Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2053/07.1TBFAF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
AUTO-ESTRADA
DANO
AMBIENTE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO / EXPROPRIAÇÕES ( POR UTLIDADE PÚBLICA) / EXPROPRIAÇÃO PARCIAL / CONTEÚDO DA INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
Doutrina:
- ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, II, pp.260-261; em RLJ, Ano 136- n.ºs 2924 e 3925, p. 99.
- P. CANSADO PAES, “Código de Expropriações”, p. 99.
- P. ELIAS DA COSTA, Guia do Processo de Expropriações, p. 319.
- SALVADOR DA COSTA, “Código das Expropriações…”, 2010, pp. 144, 217.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1310.º.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP): - ARTIGOS 23.º, N.º1, 24.º, N.ºS 1 E 2, 29.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 62.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 23/01/2012, CJ XXXVII-1-184 E 187.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7/7/2009, PROC. N.º 95/09.1YFLSB, COM PUBLICAÇÃO NOS “SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS” E EM WWW.COLECTANEADEJURISPRUDENCIA.COM;
-DE 10/01/2013, PROC. N.º 3059/07.6TBBCL.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 18/02/2014, PROC. N.º934/11.7TBOAZ.S1.
Sumário :
I - Os prejuízos indemnizáveis no âmbito do processo expropriativo deverão ser, apenas, os directamente resultantes da expropriação, deles se excluindo os que não resultam da expropriação parcial em si mesma – da divisão do prédio –, mas da construção e utilização da obra realizada, só indirectamente são resultantes da expropriação.

II - Os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por perda de qualidade ambiental – perda de vistas e luz e ruído produzido pelo tráfego rodoviário – não são indemnizáveis ao abrigo do disposto no art. 29.º, n.º 2, do C. Exp., vale dizer, no próprio processo de expropriação.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - No processo de expropriação litigiosa em que é Expropriante” EP – Estradas de Portugal, E.P.E. ” e são Expropriados AA e BB proferiu-se sentença que decidiu “fixar a indemnização, a pagar pela entidade expropriante aos expropriados, no valor de 46.134,60€, montante este actualizado a partir da data da DUP, até este momento, de acordo com o índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, e considerando para o efeito os montantes já entregues aos expropriados”.

         A Expropriante impugnou tal decisão, com êxito parcial, pois que o Tribunal da Relação deliberou “julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência retirar da indemnização o valor relativo à perda de qualidade ambiental, pelo que se reformularão os cálculos efectuados no tribunal recorrido”.

         Os Expropriados pedem agora revista, visando a reposição do decidido na 1ª Instância, para o que argumentam nas conclusões da alegação, que se se transcrevem:

1ª – Ao contrário do decidido , são indemnizáveis os prejuízos resultantes da desvalorização da parte sobrante, por perda de vistas e luz, ruído de rolamento na sequência de tráfego rodoviário, ao abrigo do art. 29º-2 do C.E.;

2ª - O direito de propriedade é o molde jurídico onde se vaza o poder humano de usar, de gozar, ou de dispor dos bens de forma plena.";

3ª - Este direito não é garantido em termos absolutos, mas sim dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição, sendo um dos limites a expropriação por utilidade pública e tendo esta como elemento essencial, o direito de propriedade;

4ª - A expropriação por utilidade pública é o evento pelo qual se extinguem direitos reais sobre bens imóveis, constituindo-se concomitantemente novos direitos na titularidade de pessoas que se entende prosseguirem o interesse público, mediante o pagamento de justa indemnização;

5ª - E extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles, determinando a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a este pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização;

6ª - Assim, o elemento essencial da expropriação é a indemnização;

7ª - Preceitua o artigo 62° da CRP, que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização;

8ª -  A justa indemnização inclui o justo ressarcimento do prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data;

9ª - Incluindo também o valor correspondente à perda de qualidade ambiental (perda de vistas e luz, ruido de rolamento na sequência de tráfego rodoviário) na parte sobrante, decorrente da construção do viaduto;

1ª - Por um lado, o processo de expropriação é um processo urgente, célere e concentrado;

11ª - Pelo que, a ser decidida a atribuição de uma indemnização pela perda da qualidade ambiental terá de ser feita no âmbito deste processo;

12ª - Por outro lado, não é um acto administrativo que se esgote em si mesmo, mas é um acto administrativo dirigido a uma finalidade específica e concreta, sem a indicação da qual não é possível afirmar o interesse público que suporta a legalidade do processo;

13ª - A declaração de utilidade pública especifica o fim concreto da expropriação e individualiza os bens sujeitos a ela, pelo que tal utilidade não se define sem a própria natureza da obra a cuja consecução a expropriação se dirige, o que a mesma traduz é uma saída do bem do património privado para o público, dirigida a um determinado fim e só a esse;

14ª - E sem essa obra não há expropriação, uma não vive sem a outra, e por isso os prejuízos dela, resultantes sejam uns da expropriação, outros da obra, devem ser indemnizados todos unitariamente;

15ª - Desde que esses prejuízos sejam conhecidos, eles devem ser indemnizados imediatamente no processo expropriativo, quer derivem directamente ou indirectamente do acto expropriativo, quer da obra que define e incorpora a natureza desse mesmo acto;

16ª - Ressaltam aqui, valores de celeridade e economia processuais, bem como a segurança jurídica, ao ser apenas proferida uma decisão sobre a indemnização, a qual é baseada em relatórios de peritos que tiveram em consideração todo o processo expropriativo, o qual estudaram de perto, podendo só assim ir ao encontro do justo ressarcimento;

17ª - Assim, a perda da qualidade ambiental ocorrida com a construção da A7/IC5, deve ser indemnizada aos recorrentes e bem assim ser este valor incluído na justa indemnização ao abrigo do artigo 29° nº2 do C.E.;

18ª - O tribunal a quo fez uma interpretação inconstitucional do art.29°, nº2 do C.E., por violação do princípio da justa indemnização consagrado no art.62°, nº2 da CRP;

19ª - A depreciação do valor da parcela sobrante não foi uma consequência directa do acto expropriativo, mas da construção da A7/ICS na parcela expropriada e que justificou o acto administrativo da expropriação;

20ª - Sendo assim, a depreciação do valor da parcela sobrante é uma consequência indirecta da afectação da parcela expropriada ao fim de terminante da expropriação, devido à construção da A7/IC5, nos termos do art. 29°, n.º 2, do C.E., e por isso tais prejuízos resultantes da desvalorização por perda de vistas e luz, ruido de rolamento na sequência de tráfego rodoviário devem ser indemnizados e incluídos no valor total da indemnização;

21ª - Deve ser incluído na indemnização pela expropriação por utilidade pública, o valor relativo à perda de qualidade ambienta I;

22ª - Assim andou mal o Tribunal da Relação ao decidir como decidiu, não devendo ser alterada a sentença proferida na la instância, nesta parte;

23ª - Por todo o exposto, deve ser mantido na indemnização o valor relativo à perda da qualidade ambiental”.

         A Expropriante respondeu e, em ampliação do objecto do recurso, pediu, subsidiariamente, para o caso de procedência da revista, a redução do valor da depreciação e arguiu a nulidade do acórdão.

         2. - O recurso veio a ser admitido com o objecto limitado à questão de pretensão de a atribuição de uma indemnização pela perda de qualidade ambiental poder ou não ter lugar no âmbito do processo de expropriação, ao abrigo do disposto no art. 29º-2 do Código das Expropriações.

         Na mesma decisão que admitiu o recurso rejeitou-se, por inadmissível em razão do objecto possível do recurso independente, a ampliação requerida.

         3. - Vem assente a factualidade que segue.

a) Por despacho n.º 17818-G/2002, do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 183, de 9-8-2002, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência das expropriações das parcelas necessárias à construção da obra A7/IC5 – lanço Guimarães-Fafe – Sublanço Calvos-Fafe.

b) Entre as parcelas abrangidas pela citada Declaração de Utilidade Pública (DUP), encontra-se a parcela 229, com a área de 241 m2.

c) Do prédio urbano sito na freguesia de Antime, concelho de Fafe, inscrito na matriz predial da respectiva freguesia sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º …, e referente àquela parcela, apenas se destacam 180 m2.

d) De acordo com o Plano Director Municipal de Fafe, em vigor à data da DUP, a parcela 229 situa-se em “Áreas urbanas e urbanizáveis – aglomerados suburbanos e principais suburbanos”.

e) O teor da certidão predial de f. 70-72.

f) No prédio supra mencionado encontra-se um edifício com 2 pisos, rés-do-chão e andar. O rés-do-chão de 126m2 destina-se a comércio/serviços sem ocupação, arrecadações e garagem. O andar de 126 m2 destina-se a habitação. Encontra-se ainda um anexo de 74 m2.

g) O m2 da área de construção tem o valor de mercado de €430,00, e de €200,00, relativamente ao anexo.

h) O valor do m2 da área expropriada é de €34,40.

i) A área total do prédio supra mencionado é de 1500 m2.

j) Com a expropriação, a moradia existente no prédio perde vistas e luz face ao viaduto da A7, o que lhe provoca também o incremento de ruído de rolamento na sequência do tráfego rodoviário.

k) Na área de 180 m2 supra mencionada encontrava-se um tanque em blocos de cimento (…);

l) A AE ficou a cerca de 13m e a um nível muito superior ao da cobertura do edifício.

         4. - Mérito do recurso.

         4. 1. - Como ficou delimitada e definida a questão única que se coloca resolve-se em saber se os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por perda de qualidade ambiental – perda de vistas e luz e ruído produzido pelo tráfego rodoviário – são indemnizáveis ao abrigo do disposto no art. 29º-2 do C. Exp., vale dizer, no próprio processo de expropriação ou se, diferentemente, o devem ser em processo autónomo.

         Como todos estão de acordo, havendo expropriação por utilidade pública há impositivamente lugar ao pagamento da “justa indemnização” ao expropriado (arts. 62º-2 da Constituição da República e 1310º C. Civil), justa indemnização cujo critério de determinação é oferecido pelo art. 23º-1 do C. Exp. e encontra desenvolvimento, em caso de expropriação parcial, no art. 29º.

Assim, segundo aquele preceito, «a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data», mais esclarecendo o art. 24º-1 que «o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo (…)» enquanto no último, depois de se prever, como regra, a avaliação da pare expropriada e da parte não expropriada, a norma do n.º 2 estabelece que «quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou dela resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes,  especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada».

Sendo assim, como se escreveu no acórdão desta Secção de 7/7/2009 (proc. n.º 95/09.1YFLSB, relatado pelo Exmo. Cons. aqui 1º adjunto) “a base da indemnização é o valor real e corrente do bem no momento da declaração de utilidade pública, devendo atender-se ao valor normal que o bem alcançaria se fosse posto no mercado nessas circunstâncias. Estão, pois, excluídas indemnizações fundadas em meras expectativas de vantagens futuras ou em hipotéticos prejuízos”.

Diversamente do que sucede no campo da responsabilidade civil, em que a indemnização tende a cobrir todos os prejuízos causados ao lesado, na expropriação apenas abrange o valor da perda do direito que dela for objecto, visando a “restituição pela perda de direitos sobre os bens em curso de expropriação” (cfr. SALVADOR DA COSTA, “Código das Expropriações…”, 2010, pp. 144)

Aqui chegados, importa tomar posição sobre se os danos ambientais, causados não directamente pela expropriação, mas antes pelo resultado da construção da obra a que a expropriação se destinou e sua utilização, devem ser indemnizados no processo expropriativo, designadamente a coberto da previsão do art. 29º-2 citado.

Como é sabido, desde logo porque o acórdão recorrido o reflecte, existem duas correntes jurisprudenciais, sendo que sobre o tema também se tem pronunciado a doutrina.

Uma, excludente, e que se apresenta como maioritária, pelo menos nos Tribunais da Relação, defende, como o acórdão sob censura, que os prejuízos indemnizáveis no âmbito processo expropriativo deverão ser, apenas, os directamente resultantes da expropriação, deles se excluindo os que não resultam da expropriação em si mesma (da divisão do prédio), mas da construção da obra, ou seja, os prejuízos que não resultam directamente da expropriação, mas da obra realizada.

É a tese sufragada no acórdão deste Supremo Tribunal supra mencionado (com publicação nos “Sumários de acórdãos” e em www.colectaneadejurisprudencia.com), podendo ver-se, quanto à 2ª Instância, por todos, o acórdão da Relação do Porto de 23/01/2012 (CJ XXXVII-1-184)

Segundo outros, posição de que é expressão o acórdão do STJ de 10/01/2013 (proc. 3059/07.6TBBCL.G1.S1, IGFEJ, o nº 2 do art. 29º do C. Expropriações não confina a depreciação da parte restante a relevar no processo expropriativo ao prejuízo directo resultante da divisão do prédio. Se são conhecidos, podem e devem ser indemnizados imediatamente no processo expropriativo outros danos, nomeadamente os de diminuição da qualidade ambiental, quer derivem directamente do acto expropriativo quer da obra que define e incorpora a natureza desse mesma acto (cfr. quanto à jurisprudência nas Relações, o mencionado Ac. R.P., cit., pg. 187).

Não se discute, em qualquer caso, que os danos resultantes da obra que originou a expropriação devem ser indemnizados, seja no próprio processo expropriativo, como sustentam os defensores da última posição, seja em outro processo, designadamente em acção própria, como pode suceder com os donos de terrenos com habitações que não tenha sido abrangidas pela expropriação e que venham a ser prejudicadas pelos efeitos da obra e da sua utilização, como preconizado no acórdão recorrido e, em geral, na primeira das teses enunciadas.

A resposta à questão, assim delimitada, passa pela interpretação dos preceitos que regem sobre os critérios legais de justa indemnização, atendendo aos princípios gerais que incorporam e deles emanam.

E, assim sendo, adianta-se, tem-se por correcta, sendo, consequentemente, de acolher, a denominada posição maioritária.

 Como se referiu, a justa indemnização não visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

Ora, se assim é, avulta, de imediato, o princípio geral segundo o qual a indemnização devida deve ser fixada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.

Acontece que os prejuízos ambientais que, como os reclamados, decorrem da utilização ou modo de utilização da obra construída não podem deixar de ser entendidos como circunstâncias ou condições de facto surgidos posteriormente à d.u.p. e à própria conclusão da obra a que a expropriação se destinou, por isso que resultam da abertura ao trânsito da auto-estrada e do tráfego que nela passou a circular.

Incluir esta categoria de danos no que a lei define como “justa indemnização” é contrariar frontalmente o critério e princípio geral consagrado no art. 23º-1 (vd., neste sentido, ALVES CORREIA, RLJ, A. 136- n.ºs 2924e 3925, pg. 99).  

O n.º 2 do art. 29º, por sua vez, dispondo directamente sobre as expropriações parciais e respectivo cálculo, prevê a indemnização de danos ou depreciações resultantes da própria divisão do prédio ou de encargos, também resultantes da divisão, em que se incluem a diminuição da área edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes.

O que aqui está em causa é, segundo a norma, a depreciação ou outros prejuízos resultantes da divisão do prédio, sempre com referência ao referido princípio base do valor real e corrente do bem à data da declaração de utilidade pública.

Não estarão, portanto, por ela (norma) abrangidos os prejuízos que não resultam da expropriação em si mesma com divisão do prédio, mas da ulterior construção da obra a que se destinou a expropriação e sua utilização, enquanto prejuízos subsequentes não directa e necessariamente consequência da expropriação parcial.

A este propósito, também na doutrina, ALVES CORREIA (“Manual de Direito do Urbanismo”, II, 260-261) ensina que o n.º 2 do art. 29º prevê a “indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados (Folgekosten ou Folgeshäden) ou laterais, isto é, prejuízos que são uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, a qual acresce à indemnização correspondente à perda do direito (Rectsverlust) ou à perda da substância (Substanzverlus) do bem expropriado (parte expropriada do prédio)”. E acrescenta: “A exigência de que os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio para que possam ser incluídos na indemnização implica que não possam ser abrangidos aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua causa em factores posteriores ou estranhos à expropriação”.

Solução diferente traduzir-se-ia na inclusão na indemnização por expropriação parcial de danos que não se apresentam como consequência directa da expropriação, mas antes indirecta, como são os prejuízos causados pela construção da auto-estrada e pelo tráfego rodoviário, não resultantes directa e imediatamente do acto expropriativo, mas, antes, do posterior desenvolvimento da actividade da entidade (a expropriante ou não) beneficiária da expropriação, a fazer valer noutra acção ou por outros meios (cfr., no mesmo sentido, embora não a título principal, o ac. STJ, de 18/02/2014 (proc. 934/11.7TBOAZ.S1; SALVADOR DA COSTA, ob. cit.,pg. 217e ainda P. ELIAS DA COSTA, “Guia do Processo de Expropriações”, pg. 319 e P. CANSADO PAES, “Código de Expropriações”, pg. 99).

 Não pode acompanhar-se, assim, a posição doutamente defendida no citado acórdão deste Supremo de Janeiro de 2013 ao estender o âmbito de indemnizabilidade contemplado no art. 29º-2 ao terreno dos danos indirectos resultantes da utilização da obra com fundamento em que a expropriação “não é um acto administrativo que se esgote em si mesmo, mas é um acto administrativo dirigido a uma finalidade específica e concreta, sem a indicação da qual não é possível afirmar o interesse público que suporta a legalidade do processo”, sendo que (…) “ se sem obra não há expropriação, uma não vive sem a outra, então não se poderá dizer (a não ser do ponto de vista estritamente fáctico) que os prejuízos dela resultantes sejam uns da expropriação, outros da obra..., de tal maneira que não possam, nem devam, ser indemnizados todos unitariamente”.

  

         É que, se bem vemos, como se conclui do atrás exposto, o problema jurídico que se coloca não consiste apenas na determinação de uma relação de causalidade como requisito do direito à indemnização, em que tanto podem caber os danos directos como os indirectos - pois que releva, não só a causalidade directa como indirecta como pressuposto do direito à indemnização -, com resposta a assentar em razões de economia processual, mas na fixação do conteúdo normativo dos princípios e critérios estabelecidos para a “justa indemnização” na expropriação (total ou, em especial, parcial) que a delimitam e preenchem, definindo a fonte da obrigação, de modo a excluir a abrangência de danos indirectos como o da perda de qualidade ambiental resultante do funcionamento da auto-estrada e, consequentemente, a sua ressarcibilidade nos termos especialmente previstos para o cálculo e atribuição da justa indemnização no processo de expropriação.

         4. 2. - Em síntese final, e respondendo à questão enunciada como objecto do recurso, poderá dizer-se:

   - Os prejuízos indemnizáveis no âmbito processo expropriativo deverão ser, apenas, os directamente resultantes da expropriação, deles se excluindo os que não resultam da expropriação parcial em si mesma - da divisão do prédio -, mas da construção e utilização da obra realizada, só indirectamente são resultantes da expropriação.

   - Os prejuízos resultantes de desvalorização da parte sobrante de um prédio objecto de expropriação, para construção de uma auto-estrada, por perda de qualidade ambiental – perda de vistas e luz e ruído produzido pelo tráfego rodoviário – não são indemnizáveis ao abrigo do disposto no art. 29º-2 do C. Exp., vale dizer, no próprio processo de expropriação.

         5. - Decisão.

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

  - negar a revista;

  - manter a decisão impugnada; e,

  - condenar os Recorrentes nas custas.

                                      Lisboa, 9 Julho 2014

                                      Alves Velho (relator)

                                      Paulo Sá

                                      Garcia Calejo