Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
693/10.OTVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: CASO JULGADO
DIREITO DE RESPOSTA
DIREITO À INFORMAÇÃO
DIREITO AO BOM NOME
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 335.º, 376.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29.10.1996, BMJ 460º - 686;
-DE 14.02.2012, 5817/07.2TBOER.L1.S1, EM WWW.STJ.PT .
Sumário :

  I – Não existe caso julgado entre o decidido na acção que concedeu o direito de resposta a determinada pessoa e aquela em que esta pede indemnização pela notícia publicada, por serem diversos o pedido e a causa de pedir.

II – A força probatória plena dum documento abrange apenas os factos dele constantes e não quaisquer conclusões que se retirem desses factos.

III – Não é conclusivo o quesito em que se investiga sobre uma convicção, uma vez que os factos do foro psicológico são realidades apreensíveis.

IV – Nem é impeditivo da dita pergunta o facto dessa convicção ser de uma entidade colectiva. 

V – Tendo um órgão de comunicação social feito diligências que o levaram à comprovada convicção de que certa notícia era verdadeira é lícita a sua publicação.

VI – O direito à informação prevalece sobre o direito ao bom nome e reputação, quando a notícia, sendo lícita, porque devidamente investigada, reveste interesse público.

VII – Este avalia-se pela sua objectiva relevância social, cultural ou política.

VIII – Como é o caso de se noticiar que o advogado de um dos principais arguido no processo DD irá ser também constituído arguido.    

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

AA moveu a presente acção ordinária contra BB- TELEVISÃO ..., SA E CC, SA., pedindo a condenação solidária das rés a pagar ao autor. a quantia de € 30.000 a título de danos patrimoniais ou aquele que vier a liquidar-se em execução de sentença, dado que tais danos ainda hoje se verificam, e o valor de € 68.000,00  a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alega, em síntese, que as rés divulgaram uma notícia falsa, no sentido de o autor ter sido constituído arguido no denominado processo "DD", referida quer a nível televisivo e nos vários canais e programas noticiosos da ré, quer no site da mesma, o que originou que o autor tivesse de propor uma acção especial, que culminou com a condenação das rés na publicação da rectificação da noticia nos termos pedidos pelo autor, rectificação essa a que a ré não deu o mesmo ênfase da noticia falsa dada anteriormente.

Mais refere que vários órgãos noticiosos reproduziram a mesma notícia falsa, citando como fonte a BB. O autor, na sequência da notícia, viu, além de sentimentos de solidariedade, também de desconfiança em relação às pessoas que com o mesmo convivem diariamente, sendo contactado por várias pessoas, o que muito o desgostou e amargurou, face à frieza e desconfiança de que foi alvo e que ainda perdura

Tendo perdido clientela e tendo repercussões em acções que o autor patrocinava na qualidade de mandatário respeitado, ficando abalada a sua reputação e nome.

Alega ainda que sofre do problemas do coração e que tais noticias muito o abalaram quer física, quer emocionalmente.

As rés, contestaram dizendo, em suma, que em momento algum a notícia estabelece que o autor foi constituído arguido por violação do segredo de justiça, sendo as notícias relativas ao processo designado por "DD" diferenciadas, ainda que se tenha noticiado que o autor havia sido constituído arguido no referido processo.

Mais refere que a ré cumpriu o ordenado na sentença, em todos os canais da mesma.

 Alega ainda a ré que a mesma não foi a primeira a associar o A. ao processo em causa, pois outros órgãos de comunicação social já o haviam feito em data anterior, e com indicação que o mesmo poderia ser constituído arguido, tendo a ré confiado nas suas fontes que se revelaram ser fidedignas em várias situação. Tanto mais que existia um requerimento do A., no processo, o qual pedia a sua audição, que seria feita com a constituição de arguido no mesmo. Por outro lado, também refere que antes da emissão da notícia a ré tentou obter a confirmação junto do A. o qual recusou prestar qualquer declaração. Conclui assim pela inexistência de qualquer facto ilícito e com a consequente absolvição. A segunda ré também contestou nos mesmos termos, reportado ao cite e noticias difundidas no mesmo, concluindo da mesma forma.

O A. replicou e as rés treplicaram, mantendo, em síntese, o alegado nos articulados (esclarecendo-se a identidade da 2a ré no âmbito desses articulados ).

A final ,a acção foi julgada improcedente e os RR absolvidos do pedido.

Apelou o autor, mas sem êxito.

Recorre ele novamente, invocando a violação do caso julgado e a excepcionalidade da revista. Foi admitido pela Formação este último fundamento.

Nas suas alegações de recurso, apresenta o recorrente, em síntese, as seguintes conclusões:

1 As instâncias violaram o caso julgado formado pela decisão constante da alínea M da especificação.

2 Daí que não se possa continuar a sustentar que os factos respeitantes à violação do segredo de justiça não foram directamente imputados ao autor.

3 Acresce que, esta imputação resulta também dos meios de prova constantes dos autos e que têm força probatória plena, nomeadamente, os fotogramas (DVD) e as reproduções do site da BB24, da exclusiva autoria das ré e por elas nunca impugnados.

4 O quesito 47º deve ser eliminado não só porque é conclusivo, mas também porque reporta-se a um facto do mundo psíquico de que a BB, como sociedade comercial e como empresa ou estação de televisão não participa, sendo que a contraprova pelo autor sempre seria impossível.

5 Quando muito poderia ser perguntado se o conjunto das pessoas que elaboraram a notícia e a emitiram estava convicto da sua veracidade.

6 Sendo que apenas se refere a uma estação televisiva e não a todas as rés, deixando do mesmo passo, sem referência e sem reporte uma das notícias (a objectivamente mais grave) de acusação pelo crime de violação do segredo de justiça e que a mesma resposta seria inócua, dado o art.º 484º do C. Civil, não fazer qualquer alusão à vertente subjectiva da boa fé, bastando a cognoscibilidade das potencialidades da conduta em apreço.

7 Os comportamentos adoptados pelas rés e pela estação televisiva traduziram-se numa omissão quase total do cuidado mínimo de rigor e objectividade, não cuidando de atender às regras e aos limites do exercício dos direitos de liberdade de expressão e de informação, havendo antes um propósito sensacionalista na forma como as notícias foram transmitidas.

8 Havendo um conflito no exercício de direitos (o direito de informação contra o direito ao bom nome, a decisão recorrida não cuidou de apurar se haviam sido respeitadas as regras mínimas que legitimariam as notícias em causa, devendo antes ter feito apelo, oficiosamente, ao disposto no artº.335º do C. Civil.

9 E não tratou da eficácia exterior ou eficácia em relação a terceiros dos direitos fundamentais imposta pelo artº.18º da CR.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II

Vêm dado por provados os seguintes factos:

1.         A Ia Ré é uma sociedade comercial anónima, operadora de televisão responsável pela organização dos Serviços dos programas generalistas dos canais BBe BB24, sua propriedade;

2          A 2aRé, sociedade comercial anónima, é proprietária e responsável pela gestão do site da internet www.iol.pt que, permanentemente, refere apresentar as "últimas notícias de Portugal e do mundo actualizadas ao minuto";

3          O A. é advogado, titular da cédula profissional n° ..., e possui o seu escritório na cidade e comarca de Lisboa;

4          No dia 26 de Novembro de 2009, pelas 21:00 horas, no jornal da BB24 foi relatada a seguinte notícia: "O DIAP de Coimbra acaba de acusar um arguido do processo DD de violação de segredo de justiça. A BB sabe que AA, advogado de EE, foi constituído arguido no processo esta terça-feira, e aguarda as medidas de coacção. Em comunicado o Gabinete de Imprensa da Procuradoria Geral da República acrescenta que o arguido passou informações a uma estação de televisão no dia 28 de Outubro.";

5          Na página da internet www.BB24.iol.pt, referiu-se, em 26 de Novembro de 2009, desde, pelo menos, as 20 horas e 10 minutos, o seguinte: "AA, advogado de EE, também foi constituído arguido no processo DD. Segundo a BB apurou, foi ouvido nesta terça-feira e aguarda agora as medidas de coacção.";

6          Desde as 191140111, o mesmo site referia aquilo que consta do documento junto a fls 36, cujo teor se reproduz, e quer o ora referido quer o aludido supra mantiveram-se naquele site nos dias seguintes, pelo menos até ao dia 3 de Dezembro de 2009;

7          No dia 26.11.2009, pelas 20 horas, no seu Jornal da Noite, a BB emitiu e abriu tal programa com notícia idêntica à transcrita em 4.;

8          No dia 27 de Novembro de 2009, pelas 7.00, 8.00 e 9.00 horas, no programa Diário da Manhã, emitido pela BB, foi relatada notícia com o seguinte teor: "No processo DD um dos arguidos foi acusado pelo DIAP de Coimbra de ter violado o segredo de justiça. A identidade da pessoa em causa não foi revelada.";

9          No dia 27 de Novembro de 2009, pelas 7.00, 8.00 e 9.00 horas, no programa Diário da Manhã, emitido pela BB, foi relatada logo de seguida á referida em 1-1) a notícia com o seguinte teor: "A BB também sabe que AA. advogado de EE, foi ontem constituído arguido no mesmo processo, e aguarda as medidas de coacção.";

10.       A BB24, no Jornal das 20:00h do dia 27 de Novembro de 2009, deixou também de referir as notícias que, anteriormente, transmitira e aludidas;

11        Em 7 de Dezembro de 2009, o A. escreveu à Ia R. pedindo o direito de resposta/rectificação, por fax enviado às 19:44 horas do dia 10 de Dezembro de 2009, os Serviços Jurídicos da BB responderam à sobredita carta do A., nos termos que se dão por reproduzidos constantes do documento de fls. 42 e 43, recusando o direito de resposta/rectificação;

12        Corre termos no 40 Juízo Cível de Lisboa (3ª Secção), uma acção especial sob o n° 2903/09.8TJLSB, em que é demandante o ora A. e demandadas as ora rés, na qual foi proferida sentença, transitada em julgado a mio/03/2010, a qual se dá por integralmente reproduzida e consta da certidão de fls. 192 a 196, constando além do mais a condenação da ré BB a "dar satisfação ao pedido de rectificação/resposta solicitado por AA, relativamente às noticias emitidas no dia 26.11.2009 na BB e BB24, nos programas informativos emitidos naqueles canais e naquele dia";

13        As 09:57 horas do dia 18 de Fevereiro de 2010, o A. foi informado por um representante da BBde que o texto da rectificação das notícias transmitidas pela BB, em 26 e 27 de Novembro de 2006, seria editado nesse dia 18 de Fevereiro, no noticiário da BBdas 10:00 horas e das 20:00 horas desse dia, bem como no da BB24 das 21 horas também desse dia;

14        No noticiário das 10:00 e das 20:00 horas, da BB, desse dia, no final dos mesmos, o locutor, sem qualquer outra imagem e sem rodapés, leu o texto da rectificação enviado pelo A., antecedido da expressão "por virtude de decisão judicial";

15        A BB mantinha no site www.BB24.iol,pt, em 19 de Março de 2010, a notícia datada de 26/11/2009. de que o A. fora constituído arguido no processo DD;

16        As notícias referidas (constituição do Autor como arguido no processo DD e sua acusação por violação de segredo de justiça foram reproduzidas (citando como fonte a BB) em outros órgãos noticiosos: a) No Jornal de Negócios on line de 27.11.2009; b) No Diário Económico digital de 27.11.2009; c) No Diário Económico de 27.11.2009; d) Diversos Blogues Nacionais, nomeadamente "do Portugal Profundo"; e) No site "wordpress.com";

17        A 5 de Março de 2010, no Semanário "O SOL" na sua edição dessa Sexta-feira, referia, a propósito de uma escuta de ... (que reproduzia), a fls. 6, 3a Coluna, "com o seu advogado AA" que este era também arguido no processo DD ( cfr. doe. de fls. 60 e 61);

18.       No dia 10 de Março de 2010, quando no motor da busca "Google" da internet se pesquisa o apelido AA, aparece logo: "AA constituído arguido ... no âmbito do processo DD" (cfr. doe. de fls. 62 e 63);

19.       A operadora de televisão BB, era, em fins de Novembro de 2009 a estação televisiva de maior audiência nacional, gozando de credibilidade no público que a escuta e vê e é tida como uma estação televisiva de referência, e a generalidade das pessoas acredita acriticamente naquilo que as televisões transmitem, nomeadamente, nos seus noticiários;

20.       O A. Advoga desde Março de 1967, tendo iniciado a sua actividade profissional, primeiro como Magistrado do Ministério Público, desde Setembro de 1964 a Fevereiro de 1967 (tendo obtido a classificação de Muito Bom no respectivo concurso) e depois como advogado, na comarca e (então) Vila de ... onde se manteve até Outubro de 1969;

21.       Em 1970, o A. transferiu o exercício da sua actividade profissional de advogado para Lisboa onde ainda se mantém;

22.       Quer em ..., quer em Lisboa, tem patrocinado centenas de Clientes, e no desenvolvimento e execução da sua actividade profissional sempre se tem pautado pela defesa dos interesses que lhe são confiados, actuando com respeito integral pelas regras deontológicas da profissão e com salvaguarda dos princípios morais imanentes na comunidade;

23.       O A. é respeitado e considerado pela generalidade dos seus Colegas e dos Magistrados com quem lida;

24.       O A. foi durante vários anos (mais de dez), ... do Gabinete Jurídico da EDP (então Electricidade de Portugal, S.A.), colaborando activamente (inclusive na ajuda na elaboração de textos legais) nas operações de cisão dessa empresa, concretizadas em 1997;

25.       O A. lidava como advogado, com os contenciosos de Bancos, Companhias de Seguros. Empresas Comerciais e Industriais, nacionais e estrangeiras, gozando de geral consideração em todas essas empresas e sectores;

26.       O A. interveio, ao longo dos seus mais de 45 anos de actividade profissional, em diversos colóquios e conferências da especialidade e frequentou diversos cursos profissionais, nomeadamente, de Direito Europeu (Rechts Achademy von Trier), de Direito do Ambiente e Mestrado de Ciências Jurídico-Comerciais na Universidade Católica (1986);

27.       0 A. foi patrono de mais de uma dezena de candidatos à advocacia e participou, como conferencista, no Estágio da Ordem dos Advogados;

28.       No dia 27 de Novembro de 2009, no Jornal da Manhã da BB, foi dito que um arguido foi acusado de violação de segredo de justiça, e no canto inferior esquerdo os seguintes dizeres " DD: arguido suspeito de violação de segredo de justiça", e na noticia a jornalista referiu que a identidade da pessoa não foi revelada e, só após, se diz que a BB também sabe que AA, advogado de EE foi ontem constituído arguido no mesmo processo e aguarda as medidas de coacção;

29.       A notícia referida em D) foi lida sem pausas e no mesmo segmento, enquanto em rodapé surgiam legendas (mantidas mais de um minuto) sob o tema "DD" em que se referia que "AA, advogado de EE constituído arguido", imediatamente a seguir, após um separador e sob o mesmo tema referia-se "arguido suspeito de violação do segredo de justiça", após novo separador e sem tema "PGR diz que arguido passou informações a uma estação de televisão no dia 28 de Outubro":

30.       Nos dias imediatos ao da publicação e difusão das notícias

referidas e em causa nos autos os familiares próximos do A. começaram a ser contactados por pessoas das suas relações, umas a manifestar-lhes a sua solidariedade, outras a procurarem inteirar-se dos pormenores e das razões que estariam na base daquelas notícias;

31.       0 A. viu-se confrontado, também nos dias imediatos, com, alguns telefonemas de solidariedade, estranheza e repúdio pelo noticiário em causa, do mesmo passo que a maioria dos seus vizinhos (de escritório e de habitação) manifestavam uma frieza inabitual e mesmo um provocado "fazer de conta" que não o viam;

32.       N0S locais que habitualmente frequenta (tribunais e outras repartições, restaurantes, cafés, lojas de bairro, etc), o Autor notou que os respectivos utentes e funcionários e donos e empregados o olhavam e tratavam de forma diferente da habitual, alguns com ares de cumplicidade, outros com manifesta frieza e desconfiança;

33.       Alguns Colegas com quem teve de contactar nos dias seguintes, começavam logo por lhe colocar a questão da sua noticiada "constituição como arguido";

34. Não obstante o desmentido que o Autor logo fazia às propaladas

notícias, sentiu que alguns dos destinatários desse desmentido não ficaram convencidos;

35.       Foram (e continuam) inúmeras manifestações de frieza, de desconfiança e de tratamento diferente do habitual, ou seja, menos cordial, que o Autor vem colhendo, quotidianamente, de conhecidos, clientes, funcionários de clientes, Colegas e de outras pessoas com quem habitualmente convive ou contacta;

36.       E o mesmo sucedendo aos seus familiares mais próximos (Mulher, Filho, Irmão e Sobrinhos), e os seus afins (Sogra e Cunhados) que têm também sentido, nas pessoas com quem contactam, não apenas uma frieza inabitual, como também a formulação de questões e comentários desagradáveis a respeito da alegada constituição do A. como arguido no processo "DD";

37.       Essas notícias foram comentadas por muita gente, incluindo jornalistas e bloguistas o que aumentou notavelmente a sua difusão;

38.       O Irmão e a Sobrinha do A., ambos Magistrados e que usam também o apelido AA, sentiram-se muito incomodados e quotidianamente (por vezes mais do que uma vez por dia), logo após a difusão das notícias, solicitavam ao A. que tomasse medidas para repor a verdade, pois eles próprios eram contactados por Colegas que lhes colocavam a questão da eventual veracidade das notícias;

39.       Durante os últimos dias de Novembro, durante todo o mês de Dezembro (ambos os meses de 2009) e em Janeiro, Fevereiro e Março de 2010, o A., sua Mulher e Filho (professor universitário também com o apelido AA) viveram preocupados, sem alegria e sossego e muito magoados com a ofensa à sua honra e consideração;

40.       O A. sentiu-se, durante todo esse período, humilhado e desconsiderado, com mágoa profunda, preocupado com o seu futuro profissional, tendo mesmo pensado seriamente deixar, de vez, o exercício da advocacia;

41.       0 A. é doente do foro cardiológico pelo que está-lhe vedado, não apenas o sobressalto, mas também a preocupação, estados de ansiedade e perturbação psicológica;

42.       N0S meses de Dezembro de 2009, Janeiro a Março de 2010, o rendimento intelectual do A. sofreu grave diminuição, pois que a preocupação e desconforto com as notícias falsas transmitidas não lhe permitiam uma paz de espírito adequada para se concentrar nas questões dos Clientes;

43.       Alguns dos clientes do escritório do A. também ligados ao processo designado "DD", como por exemplo a EDP e REN, deixaram, após fins de Novembro de 2009, de o contactar e houve mesmo assuntos pendentes que foram retirados ao A.;

44.       O A., anualmente, pelo Natal recebia sempre, pelo menos, três dezenas de cartões de Boas Festas de Colegas, Contenciosos de Empresas e Clientes e no ano de 2009 recebeu-os em menor número;

46.       A notícia de que o Autor poderia vir a ser ouvido no âmbito

do referido processo surgiu no dia 1 de Novembro de 2009, na RTP, e em texto ainda disponível no sitio da Internet www.rtp.pt, relatando-se que "no documento a que a RTP teve acesso pode ler-se que AA teria conhecimento do alegado esquema de tráfico de influências e favores, fonte judicial já garantiu à RTP. que deverá ser ouvido";

47.       N0 dia 6 de Novembro de 2009, o Diário de Notícias, noticiava que "já no que diz respeito ao crime de associação criminosa (uma suspeita inédita num processo de corrupção), FF circunscreveu o âmbito desta aos colaboradores próximos de EE (familiares e funcionários), assim como ao advogado que o representou no dia das buscas, José AA, que também deverá ser constituído arguido";

A referida notícia ainda podia ser lida no sitio da internet http://dn.sapo.pt;

No dia 24 de Novembro de 2009, o jornal "Correio da Manhã" publicou a seguinte notícia "AA, advogado de EE nas empresas que aquele detinha, foi constituído arguido no processo DD, por ter alegadamente ajudado o empresário de Ovar a criar empresas offshore" e "O causídico aparece no despacho do juiz de instrução como sendo uma das pessoas que constituíra a "associação criminosa" que se transformou depois numa rede tentacular. O advogado ainda terá sido inquirido pelo juiz de Aveiro, desconhecendo-se quando irá prestar declarações ao magistrado judicial";

Mais referia o Correio da Manha, no dia 24/11/2009, que "Segundo o CM apurou, a investigação entende que a participação de AA foi fundamental. Terá sido o Advogado quem estruturou as empresas fictícias na Suíça, pelas quais EE conseguia ocultar a proveniência ilícita do muito dinheiro que ganhava";

50.       E ainda "AA, aparece ainda no despacho do juiz – que determina a prisão preventiva do sucateiro de Ovar - como sendo um dos intervenientes na sua tentativa de ocultar o património";

Com base nas referidas notícias e na sequência das mesmas os jornalistas da BB contactaram diversas fontes de informação, que lhes confirmaram os factos relatados e supra referenciados;

E antes da emissão da notícia os profissionais da BB tentaram obter a confirmação junto do Autor dos factos que lhe eram imputados, tendo-se este recusado a prestar qualquer declaração sobre os mesmos;

53.       Com base num documento junto pelo próprio Autor aos autos do supra identificado processo n.° 2903/09.8 TJLSB, que constitui um despacho extraído do processo designado "DD " constata-se que esteve designada data para a audição do A. no aludido processo;

54.       N0 âmbito do processo DD o ora A. juntou ao mesmo um requerimento, datado de 3/11/2009, requerendo pessoalmente a sua audição, o que, nos termos de uma decisão do M° P° proferido nesse processo, tal só seria possível, mediante a sua constituição como arguido, agendando a mesma para o dia 24/11/2009, pelas 10 horas, data que foi dada sem efeito, face a um outro requerimento do A. nesse sentido, datado de 24/11/2009, tendo no dia 27/10/2010 em relação ao A. sido proferido um despacho de arquivamento nos termos do art° 277o n° 2 do Código de Processo Penal;

55.       E sendo tal requerimento, conforme o A. pretendia, objecto de deferimento, tal circunstância seria certamente noticiada, atendendo ao manifesto interesse público e mediatismo que o processo DD ainda assume nos dias de hoje;

56.       Quando a Ré BBnoticiou a constituição do Autor como arguido no processo DD fé-lo convicta de que o facto que difundia era verdadeiro.

A Relação alterou esta matéria de facto pelo seguinte modo:

Resposta ao quesito 30º:

 "As notícias editadas pelas RR foram lesivas do estado de saúde do A .que se viu na necessidade de cuidada e frequente assistência pelo seu cardiologista ";

Resposta ao quesito 32º:

"P. clientes do escritório do A. também ligados ao processo designado "DD", como a EDP e REN .e alguns mais não concretamente identificados . deixaram, após fins de Novembro de 200Q. de o contactar e houve mesmo assuntos pendentes que foram retirados ao A.:"

Resposta ao quesito 42º:

"A jornalista do site BB/24.PT contactou fontes de informação, que lhe confirmaram o facto do A ter sido constituído arguido”

Respostas aos quesitos 44º. 45º e 46º:

Quesitos 44 -"-No âmbito do processo DD o ora A. juntou ao mesmo um requerimento, datado de 3/11/200Q, requerendo pessoalmente a sua audição, a fim de que ficasse junto aos autos um esclarecimento total que impedisse a associação do o nome do A a práticas imputadas ao arguido EE .por banda de certa comunicação social"

Quesito 45 " Nos termos de uma decisão do M° P° proferido nesse processo, a inquirição aludida no quesito anterior, só seria possível, mediante constituição do A. como arguido, o que foi agendado para o dia 24/11/200Q. pelas 10 horas." .data que foi dada sem efeito, face a um outro requerimento do A. nesse sentido .No dia 27/10/2010 em relação ao A. foi um proferido um despacho de arquivamento .porquanto inexistiam indícios de que a conduta do A extravasasse os limites do mandato forense conferido pelo arguido EE "

Quesito 46 “-E sendo tal requerimento, conforme o A. pretendia. objecto de deferimento, tal circunstância seria certamente noticiada, atendendo ao manifesto interesse público e mediatismo que o processo DD ainda assume nos dias de hoje”.

III

Apreciando

1 Pretende o recorrente que a decisão em apreço violou o caso julgado formado pela anterior decisão proferida no processo em que fez valer o seu direito de resposta.

Entenderam as instâncias que não ocorria esse caso julgado.

Pelo seguinte modo:

O raciocínio do Exm° Sr Juiz foi este ,quanto a esta questão:

"Destarte, importará aferir o comportamento das rés, mas sem que para tal seja relevante, em absoluto, a acção que correu termos no 40 Juízo, e supra identificada, pois esta circunscreve-se ao direito de resposta, sem que na mesma se analisem os factos que o A. alega como sendo ilícitos, com a consequente obrigação de indemnizar. Logo, inexiste qualquer caso julgado formal ou material a que este tribunal esteja sujeito, contudo, todo o comportamento das rés, quer anterior a tal acção, quer posterior à mesma poderá ser tido em conta, mas sempre e apenas desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil, causa de pedir em que se alicerça a presente acção.(sublinhado nosso)"

Não podemos estar mais de acordo com o explanado. Na verdade , não pode o A omitir o preceituado nos art/s 497e 498 do CPC ,que nos dão as balizas legais de tal conceito.

Ora, nem a causa de pedir ,nem o pedido são idênticos nas duas acções em referência ,tal como se dá conta na sentença

Assim, o teor da sentença proferida no processo n° 2903/09.8TJLSB apenas poderia servir como fundamento factual para a pretensão do A, a apreciar em conjunto com os demais elementos enunciados nesta acção.

As considerações teóricas do recorrente acerca do instituto do caso julgado só seriam aqui aplicáveis ,caso os pressupostos que integram o conceito de caso julgado se verificassem e eles não ocorrem: o pedido não é o mesmo e a causa de pedir também não o é .O pedido na acção em causa é a concretização do direito de resposta e nestes autos ,uma indemnização ;a causa de pedir na acção em referência são os pressupostos que levam a que os media concretizem esse direito de resposta e nestes autos , apenas os pressupostos a que alude o art° 483 do CC.

Logo , assiste total razão ao Exm° Juiz ,quando entendeu não haver lugar ao caso julgado.

            Estamos de acordo com este entendimento.

            Não existe no caso identidade de pedido nem de causa de pedir.

            Na referida acção pede-se que seja reconhecido o direito de resposta; na presente que seja reconhecido o direito a ser indemnizar.

            O fundamento da primeira é a susceptibilidade das notícias em causa poderem integrar o dito direito de resposta;  da segunda o fundamento é a existência de culpa por parte das rés na elaboração dessas notícias, com os consequentes efeitos danosos.

Ou, por outras palavras, enquanto naquela se apreciou apenas a capacidade, em abstracto da notícia para produzir danos (para um certo pedido – a resposta -), nesta pretende-se saber se os produziu em concreto (para pedido diverso – a indemnização -).

Nem se diga, como faz o recorrente, que o pedido, em ambas as acções se dirige à reparação de danos. Ainda que o direito de resposta tenha, em parte, uma natureza reparatória, isso não impede que continue a ser outro pedido.

Nem também procede a sua tese de que estamos perante a mesma causa de pedir, que, por ser complexa, apenas será exigível, para efeitos de caso julgado, que coincida nos seus aspectos essenciais.

Mesmo que se aceitasse esta tese, o certo é que há elementos essenciais da causa de pedir na acção para efectivar a responsabilidade civil extra-contratual, que não ocorrem na primeira. A saber, o dano em concreto e a culpa dos lesantes.

Não estavam, pois, as instâncias vinculadas ao decidido na primeira acção.

E tanto assim é que, a diversidade de julgados poderá coexistir sem que haja forçosamente contradição de julgados. Que o mesmo é dizer que o reconhecimento do direito de resposta, não é contraditório com a improcedência da presente causa. Ao contrário do que pretende o recorrente a segurança jurídica está aqui assegurada.

2 Alega o recorrente que a força probatória plena dos DVD e dos fotogramas juntos aos autos não foi observada quando na decisão em apreço se entendeu que “os factos relativos à violação do segredo de justiça, na verdade, não são directamente imputados ao A.”

Ainda que se entenda que tais documentos tenham força probatória plena, o certo é que essa força probatória respeita, nos termos do art.º 376º do C. Civil, ao seu próprio conteúdo e não a conclusões que dele possam ser retiradas, como é o caso. Provam que a BBemitiu certas declarações, não provam plenamente que essas declarações constituem ou não uma imputação directa, ou não ao autor de violação do segredo de justiça.

Ora, isto é matéria de conclusão, logo de convicção, em princípio insindicável por este Supremo, que delas só pode conhecer, por manifesto ilogismo. Este ilogismo não se verifica atenta a forma como a relação fundamenta tal convicção: “Os factos relativos à violação do segredo de justiça, na verdade não são directamente imputados ao A, mas atento a forma como são publicitadas as notícias (cf q. io),podem levar um espectador menos atento a pensar que o A seria o autor de tal violação.” Assim, não ocorre qualquer ilegalidade na produção da prova de que cumpra a este STJ conhecer.

3 Pretende o recorrente que não é possível a resposta ao quesito 47º, porque é meramente conclusivo e porque, reportando-se a um facto do mundo psíquico, não possível imputá-lo a uma entidade colectiva como a é a ré BB.

Nele pergunta-se se a BB, ao noticiar a constituição do autor como arguido, fê-lo convicta de que difundia um facto verdadeiro.

Uma realidade psicológica reporta-se ao domínio dos factos. É um facto como qualquer outro facto. Sobre ela é possível formular um juízo denotativo e não meramente normativo.

Indagar da sua existência não é, pois, pretender concluir. O que acontece é que tal realidade não sendo, em regra, de apreensão directa pelos sentidos, vale-se da prova de outros factos, donde aquela decorre. Mas sempre através de um método de apreensão da realidade, que, aliás, não resulta forçosamente da presunção judicial.

Assim, o quesito 47º podia ser formulado, como foi.

Quanto à questão de saber se podem ser imputados factos do mundo psíquico a entidades colectivas, remetemos para o que consignou em 2ª instância, nomeadamente:

Refere o A que não temos substracto psicofísico para que seja possível uma resposta. Contudo, esta forma de equacionar os possíveis obstáculos à resposta do quesito é falaciosa, na medida em que quando se fala em BBtem-se em mente uma estrutura composta de pessoas, unidas por um determinado projecto e com um procedimentos que sustentem este último. Daí que ao mencionar-se a BBse esteja a referir ao conjunto de pessoas que participaram no processo de publicitação da notícia em causa.

Por outro lado, acresce que o quesito tal como está enunciado só pode abranger a Ia R e não a 2a que se intitula "CC SA ".

Além do mais, não se pode esquecer que as sociedades são civilmente responsáveis nos termos do art° 483 do CPC

Finalmente, não impugna o A o teor da resposta na perspectiva da prova produzida; o facto de se alegar que não foi feita prova é o mesmo que nada afirmar ,porquanto tal conclusão é uma mera expressão de um raciocínio conclusivo ,que não nos permite chegar às suas premissas para avaliar da sua falsidade ou verdade.(sublinhado nosso)”

            O recorrente defende que se considere como não escrito o quesito 47º, mas, por outro lado, alega, um tanto contraditoriamente a insuficiência ou irrelevância do perguntado. No entanto, não requer a ampliação da matéria de facto, mas antes, como se viu, a eliminação do mesmo quesito. Este, pelo que consignámos é de manter, pelo que improcedem as respectivas conclusões do recurso.

           

4 Cabe agora ver da licitude da conduta das rés.

            Releva é saber se houve negligência na publicação das notícias em causa, ou seja, saber se foram feitas todas as diligências que se configurassem como possíveis e necessárias para assegurar que essa publicação não enfermava de vícios, nomeadamente de falsidade.

            A este respeito há que dizer que os factos são eloquentes. Note-se igualmente que as conclusões que sobre eles foram retirados pela Relação respeitam a matéria de facto que agora não pode ser apreciada.

            Assim e sobre a constituição do autor como arguido:

            “Na verdade além de se ter logrado demonstrar os supra aludidos factos, o que determinava que qualquer pessoa com conhecimentos jurídicos poderia ser levado a considerar que o A. era arguido no processo, situação que o próprio pretendeu que fosse criada, até pelos direitos que tal posição importa em termos processuais penais e de que seguramente o A. pretendia usufruir. Logo, a sua constituição como arguido estava efectivamente agendada ainda que a situação de facto e de direito nunca tenha ocorrido, mas nada nos factos nos permite afirmar que na divulgação de tal noticia existiu negligencia das rés ( estando o dolo manifestamente afastado ), estas limitaram-se a confiar nas fontes, e o que transparece e que poderiam inequivocamente afirmar, é que estava designado dia para interrogatório do A. como arguido, ainda que apenas em determinado momento, posteriormente alterado. Mas não há que olvidar que a questão estava envolta no segredo de justiça, com o consequente obstáculo ao acesso à informação mais completa e pormenorizada por parte das rés. Aliás a dúvida sobre a constituição do A. como arguido também parece surgir na mente do Magistrado do Ministério Público no processo "DD", dada a necessidade de ser proferido uni despacho de arquivamento em relação ao Autor.

Mas a ilicitude ficará desde logo afastada também por este facto que resultou provado, ou seja, quando a Ré BBnoticiou a constituição do Autor como arguido no processo DD fê-lo convicta de que o facto que difundia era verdadeiro. E esse convencimento é plenamente plausível perante as circunstâncias de todo o caso e que já se deixaram enunciadas.(sublinhado nosso)”

            E sobre a violação do segredo de justiça por parte do autor:

            “Chegados a esta conclusão, há que averiguar da eventual associação do nome do A à constituição como arguido por violação do segredo de justiça, o que não tinha qualquer base para imputar tal facto ao arguido

Para ponderar esta questão há que ter em conta a alínea d) e)h)i),quesito 9 e 10, quesito 15,23.

Na verdade, os danos e a ilicitude que o A alega, na sua essência, têm a sua matriz na constituição de arguido. É este facto que origina a ilicitude e a culpa imputada às RR.

No entanto, outro tipo de espectador mais interessado na notícia não confundiria as situações ,tanto mais que houve a procura da BB ter realizado uma demarcação das notícias e no noticiário de 27/11 pelas 7 ,8 e 9 h foi mesmo publicitado que a identidade da pessoa em causa não foi revelada ( ver resposta ao quesito 10 e alínea h)

Daí que apenas possamos concluir que as notícias não foram veiculadas da forma mais clara e límpida, atento o nível de compreensão e atenção pelo conteúdo das notícias pela globalidade das suas audiências. Mas, tal não atinge o patamar de um modo desproporcionado, desnecessário do direito de informar, visando primordialmente denegrir a imagem do A.(sublinhado nosso)”.

Temos, portanto, como factos fixados, que não podem neste momento ser alterados que:

- as rés, de boa fé e actuando diligentemente, confiaram nas fontes;

- a imputação de violação do segredo de justiça ao autor não resultaria, daquilo que foi noticiado, para um espectador mais interessado na notícia;

- foi dada ao autor a oportunidade de se pronunciar sobre os factos antes da publicação da notícia, o qual recusou-se a fazer qualquer comentário.

Donde que não se demonstre qualquer descuido na publicação em apreço. Não se descortinam quaisquer outras diligências que se impusessem às rés antes de exercerem o seu direito a informar. Isto quanto à constituição do autor como arguido.

Quanto à imputação de violação do segredo de justiça, nem a mesma pode ser imputada às rés.

Nem se vê, por idênticas razões, qualquer indício de dolo. Não se ignora, que a deriva tabloide, ou seja, o sensacionalismo, pode atingir, por vezes, a própria comunicação social de referência.

Mas não neste caso, apesar da relevância nacional que teve o processo DD.

No Acórdão deste STJ de 14.02.12 (Cons. Helder Roque) – www.stj.pt 5817/07.2TBOER.L1.S1 entendeu-se:

São pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que o agente, ao fazer a imputação, tenha actuado, dentro da sua função pública de formação da opinião publica e visando o seu cumprimento [a], utilizando o meio, concretamente, menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o dever de verificação da verdade da imputação [e].(sublinhado nosso)”

5 Põe o autor a questão da forma como poderão coexistir o direito ao bem nome com o direito à informação, nos termos do art.º 335º do C. Civil.

Note-se que aqui a questão não é o da existência dos direitos, mas do seu exercício. Ambos os direitos existem, só que o pleno exercício de um deles choca com o exercício do outro.

No caso em apreço, já não se coloca a questão de apreciar se as rés actuaram licitamente no modo como chegaram à formulação da notícia a publicar, o que aconteceu, como se concluiu nos números anteriores. Agora releva é saber se a decisão da respectiva publicação, atendeu, ou tinha de atender ao direito ao bom nome do autor.

A redução do exercício do direito das rés, por forma a torna-lo compatível com o do autor, nos termos do nº 1 do referido art.º 335º não é aqui possível. A “meia” reputação e a “meia” notícia não asseguram minimamente os direitos donde decorrem.

O exercício de um dos direitos exclui, portanto, o exercício do outro.

No entanto, não é também possível aplicar, sem mais, a regra do nº 2 do art.º 335º de que deve prevalecer, no caso de direitos desiguais, o que se considerar superior. E isto, por serem direitos da mesma espécie e ambos com idêntica dignidade constitucional.

Donde que apenas resta uma averiguação em concreta dos interesses em jogo que devem ser atendidos, por forma a assegurar a mais acertada defesa dos fins que a Constituição entendeu dever proteger. Ou seja, cumpre averiguar, no caso, em termos de melhor defesa dos valores constitucionais, qual o direito que deve prevalecer,

No Ac. deste STJ de 29.10.96 - BMJ 460º 686 – entendeu-se:

Tendo a liberdade de expressão e o direito ao bom nome e reputação a mesma hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, dadas as limitações e limites a que estão sujeitos, atentar contra o segundo; não obstante, em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, face a todo o circunstancialismo envolvente, a adequada aplicação do princípio da proporcionalidade pode fazer a liberdade de expressão prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação ( sublinhado nosso)”

E no Acórdão também deste STJ antes citado:

Não sendo a imputação legítima, nem tendo o agente actuado de boa fé, o conflito de direitos verificado entre a personalidade [a honra] e o seu exercício [a liberdade de expressão], sendo ambos de igual importância e não ocorrendo a possibilidade da sua cedência recíproca, resolve-se, in casu, em detrimento da liberdade de expressão, que cede o seu lugar, em virtude de o seu exercício se revelar ilícito, com base no abuso de direito, ao direito à honra, cuja supremacia só seria sacrificada quando não fosse ilegítimo o exercício da liberdade de expressão. (sublinhado nosso)”

            Por outras palavras, o direito à informação não deve ser sacrificado ao direito ao bom nome, quando desse sacrifício resultar a denegação do próprio serviço público que é a comunicação social. Ou seja, a denegação dum bem colectivo. A necessidade da prevalência da notícia avalia-se, objectivamente pela sua relevância pública - social, política ou cultural -.

            Resulta da matéria de facto a importância social e o impacto político do processo DD.

            Por isso, noticiar a constituição como arguido do advogado de um dos principais arguidos nesse processo tinha evidente interesse público. Era, pois, o direito a informar que prevalecia.

            6 Refere o recorrente que a decisão em causa não atentou na eficácia externa ou em relação a terceiros dos direitos fundamentais, conforme o art.º 18º da CR.

            Este preceito estabelece a aplicação imediata das normas constitucionais referentes aos direitos individuais e os limites da lei ordinária ao regular os mesmos direitos.

            Aquilo que está aqui em questão, como vimos, é a coexistência de dois direitos individuais constitucionalmente previstos, não o modo como cada um deles, de per si, deve vigorar, pelo que a citada norma não tem aqui qualquer aplicação.

Termos em que improcede o recurso.

            Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Novembro de 2013

Bettencourt de Faria (Relator)

Pereira da Silva

João Bernardo