Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2743/13.0TBTVD.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
ADVOGADO
DEVER DE DILIGÊNCIA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- MANUEL ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, p. 628;
- PAULO MOTA PINTO, Direito Civil-Estudos, GESTLEGAL, p. 799 e 809 ; Perda de Chance Processual, Estudos em homenagem ao Conselheiro Rui Moura Ramos, Tribunal Constitucional, 2016, Coimbra, Almedina, 2016, vol. II, p. 1283-1323.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2015, PROCESSO N.º 5105/12, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 14/06, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-01-2017, PROCESSO N.º 540/13, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-03-2017, PROCESSO N.º 389/14.4T8EVR.E1.S1.
Sumário :
I - Pelo contrato de mandato forense o advogado não se obriga a ganhar a causa mas constitui-se, incontornavelmente, no dever de tratar com o maior empenho e zelo a questão, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – em suma, diligência profissional –, em vista a lograr tal almejado resultado.

II - Com o seu comportamento omissivo – traduzido, nomeadamente, na falta de junção aos autos de procurações pelos co-réus seus representados, do rol de testemunhas e de certos documentos, bem como em duas faltas à audiência de julgamento sem que tenha informado o seu cliente dessas omissões e sabendo das respectivas consequências - infringiu o réu, mandatário forense, de forma altamente grave e censurável os deveres profissionais em que se achava constituído, descurando a prática de relevantes actos processuais absolutamente exigíveis por um patrocínio diligente, conforme às regras estatutárias e deontológicas aplicáveis ao exercício do seu múnus.

III - Para que a indemnização do dano de perda de chance processual tenha lugar não basta que, em abstracto, os termos da pretensão se apresentem com condições de viabilidade, mas antes, e bem diferentemente, que, passando por idóneo suporte probatório, se evidencie o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança de tal pretensão; de que não fora a chance perdida e o patrocinado muito provavelmente obteria – ao menos em certa medida – a procedência dessa mesma pretensão.

IV - Tal evidenciação da exigida probabilidade pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento” relativamente ao qual o lesado deve fornecer os elementos para prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado, enquanto ao tribunal cumpre fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado.

V - No caso presente, posto que não se possa ter por completamente excluída a probabilidade de o ora autor haver logrado evitar o prejuízo resultante da acção, não fora a conduta negligente assumida pelo réu, não vai tal probabilidade além disso, ou seja, não se apresenta dotada do requisito de elevada probabilidade ou verosimilhança, indispensável para que a chance ou oportunidade como tal perdida se perfile susceptível de fundadamente assegurar àquele uma indemnização.

VI - Pode, contudo, ser fixada uma indemnização pelos danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pelo ora autor com a negligente conduta do seu mandatário, a qual se mostra adequado ser fixada em € 10 000,00, por resultar provado que o autor: (i) sofreu, nomeadamente, ansiedade, nervosismo e estado depressivo após ter tido conhecimento das condutas do réu; (ii) vive num estado de desespero e inquietação por causa do agravamento da sua situação financeira, o que afectou a sua vida profissional e familiar e; (iii) em consequência das penhoras entretanto efectuadas sobre os seus imóveis teve dificuldade em renegociar empréstimos junto da sua instituição bancária e teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]




I – RELATÓRIO

1. AA propôs contra BB a presente acção com processo comum, pedindo a condenação daquele a pagar ao A. a quantia de € 224.945,04, a título de indemnização pelos danos alegadamente decorrentes da actuação do R., na qualidade de mandatário judicial.

2. Contestou o R., impugnando a ocorrência dos invocados danos e concluindo pela improcedência da acção.

3. Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, condenando-se o R. a pagar ao A. a quantia de € 76.033,88, absolvendo-o do restante pedido.

4. Inconformado, o R. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual – por Acórdão de fls. 582 e ss.- , lhe concedeu parcial provimento, condenando o R. a pagar ao A. a quantia de € 7.294,00, absolvendo-o do demais peticionado.

5. Por sua vez discordante, o A. interpôs o vertente recurso de revista para este Supremo, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, conhecendo parcialmente do recurso interposto pelo aqui Recorrido, entendeu haver inexistido prova suficiente que, no caso concreto, permitisse a condenação do Recorrido em indemnização pelo dano de perda de chance;

B. Igualmente, vem o presente recurso interposto da parte daquela decisão que reduziu o montante arbitrado a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo aqui Recorrente, bem como relativamente aos montantes despendidos pelo ora Recorrente com o patrocínio judiciário na demanda, custas e multas suportadas e honorários de agente de execução suportados em ulterior acção executiva;

C. Entende o ora Recorrente que o Acórdão de que ora se recorre mal andou ao considerar parcialmente procedente o recurso interposto pelo aqui Recorrido e, em suma, que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância sempre haveria de ter sido mantida porque isenta de qualquer censura e, acima de tudo, justa!

D. Entendeu o Venerando Tribunal "a quo" ser de revogar a decisão então proferida por, no seu entender, não haver sido estabelecida qualquer prova acerca da probabilidade elevada de um desfecho mais favorável caso tivesse sido outra a conduta do aqui Recorrido no desempenho do patrocínio forense que se lhe encontrava confiado;

E. O Recorrente não se conforma, nem se poderia conformar com tal entendimento porquanto, e conforme revela a Douta Sentença proferida em 1.ª Instância, a ponderação acerca da credibilidade da chance perdida pelo ora Recorrente foi devidamente efectuada, dentro daquilo que se afigura possível, no âmbito do apelidado "julgamento dentro do julgamento";

F. Demonstrado e provado ficou nos Autos que a conduta do Recorrido, não só o fez perder a chance de evitar o prejuízo decorrente da perda da demanda e de ver apreciado o pedido reconvencional formulado como, ademais, demonstrado ficou que a conduta do Recorrido, inclusivamente, agravou a posição do ora Recorrente;

G. Na humilde opinião do ora Recorrente o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação aparenta exigir uma prova que não só se afiguraria muito difícil como, em bom rigor, resultaria praticamente impossível, quando, é certo, precisamente por conta dessa impossibilidade, pela destrinça existente entre a chance enquanto dano autónomo e o próprio dano consubstanciado no resultado obtido ou não obtido e a própria alea que gira em torno de todo e qualquer caso onde se suscite uma hipótese de perda de chance, vem sendo entendido que o nexo de causalidade não deverá, aqui, ser perspectivado e entendido como o fez o Digníssimo Tribunal recorrido;

H. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que «não contém a matéria provada elementos bastantes para permitir concluir que, caso houvesse o apelante usado na sua actuação da máxima diligência, não viesse a ocorrer, em idênticos termos a condenação do apelado no pagamento da quantia reclamada na acção contra si movida - ou obtivesse procedência o pedido reconvencional na mesma deduzido», o que, desde logo e a nosso ver, nem sequer se compadece com a apreciação e autonomização da chance perdida, porquanto, caso assim fosse, caso demonstrado houvesse ficado que não fosse a conduta do ora recorrido, o aqui Recorrente não teria tido decaimento na acção, teria tido outro decaimento que não aquele ou teria obtido ganho de causa no pedido formulado, então, nesse caso, a indemnização a arbitrar não seria pela perda da chance mas antes sim, e verdadeiramente, pelo dano sofrido, consubstanciado como o resultado que a chance visava alcançar;

I. Tratam-se de duas realidades absolutamente distintas: num caso a chance enquanto dano patrimonial de natureza autónoma, noutro o prejuízo efectivo consubstanciado na perda da demanda e que, como tal, merecem tratamento diferenciado;

J. A chance, de forma a ser concebida como dano autónomo em si mesmo, não carece, conforme sustentou a decisão aqui recorrida, do estabelecimento de prova de que outro teria sido o resultado obtido, tal seria confundir o dano de perda de chance com o dano decorrente da perda efectivamente sofrida no pleito;

K. Diferentemente, para que a chance seja portadora de um valor em si mesma o que se exige é que a mesma surja como actual, real e séria, não no sentido de se afirmar que, não fosse a conduta lesiva, não se haveria produzido o resultado "X", mas antes que a conduta lesiva irremediavelmente fez perder a outrem a chance credível de evitar um determinado prejuízo ou obter uma determinada vantagem;

L. Se assim o é, como é bom de se ver, não faz, nem fará, qualquer sentido tentar-se estabelecer e/ou apreciar um qualquer nexo causal entre a conduta lesiva e o resultado final obtido ou perdido, porquanto se o dano a relevar for o da perda de chance em si mesma o nexo causal sempre haverá de ser apreciado à luz desse dano autónomo e não qualquer outro;

M. O julgamento dentro do julgamento, a que a decisão recorrida se reporta e contrariamente ao que ali vai dito, foi efectuado;

N. Tendo-o sido dentro daquilo que era possível, ou seja, foi-o no sentido de se aferir abstractamente, já que em concreto nunca seria possível, se a chance cujo ressarcimento se peticionou se afiguraria idónea, credível e séria;

O. Exigir prova como aquela que a decisão recorrida refere afigurar-se-ia impossível e redundaria na existência de condutas ilícitas, culposas e altamente censuráveis do prisma da culpa mas que, no entanto, permaneceriam sem sanção ou sanção suficiente, porquanto absolutamente impossível se afigura provar o grau de probabilidade que, em concreto, mereceria qualquer uma das pretensões formuladas

P. Da conduta (gravemente) omissiva do Recorrido resultou a ausência de junção de prova documental, a ausência, em bom rigor, de qualquer actividade probatória que suportasse o alegado pelo aqui Recorrente e, bem assim, a ausência de junção de procurações forenses a determinar uma rejeição liminar do pedido reconvencional;

Q. Impossível se afigurava qualquer outro exercício que não aquele que o Douto Tribunal de 1.ª Instância empreendeu, isto é apreciar o conteúdo da defesa e pedido reconvencional deduzidos, analisando e apreciando, no abstracto, os factos alegados de sorte a obstar à procedência da acção interposta/ as excepções deduzidas, factos substanciadores do pedido reconvencional deduzido e, ainda que perfunctoriamente, procedendo a um breve enquadramento jurídico desses mesmos factos em ordem a analisar os desfechos possíveis;

R. Mais do que isso

S. Afigurar-se-ia impossível porquanto da conduta omissiva do aqui Recorrido resultou uma total impossibilidade de sustentação probatória dos factos alegados, quer numa sede (defesa por impugnação e excepção), quer noutra (defesa reconvencional), pelo que, in casu, apenas se afigurava possível analisar e apreciar se dos factos alegados e defesa deduzida no seu todo se afiguraria, abstractamente, possível a obtenção de um resultado outro que não aquele que se veio a verificar;

T. Se é certo que não nos é possível averiguar o grau concreto de probabilidade de procedência ou improcedência das pretensões formuladas pelo então Réu (aqui Recorrente) não menos certa se afigura a circunstância de na contestação então apresentada terem sido contraditados todos os factos articulados de que dependia a então procedência da pretensão formulada pela contraparte, terem sido deduzidas excepções que, em abstracto, detinham a virtualidade de obstar à pretensão então formulada pela contraparte e, bem assim, de terem sido articulados todos os factos essenciais que substanciavam o pedido reconvencional dirigido contra a então Autora;

U. O Douto Tribunal de 1.ª Instância, no seu prudente e livre arbítrio, face ao teor do que os Autos ofereciam formulou convicção prudente no sentido de existir a possibilidade de verificação de qualquer um daqueles resultados, convicção essa última que, salvo melhor opinião que se concede, situando-se no patamar dos 50% para qualquer um dos resultados, já se afigura de per si suficiente em ordem a erigir, e assim considerar, a chance perdida enquanto utilidade séria, actual, real e idónea irremediavelmente perdida e, portanto, enquanto um dano autónomo em si mesmo

V. Não se mostra correcto o entendimento sufragado na decisão de que ora se recorre no sentido de não haver sido provada a existência de uma chance credível ao ponto de ser/ dever ser considerada à luz do dano autónomo de perda de chance;

W. Pelo que, em conformidade, deverá a decisão ser revogada e substituída por uma outra que, considerando a efectiva verificação daquele dano, tal qual provado, conceda a indemnização peticionada, àquele título, pelo ora Recorrente até ao limite da condenação, então, proferida em 1ª Instância a título de dano de perda de chance.

X. Mostra-se bastante redutora a referência a meros incómodos quando dos factos provados resultou designadamente que o ora Recorrente "sofreu de ansiedade, nervosismo", "esteve em estado depressivo" após ter tido conhecimento das condutas do aqui Recorrido, "viveu num estado de desespero e inquietação por causa do agravamento da sua situação financeira, o que afectou na sua actividade profissional e vida familiar, teve dificuldade em renegociar empréstimos junto da sua instituição bancária e teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares, o que também lhe causou grande transtornos";

Y. Com o devido e merecido respeito, a Douta decisão recorrida parece-nos aqui ter atribuído uma indemnização que, diremos ser, meramente simbólica não traduzindo nem a medida dos danos que visa ressarcir, nem a gravidade do facto ilícito que redundou na lesão perpetrada;

Z. Efectivamente, considerar estados, comprovados, de ansiedade, nervosismo, inquietude, desespero e mesmo de vergonha no seio familiar e social como meros "incómodos" é ignorar os gravíssimos reflexos psicossomáticos que tais condições têm no bem-estar físico e psíquico de um dado individuo;

AA. O enquadramento dado pela Douta Decisão recorrida se afigura extremamente redutor e não tem, minimamente, em consideração a verdadeira dimensão e extensão dos danos não patrimoniais sofridos pelo ora Recorrente;

BB. Ainda que se trate de um critério meramente residual, haverá ainda que ter em devida linha de conta que a indemnização por danos não patrimoniais tendo, manifestamente, uma função compensatória e ressarcitiva dos prejuízos sofridos, assume também, e sem que com isso se assemelhe aos punitive damages do direito anglo-saxónico, uma função punitiva;

CC. Função essa que, aqui, dado o carácter grave da conduta, consequências da lesão e o extremamente elevado grau de culpa do Recorrido, não se vislumbra nem descortina em parte alguma;

DD. A Decisão de que ora se recorre, ao diminuir para metade o valor da indemnização que havia sido atribuído pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância, não teve em linha de conta nem a medida concreta dos prejuízos não patrimoniais sofridos, nem a medida da culpa dos factos ilícitos que desembocaram na produção daqueles prejuízos;

EE.  Pelo que, nesta parte, de forma humilde, porém convicta, entende-se que a decisão sob recurso violou o disposto no art. 496.°, n.° 1 e n.° 3,562.° e 566.°, n.° 3 todos do Código Civil (CC), pelo que, consequentemente, deverá a mesma ser, também nesta parte, revogada e substituída por uma outra que, considerando os danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente bem como elevadíssimo grau de culpa do Recorrido, fixe o montante de tal indemnização no montante de € 10. 000, 00 (dez mil Euros), conforme havia sido decidido na Sentença proferida em 1.ª Instância.

FF.  O Venerando Tribunal "a quo", de forma para nós algo imperceptível, entendeu que não ficando demonstrado que o ora Recorrente houvesse despendido tais montantes por conta da actuação do aqui Recorrido seria apenas devida a restituição de parte do montante, operando-se, nessa parte, uma redução para metade das quantias por aquele recebidas;

GG. Com o devido e merecido respeito, não se entende o entendimento sufragado na decisão ora recorrida, não podendo o ora Recorrente com o mesmo se conformar;

HH. Dos montantes pagos pelo ora Recorrente ao aqui ora Recorrido, afigura-se-nos líquido, salvo melhor entendimento que se concede, que a parcela paga a título de honorários devidos pela providência cautelar não intentada sempre haveria de ser restituída, na íntegra, ao aqui ora Recorrente, porquanto tal deveria tão-simplesmente decorrer das regras do enriquecimento sem causa;

II.   No demais pago pelo ora Recorrente a título de honorários, não se entende a redução a que procedeu o Douto Tribunal "a quo", entendendo-se que se mostra mais justa e equitativa a indemnização consubstanciada na restituição integral dos montantes pagos pelo ora Recorrente ao aqui ora Recorrido que, em bom rigor, pouquíssimo ou nada fez a não ser apresentar uma contestação que nem sequer cuidou de instruir probatoríamente e, claro está, cobrar honorários...

JJ.   Quanto aos quantitativos elencados sob as alíneas b) e c) de 41.° da matéria de facto provada, salvo melhor entendimento que se concede, indubitável é que a fasquia correspondente a multas processuais e juros se deveu, única e exclusivamente, à conduta omissiva (negligente e, em parte, dolosa) do aqui Recorrido, porquanto havendo ficado provado que o mesmo não juntou os documentos protestados juntar nem tão-pouco respondeu aos vários convites dirigidos pelo Tribunal nesse sentido, conclusão não é possível de se retirar que não seja a de que tais quantias nunca haveriam recaído sobre o aqui Recorrente não fosse a conduta do Recorrido;

KK. Houvesse o Recorrente junto os documentos, não houvesse o mesmo omitido resposta aos convites do Tribunal e nunca o Recorrente teria sido condenado em multa, como o foi;

LL. Relativamente aos juros, dúvidas também não existem de que os mesmos se prendem com o conhecimento tardio, por parte do ora Recorrente, da sua condenação e consequente condenação também em custas;

MM. Independentemente de qualquer consideração que se possa fazer acerca do desfecho da acção e da obrigação, ou não, de suportar custas processuais, na parte referente aos juros de mora, dúvida inexiste acerca da responsabilidade do aqui Recorrido na constituição dessa mesma situação de mora;

NN. No demais atinente a al. b) dos factos provados, salvo melhor entendimento que se concede, facto é que o entendimento sufragado pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância não merece reparos, de facto a actuação do aqui Recorrido teve o condão de piorar a situação do Recorrente, fazendo-o ter de despender mais do que aquilo que teria de despender caso a acção nem sequer houvesse sido contestada;

OO. Mesmo que assim não se entenda, sempre haveria, e aqui sim, de operar-se redução e não revogação total do montante da indemnização atribuída, porquanto se é certo que a chance do Recorrente se afigurava séria e credível, nos moldes que supra expusemos, então, de forma justa e prudente sempre haveria, e haverá, de se situar o patamar da sua chance em, pelo menos, 50% de possibilidade de evitar a produção do resultado perda da demanda, atribuindo-se-lhe, consequentemente e de forma equitativa, uma indemnização correspondente a metade do valor despendido a título de pagamento de custas processuais

PP. No que concerne ao quantitativo mencionado sob a al. c) de 41.° dos factos provados, igualmente não temos dúvidas que face à matéria de facto provada, resulta cabalmente encontrar-se em causa um dano decorrente, directa e causalmente, da conduta do aqui Recorrido;

QQ. Efectivamente, e novamente desprendendo-nos do resultado da demanda, haverá que ter em linha de conta que as custas e honorários de agente de execução resultaram do facto do Recorrido não haver informado o Recorrente, como era seu dever e obrigação, da existência de uma Sentença judicial condenatória, antes tendo deixado passar o tempo até que a execução viesse a ser instaurada fazendo, assim, perder qualquer oportunidade não só de negociação como, perante eventual frustração, de pagamento voluntário do quantitativo da condenação;

RR. A conduta do aqui Recorrido ao ter ocultado a prolação da Sentença e seu conteúdo foi causa directa dos mencionados danos sendo, face ao que ficou provado, de razoavelmente supor que outra houvesse sido a sua conduta e não haveria o ora Recorrente sofrido tais danos na sua esfera;

SS. Também nesta parte, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que, de harmonia com o disposto nos arts. 562.° e 566.° do CC, à semelhança do que fez o Douto Tribunal de 1.ªInstância, condene o ora Recorrido no pagamento das indemnizações peticionadas pelos danos sofridos devidamente elencados em 41.° da matéria de facto provada.

Termina a preconizando dever a presente Revista ser admitida e, julgando-se a mesma procedente, dever o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por um outro que:

a) Considerando os factos assentes, julgue ser de atribuir a indemnização peticionada a título de dano decorrente de perda de chance, até ao limite fixado pelo Tribunal de 1.ªInstância na, entretanto, revogada Sentença;

b) Considerando a extensão dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente, bem como o grau de culpa e censurabilidade da conduta do Recorrido, fixe o montante da indemnização a arbitrar em montante nunca inferior a € 10. 000,00 (dez mil Euros);

c) Conceda direito a indemnização, integral, pelos danos provados devidamente elencados em 41.° da matéria de facto dada como provada, também aqui, até ao limite determinado na, entretanto revogada, Sentença proferida em 1.ª Instância.


6. Não foi apresentada qualquer resposta.


II - FACTOS

A factualidade tida por definitivamente provada é a seguinte:

1º O ora R. é … de profissão, correspondendo-lhe a cédula profissional da Ordem dos Advogados com o nº …L.

2° O ora A. é empresário, titular de uma quota no capital social da sociedade comercial CC, Lda, pessoa coletiva matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa sob o nº único de contribuinte e de pessoa coletiva 50…2, e ainda gerente desta mesma sociedade, conforme certidão permanente de registo comercial.

3° Em 4/1/2007, o ora A. foi citado para contestar uma acção de condenação que lhe havia sido movida por DD, S.A. , na qual era também demandada a sociedade acima identificada, da qual é sócio e gerente.

4° Tratou-se da acção que correu os seus termos na 2ª Secção, da … Vara Cível de Lisboa, proc. Nº 6284/06.3 TVLSB, na qual o ora A. era demandado, solidariamente com outros 2 RR., no pagamento de € 238.302,12, conforme doc. 2 junto com a p.i.

5° Em 31/1/2007 o ora A. constituiu como seu mandatário judicial o Sr. Dr. EE, ora R., conforme doc. 3 junto com a p.i.

6° Os préstimos profissionais do ora R. haviam sido recomendados por pessoas conhecidas do ora A., este último acabou por contactar o ora R. que, imediatamente, se mostrou disponível para assumir o patrocínio do ora A.

7° Aquando da exposição dos factos em que se baseava a pretensão condenatória, e na sequência da aceitação do patrocínio, o ora R. disse ao ora A. que tinha grande experiência na área dos centros comerciais no âmbito da qual já havia sido advogado de alguns lojistas de outros centros comerciais.

8º O A. nutria um sentimento de confiança nas qualidades profissionais do R.

9º Na acção acima identificada o ora A. era demandado na qualidade de fiador no pagamento de contrapartidas e encargos devidos em função de um denominado Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial.

10º O ora R. apresentou contestação em nome dos então 3 RR., conforme doc. 4 junto com a p i., e comprometeu-se a apresentar uma providência cautelar relativamente à qual cobrou o ora R. uma provisão de honorários e despesas de € 1.294.

11° Na aludida contestação, redigida pelo R., pugnou-se pela improcedência do pedido formulado pela então A., pela procedência da excepção de não cumprimento do contrato oposta à então A. em virtude da existência de múltiplos incumprimentos por parte daquela que tomavam inexigível a prestação então exigida, pela modificação do contrato nos termos do disposto no art. 252° do Código Civil e pela declaração de nulidade das cláusulas contratuais que estabeleciam penalidades extremamente gravosas e onerosas em caso de mora ou incumprimento.

12° Cumulativamente, e por conselho do R., os então RR. deduziram pedido reconvencional, peticionando a condenação da então A. em sede de responsabilidade civil pelos danos decorrentes do incumprimento das obrigações por aquela assumidas enquanto entidade gestora do centro comercial onde se situava a loja da então R. CC, Lda, os quais ascendiam a € 100.000, que era o valor do pedido reconvencional.

13° O ora A. sempre procurou que o ora R. encetasse esforços no sentido de vir a ser alcançado um acordo com a JSM por não estar interessado em prolongar o litígio.

14º Transcorrida a fase dos articulados, foi o ora R., em 29/2/2008, notificado na qualidade de mandatário do ora A. e dos outros 2 então RR., para proceder à junção dos 7 documentos que se havia protestado juntar aquando da apresentação da contestação e, bem assim, para proceder à junção das procurações forenses outorgadas a seu favor pelos RR. CC, Lda, e FFo, conforme doc. 5 junto com a p.i.

15º  Em 27/2/2008, o ora A. remeteu um fax ao seu então mandatário, ora R., pelo qual enviou as procurações forenses outorgadas a favor daquele pela CC, Lda, e FF, conforme doc. 6 junto com a p.i.

16º Essas procurações não foram juntas aos autos.

17º A par da supra aludida notificação de 29/2/2008, face à não observância do convite então dirigido pelo Tribunal, o ora R. foi novamente notificado, desta feita do despacho proferido em 18/11/2008, onde, novamente, os RR. eram notificados na pessoa do seu mandatário para procederem à junção dos documentos protestados juntar e das procurações forenses a favor do ora R., conforme doc. 7 junto com a p.i.

18º Por despacho de 18/3/2009, foi o ora R. notificado mais uma vez para proceder à junção das aludidas procurações forenses, conforme doc. 8 junto com a p.i.

19º Já no que concerne aos documentos, perante a continuada e reiterada inércia do ora R. face aos sucessivos convites à junção, o sobredito despacho ordenou que os então RR., onde se inclui o ora A., fossem condenados em multa no valor de 2 UC's.

20º Os factos provados supra sob os arts. 16° a 19° eram desconhecidos do ora A. que só mais tarde deles tomou conhecimento.

21º O ora A. ia sendo informado pelo R. no sentido de os autos estarem a ter uma tramitação normal.

22º O último encontro entre A. e R., no que aos presentes factos concerne e importa, realizado a pedido do ora R. conforme doc. 9 junto com a p.i., e no escritório deste em Lisboa, teve lugar em 29/6/2010, tendo aquele reafirmado que se encontravam a aguardar data para a realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que necessário se tomaria aguardar.

23º O ora A. reiterou nessa reunião a sua preferência em que a questão fosse resolvida mediante acordo amigável.

24º O ora R., em 8/7/2010, comunicou via mail ao ora A., em resposta a um mail deste de 6/7/2010, que iria fazer o seu melhor "no sentido de conseguir um acordo de pagamento aceitável", conforme doc. 10 junto com a p.i.

25º Em 24/8/2010, o ora A. recebeu um email, junto com a p.i. como doc. 11, informando-o da presença, naquele dia, de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) à porta da sua anterior morada com uma intimação em seu nome provinda do Tribunal.

26º O A., surpreendido e sem perceber o que se poderia estar a passar, no dia imediatamente seguinte ao da recepção do mail dirigiu-se à 2ª Secção da … Vara Cível de Lisboa;

27º Na sequência de tal, o ora A. foi confrontado com a informação de que o processo já havia terminado e que, portanto, teria de liquidar as respectivas custas por força da sentença transitada em julgado uma vez que aquela o havia condenado.

28º O ora A. ficou incrédulo e estupefacto com tal informação.

29° Naquela altura o aqui A. constatou os seguintes factos:

1) O seu mandatário, ora R., tinha faltado 2 vezes à audiência de discussão e julgamento, respetivarnente, audiências agendadas para os dias 7 e 11/1/2010;

2) O seu mandatário, ora R., não havia apresentado rol de testemunhas nem formulado qualquer requerimento probatório;

3) O seu mandatário, ora R., não havia apresentado os documentos que havia protestado juntar;

4) O seu mandatário, ora R., não havia junto procuração a seu favor outorgada pelos outros dois RR., em especial, pela R. CC, Lda;

5) O pedido reconvencional não foi apreciado;

6) A sentença foi proferida no dia 8/2/2010 e já tinha transitado em julgado;

7) O seu mandatário, ora R., havia sido notificado das guias de pagamento das respectivas custas e as teria recebido atenta a circunstância de terem sido notificadas por carta registada que não veio a ser devolvida.

30º Após tentativa de contacto por parte do R., o ora A. enviou àquele o mail junto como doc. 13 com a p.i.

31º A intervenção processual do ora R. enquanto mandatário constituído circunscreveu-se à apresentação de uma contestação em nome dos 3 RR. e que apenas viria a ser considerada por referência a um deles, o ora A., atenta a ausência de junção das restantes procurações, e os fundamentos em que se baseou eram idênticos a outras intentadas pelo R.

35º Na sequência da sentença condenatória do ora A., foi instaurada a respectiva acção executiva com vista à cobrança coerciva de uma divida exequenda no valor de € 300.000.

40º O R. bem sabia as consequências de todas as omissões, descritas supra, que praticou no processo.

41º O A. pagou as seguintes quantias:

a) € 3.294, pagos pelo ora A. ao R. a título de honorários, dos quais € 1.294 se reportavam a provisão de honorários por uma providência cautelar que nunca veio a ser interposta pelo ora R.;

b) € 1.921,85, a título de custas processuais, juros de mora e multa processual aplicada nos autos acima melhor identificados pela não junção dos documentos protestados juntar, a qual foi devidamente liquidada pelo ora A., conforme doc. 16 junto com a p. i.;

c) € 2.229,19, referentes a honorários e despesas devidos ao agente de execução, conforme doc. 17 e 18 juntos com a p.i.

46º O A. sofreu de ansiedade, nervosismo e esteve em estado depressivo após ter tido conhecimento das condutas do R. referidas supra no n° 29.

47º Desde essa altura o ora A. viveu num estado de desespero e inquietação por causa do agravamento da sua situação financeira, o que o afectou na sua actividade profissional e vida familiar.

48º Em consequência das penhoras entretanto efectuadas sobre todos os seus imóveis, o ora A. teve dificuldade em renegociar empréstimos junto da sua instituição bancária e teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares, situação esta que também lhe causou grande transtorno.

50º O ora A. apresentou participação contra o ora R. junto da Ordem dos Advogados na sequência da qual veio a ser instaurado processo disciplinar que culminou com a condenação deste em multa no montante de 15.000 €.

53º O R. apresentou uma participação para efeitos de fazer operar a garantia do seguro, na qual, entre outras coisas, disse o seguinte:

“8. (...) o participante, quando foi notificado nos termos do art. 512.º do Código de Processual, não apresentou o rol de testemunhas.

9. Mais tarde, o participante solicitou o adiamento da primeira marcação da audiência de discussão e julgamento, por motivos de saúde.

10. Contudo o participante, quanto à segunda marcação não tomou nota da mesma e não compareceu na sessão da audiência de discussão e julgamento e nada fez para que a mesma não se realizasse sem a sua presença.

11. Ou seja, o participante cometeu duas falhas processuais.

12. Consequentemente, foi prolatada sentença que considerou improcedente o pedido reconvencional.

(...) 17. Entretanto uma coisa é certa: nalgumas das outras acções que a JS instaurou contra os outros lojistas do CCPS, veio a ser provado o cumprimento defeituoso da mesma de forma contundente.

(…) 19. Deste modo, se o participado tivesse apresentado o rol de testemunhas e se tivesse intervindo no julgamento o pedido reconvencional teria fortes hipóteses de procedência”, conforme doc. 19 junto com a p.i.

54º O ora A., após negociações, logrou fazer uma transacção com a A. Jardins Sottomayor, no âmbito da acção executiva por esta intentada, nos termos da qual reduziu o montante da sua condenação para 110.000 €, que pagou à exequente.

            III – DIREITO

1. Como inequivocamente flui do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma[s] poderá tornar prejudicada a apreciação de outra[s].

  De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que o Recorrente ultima as respectivas alegações, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas.

  2. Começa o Recorrente por se insurgir contra o Acórdão recorrido na medida em que, ao revogar a sentença por ele sindicada, se entendeu não haver sido estabelecida qualquer prova acerca da probabilidade elevada de um desfecho mais favorável caso tivesse sido outra a conduta do aqui Recorrido, no desempenho do patrocínio forense que se lhe achava confiado.

        Com efeito – sustenta o Recorrente - , nessa sentença, bem ao invés de tal superior entendimento, a ponderação acerca da credibilidade da chance perdida pelo ora Recorrente foi devidamente efectuada, dentro daquilo que se afigura viável, no âmbito do apelidado "julgamento dentro do julgamento", no qual foi possível aferir que a conduta do ora Recorrido não só o fez perder a chance de evitar o prejuízo decorrente da perda da demanda e de ver apreciado o pedido reconvencional formulado, como, ademais, demonstrado ficou que a conduta do mesmo Recorrido, inclusivamente, agravou a posição do ora Recorrente.

         Sem embargo – prossegue – é certo que essa aferição apenas o foi em abstracto, mas mais do que isso afigurar-se-ia de muito difícil ‑ ou mesmo impossível - concretização, porquanto da conduta omissiva do Recorrido resultou uma total impossibilidade de sustentação probatória dos factos alegados, quer numa sede [defesa por impugnação e excepção], quer noutra [defesa reconvencional], pelo que, “in casu”, apenas se apresentava possível analisar e apreciar – a exemplo da sentença apelada - se dos factos alegados e defesa deduzida no seu todo se afiguraria, abstractamente, possível a obtenção de um resultado outro que não aquele que se veio a verificar.

E tanto assim – mais aduz –, que a chance é concebida como um dano autónomo em si mesmo, desse modo não carecendo – ao contrário do entendido no Acórdão recorrido - , do estabelecimento de prova de que outro teria sido o resultado obtido não fora a indevida conduta em causa.

       Diferente concepção, com efeito, seria confundir o dano da perda de chance com o dano decorrente de perda efectivamente sofrida na demanda, sendo certo que se trata de duas realidades distintas e, nessa medida, merecendo tratamento diferenciado.

        Como assim – acrescenta para concluir ‑, deve o Acórdão sob censura ser revogado e substituído por decisão outra que, considerando a efectiva verificação do invocado dano, tal como provado, conceda a indemnização peticionada nos termos da sentença proferida pela 1.ª Instância.

            Que dizer? Vejamos.

    3. Versando a questão em apreço, no Acórdão recorrido, e tendo presente o teor da sentença apelada, consignou-se, a dado passo[2]:

- “Fundou-se tal decisão [a dita sentença] no entendimento de que da actuação do apelante, na qualidade de mandatário judicial, resultaram para o A., ora apelado, danos susceptíveis de, nomeadamente, integrar a situação denominada perda de chance.”

E prosseguindo, após se referir que [a] tal respeito, tem vindo a constituir corrente orientação jurisprudencial que “os comportamentos positivos ou omissivos que traduzem falta de diligência profissional dev]m constituir conditio sine qua non do insucesso da ação ou da defesa, obstando per se a que o autor ganhe o que reclamava ou perca o que lhe era reclamado, pois só se assim for se perspetiva a atribuição de indemnização por perda de chance”;

logo se acrescentou que [os] comportamentos suscetíveis de integrar violação culposa do dever de diligência que a lei comete ao advogado nas relações com o cliente (artigo 95.º/1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro e 100.º/1, alínea b) do EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro) devem restringir-se, em regra, às atuações graves, quase sempre omissivas (v.g. injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante, de não interposição de ação antes do decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório etc.), situações estas que estão manifestamente fora do âmbito das opções técnicas, designadamente de natureza jurídica, que o advogado, enquanto jurista particularmente qualificado, tem de assumir no seu patrocínio.

E mais se ponderando que [a] indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado” (ac. STJ, de 24/3/2017 - Proc. 389/14.4T8EVR.E1.S1), reportando-se ao caso ajuizado mais se referiu que nele não oferecendo dúvida que a actuação do apelante no processo em causa se traduziu em violação do dever de diligência, que sobre si impendia, como mandatário judicial, entende-se, porém, não se mostrar suficientemente configurada a situação de perda de chance, justificativa da indemnização a esse título atribuída”, e isso [d]esde logo porque, nem sequer minimamente, se demonstrou a probabilidade elevada de que, caso outra houvesse sido a conduta processual do apelante, se pudesse ter verificado um desfecho mais favorável aos interesses do seu constituinte, ora apelado, que o mesmo é dizer “não contém a matéria provada elementos bastantes para permitir concluir que, caso houvesse o apelante usado na sua actuação da máxima diligência, não viesse a ocorrer, em idênticos termos, a condenação do apelado no pagamento da quantia reclamada na acção contra si movida - ou obtivesse procedência o pedido reconvencional na mesma deduzido.

E assim se concluiu que [n]a falta dos respectivos pressupostos, haveria, assim de, ao invés do decidido, improceder a parte do pedido a tal respeitante.

  4. Vertida que fica esta explanação constante do douto Acórdão, antecipando o veredicto, diremos que, salvo o muito respeito, com a mesma no essencial concordamos.

        Pelo que, tendo sobremaneira em conta que na sua génese e conteúdo se acha, nuclearmente, o decidido nesse douto aresto deste Supremo Tribunal ali referenciado – largamente reproduzido quanto ao respectivo sumário - , quase que se justificaria aqui e agora, obviando a adicionais desenvolvimentos, para esse explanação remeter – “ut” art. 663.º, n.º 5 - , concluindo, sem mais, pelo insucesso da vertente objecção.

    5. Ainda assim, sempre se começará por dizer que, efectivamente, se apresenta a todos os títulos evidente e insusceptível de qualquer controvésia que o aqui R./Recorrido, com todo o seu comportamento omissivo – devidamente reportado nos acima inventariados Pontos de facto 16.º,19.º, 29.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 e 40º ‑ infringiu de forma altamente grave e censurável os seus deveres profissionais em que, na qualidade de mandatério forense do A/Recorrente, se achava constituído, descurando a pratica de relevantes actos processuais absolutamente exigíveis por um patrocínio diligente, conforme às regras estatutárias e deontológicas aplicáveis ao exercício do seu múnus.

        Com efeito, e como se vê à saciedade proclamado, conquanto pelo contrato de mandato forense subscrito o advogado não se obrigue a ganhar a causa por esse meio aceite, não obstante é certo que se constitui, incontornavelmente, no dever de tratar com o maior empenho e zelo a questão, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – em suma, diligência profissional - , em vista a lograr tal almejado resultado.

         Ora, como afirmado e ora se repisa – outrossim em coro com o douto Acórdão - , dúvidas não subsistem que o R./Recorrido inobservou de plano esse crucial e complexo dever, desrespeitando totalmente os interesses do seu cliente, incorrendo assim num facto ilícito e culposo, gravemente atentatório de tal dever e dos interesses a ele associados.

        

       6. Todavia, ainda que assaquemos, firmemente, ao R./Recorrido esse comportamento ilícito e culposo, na linha igualmente do douto Acórdão ora sob censura afigura-se-nos, sempre salvo o muito respeito, não se poder ter por verificada, no caso, uma situação de perda de chance justificativa da concessão de indemnização ao A./Recorrente, ainda que em quantitativo porventura inferior ao por este reclamado.

       7. Com efeito, sustenta o A./Recorrente que no caso de perda de chance processual – como aqui em causa - , o dano emerge do próprio cumprimento defeituoso do mandato, independentemente do resultado daí adveniente, que o mesmo é dizer, tem de ser visto como um prejuízo ou dano em si mesmo considerado – um dano autónomo - , sem que se atenda ao sucesso da acção.

        Assim, e na concreta situação ora ajuizada, para a aferição do dano invocado e concessão da pertinente indemnização, apenas haveria que – na linha da 1.ª Instância - , analisar e apreciar se dos factos alegados e defesa deduzida no seu todo se afiguraria, em abstracto, possível a obtenção de um resultado outro que não aquele que veio a ocorrer.

      Sempre salvo o muito respeito, conquanto se aceite que o dano em apreço se traduza na perda de uma certa probabilidade de ganhar a acção para cujo patrocínio o mandatário inadimplemente foi contratado, todavia – e diversamente do A./Recorrente – entendemos que, para a efectivação da concernente reparação, mister se torna demonstrar que essa probabilidade era séria, real, ou seja, que existia uma forte e consistente viabilidade na procedência da pretensão que redundou frustrada.

     Neste sentido, além do predito douto aresto deste Supremo convocado pelo Acórdão em foco, ainda desse Alto Tribunal é-nos dado citar o Acórdão de 14.03.2013[3], em cujo sumário consta que “O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há de ser elevada”.

     E também o Acórdão do mesmo Supremo de 7.03.2015[4], lendo-se na respectiva parte motivatória – após se afirmar não se ver obstáculo a que a perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, possa ser qualificada como um dano em si – “[…] posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados, mais se acrescentando:

“Com efeito, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo.”

       De citar ainda se nos enseja o Acordão do mesmo Tribunal Supremo de 5.05.2015[5], em cuja síntese conclusiva, além do mais, se refere que “[p]ara haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer: não basta invocar a omissão da obrigação de instaurar ação de despejo, com base em fundamento conhecido há mais de um ano, que teve como consequência impedir a sua procedência, por caducidade; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de vencer a ação omitida.

      E sem que nos almejemos exaustivos, ainda e por fim o Acórdão deste STJ de 11.01.2017[6], na súmula do qual, “i.a.”, se consigna que [a]o demandar a advogada que incumbiu de o patrocinar na interposição de recurso em anterior processo penal, visando obter a suspensão da execução da pena de prisão (efectiva) de 3 anos e 9 meses em que fora condenado, com fundamento na perda de chance de alcançar esse objectivo em consequência da conduta negligente daquela (interposição extemporânea do recurso), o autor teria de alegar – para os vir a demonstrar – factos idóneos ao reconhecimento das probabilidades reais, sérias, consideráveis de obtenção dessa decisão mais favorável em tal processo penal.”

         No seguimento destes mui autorizados pronunciamentos, pois, para que a indemnizibilidade do dano da perda de chance processual tenha lugar não basta que em abstracto – “teoricamente”, permita-se-nos a expressão[7] - , os termos da pretensão – acção, defesa e pedido reconvencional – se apresentem com condições de viabilidade, mas antes, e bem diferentemente, que, passando por idóneo suporte probatório, se evidencie o elevado grau de probabilidade ou verosimilhança de tal pretensão; de que não fora a chance perdida e o patrocinado muito possivelmente obteria – ao menos em certa medida – a procedência dessa mesma pretensão.

   8. Ora, tal como, uma vez mais, bem se pondera no Acórdão aqui recorrido – e expressamente se refere nos supra indicados Acórdãos deste Supremo de 7.03.2015 e 11.01.2017 ‑, tal evidenciação de exigida probabilidade pressupõe a realização do chamado “julgamento dentro do julgamento” relativamente ao qual – como também escreve Paulo Mota Pinto[8] - , "[o] lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de “chances” processuais deve, pois, fornecer elementos para prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado”, enquanto que ”ao tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização cumpre fazer uma aprecição ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado” – justamente, tal “juízo dentro do juízo”.

      Sendo que – consoante também o mesmo Autor expende[9] - este juízo “ que é essencial na determinação da existência de uma chance séria de vitória no processo e do nexo de causalidade em relação ao dano, e, posteriormente, na fixação do quantum indemnizatório, nem é, aliás, posto em causa pela força do caso julgado obtida no processo relativamente ao qual foi praticado o acto danoso, nem é inviabilizado pelas maiores ou menores dificuldades probatórias.”

     9. Pois bem; volvendo ao caso dos autos, constatata-se que, embora em termos sumários, no Acórdão ora “sub judicio” este “julgamento dentro do julgamento” foi levado a efeito em termos negativos quanto ao dano invocado pelo A./Recorrente e, posto que tal julgamento se configure como uma questão, não de direito, mas de facto – como tal subtraída à cognoscibilidade deste Tribunal de revista : art. 46.º da LOSJ e arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2 ‑, ainda assim não vemos como não reconhecer – em consonância com tal aresto‑ ser manifestamente escassa a factualidade provada nos autos, em ordem a travejar um diferente ajuizamento, mormente no sentido pretendido pelo dito A./Recorrente.

Em suma, a probabilidade de o dito A./Recorrente haver logrado evitar o prejuízo resultante da acção, não fora a negligente conduta assumida pelo R./Recorrido, posto que não se possa ter por completamente excluída, não vai além disso, ou seja, não se apresenta dotada do requesito de elevada plausibillidade ou verosimilhança, indispensável, como visto, para que a “chance” ou oportunidade como tal perdida se perfile susceptível de fundadamente assegurar àquele uma indemnização, consoante pelo mesmo reclamado.

Como avançámos, pois, a douta objecção recursória ora apreciada soçobra.

10. Prosseguindo, arremete em seguida o A./Recorrente contra o Acórdão recorrido no capítulo em que lhe fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais por ele comprovadamente sofridos com a negligente conduta do seu mandatário, e aqui R./Recorrido, dizendo que tal indemnização – reduzida para o valor de metade relativamente à arbitrada na 1.ª Instância - se afigura meramente simbólica, não traduzindo nem a medida dos danos que visa ressarcir, nem a gravidade do facto ilícito que redundou na lesão perpetrada.

Na verdade – mais aduz - , ainda que se trate de um critério meramente residual, haverá ainda que ter em linha de conta que a indemnização por danos não patrimoniais tendo, manifestamente, uma função compensatória e ressarcitiva dos prejuízos sofridos, assume também uma função punitiva, função esta que, dado o carácter grave da conduta, consequências da lesão e o extremamente elevado grau de culpa do R./Recorrido, de todo não se vislumbra nem descortina em parte alguma da decisão recorrida.

E assim, remata a propugnar a fixação da indemnização a ser-lhe arbitrada no montante de € 10.000,00, a exemplo do que ocorreu com a dita 1.ª Instância.

Vejamos de novo:

11. A respeito do “quantm indemnizatur” dos danos em presença, escreveu-se no douto Acórdão que “não questionando a sua ocorrência, entende-se que, no descrito circunstancialismo, traduz o montante de € 5.000 valor mais ajustado ao ressarcimento dos incómodos decorrentes da conduta do apelante – tão somente em tal medida devendo, consequentemente, proceder o correspondente pedido.”

Como dimana do acima vazado contingente factual tido por assente, o “circunstancialismo” nessa reproduzida passagem mencionado, é aquele que emerge dos ali inscritos Pontos 46.º, 47.º e 48.º, a saber:

- O A. sofreu de ansiedade, nervosismo e esteve em estado depressivo após ter tido conhecimento das condutas do R. referidas supra no n° 29.;

- Desde essa altura o ora A. viveu num estado de desespero e inquietação por causa do agravamento da sua situação financeira, o que o afectou na sua actividade profissional e vida familiar; e

- Em consequência das penhoras entretanto efectuadas sobre todos os seus imóveis, o ora A. teve dificuldade em renegociar empréstimos junto da sua instituição bancária e teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares, situação esta que também lhe causou grande transtorno.

Ora, perante este quadro, e tendo em mente – como se impõe ‑ as circunstâncias enunciadas no art. 494º ex vi” art. 496.º, n.º 4, ambos do Cód. Civil, e, designadamente, determinados elementos de referência ou índices, entre os quais, os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, a flutuação do valor da moeda, etc, tudo como fundamental expressão “das regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [10], em decorrência do que a justa indemnização jamais se poderá inspirar numa óptica conducente a valores puramente simbólicos, de inaceitável prejuízo dos lesados, surge-nos como mais adequada e equitativa a indemnização na cifra indicada pelo A./Recorrente, e já antes estabelecida na 1.ª Instância - €10.000,00 - , sendo certo – cremos que não despiciendo - que até a multa em que o R./Recorrido foi condenado, em sede disciplinar, na Ordem dos Advogados, atestando a magnitude da gravidade do comportamento do mesmo, foi fixada no montante de €15.000,00 – Ponto de facto 50.º.

Nessa cifra se fixa, pois, a indemnização ao A./Recorrente pelos danos em apreço.


12. Discorda também o A./Recorrente de, no Acórdão recorrido, não se decretar a total restituição da quantia por si paga a título de honorários devidos pela interposição, não concretizada pelo R./Recorrido, da providência cautelar em determinado momento perspectivada, restituição que – diz – decorre das regras do enriquecimento sem causa.


13. Revisitando o teor do Acórdão ora em atinência, no que tange ao aspecto ora em análise, nele é dado ler:

- “No tocante às quantias reclamadas, a que se reporta o ponto 41º da matéria provada, e uma vez que se não demonstra haja o demais despendido resultado da apontada actuação do apelante, será, por identidade de razão, apenas devida a restituição de parte do montante referente a honorários - incluindo o relativo à providência cautelar não intentada (€ 1.294) e, operando-se a respectiva redução, metade do restante quantitativo (€ 2.000), a esse título, por aquele recebido.”

No predito ponto 41.º - relembre-se – consta o seguinte:

- O A. pagou as seguintes quantias:

a) € 3.294, pagos pelo ora A. ao R. a título de honorários, dos quais € 1.294 se reportavam a provisão de honorários por uma providência cautelar que nunca veio a ser interposta pelo ora R.;

b) € 1.921,85, a título de custas processuais, juros de mora e multa processual aplicada nos autos acima melhor identificados pela não junção dos documentos protestados juntar, a qual foi devidamente liquidada pelo ora A., conforme doc. 16 junto com a p. i.;

c) € 2.229,19, referentes a honorários e despesas devidos ao agente de execução, conforme doc. 17 e 18 juntos com a p.i..

      Pois bem; tendo em mente que, no decisório final do Acórdão, o R. e aqui Recorrido foi condenado a pagar a quantia global de € 7.294,00, sendo € 5.000, 00 a título de danos não patrimoniais, logo se conclui que – como, aliás, expendido no acima reproduzido segmento - apenas quanto à restante importância paga ao mesmo em honorários - € 2.000, 00 – se operou a redução em metade; decidindo-se, porém, a restituição na totalidade – como ora pretendido pelo A./Recorrente - no tocante aos honorários relativos à gorada interposição da providência cautelar.

A douta objecção em exame falha, pois, toda a razão de ser, pelo que soçobra.


14. Dissente também o A./Recorrente da redução – na proporção de metade - operada pelo Acórdão no concernente a essa demais cifra paga ao seu mandatário a título de horários - € 2.000,00 - , dizendo se mostra mais justa e equitativa a indemnização consubstanciada na restituição integral dos montantes pagos a este último que, em bom rigor, pouquíssimo ou nada fez a não ser apresentar uma contestação que nem sequer cuidou de instruir probatoriamente e, claro está, cobrar honorários...

Salvo o muito respeito, não podemos deixar de discordar pois, atendendo ao teor da contestação elaborada pelo R./Recorrido – fls. 60 a 94 - , que, sem dúvida, evidencia algum exigente labor - sem olvido ainda das “démarches” levada a efeito para a concretizar - , afigura-se-nos que essa importância que o douto aresto recorrido fez, afinal, corresponder a tal labor, se consubstancia – apesar de tudo – conforme.

Também nesta parte, pois, se vota a insucesso a pretensão do A,/Recorrente.


15. Divergindo também do decidido no Acórdão em foco, no que tange aos quantitativos elencados sob as alíneas b) e c) do Ponto 41.°, diz o A./Recorrente ser indubitável que a fasquia correspondente a multas processuais e juros se deveu, única e exclusivamente, à conduta omissiva [negligente e, em parte, dolosa] do aqui Recorrido, porquanto ficou provado que o mesmo não juntou os documentos protestados juntar nem tão-pouco respondeu aos vários convites dirigidos pelo Tribunal nesse sentido, pelo que conclusão não é possível retirar que não seja a de que tais quantias nunca haveriam recaído sobre o aqui Recorrente não fora a conduta do Recorrido.

Com efeito – mais alega - houvesse o Recorrido junto os documentos, não houvesse o mesmo omitido resposta aos convites do Tribunal, e nunca o Recorrente teria sido condenado em multa; por outro lado, relativamente aos juros, dúvidas também não existem de que os mesmos se prendem com o conhecimento tardio, por parte do ora Recorrente, da sua condenação e consequente condenação também em custas.

Sempre sem quebra do muito respeito, neste aspecto assiste manifesta razão ao A./Recorrente, tendo em conta, nomeadamente, o constante dos Pontos 14.º a 20.º, 27.º e  29.º, n.º 7.

Assim, e visto o teor dos documentos insertos a fls. 144-145 e 149, impõe-se, sem mais, irrogar ao R./Recorrido a obrigação de pagamento das cifras de juros de mora aí mencionadas, bem assim como da multa processual [€ 96,00 x 2], tudo no valor global - € 4,15 + € 51,83 + € 192,00 – de € 247,98.


16. Por fim o A./Recorrente ataca o decidido no Acórdão no que concerne ao quantitativo mencionado sob a al. c), do Ponto 41.º, dos factos provados, dizendo que se trata indubitavelmente de um dano decorrente, directa e causalmente, da conduta do aqui Recorrido.

Efectivamente – argumenta - , haverá que ter em linha de conta que as custas e honorários de agente de execução resultaram do facto do Recorrido não haver informado o Recorrente, como era seu dever e obrigação, da existência de uma sentença judicial condenatória, antes tendo deixado passar o tempo até que a execução viesse a ser instaurada fazendo, assim, perder qualquer oportunidade não só de negociação como, perante eventual frustração, de pagamento voluntário do quantitativo da condenação.

A conduta do aqui Recorrido – aduz ainda e por fim - , ao ter ocultado a prolação da sentença e seu conteúdo foi causa directa dos mencionados danos, devendo nessa medida ser o mesmo por eles responsabilizado - de harmonia com o disposto nos arts. 562.° e 566.° do CC - , sendo, face ao que ficou provado, razoavelmente de supor que outra houvesse sido a sua conduta e não haveria o ora A./Recorrente sofrido tais danos na sua esfera.

De novo, e ressalvando sempre o devido respeito, pensamos que cobra razão a discordância do A./Recorrente.

Na verdade, considerando o teor dos supra vertidos Pontos 13.º, 22.º a 29.º e 54.º, afigura-se-nos longe de estultícia conjecturar que foi apenas em virtude de R./Recorrido não haver informado o A. e aqui Recorrente do resultado do julgamento da acção em que fora constituído mandatário, que este ultimo se viu confrontado com o procedimento executivo em que teve lugar a intervenção do Solicitador de Execução a que respeitam os honorários ora em apreço, pelo que, não fora o escamoteamento de tal facto e, bem presumivelmente, o A./Recorrente não teria dado azo – atente-se, em especial nos Pontos 13.º, 23.º e 54.º -, a que tal procedimento fosse, como foi, desencadeado e, ainda em parte, prosseguido.

Destarte, quadra-se também fundado impor ao R./Recorrido a obrigação de integral satisfação da cifra desses honorários - € 2.229,19 - , paga pelo aqui A. Recorrente ao mencionado Solicitador de Execução.

                                                                                                                      


17. Aqui chegados, e em síntese, constata-se que a mais da importância em que o R./Recorrido foi pelo Acórdão em foco condenado - € 7.294,00 -, haverá o mesmo ainda de pagar ao A./Recorrente a quantia de - € 5.000,00 + € 247,98 + € 2.229,19 - 7.477,17.


IV – DECISÃO

     Termos em que, na parcial procedência da revista, se revoga nessa medida o Acórdão recorrido, em consequência condenando o R./Recorrido a pagar ao A./Recorrente a quantia de € 14.771,17, absolvendo-o do restante peticionado.

     Custas da revista e do demais processado por ambos os Litigantes, na proporção do vencido.


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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Março de 2019


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

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[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
              Exm.º Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[2] Cfr. fls. 588 dos autos.
[3] Proferido no Proc. n.º 78/09 e acessível in dgsi.pt.
[4] Proferido no Proc. n.º 5105/12 e acessível in dgsi.pt.
[5] Proferido no Proc. n.º 14/06 e acessível in dgsi.pt.
[6] Proferido no Proc. n.º 540/13 e acessível in dgsi.pt.
[7] PAULO MOTA PINTO – in Direito Civil-Estudos, GESTLEGAL, p. 799, no estudo intitulado “Perda de Chance Processual” [também publicado nos “Estudos em homenagem ao Conselheiro Rui Moura Ramos”, Tribunal Constitucional, 2016, Coimbra, Almedina, 2016, vol. II, pp. 1283-1323] ‑, escreve que o ressarcimento da perda de chance “nunca se bastará com a mera “chance” abstrata ou especulativa de sucesso processual.”
[8] Cfr. ob. cit., p. 809.
[9] Ibidem.
[10] Assim, MANUEL ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, I Vol., 9 ª ed., Almedina, p. 628.