Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
298/06.0TBSJM.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE FUNCIONAL
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I) – Se a actividade profissional da Autora, pese embora a incapacidade permanente que a afecta em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação de que foi vítima, não implicou a perda de rendimentos laborais, porquanto ao tempo do sinistro estava aposentada da sua profissão de funcionária pública, o que há a considerar como dano patrimonial futuro é o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

II) – Havendo dano biológico importa atender às repercussões que as lesões causaram à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, ou sociais.

III) – A incapacidade parcial permanente, afectando ou não, a actividade laboral, representa, em si mesmo, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria de meros danos não patrimoniais.

IV) – A compensação por danos não patrimoniais tem uma componente punitiva devendo, pelo seu montante, reflectir o grau de censura da actuação do lesante.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, intentou, em 6.2.2006, pelo Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira – 2º Juízo – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

E... S..., Companhia de S..., S.A., agora BES, Companhia de S..., S.A.

Pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 33.563,00, acrescida de juros moratórios desde a citação até efectivo pagamento, a título de danos morais, bem como a quantia que liquidou, ulteriormente, de € 160.000,00, também acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento, tudo no total de € 193.563,00.

Para tanto alega, em síntese, que foi atropelada pelo segurado da Ré, numa passadeira, com culpa deste, tendo sofrido diversos danos e que pretende ver ressarcidos por esta via.

A Ré contestou, aceitando que na data, hora e locais referidos pela Autora ocorreu um acidente de viação em que foram interveniente o veículo 72-62-MZ e a Autora.

No mais, com excepção do auto de participação de acidente e da certidão narrativa emitida pela Conservatória de Registo Civil de Oliveira de Azeméis, a Ré impugnou o alegado pela demandante.
***


Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré, “BES, Companhia de S..., S.A.”, a pagar à Autora, AA, as seguintes quantias:

“- € 40.500,00 para a perda da capacidade de ganho;

- € 1.063,00 pelas despesas com material médico e deslocações;

- € 52.000,00 (€12.000,00+€40.000,00) para a ajuda de terceira pessoa;

- e € 40.000,00 para indemnização de todos os danos não patrimoniais, tudo no total de € 133.563,00;
Absolvendo a Ré do mais que lhe vinha pedido.
A estas quantias acrescem os respectivos juros moratórios, contados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, exceptuando os juros respeitantes aos danos morais que só se vencerão a partir da data desta sentença”.
***
Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 9.12.2008 – fls. 481 a 487 – julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença apelada.

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De novo inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões;

I – Salvo o devido /respeito por opinião contrária, entende a Recorrente que nenhuma quantia é devida à Autora a título de incapacidade de ganho.

II – À data ao acidente a Autora já se encontrava reformada e esta não provou, nem tão pouco alegou, que o acidente lhe tivesse causado qualquer perda de ganho.

III – E nem se diga que a Autora se encarregava da lide doméstica, tarefa de que agora já se não pode ocupar, porquanto tal circunstancialismo foi apreciado a propósito da indemnização a atribuir à Autora pela necessidade de contratação de terceira pessoa para o desempenho dessas mesmas funções.

IV – Na verdade, a fixação do valor da indemnização concedida a Autora em virtude da referida necessidade de contratação de terceira pessoa foi objecto de apreciação própria, separada e independente, da qual resultou um quantitativo indemnizatório autónomo e específico.

V – O douto Acórdão proferido deve ser revogado e substituído por outro que não atribua qualquer quantia indemnizatória à Autora a título de perda de capacidade de ganho.

VI – O valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros) fixado a título de indemnização de dano moral é, atento os padrões hodiernos de indemnização desse tipo de dano, excessivo, para além de se encontrar injustificadamente próximo do valor indemnizatório do dano vida.

VII – Deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por douto acórdão que fixe em € 20.000,00 (vinte mil euros) o montante de indemnização pelos danos sofridos pela Autora.

VIII – Sem prescindir, refira-se que a fixação do quantitativo indemnizatório arbitrado à Autora a título de danos morais assentou na consideração de variados critérios, entre os quais se destacam os seguintes: IPP de 35%, acrescida de 5% de dano futuro e incapacidade para o exercício de actividades domésticas.

IX – Ambos os critérios acima indicados serviram de suporte/fundamento à fixação do montante atribuído à Recorrida por suposta perda de capacidade de ganho, tendo o segundo desses critérios suportado, ainda, a outorga de um montante pela necessidade de contratação dos serviços de terceira pessoa.

X – Salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido, ao considerar os mesmos critérios na fixação de montantes indemnizatórios de natureza distinta conduziu a uma duplicação ilegítima de valores.

XI – O douto Acórdão recorrido, ao decidir como se acabou de referir, viola o disposto nos artigos 483.° e segs., 496.°, 562.° e segs., 473.° e segs, todos do Código Civil.

A Autora contra-alegou, batendo-se pela confirmação do Acórdão.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 13 de Novembro de 2003, cerca das 09,25 horas, BB, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ...-...-..., propriedade da “Clínica de Medicina D... da T...”, na Av. ..., nesta cidade de S. João da Madeira, no sentido Norte/Sul (A);

2. O local é uma recta e a faixa de rodagem tem a largura de 6,80 metros (B);

3. Em frente ao estabelecimento comercial “T... D...”, sito naquela Avenida, existe uma passagem de peões devidamente assinalada com sinalização no piso da estrada (C);

4. Por essa passadeira seguia a Autora, atravessando a avenida, do lado direito para o lado esquerdo (atento o sentido de marcha do veículo automóvel) (D);

5. Para respeitar a passagem da Autora, o veículo automóvel conduzido por CC, parou na sua faixa de rodagem (junto ao passeio do lado direito em atenção ao seu sentido de marcha) (E);

6. Já a Autora havia transposto mais de metade da passadeira para peões, quando surgiu o veículo automóvel ...-...-..., a uma velocidade não inferior a 70 km/h (F);

7. O referido condutor não deu a menor atenção à existência da passadeira, não abrandou a marcha, não tomou os mínimos cuidados, prosseguindo com a velocidade que levava, indo embater na Autora, com a parte da frente do seu veículo, tendo-a projectado (G);

8. A Autora nasceu em 18 de Janeiro de 1946 (H);

9. O proprietário do veículo ...-...-..., havia, à data do acidente, transferido a responsabilidade civil decorrente de acidentes com a circulação dessa viatura para a Ré seguradora, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice nº 87902001 (I);

10. Em consequência do acidente a Autora ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Geral de 35%, à qual acresce a título de dano futuro mais 5%, com dependência de ajudas medicamentosas e técnicas (J);

11. A Autora foi projectada a uma distância de 10,20 metros do extremo Sul da passadeira (1º);

12. Em virtude do acidente a Autora deu entrada, em 13 de Novembro de 2003, no Serviço de Urgência do Hospital Distrital de S. João da Madeira, apresentando fractura cominutiva dos ossos da perna esquerda, fractura bimaleolar direita e luxação do ombro direito (2º);

13. Operada no mesmo dia, foi feita redução da luxação do ombro direito, imobilização do tornozelo direito com bota engessada e encavilhamento da tíbia esquerda com vareta de Kuntscher e três parafusos de compressão intra-fragmentar (3º);

14. No pós-operatório, desenvolveu na face anterior interna da perna esquerda extensa área de necrose de pele, tendo sido feito o tratamento adequado, durante este período desenvolveu infecções necróticas na pele e bacterianas no foco de fractura e zona cruenta, tendo feito anti-bioterapia, iniciou carga parcial, em 6 de Fevereiro de 2004, assim como fisioterapia aos tornozelos e ao joelho esquerdo (4º);

15. Teve alta para a Consulta Externa em 16 de Março de 2004, mas em 13 de Maio de 2004, foi internada devido a osteíte da tíbia esquerda na zona de fractura, assim como pseudartrose, tendo sido feita extracção de material, limpeza cirúrgica e sutura de admissão-aspiração, mantendo antibioterapia, tendo tido alta para a Consulta Externa, não fazendo carga e imobilizada com tala de Dupuy (5º);

16. Em 13 de Julho de 2004 foi de novo internada para aplicação de fixador externo Ilizarov para transporte ósseo e estabilização de zona de fractura, tendo tido alta a 21 de Julho de 2004 (6º);

17. E foi internada novamente, em 24 de Agosto de 2004, com diagnóstico de celulite na perna esquerda tendo feito tratamento antibiótico, tendo alta a 24 de Setembro de 2004 (7º);

18. E teve novo internamento, em 13 de Outubro de 2004, devido a edema interno da perna esquerda tendo alta após regressão do mesmo (8º);

19. Em 20 de Março de 2005, foi internada por extracção de aro intermédio do fixador externo por iniciar carga em canadianas, visto o transporte ósseo ter terminado (9º);

20. Esteve internada neste Serviço de Ortopedia por extracção de fixador externo, feita em 22 de Agosto de 2005, e confecção de perneira de polietileno para permitir carga sem limitações (10º);

21. Em Novembro foi pedida TAC dos ossos da perna esquerda, verificando-se consolidação posterior da tíbia permitindo carga sem limitação, apresentando no entanto pequena solução de continuidade anterior (11º);

22. Mantém, no entanto, dores com alguma incapacidade funcional do tornozelo direito, que apresenta artrite da articulação por desequilíbrio dinâmico que poderá levar a cirurgia de correcção a curto/médio prazo, pelo que mantém apoio externo de canadiana (12º);

23. Em consequência do acidente a Autora ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Geral de 35%, à qual acresce a título de dano futuro mais 5%, com dependência de ajudas medicamentosas e técnicas (14º);

24. A Autora era funcionária pública e encontra-se reformada (15º);

25. A Autora para além da sua actividade profissional, sempre tratou da lide da sua casa do seu agregado familiar composto por si, pelo seu marido que é pessoa doente e inválido e de uma tia, que também é doente e tem já 76 anos de idade (16º);

26. Desde a data do acidente até ao presente, a Autora tem estado incapacitada para exercer as suas actividades, mesmo da sua higiene pessoal, tratar da sua casa e do seu agregado familiar (17º);

27. E viu-se obrigada a contratar uma mulher para fazer o seu trabalho, a quem paga em média a quantia de € 15,00 por dia (18º);

28. Tendo já pago, desde a data da propositura da acção, a quantia de € 12.000,00 (19º);

29. A Autora vai continuar impossibilitada de fazer o seu trabalho e a ter que pagar a uma mulher para fazer o trabalho (20º);

30. À data do acidente a Autora gozava de boa saúde e era apta para o trabalho (21º);

31. Por duas canadianas e uma andadeira, a Autora pagou à “O... S..., U..., Lda.”, a quantia de 65,00 € (22º);

32. Por duas meias elásticas, a Autora pagou à “O... S..., U... Lda.”, a quantia de € 53,28 (23º);

33. Por uma perneira em polietileno, a Autora pagou à “O... S..., U..., Lda.”, a quantia de € 132,30 (24º);

34. Na compra de medicamentos, a Autora pagou € 189,19 (25º);

35. E em transporte realizado pelos Bombeiros Voluntários de S. J... da M..., Autora despendeu a quantia de € 23,24 (26º);

36. Em viagens para tratamentos e consultas médicas, em razão do acidente, ao Hospital Distrital de S. J... da M... e a outras instituições hospitalares, a autora despendeu a quantia de € 600,00 (27º);

37. Desde a data do acidente até ao presente, a Autora sofreu dores profundas e prolongadas, assim como angústia pela gravidade dos ferimentos, tendo estado sujeita a dolorosas cirurgias, tratamentos, medicações e análises (28º);

38. A Autora continua e continuará sempre impossibilitada para fazer o seu trabalho (30º);

39. E necessitando da ajuda de uma mulher para cuidar da sua higiene pessoal, e bem assim para tratar da sua casa e do seu agregado familiar (31º);

40. Desde a data da entrada da petição inicial em Juízo – 6/2/2006 – até hoje a Autora continuou em tratamentos dolorosos, consultas e foi sujeita a medicações e análises múltiplas (32º);

41. O que ainda hoje acontece, mantendo-se a Autora em seguimento nas consultas externas de ortopedia (33º);

42. A incapacidade da Autora causa-lhe profunda mágoa, desgosto e prostração (34º);

43. Sentimentos esses agravados pelo elevado grau de incapacidade de que padece (35º);

44. E que a converteu numa pessoa doente, limitada e inválida (36º);

45. Quando antes do acidente era uma mulher válida e cheia de saúde (37º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se os montantes atribuídos à Autora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, pecam por excessivos, o que passa por saber se estando a Autora já reformada, as lesões físicas que a afectam implicam perda de capacidade de ganho e se a indemnização por danos patrimoniais sofridos, deve ser cumulada com a quantia que se destina a custear despesas com terceira pessoa de cuja ajuda a recorrente carece.

A recorrente sustenta que, sendo a Autora reformada e não exercendo qualquer profissão, a sua capacidade de ganho, não obstante a incapacidade que agora a afecta, não foi prejudicada, pelo que a esse título nada deve receber, e que tendo a indemnização arbitrada contemplado essa perda de capacidade de ganho – se se admitir que assim deva ser – existe duplicação da indemnização quando o Tribunal atribui uma quantia para que a Autora possa pagar os serviços de terceira pessoa.

Quanto aos danos não patrimoniais entende ser excessiva a compensação de € 40.000,00 por se situar muito perto da compensação atribuída por perda do direito à vida.

Não se discute que a culpa pela eclosão do acidente que vitimou a Autora, foi da culpa exclusiva do condutor segurado da Ré.

Vejamos:

Sem dúvida que, in casu, se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual, pressupostos que, aliás, são comuns à responsabilidade civil contratual, a saber; facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, e nexo de causalidade entre facto e dano.

“ (...) Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...)”- cfr. inter alia Ac. deste STJ, de 10.3.1998, in BMJ 475-635.

A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar” – A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág.591, 7ª edição.

Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”.

Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

“O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (ibidem, pág. 593).

A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais a lei contempla também a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, do Código Civil.

O art. 566º do citado Código, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade.

Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1 do art. 566º do Código Civil.

“A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” – A. Varela, obra citada, pág. 906.

A lei consagra, assim, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2, do Código Civil.

Manda ainda a lei – art. 564º, nº2, do Código Civil, atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis.

O nº3, do art. 566º do Código Civil, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível, face, mormente à imprecisão dos elementos de cálculo a atender, fixar o valor exacto dos danos.

É entendimento pacífico entre nós que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida – cfr. Acs. STJ de 17/2/92, in BMJ, 420, 414, de 31/3/93 in BMJ, 425, 544; de 8/6/93 in ACSTJ, II, 138; de 11/10/94 in ACSTJ, II, 8916/3/99 in ACSTJ, I, 167; de 15/12/98 in ACSTJ, III, 155.
No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar, pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a alguns métodos [...].
[…] Contudo, a posição jurisprudencial uniforme é a de que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque "na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que tornam único e diferente" – cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in ACSTJ, I, 129; 5/5/94 in, CSTJ, II, 86; de 28/9/95, in ACSTJ, III, 36; de 15/12/98, in ACSTJ, 111, 155.
Note-se, aliás que, esse Ac. STJ de 5/5/94, que, além de outros, divulgou a célebre forma matemática afirma desde logo “que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras” – citámos excerto do Estudo Publicado na Revista “Sub Judice”, nº17, 2000, Janeiro/Março, pág.163.

O recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil.
Mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade.

Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas.

Como, lapidarmente, se pode ler no Acórdão deste STJ, de 18.3.97, in CJSTJ, 1997, II, 24:

Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.

A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida.

Aqui chegados cumpre dirimir a primeira questão suscitada pela Ré – qual seja a de que pelo facto de Autora ao tempo do acidente ser reformada da função pública, não obstante ter ficado permanentemente afectada de IPP de 35%, a que no futuro acrescerão 5%, não verá diminuído o seu rendimento futuro e, por tal, nenhum dano indemnizável sofreu.

Relembremos que a Relação, por perda de capacidade de ganho da Autora condenou a Ré a pagar-lhe € 40.500,00 considerando a gravidade das lesões e o facto da Autora ter 57 anos de idade bem como a expectativa de vida até aos 81,8 anos segundo dados do INE.

No caso dos autos do ponto de vista da actividade profissional da Autora, pese embora a incapacidade permanente que a afecta, o facto disso não implicar a perda de rendimentos laborais, porquanto ao tempo do sinistro estava aposentada da sua profissão de funcionária pública o que há a considerar como dano futuro é o dano biológico já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

O que está em causa é o dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.

“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.

O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida. Se a Autora, não obstante estar reformada precisar de trabalhar, a sua aptidão funcional está comprometida em 40% havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida.

Ademais, no caso dos autos, a incapacidade afectou a vida pessoal da Autora ao ponto de não poder, sequer, cuidar da sua higiene pessoal, precisando do auxílio de terceira pessoa para executar as lides caseiras.

“A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima.
É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt.

“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.

A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais.

A Autora, apesar da sua idade [à data do acidente tinha 57 anos] – era pessoa saudável e executava toda a lida doméstica, cuidando do seu marido pessoa doente e inválida e de uma tia doente com 76 anos.

As sequelas do acidente fizeram com que deixasse de poder executar tais tarefas, carecendo do auxílio de terceira pessoa para as executar.

Além de deixar de poder cuidar de si – perda de autonomia da vida pessoal – deixou de poder executar a sua actividade familiar.

O trabalho doméstico, no contexto da vivência familiar, tem um valor avaliável em dinheiro ainda que nenhuma remuneração haja; por outro lado, pese embora a idade da lesada à data do acidente, ela executava sem auxílio de ninguém as tarefas da casa, sinal que a sua capacidade laboral, ainda que para aquelas funções, existia e ficou afectada com o acidente.

A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.

Assim sendo e com recurso à equidade – art. 566º, nº3, do Código Civil – não merece censura a indemnização fixada pelas instâncias.

Pelo que deixamos entrever o facto da Autora não ter perdido rendimentos em consequência da lesão não invalida que seja ressarcida por causa da IPG que a afecta.

Esse dano é indemnizável em si mesmo como dano patrimonial.

O facto da natureza e consequência das lesões demandar o auxílio de terceira pessoa não constitui qualquer duplicação da indemnização já que as despesas que a Autora terá que custear são consequência do facto de, por não poder dispor de autonomia física, ter de ser assistida por outra pessoa a quem terá que pagar um salário.

Trata-se de um dano emergente, patrimonial, que não é consumido pela indemnização pela perda de capacidade de ganho.

Também aqui haverá que, numa perspectiva de equidade, ponderar que esse auxílio perdurará pelo tempo de vida da Autora, devendo atender-se à expectativa de vida estatística, da longevidade como pessoa do sexo feminino, devendo ponderar-se, também, o custo da evolução salarial desse prestador de serviços, pelo que considerando a expectativa de vida da Autora, cerca de 24 anos, não se afigura violadora da equidade a indemnização que as instâncias atribuíram – € 40.000,00.

Quanto aos danos não patrimoniais:

Dispõe o art. 496º do Código Civil:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (...)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compen­sados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (A.Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l.°-571)

São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil.

Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501;

“O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
E deve ser propor­cionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.

Neste sentido pode ver-se, “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444:

“ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.

No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos corporais de gravidade, que deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível corporal/estético.
Assim releva no prisma – danos não patrimoniais – entre outra a seguinte factualidade: a incapacidade da Autora causa-lhe profunda mágoa, desgosto e prostração; sentimentos esses agravados pelo elevado grau de incapacidade de que padece e que a converteu numa pessoa doente, limitada e inválida, quando antes do acidente era uma mulher válida e cheia de saúde.

O acidente foi causado por culpa exclusiva do segurado da Ré que colidiu com a Autora, em consequência de uma condução grosseira, imprudente – foi projectada a uma distância de 10,20 metros do extremo Sul da passadeira – que provocou lesões graves geradoras de uma incapacidade permanente geral de 35% + 5%.

Foi internada várias vezes e submetida a intervenções cirúrgicas mantendo-se e carecendo de tratamento.

O facto de estar impossibilitada de autonomamente fazer a sua vida, ao ponto de carecer do auxílio de terceira pessoa para actos tão vitais como cuidar da sua higiene, sem dúvida que constitui dano moral que deve ser compensado, sendo que a censurabilidade da conduta do segurado da Ré é um dos factores a ter em conta na fixação da compensação em dinheiro, como lenitivo para a dor psicológica e moral e também para o sofrimento físico que perdurarão na memória da Autora.

Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas.

Assim, Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.

Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299.

Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.

Nesta perspectiva, entendemos que a compensação de € 40.000,00 se afigura equitativa, nas concretas circunstâncias do acidente.

Sempre se dirá que a alusão que a recorrente faz ao valor que os Tribunais atribuem pela perda do bem vida, não implica, jurisprudencialmente, que, pela lesão de outros valores e sua magnitude, os tribunais se devam auto limitar por uma compensação-padrão que seria a negação do juízo de equidade, critério que postula, antes de tudo, a consideração do caso concreto.

Pelo quanto dissemos o Acórdão não merece censura.

Decisão:

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pela Ré/recorrida.


Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Maio de 2009


Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova