civil de solteiro, mas deixando uma filha, a titularidade do direito a indemnização por esses dois tipos de danos radica exclusivamente nessa descendente. Com efeito, de acordo com o disposto no art. 496°, n.° 2, do Código Civil, os descendentes, conjuntamente com o cônjuge não separado de pessoas e bens, integram o primeiro grupo de titulares do direito a indemnização por danos não patrimoniais causados por morte da vitima. Já os ascendentes, qualidade em que os lesados se apresentam, são integrados no segundo grupo, ao qual apenas e reconhecida aquela titularidade na falta familiares do primeiro grupo, o que não e ocaso.

Pelo exposto, conclui-se que aos lesados, enquanto pais da vitima, não assiste o direito ao recebimento da eventual indemnização pelo dano da perda do direito a vida daquela e pelos danos morais sofridos pela mesma nos momentos que antecederam a sua morte, cumprindo julgar improcedente o pedido civil nessa parte.

Já em relação ao restante segmento do pedido, porque relativo a danos morais sofridos pelos próprios lesados na sua esfera jurídica com a perda do filho, lhes assistira o direito a serem compensados por aqueles danos que se tenham apurado.

A este respeito provou-se que acompanharam toda a vida do seu falecido filho DD, testemunhando o seu percurso académico, tendo-se licenciado em direito, e profissional. exercendo a pratica da advocacia, sendo reconhecido como um bom profissional. Acresce que era muito amado pelos seus pais, motivo de enorme orgulho, que partilhavam com familiares, amigos e conhecidos. E era um bom filho, dedicado aos pais e a vida familiar em geral. Por fim, o facto de terem perdido o seu filho, bem como saberem que a sua neta crescera sem o amor do pai, provocou e provoca ainda aos lesados uma dor profunda, uma tristeza imensa, angustia e sofrimento, tendo deixado de conviver e de sair de casa com a regularidade que faziam anteriormente.

Conclui-se, assim, pela verificação da totalidade dos apontados pressupostos da responsabilidade extracontratual, constituiu-se, assim, o arguido na obrigação de indemnizar os lesados, restando apurar o montante dos danos por eles sofridos.

Nos termos dos artigos 562°, 563° e 564° do Código Civil, o lesado tem direito a ser ressarcido de todos os danos que provavelmente nao teria sofrido se não fosse a lesão, abrangendo não só os prejuízos causados (danos emergentes), como os benefícios que deixou de obter (lucros cessantes), reconstituindo assim a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento.

Relativamente aos danos de ordem não patrimonial, segundo o art. 496°, n° 1, do Código Civil, apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral.

O montante de tais danos deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.° 3 do mesmo artigo). Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.

Porem, acima de tudo, entendemos que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme, alias, vem sendo repetidamente afirmado pelos nossos tribunais superiores.

Peticionam os lesados a quantia de € 100.000 para cada um deles, a titulo de indemnização pelos danos morais que eles próprios sofreram com a perda do filho.

A factualidade apurada e reveladora de danos com bastante expressão e relevância, traduzidos em dor profunda, tristeza imensa, angústia e sofrimento, com alterações comportamentais nos lesados, que eram pais interessados e orgulhosos do filho, que muito amavam. Acresce a forma e circunstancias violentas como se viram privados do mesmo.

Assim, e não deixando ainda de ponderar que o arguido apresenta uma situação económica, pelo menos, desafogada, atento o que se apurou quanto as suas condições pessoais, afigura-se-nos correto fixar o valor indemnizatório para cada um dos lesados de € 25.000.

A estas quantias acrescem os peticionados juros de mora, a taxa legal de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido (por não ser de proceder a qualquer atualização, reportada a presente data, com fundamento na desvalorização do valor da moeda) ate integral pagamento (art.s 804° e 805° do Código Civil e Portaria n.° 29 1/03, de 08/04).

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes e os jurados que

compõem o Tribunal do Júri, em:

[…]

C) — Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos lesados, BB e CC, condenando o arguido, AA, a pagar a cada um deles a quantia de E 25.000 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, a taxa legal de 4% desde a data da notificação para contestar ate integral pagamento.

[…]”

Por sua vez o Tribunal da Relação considerou:

XIII – Impugnação da indemnização civil fixada

            O arguido impugna, ainda, a decisão que o condenou a pagar uma indemnização aos assistentes.

Alega que nenhuma norma atribui aos demandantes um direito específico indemnizável a título de danos não patrimoniais. A reparação destes danos é excecional e os titulares de tal direito estão especificamente enumerados no art. 496º do Código Civil, que não abrange o caso verificado no processo.

O acórdão recorrido condenou o arguido a pagar a cada um dos lesados a quantia de 25.000,00 € a título de indemnização pelos danos morais que eles próprios sofreram com a perda do filho. Fundamenta esta decisão com o disposto nos art. 483º, 496º, nº 2, 562º, 563º e 564º todos do Código Civil.

O art. 483º inicia a subsecção relativa à responsabilidade por factos ilícitos, contém o princípio geral da matéria, e diz, no nº 1, que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

O art. 496º, na mesma subsecção, trata dos danos não patrimoniais e dispõe:

«1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores».

            Os art. 562º a 564º respeitam à obrigação de indemnizar e estabelecem:

- art. 562º: «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação»;

- art. 563º: «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»;

- art. 564º: «1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

            Em caso de morte derivada da prática de ato ilícito há três danos não patrimoniais indemnizáveis:

- o dano pela perda do direito à vida;

- o dano sofrido pela vítima antes de morrer, que varia em função de vários fatores, como o tempo decorrido entre o acidente e a morte, a consciência da morte, a existência de dores e sua intensidade;

- o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte.

O que se discute, de relevante para o caso, é se a reparação destes danos nasce, por direito próprio, na esfera jurídica das pessoas referidas no nº 2 do art. 496º do Código Civil ou se nasce no património da vítima e se transmite, por via sucessória, aos herdeiros da vítima.

Com argumentação estruturada nos trabalhos preparatórios do Código Civil e no texto da lei já em 1982 Antunes Varela concluía [11] que aquela indemnização – cada vez mais tida como compensação pelo desgosto -, cabia, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares referidos no nº 2 do artigo 496º.

O autor manteve esta tese na versão de 2003 da obra citada [12] e a verdade é que ela, depois de larga discussão e posições divergentes que foram sendo tomadas, ao longo dos anos, sobre a questão, se veio a sedimentar, quer na doutrina, quer na jurisprudência, sendo, hoje, seguro afirmar que o direito à compensação derivada de uma morte, ocorrida em consequência de um ato ilícito, cabe aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem estabelecida no nº 2 do artigo 496º [13].

Há que apurar, então, se os demandados, na qualidade de pais da vítima, têm direito a indemnização por danos não patrimoniais derivados do desgosto sofrido pela morte do filho.

Conforme consta do nº 2 do art. 496º do C.P.P. por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, sucessivamente, a três classes de familiares, que vão sendo chamadas na falta da classe anterior: a primeira, composta pelo cônjuge não separado de pessoas e bens e filhos ou outros descendentes; a segunda, que é chamada na falta da primeira, integrada pelos pais ou outros ascendentes; por último, a terceira, da qual fazem parte os irmãos ou sobrinhos que os representem.

O princípio do chamamento sucessivo, consagrado na norma, determina que só na falta de qualquer dos familiares do primeiro grupo é que seriam chamados familiares dos grupos seguintes, nomeadamente os pais, que integram o segundo grupo.

Só que, como sabemos, a vítima DD faleceu no estado de solteira e com uma filha.

Assim, o direito à indemnização derivada da sua morte caberia à sua filha, donde resulta que aos demandantes não assiste o direito legal de serem indemnizados pelos danos sofridos em consequência da morte do seu filho DD.

            DISPOSITIVO

            Pelos fundamentos expostos:

            […]

II – Quando ao recurso do acórdão final:

a) concede-se provimento ao segmento do recurso relativo à condenação em indemnização civil, dela se absolvendo o arguido;

[…]”

O artº 496.º do CC que versa sobre danos não patrimoniais estabelece no seu nº 1 o critério substancial de atendimento valorativo ou seja que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” e no nº 4 o critério de fixação do montante: “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”.

Conforme nº 2 —“Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.”

De igual forma refere o nº 3:

“3 — Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.”

            E no nº 4 se acrescenta: “[…] no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”

            O chamamento sucessivo apenas existe no caso de danos não patrimoniais sofridos pela vítima

            No nº 4 do referido artº 486º do CC, consagra-se a autonomia do direito à indemnização por danos morais sofridos pelas pessoas referidas nos números anteriores, entre os quais no nº 2 se incluem os ascendentes,

            Assim e como referiu o tribunal do júri:

“A este respeito provou-se que acompanharam toda a vida do seu falecido filho DD, testemunhando o seu percurso académico, tendo-se licenciado em direito, e profissional. exercendo a pratica da advocacia, sendo reconhecido como um bom profissional. Acresce que era muito amado pelos seus pais, motivo de enorme orgulho, que partilhavam com familiares, amigos e conhecidos. E era um bom filho, dedicado aos pais e a vida familiar em geral. Por fim, o facto de terem perdido o seu filho, bem como saberem que a sua neta crescera sem o amor do pai, provocou e provoca ainda aos lesados uma dor profunda, uma tristeza imensa, angustia e sofrimento, tendo deixado de conviver e de sair de casa com a regularidade que faziam anteriormente.

Conclui-se, assim, pela verificação da totalidade dos apontados pressupostos da responsabilidade extracontratual, constituiu-se, assim, o arguido na obrigação de indemnizar os lesados, restando apurar o montante dos danos por eles sofridos.

Nos termos dos artigos 562°, 563° e 564° do Código Civil, o lesado tem direito a ser ressarcido de todos os danos que provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, abrangendo não só os prejuízos causados (danos emergentes), como os benefícios que deixou de obter (lucros cessantes), reconstituindo assim a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento.

Relativamente aos danos de ordem não patrimonial, segundo o art. 496°, n° 1, do Código Civil, apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral.

O montante de tais danos deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstancias do caso. designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.° 3 do mesmo artigo). Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda.

Porem, acima de tudo, entendemos que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme, alias, vem sendo repetidamente afirmado pelos nossos tribunais superiores.

Peticionam os lesados a quantia de € 100.000 para cada um deles, a titulo de indemnização pelos danos morais que eles próprios sofreram com a perda do filho.

A factualidade apurada e reveladora de danos com bastante expressão e relevância, traduzidos em dor profunda, tristeza imensa, angustia e sofrimento, com alterações comportamentais nos lesados, que eram pais interessados e orgulhosos do filho, que muito amavam. Acresce a forma e circunstancias violentas como se viram privados do mesmo.

Assim, e não deixando ainda de ponderar que o arguido apresenta uma situação económica, pelos menos, desafogada, atento o que se apurou quanto as suas condições pessoais, afigura-se-nos correto fixar o valor indemnizatório para cada um dos lesados de € 25.000.

A estas quantias acrescem os peticionados juros de mora, a taxa legal de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido (por não ser de proceder a qualquer atualização, reportada a presente data, com fundamento na desvalorização do valor da moeda) ate integral pagamento (art.s 804° e 805° do Código Civil e Portaria n.° 29 1/03, de 08/04).”

            Mostrando-se pertinente a fundamentação do tribunal do júri, e criteriosa a indemnização arbitrada, conclui-se que o recurso dos demandantes merece provimento.


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Termos em que decidindo:

            Acordam os juízes deste Supremo – 3ª Secção  - em:

Dar parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, quanto à medida concreta da pena e, consequentemente, reduzem a pena para dezasseis anos de prisão.

           

            Dar provimento ao recurso interposto pelos assistentes demandantes BB e CC, relativamente ao pedido de indemnização civil, e consequentemente revogam a decisão da Relação e mantêm o decidido pelo Tribunal do Júri sobre o pedido de indemnização civil

           

            Custas do pedido cível pelo arguido, na proporção do decaimento.

            Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Outubro de 2013

                                               Elaborado e revisto pelo relator.

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges

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[1] Processo 02P3316, relatado pelo sr. conselheiro Simas Santos.

[2] In Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 204.

[3] Tomo I, 1999, pág. 25 e 26.
[4] De 24-5-2007, relatado pelo sr. conselheiro Pereira Madeira.
[5] Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do S.T.J.: de 27-5-2004, processo 04P1389, relatado pelo sr. conselheiro Pereira Madeira; de 17-1-2007, processo 06P3845, relatado pelo sr. conselheiro Armindo Monteiro; de 23-5-2007, processo 07P1495, relatado pelo sr. conselheiro Pires da Graça; de 23-10-2008, processo 08P2856, relatado pelo sr. conselheiro Santos Carvalho; de 18-3-2010, processo 1374/07.8PBCBR, relatado pelo sr. conselheiro Souto de Moura; de 14-10-2010, processo 494/09.9GDTVD, relatado pelo sr. conselheiro Manuel Braz; de 23-11-2011, processo 508/10.0JAFUN, relatado pelo sr. conselheiro Souto de Moura; de 25-10-2012, processo 525/10.0PBLRA, relatado pelo sr. conselheiro Manuel Braz.
[6] In Homicídio Qualificado, pág. 127, merecendo o acordo de Figueiredo Dias, no Comentário …, pág. 29 e 30.
[7] De 23-11-2011 relatado pelo sr. conselheiro Souto de Moura.

[8] Acórdão do S.T.J. de 2-4-2008, processo 07P4730, relatado pelo sr. conselheiro Raul Borges.
[9] Esta lei agrava, na mesma medida, o limite máximo da pena aplicável agravação que, no caso, não se aplica devido ao limite estabelecido no nº 2 do art. 41º do Código Penal.

[10] Sobre a questão, e a título exemplificativo, vejam-se os acórdãos do S.T.J. de 25-10-2006, processo 05P3635, relatado pelo sr. conselheiro Soreto de Barros, de 29-3-2007, processo 07P1034, relatado pelo sr. conselheiro Simas Santos, e de 14-5-2009, processo 19/08.3PSPRT, relatado pelo sr. conselheiro Raul Borges, e o da Relação do ... de 2-6-2010, processo 60/09.9GNPRT, relatado pelo sr. desembargador Joaquim Gomes.
[11] Das Obrigações em Geral, vol. I, 1982, pág. 539.
61 Pág. 615.
62 Vide, neste sentido, e para além do mais, os acórdãos do S.T.J. de 15-4-1997, processo 97A208, relatado pelo sr. conselheiro Lopes Pinto, de 24-5-2007, processo 07B1359, relatado pelo sr. conselheiro Alberto Sobrinho, de 12-3-2009, processo 09P0611, relatado pelo sr. conselheiro Pires da Graça, e de 15-4-2009, processo 08P3704, relatado pelo sr. conselheiro Raúl Borges.