Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
054687
Nº Convencional: JSTJ00002689
Relator: ROCHA FERREIRA
Descritores: SIMULAÇÃO
COMPRA E VENDA
CESSÃO DE CREDITO
DOAÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195207230546872
Data do Acordão: 07/23/1952
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS DE 07-08-1952 ; BMJ N32, 258
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: ASSENTO 4/1952
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 643 N2 ARTIGO 647 ARTIGO 686 ARTIGO 1452 ARTIGO 1542 ARTIGO 2428.
CPC39 ARTIGO 532 ARTIGO 763 PAR2.
CNOT35 ARTIGO 163 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1944/10/20 IN COL OF ANO4 PAG464.
ACÓRDÃO STJ DE 1950/12/09 IN BMJ N22 PAG297.
Sumário :
Anulados os contratos de compra e venda de bens imoveis e de cessão onerosa de creditos hipotecarios que dissimulavam doações, não podem estas considerar-se validas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plenaria:

A recorre para este Tribunal do acordão de folhas 383, alegando que se encontra em oposição sobre a mesma questão de direito com o acordão de 20 de Outubro de 1944, publicado no Boletim Oficial, ano IV, pagina 464.
Alegaram a recorrente e a recorrida, B, e emitiu o seu parecer o douto representante do Ministerio Publico.
Como se julgou no acordão de folhas 435, que mandou seguir o recurso, existe efectivamente a alegada oposição, visto que no acordão de que se recorre decidiu-se que na simulação relativa são nulos os contratos aparentes - venda e cessão de creditos -, por lhes faltar o elemento essencial - mutuo consentimento -, a que se refere o n. 2 do artigo 643 do Codigo Civil, e validos os contratos ocultos - doações -, por traduzirem a vontade real dos contraentes, uma vez que se verifiquem neles os outros elementos legalmente essenciais; enquanto que no acordão de 20 de Outubro de 1944 se decidiu que, alegada e provada a simulação de contratos de venda, não pode o tribunal considerar nulas as vendas e validos os contratos como de doação, por não poder considerar-se como formado um acto juridico de tal importancia, perante uma manifestação de vontade solenemente declarada de que se trata de um contrato não gratuito, mas oneroso.
Ambos os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação, como a recorrente alega no requerimento de folhas 423.
E e de presumir que o acordão invocado para confronto transitou em julgado, visto a recorrida não ter alegado que não transitou (Codigo de Processo Civil, artigo 763, paragrafo 2).
Cumpre, por isso, decidir o conflito de jurisprudencia cuja existencia se verifica.
Ha que averiguar se, como decidiu o acordão recorrido, provada a simulação de compra e venda de bens imobiliarios e de cessão onerosa de creditos hipotecarios, bastara a escritura publica desses actos aparentes para que se possa validamente reconstituir a doação, ficando assim satisfeita a exigencia legal da forma para esse acto dissimulado.
Conforme o sustentado pela recorrente e pelo digno magistrado do Ministerio Publico, e de adoptar, a tal respeito, doutrinado no acordão de 20 de Outubro de 1944, que se nos afigura rigorosamente legal.
As declarações de vontade, constituindo um acto formal, devem ser manifestadas com as formalidades exigidas pela lei.
Segundo o artigo 1452 do Codigo Civil, doação e um contrato por que qualquer pessoa transfere a outrem gratuitamente uma parte, ou a totalidade, de seus bens presentes.
As doações de bens imobiliarios so são validas quando celebradas por escritura publica, documento autentico cuja falta não pode ser suprida (Codigo do Notariado, artigo 163, n. 1, do Codigo Civil, artigo 2428, e Codigo de Processo Civil, artigo 532).
Nessa escritura tem de ser claramente manifestado o consentimento dos outorgantes: intenção de transferir gratuitamente certos bens e de aceitar essa tranferencia, sem o que não havera doação (Codigo Civil, artigo 647).
Ora, no caso dos autos, para a existencia do acto juridico das doações dissimuladas, não se podem aproveitar as escrituras de venda dos bens e da cessão de creditos outorgadas entre o pai da recorrente e a recorrida, por serem omissas quanto a vontade dos outorgantes em doar e aceitar a doação.
Alem disso, não pode haver convolação de um acto oneroso num acto gratuito.
O Professor Beleza dos Santos, versando hipotese identica a de que se trata (A Simulação no Direito Civil, volume I, paginas 363 e 364), diz:
"O simples facto de se transmitir uma coisa e de outrem a aceitar não e, de per si, uma doação; e necessario, alem disso, que a transmissão seja gratuita, que se faça com o espirito de liberdade (Codigo Civil, artigo 1542)".
"Por isso, quando a doação e formal, e preciso que a declaração de vontade de doar se faça com as formalidades legais, não bastando a simples declaração de vontade de transmitir, que, de per si, não e suficiente para caracterizar a doação, porque se pode transmitir por muitas outras causas, sem ser pela causa donandi".
"No caso em questão, para reconstituir a doação, seria necessario ir buscar elementos fora do documento do acto aparente, elementos que não foram revestidos de forma legal, o que a lei absolutamente proibe (Codigo Civil, artigos 686 e 2428)".
"Daqui deve concluir-se que, semelhantemente ao que se verifica no primeiro caso discutido, a compra e venda e nula, por ser aparente, e a doação e nula, por falta de forma".
Perante o exposto, não pode, portanto, subsistir o acordão recorrido, revogatorio do da Relação, que bem julgou absolutamente nulos os referidos contratos em que a acção se baseou.
E, assim, concedem provimento ao recurso, com custas, incluindo as das instancias, pela recorrida, estabelecendo o seguinte Assento:
"Anulados os contratos de compra e venda de bens imoveis e de cessão onerosa de creditos hipotecarios que dissimulavam doações, não podem estas considerar-se validas".


Lisboa, 23 de Julho de 1952

Rocha Ferreira - G. Beça de Aragão - Campelo de Andrade - Lencastre da Veiga - Jaime de Almeida Ribeiro - Raul Duque - Piedade Rebelo - Roberto Martins - A. Cruz Alvura - A. Bartolo - Bordalo e Sa - Jose de Abreu Coutinho - Julio M. de Lemos - Artur A. Ribeiro.