Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3102/12.7TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO
PRIVAÇÃO DO USO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 562.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/09/2010, PROC. N.º 403/2001.P1.S1;
-DE 08/10/2015, PROC. N.º 21127-A/1980.L1.S1;
AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Tendo o lesado deduzido pedido de indemnização em dinheiro e nada alegando na contestação o R./lesante sobre o modo que tinha por adequado para remover o dano causado no imóvel locado, limitando-se a impugnar a existência da própria obrigação de indemnizar, sem se disponibilizar para proceder, ele próprio, às reparações nos objectos danificados, sujeitando tal alegação ao contraditório do lesado, não pode o juiz convolar oficiosamente na sentença da indemnização peticionada para a reparação natural a fazer pelo lesante.

II. Está suficientemente demonstrada a realidade do dano, traduzido na privação do uso de um bem, quando o lesado concretizou e fundamentou, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade de locação do imóvel, por via dos defeitos que o afectavam, imputáveis a comportamentos da R - traduzindo-se tal utilidade específica, em consonância com o destino que lhe vinha sendo dado há vários anos, na colocação no mercado de arrendamento para fins comerciais, alegando-se qual o lucro cessante que em concreto se verificava: o montante das rendas de que o locador ficou privado em consequência do estado de conservação do locado.

III. Na quantificação de tal dano, devem valorar-se equitativamente todas as circunstâncias do caso, ponderando, nos rendimentos prediais futuros que constituem lucro cessante, o valor do imposto sobre rendimentos prediais, as dificuldades e constrangimentos na colocação de imóveis no mercado de arrendamento comercial e a circunstância de o locador não ter estado privado totalmente do gozo e fruição do imóvel, como sucede nos casos de desapossamento, uma vez que tal gozo e fruição foram apenas restringidos, em termos prático económicos, pelo facto de o imóvel ter sido restituído com substanciais deteriorações, dificultando a sua colocação no mercado de arrendamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e mulher BB, intentaram acção declarativa, sob a forma ordinária, contra os RR. CC e mulher, DD,: EE e mulher, FF, pedindo a respectiva condenação a pagar-lhes a quantia de € 48.615,75, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento, bem como todos os danos decorrentes do não arrendamento do rés-do-chão do prédio urbano identificado no artigo 1.º da petição inicial, desde o mês de Setembro de 2012, inclusive, cuja quantificação deverá ser relegada para execução de sentença.

Alegam, para tanto, que, por contrato de arrendamento celebrado no dia 01 de Novembro de 2007, deram de arrendamento à firma “GG, Lda”, da qual os Réus eram então sócios e gerentes, o rés-do-chão de um prédio urbano de que são proprietários.

Aquando da celebração desse contrato de arrendamento, aquele rés-do-chão encontrava-se concluído, licenciado camarariamente e pronto a funcionar como estabelecimento de snack-bar e café, estando totalmente equipado com todos os utensílios, máquinas, mesas e cadeiras indispensáveis ao seu imediato funcionamento.

Nessa altura, venderam aos Réus, pelo montante de € 25.000,00 o recheio do estabelecimento, no qual se englobavam móveis, utensílios, máquinas e objectos de decoração, nomeadamente aparelhos de ar condicionado, frigoríficos, balcões, louças, copos, faqueiros, tachos, panelas e outros utensílios de cozinha existentes no estabelecimento.

Por escritura notarial celebrada no dia 21.05.2009, os Réus cederam a totalidade das quotas que possuíam na firma “GG, Lda” a HH e II, deixando de explorar o estabelecimento locado, a partir dessa data.

Por carta datada de 27.06.2012, a “GG” denunciou o contrato de arrendamento celebrado, com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2012, data em que procedeu à entrega efectiva do locado. No entanto, durante o mês de Agosto de 2012, os ora Réus e/ou outrem a seu mando procederam ao levantamento de bens existentes no estabelecimento, que não lhes pertenciam, e danificaram a estrutura interior daquele rés-do-chão, causando assim um prejuízo global de € 48.615,75 (valor já com IVA incluído, à taxa legal de 23%).

Por força daquela actuação dos Réus, o espaço deixou de ter as condições mínimas de funcionamento, não se encontrando habilitado para ser arrendado, nem para o fim a que se destina, nem para qualquer outra finalidade, o que causa aos AA. um prejuízo mensal de € 500,00, correspondente ao valor comercial de arrendamento.

Citados os RR., vieram estes contestar, alegando que a partir de 21 de Maio de 2009 não mais entraram no arrendado e deixaram de ter qualquer poder de decisão sobre o mesmo ou sobre os elementos que integravam o estabelecimento comercial, concluindo pela improcedência da acção

Na réplica, os AA. mantiveram o alegado e requereram a intervenção principal provocada passiva de HH e II, alegando que, desde 21.05.2009, foram as chamadas que passaram a explorar o estabelecimento comercial locado e que em Agosto de 2012, altura em que foram subtraídos bens e causados danos no prédio de que são proprietários, eram aquelas que tinham a posse do estabelecimento.


Admitido o incidente, a chamada HH contestou, alegando que o locado nunca chegou a ser licenciado e legalizado, encontrando-se esse processo administrativo em curso quando ocorreu a entrega do imóvel aos senhorios, em 30 de Agosto de 2012. Sustenta ainda que apenas retirou do estabelecimento comercial o que lhe pertencia ou aquilo que lhe foi ordenado retirar pelos autores, negando que tivesse danificado o que quer que fosse no imóvel, e que os autores não podem arrendar locado para o fim referido no artigo 5.º da petição inicial uma vez que o mesmo não se encontra licenciado para tal.


No início da audiência final, os AA. desistiram dos pedidos formulados contra os Réus CC, DD, EE, FF e II.

Por sentença transitada em julgado, foram homologadas as aludidas desistências, prosseguindo os autos apenas entre os AA. e a Interveniente HH.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a causa e condenou a Ré/Interveniente HH «a realizar no imóvel dos AA. os trabalhos supra identificados na fundamentação de direito desta sentença, absolvendo-a dos demais pedidos contra si formulados» .


2. Inconformados com a sentença, dela apelaram os AA. e a Interveniente HH, impugnando esta a decisão proferida acerca da matéria de facto. Tal impugnação foi julgada improcedente, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual para o litígio:

 1.º- Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, sito na Rua …, n.º 3… e 3…-A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o art.1245º.

 2.º- Por contrato de arrendamento celebrado no dia 01 de Novembro de 2007 os Autores deram de arrendamento à firma “GG, Ld.ª ”, da qual CC e EE eram então sócios e gerentes, o rés-do-chão daquele prédio, com entrada pela porta com o n.º 3…-A da referida Rua …, pelo prazo de 1 ano, com início em 01.11.2007, prorrogável por iguais períodos de tempo, pela renda mensal de 500 €, destinando-se o locado à instalação de um estabelecimento industrial de snack-bar e café.

 3.º- Na altura em que foi celebrado o contrato descrito no ponto anterior o locado estava equipado com todos os utensílios, máquinas, mesas e cadeiras necessários ao seu imediato funcionamento.

 4.º- Antes da celebração do supra citado contrato de arrendamento, o locado já estivera já aberto ao público, embora explorado por outras pessoas.

 5.º- Aquando da celebração do mencionado contrato de arrendamento, os Autores acordaram com CC, DD, EE e FF, em vender-lhes o recheio desse estabelecimento pelo montante de 25.000 €uros, nos termos do “contrato de compra e venda” que consta de fls. 35/36 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

 6.º- O referido “ contrato de compra e venda ” englobou os seguintes equipamentos: móveis, utensílios, máquinas e objectos de decoração, nomeadamente, aparelhos de ar condicionado, frigoríficos, balcões, louças, copos, faqueiros, tachos, panelas e outros utensílios de cozinha existentes naquele estabelecimento.

 7.º- Concluído o negócio em 04.11.2007 e pago o respectivo preço de € 25.000,00 nessa mesma data, o mencionado recheio foi mantido naquele estabelecimento.

 8.º- Por escritura notarial celebrada no dia 21.05.2009, exarada a fls. 133, do livro 112-A, no Cartório a cargo do Lic. JJ, nesta cidade, CC e EE cederam a totalidade das quotas que possuíam na firma “GG, L.ª ”, respectivamente, a HH e II, renunciando à gerência e tendo sido nomeadas gerentes, em sua substituição, as adquirentes das quotas sociais.

 9.º- Desde aquela data, 21.05.2009, CC e EE deixaram de explorar o estabelecimento locado, passando essa exploração para as adquirentes das suas quotas sociais naquela firma.

 10.º- Aquando da cedência das suas quotas sociais CC e EE deixaram no estabelecimento os bens móveis que haviam adquirido aos Autores, nos termos descritos nos pontos 5 a 7, tendo sido entregue às cessionárias uma listagem desses bens.

 11.º- Em 14 de Fevereiro de 2011, II cedeu a quota que dispunha na sociedade à Ré HH, que passou a deter a totalidade do capital social da firma, passando esta, em 2012, a designar-se “GG, Unipessoal, Lda.”.

 12.º- Em 27 de Junho de 2012, a ré HH, na qualidade de sócia-gerente da GG, enviou uma carta aos autores, a denunciar o contrato de arrendamento descrito no ponto 2, com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2012.

 13.º- Como resposta, os autores solicitaram fosse marcada uma hora nesse dia para, no arrendado lhes serem entregues as respectivas chaves e também verificarem o estado em que mesmo se encontrava.

 14.º- No dia 30 de Agosto de 2012, as chaves do arrendado foram entregues aos Autores.

 15.º- A Ré HH vendeu a KK o recheio do estabelecimento comercial pelo preço de 1.500,00 euros.

 16.º- Foi KK, em conjunto com os seus funcionários, quem procedeu à desmontagem das máquinas e levantamento dos objectos que constituíam o recheio do estabelecimento, sob a supervisão do filho da ré HH.

 17.º- No decurso dessa operação, os autores deslocaram-se ao estabelecimento.

 18.º- Na operação mencionada no ponto 16, procedeu-se ao levantamento e/ou danificação dos seguintes bens:

  a) Remoção de todas as portas das instalações sanitárias incluindo a remoção das respectivas ferragens;

  b) Remoção de todos os elementos de iluminação e de exaustores de ventilação sanitária, torneira do lavatório, porta-rolos de papel, porta-sabão, sifão de esgotos, danificação de azulejos das paredes, na tentativa de retirada da pedra de suporte ao lavatório e ainda de focos de iluminação na antecâmara de entrada;

  c) Remoção das tubagens fixas de cobre da instalação dos aparelhos de ar condicionado;

  d) Remoção de 3 lava-louças em aço inox;

  e) Remoção das tubagens de cobre da instalação de gás de 28mm com cerca de 10m de comprimento, situadas no tardoz do edifício;

  f) Remoção de uma chaminé em aço inox com 4,15m de comprimento e 0,90m de largura;

  g) Remoção da iluminação contínua existente no tecto da sala de refeições;

  h) Remoção do corta-vento que dividia a antecâmara e a sala de refeições, estrutura essa que era constituída por peças de madeira pintada a esmalte e vidro espelhado;

  i) Remoção de vários elementos do balcão de madeira situado na sala de refeições e tentativa de remoção de outros, danificando-os de forma permanente;

  j) Destruição da caixa de acomodação das tubagens de exaustão, destruição da sanca de madeira situada na base desta caixa e remoção de 17ml. de tubagem de zinco da exaustão com 200mm de diâmetro;

  k) Destruição de 12ml. de roda -mãos em mármore moleanos;

  l) Destruição da parte superior das paredes divisórias da cozinha e da instalação sanitária do pessoal, executadas em perfis de madeira e vidro;

  m) Destruição da instalação eléctrica com a subtracção de cabos eléctricos do interior das tubagens, destruição de tomadas e interruptores e remoção das placas de sinalização de saídas de emergência.

 19.º- Quando assumiu a exploração do estabelecimento comercial a Ré HH pintou um lambrim composto por elementos de madeira de faia e mármore moleanos situado na parede lateral direita da sala com 0,80m de altura e toda extensão da sala, cerca de 23,00m de comprimento, sobrepondo a tinta sobre o mármore e a madeira natural com pintura de falso mármore antes existente, danificando-a de forma permanente.

 20.º- Quando assumiu a exploração do estabelecimento comercial a Ré HH pintou a madeira de faia que revestia os elementos circulares de suporte ao balcão de madeira situado na sala de refeições danificando a mesma madeira.

 21.º- Para a reparação e/ou reposição dos bens descritos nos pontos anteriores será necessário efectuar os seguintes trabalhos:

  a) Reconstrução dos danos das instalações sanitárias com fornecimento e aplicação de novas porta e ferragens, exaustores de ventilação, porta-rolos remoção e recolocação de novos azulejos, colocação de torneiras, reparação da rede de água e esgoto e tratamento de pintor das portas, incluindo nova pintura das instalações, cujo custo global é de € 1.700,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  b) Aquisição de focos de luz para a área de entrada e respectiva aplicação, cujo custo global é de € 150,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  c) Execução de nova instalação de ar condicionado com fornecimento de tubagem de cobre, abertura de roços, respectiva colocação e acabamento da área afectada, cujo custo global é de € 940,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  d) Execução de nova caixa para acomodação da tubagem de exaustão com 0.35x0.40m sobre sanca de madeira de faia com 0,30x0.55m devidamente tratada e envernizada, cujo custo global é de € 2.850,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  e) Execução de novo roda-mãos em mármore moleanos com 12,00x0.35m incluindo o fornecimento de material e respectiva aplicação, cujo custo global é de € 630,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  f) Fornecimento e aplicação de 3 lava-louças em aço inox, incluindo fornecimento e aplicação e ainda misturadoras de água e respectivos acessórios de ligação, cujo custo global é de € 900,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  g) Reconstrução da parte superior das paredes da cozinha e instalações sanitárias do pessoal em estrutura de madeira e vidro, cujo custo global é de € 750,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  h) Reconstrução da rede de abastecimento de gás com fornecimento e aplicação de material, incluindo a certificação da nova instalação, cujo custo global é de € 350,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  i) Construção de um novo corta-vento em madeira e vidros espelhados com integração de uma porta de acesso ao interior com pintura de esmalte de cor branca, incluindo o material e mão-de-obra, cujo custo global é de € 2.550,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  j) Remoção do lambrim destruído, limpeza da parede, execução de aro de madeira de faia, colocação de mármore moleanos, material e aplicação € 2.850,00, acrescido de IVA à taxa legal.

  k) Reconstrução do balcão com remoção das peças danificadas, remoção de revestimento danificado, execução de toda a nova carpintaria com fornecimento de novas peças de revestimento e do balcão com o devido tratamento de verniz incluindo material e respectiva aplicação e tratamento, cujo custo global é de € 9.750,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  l) Reposição da pintura original com padrão de falso mármore, cujo custo global é de € 1.100,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  m) Reposição da chaminé em aço inox com 4,15mx0,90m, fornecimento e aplicação, cujo custo global é de € 4.500,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  n) Reposição de novo aro e porta, incluindo fornecimento, mão-de-obra de colocação, ferragens e pintura, cujo custo global é de € 250,00, acrescido de IVA à taxa legal;

o) Execução nova de instalação eléctrica, incluindo novos cabos em toda a rede, tomadas, interruptores e elementos de sinalização de saídas de emergência, cujo custo global é de € 4.750,00, acrescido de IVA à taxa legal;

  p) Aquisição e aplicação de linha de iluminação contínua para a sala de refeições, cujo custo global é de € 620,00, acrescido de IVA à taxa legal.

 22.º- Quando o locado foi entregue aos Autores estava ainda em curso na Câmara Municipal de … um processo administrativo tendente à  [...]obtenção da autorização para utilização do locado para as finalidades as quais o mesmo está adstrito, processo que se havia iniciado a impulso de CC e EE e que ainda não se encontra concluído.

 23.º- Os Autores pretendem continuar a arrendar o rés-do-chão do seu prédio.

 24.º- Aquele espaço, após a operação descrita no ponto 16 dos factos provados, deixou de ter as condições mínimas de funcionamento que permita o seu arrendamento.

 25.º- O valor comercial actual de arrendamento do imóvel oscila entre os € 350,00 e € 375,00.

 26.º- O contrato de arrendamento descrito no ponto 2 dos factos provados foi aditado em 8 de Outubro de 2010 nos termos constantes de fls. 79/80, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.


3. Passando a apreciar as questões jurídicas envolvidas nos recursos, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Segundo o disposto no art. 562º do Cód. Civil, «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.»

Por outro lado, ainda, segundo o n.º 1 do art. 566º, a dita indemnização deverá ser fixada em dinheiro, «sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.»

Resulta dos aludidos preceitos, em particular do citado art. 566º, n.º 1, que o nosso legislador consagra uma clara preferência pela reconstituição natural em detrimento da indemnização por equivalente pecuniário, considerando-se, à partida, e em termos lógicos, que aquela forma (reconstituição natural) é a forma mais perfeita de tornar indemne o lesado, isto é de satisfazer a reparação dos danos sofridos na sua pessoa ou património, ou seja os seus interesses (do lesado). Vide, neste sentido, por todos J. Calvão da Silva, “ Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória ”, Coimbra, 1987, pág. 142-143 e A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral “, I volume, Almedina, 6ª edição, pág. 874-875.

Em suma, é o interesse do lesado (e credor) o fundamento daquela opção do nosso legislador civil.

Acolhendo esta posição, refere-se no AC STJ de 11.01.2007, relator CUSTÓDIO MONTES, in www.dgsi.pt, que «o que interessa é saber de que forma se deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivessse verificado o evento que obriga á reparação, sem esquecer que esta alternativa é estabelecida em favor do lesado e não do lesante.» (sublinhado nosso).

E prossegue o douto aresto, «este (o lesante) apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, podendo também discutir o seu montante.»

Ora, no caso concreto dos autos, é de referir que nunca a Interveniente suscitou a questão de proceder ela própria à reparação ou substituição em apreço (oferecendo-se, em tal caso, para o fazer) ou sequer invocou que a reconstituição natural seria demasiado onerosa, sendo certo também que os AA. (credores) nenhum pedido formularam no sentido de verem a Interveniente condenada a efectuar (ela própria) as reparações ou substituições de bens existentes no locado.

A Interveniente, apenas em sede de recurso, e face à sentença condenatória (que optou pela condenação da própria Interveniente nas ditas reparações e substituições dos bens danificados e retirados do locado), veio secundar a posição do Sr. Juiz a quo, sendo certo que no seu articulado apenas impugnou, direito que lhe assistia, naturalmente, os valores invocados pelos AA..

Ora, neste contexto, quanto à opção dos AA. (no sentido de a Interveniente ser condenada no montante pecuniário necessário à reparação/substituição dos bens e elementos danificados), diga-se que a mesma, para além de ser perfeitamente compreensível, sendo certo que os danos em apreço foram causados por indicação [...] e sob supervisão da própria Interveniente [sócia gente da sociedade arrendatária] e que a mesma arrendatária fez cessar o arrendamento, entregando as chaves do locado e, consequentemente, deixou de a ele ter qualquer acesso – circunstâncias que, manifestamente, desaconselhariam que fosse a própria Interveniente a efectuar obras no locado... –, não comporta, a nosso ver, uma qualquer violação do aludido princípio da reconstituição natural.

De facto, o que está em causa através da condenação no montante pecuniário necessário para a reparação do locado e substituição dos equipamentos do mesmo retirados, é ainda, a reconstituição da situação que existia antes do evento que deu origem à obrigação de indemnizar e não uma qualquer compensação pecuniária que dê uma satisfação equivalente à que foi perdida.

Com efeito, como se alcança da pretensão dos AA., não pretendem eles uma compensação pecuniária pelo dano causado, antes visam obter, à custa do lesante, a quantia necessária para providenciarem pela reposição/reparação dos bens danificados e/ou destruídos, assim alcançando a reconstituição da situação que existia antes da actuação da Interveniente.

Neste sentido, sustenta A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, cit., pág. 875, que «o fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser este o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.» (sublinhado nosso)

E prossegue, o Il. Professor, «se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (...) ou em estragos nela produzidos, há que proceder [...] à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega do lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente.» (sublinhado nosso) Vide, no mesmo sentido, JÚLIO GOMES, in Cadernos de Direito Privado, n.º 3, pág. 56 (citado no aludido AC STJ de 11.01.2007), e AC STJ de 14.09.2010, relator SALAZAR CASANOVA, in www.dgsi.pt .

Desta forma, com o devido respeito, não cumpria ao Sr. Juiz a quo proferir a condenação em crise, sendo certo que a pretensão dos AA. no sentido da condenação da Interveniente no montante pecuniário necessário à realização das obras de reparação do locado e substituição dos elementos em apreço nos autos, não consubstancia uma violação do princípio da prevalência da reconstituição natural, antes corresponde a esse fim, qual seja a reposição da situação do locado no estado em que o mesmo estaria antes do evento danoso, através dos montantes necessários para o efeito e à custa do património do agente ou responsável, ou seja a ora Interveniente, mostrando-se essa sua opção conforme ao princípio consagrado pelo art. 566º, n.º 1 do Cód. Civil.

Aliás, diga-se, independentemente desta razão substancial, ainda por uma outra razão de ordem processual, sempre estaria, cremos, o Sr. Juiz a quo inibido de proceder à convolação/alteração do pedido pecuniário formulado pelos AA., optando ex officio pela condenação da Interveniente na realização das obras e na substituição dos equipamentos em apreço (pedido não formulado pelos AA.)

Se não, vejamos.

Como se referiu, embora a reconstituição natural seja a solução preferencial adoptada pela lei para a reparação do dano emergente da responsabilidade civil, não há dúvidas que a indemnização pode ser fixada em dinheiro – cfr. n.º 1 do art.º 566.º.

Tal ocorrerá se a reconstituição natural não for materialmente possível, não reparar integralmente os danos ou se for excessivamente onerosa para o devedor.

De todo o modo, tal mutação na prestação (montante pecuniário versus reparação/substituição específica pelo devedor), a fixar pelo tribunal, terá de ser suscitada pelas partes na acção, sob pena de violação do princípio do dispositivo e dos limites da sentença (cfr. arts. 3º, n.º 1, 5º, n.º 1, 609º, n.º 1 e 615º, n.º 1 al. e) - do CPC), com o tribunal a substituir-se às partes, maxime ao autor, na definição do meio de satisfação dos seus interesses, impondo ao lesado (credor) e ao lesante (devedor) uma prestação substitutiva que nenhuma delas suscitou ou peticionou nos autos. Vide, neste sentido, por todos, em situações similares, AC RL de 14.01.2016, relator JORGE LEAL e AC RE de 3.04.2008, relator MATA RIBEIRO, ambos in www.dgsi.pt .

E, assim, face ao exposto, terá a apelação dos AA., nesta parte, que proceder, com a consequente condenação da Interveniente Maria Armanda nos valores discriminados sob o ponto n.º 21 dos factos provados, ou seja no montante de € 34. 640, 00 (trinta e quatro mil seiscentos e quarenta euros), acrescido de IVA, à taxa legal, e de juros de mora, à taxa legal, hoje de 4%, desde a citação (da interveniente) – ocorrida a 5.03.2013 [vide fls. 163 dos autos] – e até integral e efectivo pagamento.


Dirimida a questão antes exposta, cumpre conhecer da questão da privação do uso do locado.

Nesta matéria, com relevo para a questão em apreço, mostram-se provados os seguintes factos:

- Após a desmontagem das máquinas e levantamento dos objectos que constituíam o recheio do estabelecimento, o espaço [locado] deixou de ter as condições mínimas de funcionamento que permita o seu arrendamento – cfr. facto provado sob o n.º 24º.

- Os AA. pretendem continuar a arrendar o rés-do-chão do seu prédio [o locado ] – cfr. facto provado sob o n.º 23º.

- O valor comercial actual de arrendamento do imóvel oscila entre os € 350, 00 e € 375, 00 – facto provado sob o n.º 25º.

Resulta, do aludido quadro factual, a nosso ver, demonstrado que os AA. pretendiam, na sequência da cessação do anterior contrato de arrendamento, continuar a dar esse fim/utilização ao locado, o que, porém, não é possível visto o estado deste último, após a actuação da Interveniente (e já acima referida), não lhe conferir condições minímas para esse efeito.

Coloca-se, portanto, a questão da indemnização por privação do uso, sendo certo que, como se disse, cremos não existirem quaisquer dúvidas, perante a dita factualidade provada, que os AA., enquanto proprietários/senhorios, estão impedidos de darem ao seu dito património (o locado) a utilização que dele pretendiam fazer, qual seja continuar a dar o mesmo de arrendamento, fazendo seus os respectivos proventos.

Decidindo.


O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial unânime. Desde logo quanto à exacta [...] natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial outras concluem pela sua patrimonialidade.

A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado, sendo, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.

A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.

Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso.

Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, posição que é a mais comum, e que por nós é sufragada, nota-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável em termos indemnizatórios, a demonstração do não uso do bem atingido, existindo o propósito ou a intenção de dele se aproveitarem as respectivas utilidades - vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 5.07.2007, relator SANTOS BERNARDINO, AC STJ de 12.01.2010, relator PAULO SÁ, AC STJ de 16.03.2011, relator MOREIRAS ALVES, AC STJ de 8.05.2013, relator MARIA dos PRAZERES BELEZA, AC STJ de 9.07.2015, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, todos in www.dgsi.pt - e aquelas que julgam insuficiente aquela demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. - vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 12.01.2006, processo n.º 05B4176, relator SALVADOR da COSTA, AC STJ de 10.01.2012, relator FERNANDO BENTO, in www.dgsi.pt ..

Na doutrina, por seu turno, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, A. SANTOS GERALDES, “ Indemnização do Dano de Privação do Uso ”, Almedina, 2001, pág. 30 e segs..., L. MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, I volume, Almedina, 7ª edição, pág. 339 (e nota 702), JÚLIO GOMES, RDE, ano 12, 1986, pág. 169 e segs... e PAULO MOTA PINTO, “ Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo ”, I volume, Coimbra Editora, pág. 596.

No caso dos autos, estamos em crer que terá o Sr. Juiz a quo seguido a posição já referida (embora minoritária do STJ), segundo a qual a privação do uso, para que seja possível a sua ressarcibilidade, supõe a demonstração de um autónomo e específico dano patrimonial, qual seja, no caso, a demonstração da existência de interessados no arrendamento do locado em apreço e da frustação de tal arrendamento por via da situação do locado (lucros cesantes) – vide sentença a fls. 394.

Por nossa parte, todavia, entendemos que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, por norma ou regra, essa privação impede o respectivo proprietário/titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza.

Pensamos, porém, com tem salientado o Supremo em alguns dos citados arestos, que a questão da ressarcibilidade da privação do uso não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa. Vide, ainda, neste sentido, PAULO MOTA PINTO, “ Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo “, cit., pág. 596.

Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.

Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo ressarcível, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.

Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.

É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um prédio ou de terreno que lhe não dá qualquer utilização.

Bastará, no entanto, em nosso julgamento, que a realidade processual mostre que o lesado pretendia usar a coisa ou que normalmente a usaria, para que o dano decorrente da sua privação ocorra e, por via disso, a respectiva indemnização pela privação do uso seja devida.

Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma - com o que concordamos -, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante – Vide, por todos, neste sentido, AC STJ de 16.03.2011 e 9.07.2015, já citados.

Ora, atentos estes considerandos, no caso em apreço, face à factualidade provada (e acima exposta), julgamos que é arbitrar, de facto, aos AA. a indemnização peticionada a este título pelos mesmos, indemnização esta, a liquidar em execução de sentença (conforme peticionado), à razão de € 350, 00 (trezentos e cinquenta euros) por mês - valor mínimo que obteriam com o arrendamento do r/c em apreço -, a partir de Setembro de 2012 (data a partir da qual ficaram os AA. privados do gozo do seu prédio para efeitos da sua locação) e até à data do pagamento da quantia estipulada em 2.1 deste Acordão, salvo se antes dessa data os AA. lograrem dar de arrendamento o locado, hipótese em que a aludida indemnização será computada tendo por referência esta última data.

E, ao contrário do sustentado pelo Sr. Juiz a quo e perfilhado pela Recorrida nas suas contra-alegações, não cremos, com o devido respeito, que possam colher os argumentos invocados para afastar a aludida pretensão indemnizatória.

Quanto ao prejuízo e sua existência, como decorre do antes exposto e da posição por nós perfilhada, mostra-se ele, em nosso julgamento, comprovado, atenta a circunstância de os AA. pretenderem continuar a dar de arrendamento o espaço em apreço (como sucedia antes), usando e fruindo do mesmo, enquanto proprietários, sendo certo que, face à situação actual do locado, tal não podem fazer.

Quanto ao recheio (próprio para a actividade de restauração) que foi removido ou danificado pela ora Interveniente/Recorrida e que, segundo o sufragado pelo Sr. Juiz a quo, sempre inviabilizaria a aplicação imediata do espaço para efeitos de arrendamento para a actividade de restauração, cremos ser patente que não é a [...] remoção dos equipamentos ou bens móveis - e adstritos apenas à actividade de restauração - antes existentes que constituem a causa para a impossibilidade (temporária) de os AA. darem o espaço em arrendamento; Os próprios AA. (ou um eventual arrendatário do espaço em apreço) sempre poderiam, como referem nas suas alegações, a expensas suas, dotar o locado de equipamentos e móveis bastantes para esse efeito.

Dito por outra forma, mais clara, a causa da impossibilidade de locação do espaço (e da consequente privação do uso por parte dos AA.) não decorre de o locado não dispor de equipamentos para a actividade de restauração, mas antes de os danos provocados no próprio locado, nos espaços e nos equipamentos gerais que o compõem - v.g. retirada de portas/ferragens/iluminação/torneiras/danos em azulejos/retirada de tubagens/destruição da parte superior das paredes divisórias/destruição de instalação electrica, de tomadas/interruptores, etc. (vide factos provados sob o ponto n.º 18.)-, inviabilizarem ou impossibilitarem, independentemente dos equipamentos de restauração que possam existir, e até que ocorra a respectiva reparação e/ou substituição, a locação do espaço para os fins a que o mesmo se destina.

Por último, também não releva, em nosso julgamento, a questão de não possuir o locado licença para a actividade de restaurante/snack bar, pois que a obtenção desta outra licença específica (para uma actividade específica – restaurante; oficina de reparações; veterinário; stand automóvel, etc.) não incumbe ao proprietário/senhorio, mas antes ao próprio arrendatário.

De facto, como vem sendo referido, de forma unânime pela Jurisprudência dos nossos Tribunais, e se salienta no AC STJ de 14.10.2014, relator ALVES VELHO, in www.dgsi.pt, importará «...proceder à distinção entre licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica (v.g., habitação, comércio, indústria, etc.) e a licença de utilização ou de funcionamento para o exercício de qualquer espécie desse género (restaurante, farmácia, consultório médico, etc.).

A primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização, enquanto a segunda, em regra equivalente a um alvará para o exercício de certo ramo (que pode implicar a realização de obras internas, instalações especiais e definição de áreas de compartimentos) cumpre a quem pretende exercer a actividade específica, em caso de arrendamento, ao arrendatário.» – Vide, ainda, no mesmo sentido, AC STJ de 19.02.2008, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, AC RP de 8.05.2012, relator ANABELA DIAS da SILVA, AC RP de 17.06.2013, relator LUIS LAMEIRAS, AC RP de 3.06.2014, relator JOÃO PROENÇA e AC RL de 11.09.2014, relator ONDINA CARMO ALVES, todos in www.dgsi.pt. . Ora, tendo presente a distinção supra efectuada, é de referir que o r/c em apreço, ou seja o espaço locado, possui licença de utilização genérica (in casu para «indústria similar de hotelaria», com consta do documento a fls. 355), inexistindo qualquer elemento que comprove que uma tal licença tenha caducado.

O que o dito locado não possui – como bem se vê da informação colhida a fls. 366 e 367 e até do requerimento da Interveniente a fls. 361-362 dos autos – é a aludida licença de utilização específica, no caso concreto para a actividade de restaurante, snack bar e café (vide, ainda, facto não provado sob o n.º 1 da sentença recorrida).

Destarte, como já acima se expôs e se colhe da lição da jurisprudência citada, não incumbindo aos AA./senhorios a obtenção desta outra licença específica, mas [...]   antes aos próprios arrendatários, a sua omissão apenas aos mesmos é de imputar, inexistindo razões que excluam, deste ponto de vista, a pretensão indemnizatória em apreço.

Aliás, diga-se que a factualidade apurada não demonstra minímamente que a falta dessa outra licença específica tenha sido, em algum momento, causa para o não gozo ou exploração do arrendado, o que, face à duração do contrato e ao termo do mesmo por denúncia do arrendatário  (e sem que tenha sido antes - relativamente ao presente litígio - suscitada a falta da dita licença ou uma situação de impedimento ao gozo/exploração do espaço arrendado perante os AA.), sempre suscitaria uma situação de eventual abuso de direito por parte da arrendatária ao pretender agora fazer-se valer desta outra formalidade, a qual, repete-se, não incumbia ser observada/cumprida pelo senhorio, mas pelo próprio arrendatário e que, à luz do que resulta demonstrado nos autos, nunca foi causa de impedimento para o exercício da actividade comercial da arrendatária.

3. E, em consonância com tais pressupostos, julgou a Relação:

  a) - improcedente o recurso de apelação interposto pela Interveniente HH;

  b) - procedente o recurso de apelação interposto pelos AA. e, em consequência, revogando a sentença recorrida, condenou :

  b1) - a Interveniente Maria Armanda a pagar aos AA. a quantia de € 34. 640, 00 (trinta e quatro mil seiscentos e quarenta euros), acrescida de IVA, à taxa legal, e de juros de mora, à taxa legal, hoje de 4%, desde a citação [ 5.03.2013 ] e até integral e efectivo pagamento.

  b2) - a mesma Interveniente a pagar aos AA. a quantia, a liquidar em execução de sentença, à razão de € 350, 00 (trezentos e cinquenta euros) por mês, a partir do mês de Setembro de 2012 e até à data do pagamento da quantia estipulada em b1)-, salvo se antes da data desse pagamento os AA. lograrem dar de arrendamento o locado em apreço nos autos, hipótese em que a aludida indemnização será computada tendo por referência esta última data.


4. Inconformada, apelou a interveniente /R., encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que revogou a douta sentença de 1ª instância, condenando a recorrente no seguinte:

a) Na quantia de € 34.640,00 acrescida de IVA, e de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, para reparação e substituição de bens danificados/removidos do locado, ao invés da realização das próprias reparações e substituições de bens, como sucedeu em 1ª instância;

b) Numa indemnização a título de privação do uso do locado a liquidar em execução de sentença, à razão de € 350,00 por mês, a partir do mês de Setembro de 2012 e até à data do pagamento da quantia acima referida, salvo se antes da data desse pagamento os A.A. lograrem dar de arrendamento o locado em apreço nos autos, hipótese em que a aludida indemnização será computada tendo por referência esta última data.

2. Entende a recorrente merecerem tais questões apreciação e decisão diferente, ao encontro daquilo que foi sufragado pela douta sentença de 1ª instância.

3. Ainda que assim não fosse, o que não se concede, haveria sempre que reduzir à quantia de € 34.640,00 acrescida de IVA, correspondente aos valores descriminados sob o ponto n.º 21 dos factos provados, o valor de € 9.750,00. constante da al. k) do mesmo ponto, correspondente aos danos provocados no balcão de madeira situado na sala de refeições, “uma vez que os balcões faziam parte do recheio do estabelecimento que foi vendido pelos autores no contrato de compra e venda referido nos pontos 5 a 7 dos factos provados” (conforme sentença de 1ª instância).

4. O artigo 562.º, do C. Civil, estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, estatuindo que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e, por sua vez, estatui artigo 566.º, nº 1 do mesmo diploma legal que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”

5. Em relação à reparação do dano, do confronto entre o art.º 562º e 566º do Código Civil, conclui-se que no nosso ordenamento jurídico se encontra consagrado o princípio da reposição natural, estabelecendo-se como princípio geral, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano.

6. Só quando a reconstituição natural se revele impossível, não repare a totalidade dos danos ou for excessivamente onerosa para o devedor, se permite a indemnização em dinheiro.

7. A reconstituição natural é, pois, a regra e a indemnização em dinheiro a excepção, com carácter subsidiário e apenas permitida nas três situações acima referidas.

8. É esta a posição praticamente unânime do nosso ordenamento jurídico, seja doutrinal - Pires de Lima e Antunes Varela, Almeida Costa e Paulo Mota Pinto, entre outros - seja jurisprudencial. - Nesse sentido, entre outros, Acs. STJ:

09-09-2010 Revista n.º 624/06.2TCGMR.S1 - 7.ª Secção Orlando Afonso (Relator), Sousa Leite, Salreta Pereira, Sumário: “I - O art. 566.º do CC dispõe que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, donde se retira que, em regra, se deve usar a reconstituição natural e só quando esta não seja possível se recorra à execução não específica, por sucedâneo pecuniário”.

- 02-12-2010 Revista n.º 4865/07.7TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção Barreto Nunes (Relator) Orlando Afonso, Cunha Barbosa, Sumário: “I - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566.º, n.º 1, do CC): assim, deve o causador do dano proceder à reparação natural das coisas danificadas, sobre ele impendendo a obrigação de repor as coisas tal qual como estariam, não fora o dano causado”.

- 21-04-2010 Revista n.º 55/10.YFLSB - 6.ª Secção Fonseca Ramos (Relator) Cardoso de Albuquerque, Salazar Casanova, Sumário: “I - Para que ocorra a obrigação de indemnizar é condição essencial que ocorra um dano, que se traduz no prejuízo que o facto ilícito culposo causa ao lesado, podendo o dano ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, estabelecendo a lei (cf. art. 566.º, n.º 1, do CC) a primazia da reconstituição natural, funcionando a reparação através de indemnização monetária como sucedânea, quando a reparação específica se mostre materialmente inviável, não cubra a integridade dos danos e quando se revele demasiado gravosa para o devedor.”

9. Relativamente à questão da condenação da Interveniente no montante pecuniário necessário à realização das obras de reparação do locado e substituição dos elementos em apreço nos autos, considerou o douto acórdão recorrido constituir reconstituição natural e não indemnização por equivalente o pagamento das despesas reclamadas pelos A.A. à custa da interveniente/recorrente, não consubstanciando o mesmo uma violação do princípio da prevalência da reconstituição natural, antes correspondendo a esse fim, qual fosse a reposição do locado no estado em que o mesmo estaria antes do evento danoso, através dos montantes necessários para o efeito e à custa do património da recorrente, mostrando-se essa opção conforme ao princípio consagrado pelo art.º 566º n.º 1 do Código Civil. (pág. 42, 2º parágrafo do douto acórdão recorrido).

10. Com o devido respeito, não colhe tal argumento, pelo simples facto de o montante em que a recorrente foi condenada constituir sempre indemnização em dinheiro, sendo manifesto, no caso dos autos, ser a reconstituição natural, na sua  verdadeira acepção, possível, conforme melhor consta na fundamentação de direito da douta sentença de 1ª instância:

, “...tendo em conta o disposto no art.º 566º n.º 1 do C.C. e, considerando, face ao

tipo de danos provocados e ao teor da factualidade dada como provada em 21, a reconstituição natural é possível, devendo ser esta a forma a utilizar para a reparação integral dos danos causados”.

11 - A inteira primazia dada à reconstituição natural ou indemnização em forma específica justifica-se por ser a forma mais perfeita, justa e adequada de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e, sendo ela possível, não haverá lugar à indemnização em dinheiro (em que se correria inclusivamente o risco dos A.A. o destinarem a outro fim) de carácter subsidiário, mas sim à condenação da recorrente a reparar os danos causados no imóvel, nos termos referidos na sentença de 1ª instância.

Nesse sentido, Acórdãos do STJ:

03-02-2011 Revista n.º 351/2000.L1.S1 - 2.ª Secção Oliveira Vasconcelos (Relator) Serra Baptista, Álvaro Rodrigues, Sumário: “V - O princípio geral da obrigação de indemnizar, plasmado no art. 562.º do CC, é o da reposição natural, tendo como escopo essencial a reconstituição da situação que existiria, se o facto não se tivesse verificado”.

31-05-2011 Revista n.º 175/2002.P1.S1 - 6.ª Secção Salreta Pereira (Relator) João Camilo Fonseca Ramos, Sumário: “IX - A teoria da diferença que aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária. X - Tal conversão só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante. XI - Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado, pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente.”

02-05-2012 Revista n.º 6814/03.2TBCSC.L1.S1 - 6.ª Secção Nuno Cameira (Relator),

Sousa Leite, Salreta Pereira, Sumário: “I - No nosso ordenamento jurídico dá-se inteira primazia à reconstituição natural ou indemnização em forma específica, como modo de, cumprindo o disposto no art. 562.º do CC, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, por se entender que representa forma mais justa e simultaneamente mais adequada e eficiente de remover o dano real ou concreto, correspondente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado”.

- 09-12-2010 Revista n.º 1991/07.6TBMAI.P1.S1 - 2.ª Secção Serra Baptista (Relator), Álvaro Rodrigues, Teixeira Ribeiro, Sumário: “I - O nosso sistema ressarcitório dá preferência à reconstituição natural sobre a indemnização pecuniária, por considerar que a primeira é a forma mais perfeita de indemnizar o dano real ou concreto: a indemnização em dinheiro é, pois, sucedânea ou subsidiária”.

12 - Ao contrário do que se defende no douto acórdão recorrido, não se encontra na disponibilidade dos A.A. optar entre uma das mencionadas formas de indemnização, a ponto de lhe ser facultado exigir do lesante a indemnização em dinheiro em prejuízo da reconstituição natural, sempre que esta seja adequada e possível, conforme referido no Ac. Tribunal da RL, P.º 5345/06.3TBVFR.P1, relator Mário Fernandes e no AC. STJ de 29-11- 2001, Revista n.º 3284/01 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) Moura Cruz, Barata Figueira.

13 – Por outro lado, a ideia da reconstituição natural, é estabelecida não só em favor do lesado, conforme defendido no douto acórdão recorrido, mas também do lesante, de acordo com o princípio do equilíbrio – nesse sentido, entre outros, Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 30.05.2006,

14. Considerou ainda o douto acórdão recorrido que a mutação na prestação (montante pecuniário versus reparação/substituição específica pelo devedor) teria de ser suscitada pelas partes na acção, sob pena de violação do princípio do dispositivo e dos limites da sentença (cfr. art.º 3º, n.º 1, 5º, n.º 1, 609º n.º 1 e 615º al. e) do CPC) , não podendo o tribunal ex officio convolar a prestação pecuniária peticionada pela reparação ou substituição do bem pelo próprio devedor.

15 – Porém, além de tudo o que supra se disse relativamente à questão da primazia do princípio da reconstituição natural face à indemnização em dinheiro, acresce que a mesma é uma questão de direito e não de facto, competindo ao juiz a interpretação e aplicação das normas jurídicas, consagrado que está o princípio do conhecimento oficioso do direito.

16 - Assim sendo, caberá, por isso, no caso, ao juiz interpretar e aplicar o direito, face àquele princípio.

17 – Acresce que, sendo patente o facto da possibilidade da reconstituição natural, como o é no caso dos autos, pode a mesma ser conhecida ex officio. - Ac. STJ de 31-05- 2011 Revista n.º 175/2002.P1.S1 - 6.ª Secção Salreta Pereira (Relator) João Camilo Fonseca Ramos, Sumário: “X - A conversão da reconstituição natural em indemnização por dinheiro só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante. XI - Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado, pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente. (o sublinhado é nosso)

18 - Ainda que assim não fosse, não existiria nunca qualquer violação do art.º 609º do C.P.C., uma vez que o Juiz não condenou em quantidade superior ou objecto diverso do que se pediu.

19 - Como melhor consta do relatório da douta sentença de 1ª instância, uma das questões a decidir nos autos seria saber qual o prejuízo que a conduta adoptada pela recorrente causara aos A.A., bem como o modo de proceder à reparação desses danos.

20. Provada a obrigação de indemnizar da recorrente e, tendo em conta o disposto

nos art.º 562º e 566º do C.C., foi determinado, e bem, pelo Mmo. Juíz de 1ª instância haver lugar à indemnização “in natura”, não em dinheiro.

21. Relativamente à privação do uso, foi entendimento perfilhado no douto acórdão o seguinte:

A mera privação do uso do bem pelos A.A. não constitui, por si só, um dano indemnizável.

Todavia, demonstrando-se a privação do uso do bem e a intenção ou propósito do proprietário de usar ou fruir do mesmo e dele retirar as inerentes utilidades (v.g., dando o locado em arrendamento), o dano em apreço é indemnizável e a indemnização deverá corresponder, em regra, ao valor locativo (em mercado) do imóvel em causa (n.º 4 do sumário do douto acórdão recorrido, pág. 53).

22. De acordo com o douto acórdão recorrido, mostrar-se-ia o prejuízo comprovado, “atenta a circunstância de os A.A. pretenderem continuar a dar de arrendamento o espaço em apreço (como sucedia antes), usando e fruindo do mesmo, enquanto proprietários, sendo certo que, face à situação actual do locado, tal não podem fazer”. (pág. 48, 3º parágrafo).

23. Pelo que foi a recorrente condenada a pagar aos AA. a quantia, a liquidar em execução de sentença, à razão de € 350,00 por mês, a partir do mês de Setembro de 2012 e até à data do pagamento da quantia acima referida, salvo se antes da data desse pagamento os A.A. lograrem dar de arrendamento o locado em apreço nos autos, hipótese em que a aludida indemnização será computada tendo por referência esta última data.

24. Porém, ao contrário do que é sustentado no douto acórdão recorrido, entende a Recorrente não ser suficiente o facto de se ter dado como provado que os A.A. pretendiam continuar a arrendar o imóvel, pretensão que, só por si, não basta para constituir dano indemnizável.

25. Com efeito, na douta sentença de 1ª instância, foi dado como provado o seguinte:

“Os A.A. pretendem continuar a arrendar o rés-do-chão do seu prédio (o locado)” – facto provado n.º 23.

26. Porém, verifica-se na motivação da douta sentença, que tal matéria se extraiu apenas da vontade manifestada pelos Autores nos articulados e porque o irmão da Autora o disse no seu depoimento (o sublinhado é nosso).

27. Situação manifestamente insuficiente para que a privação do uso constituísse dano indemnizável, dada a total ausência de prova da sua concretização.

28. Com efeito, na esteira aliás do vertido no sumário do douto acórdão recorrido, incumbiria aos A.A., para além disso, alegar e provar a frustração de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria. - conforme explicado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/07/2013, P.º 333/08.8TBVLN.G1, Relator Manuel Bargado no Acórdão do STJ de 12 de Novembro de 2009 e no recente Acórdão do STJ, de22-04-2015 Revista n.º 23116/12.6T2SNT.L1.S1 - 1.ª Secção Helder Roque (Relator) * Gregório Silva Jesus Martins de Sousa, cujo sumário se transcreve:

“III - A privação do uso só constitui dano ressarcível desde que demonstradas as concretas e efectivas utilidades atingidas ou cuja fruição se frustrou, só assim se concretizando tal dano, em termos de susceptibilidade de medição através da teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2, do CC). O dano da privação do uso, sem consideração dessas utilidades, é meramente abstracto e não exprime uma diferença entre situações patrimoniais, a menos que seja concretizado e explicitado em factos reveladores do prejuízo e dos benefícios frustrados em que consistiu a impossibilidade de gozo. IV – Numa situação de privação do uso de um imóvel, constitui entendimento generalizado que recai sobre o autor/lesado o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, designadamente, do valor locativo do imóvel, dos seus propósitos quanto ao uso e fruição do imóvel e das razões da frustração desses objectivos. Todavia, há jurisprudência que defende uma maior abertura em relação à prova do dano da privação do uso, admitindo que esta possa ser feita através de presunções de experiência (cf. Ac. do STJ, de 15-11- 2011, Proc. n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1). V - Os fundamentos da indemnização não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por susceptível de serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes: o dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efectivo, de proceder à sua utilização e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação do imóvel pelo lesante”.

29. Competiria aos A.A. alegar e provar ter visto frustado um propósito, real e efectivo de proceder à sua utilização, em que precisos termos o faria e o que auferiria.

30. A verdade é que nenhuma prova fizeram nesse sentido, limitando-se a alegar nos articulados que pretendiam continuar a arrendar o imóvel.

31. Como melhor consta da fundamentação de direito da douta sentença de 1ª instância, (penúltima página da sentença): “Em primeiro lugar, competia aos autores alegar (e depois, como é óbvio, provar) que no decurso do período temporal em questão (desde Setembro de 2012) existiram interessados no arrendamento do imóvel, coisa que não fizeram”.

32. Por outro lado, conforme constante também da fundamentação de direito da douta sentença de 1ª instância, embora tenha resultado provado que aquele espaço, após a operação descrita no ponto 16 dos factos provados, deixou de ter as condições mínimas de funcionamento que permitisse o seu arrendamento, no que respeita à actividade de restauração propriamente dita, que é a que aqui está em causa, a ausência de condições aconteceria sempre, tendo em consideração duas situações:

- Em primeiro lugar, o recheio do estabelecimento não pertencia aos autores e, por isso, ao ser removido pela Ré, no exercício de um legítimo direito, retirou, de imediato ao estabelecimento as condições de funcionamento para essa actividade.

- Em segundo lugar, quando o locado foi entregue aos Autores estava ainda em curso na Câmara Municipal um processo tendente à obtenção da autorização para sua utilização para as finalidades a que o mesmo estava adstrito, processo esse iniciado por CC e José Luís Gomes Ferreira e que ainda não se encontrava concluído.

33. Quando os Autores transmitiram o estabelecimento aos réus Armindo e José Luís, este não dispunha de licença para funcionar como restaurante, tendo sido estes a dar início ao processo de legalização do estabelecimento – documento junto com o requerimento de 09/02/2015, com a ref.ª 303648 - processo continuado pela apelada, mas que nunca chegou a ser concluído, tendo também caducado, não dispondo o estabelecimento, ainda hoje, de licença para funcionar como estabelecimento de restauração.

34. Independentemente da questão de ser da competência do inquilino a obtenção da licença de utilização, conforme se refere no douto acórdão recorrido, a verdade é que o arrendado não dispõe da mesma, logo não poderiam os autores, como referiram pretender, arrendá-lo para tal, inexistindo assim, no caso, o direito dos autores, por impossibilidade material (não existência no estabelecimento de equipamentos), impossibilidade legal (inexistência de licença de utilização para restaurante) mas, sobretudo, devido a uma impossibilidade real.

35. Sendo ainda certo que, ainda que fosse para qualquer outra actividade, em momento algum foi sequer alegado - muito menos provado - a eventual existência de interessados, ainda que como mera hipótese, no arrendamento do espaço, como aliás refere o Mmo. Juíz na douta sentença.

36. Assim sendo, de encontro ao acima enunciado, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.

37. Porém, se a esse título algum montante fosse fixado, o que não se concede, tê-lo-ia de ser com recurso à equidade, em que deve o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (nesse sentido, cfr., entre outros, Ac. do STJ de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 474”).

38. A noção de equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação «equitativamente» quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (o sublinhado é nosso). - cf. Ac. do STJ de 29-04-98, Proc. n.º 55/98.

39. Nesta perspectiva, a indemnização fixada pela privação do uso é, com o devido respeito, no caso concreto, desequilibrada e injusta para a recorrente, dentro do que se provou na acção.

40. Por um lado, o valor fixado de 350 euros, constitui não um valor mínimo do arrendamento, como se refere no douto acórdão recorrido, mas antes um valor referencial baseado no valor comercial do arrendado (entre 350 e 375 euros – ponto 26 dos factos provados), mais próximo assim do máximo que do mínimo, pelo qual se desconhece se os autores conseguiriam arrendar o imóvel, sobretudo nas circunstâncias actuais em que o mercado se encontra.

41. Por outro lado, fixado o pagamento de tal montante desde Dezembro de 2012 até pagamento da indemnização pecuniária fixada pelos danos causados no locado, parte-se do pressuposto que, além de o conseguirem alugar por aquele valor o imóvel estaria permanentemente arrendado, correndo-se o risco de a recorrente vir a pagar aos autores, a final, o valor do próprio imóvel.

42. Por outro lado ainda, conforme se referiu, não dispunha o imóvel de licença de utilização, como não dispõe ainda hoje, situação cuja resolução demoraria seguramente bastante tempo – note-se que tal processo se iniciou com os réus Armindo e José Luís, em 2007, continuou com a recorrente e em 2012 não se encontrava concluído.

43. Finalmente, porque o valor de 350 euros corresponderia, hipoteticamente, ao valor de uma renda mensal, sendo estas tributadas em sede de IRS em 25%, valor que não constituiria certamente rendimento para os autores.

44. Por tudo isto, tal valor afronta assim, manifestamente, as regras de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida em desfavor da recorrente, justificando-se por isso por parte deste tribunal, uma legítima intervenção correctiva da mesma por desconforme a esses elementos.

45. O douto acórdão recorrido violou as disposições dos art.ºs 562º, 564º e 566º do C.C..

TERMOS em que ao presente recurso deve ser dado provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido na parte que condenou a recorrente, repondo-se relativamente a tal matéria o decidido na douta sentença de 1ª instância, fazendo-se assim JUSTIÇA.

Os recorridos contra alegaram, pugnado pela manifesta improcedência do recurso.


5. Na sua alegação, começa a recorrente por suscitar questão relacionada com a matéria de facto: na verdade, o acórdão teria incluído nos danos a ressarcir a reparação dos balcões de madeira situados na sala de refeições, referenciados no ponto 21 k) da matéria de facto – quando, na sentença proferida em 1ª instância, se havia excluído a ressarcibilidade de tal dano, já que os balcões em causa faziam parte do recheio do estabelecimento que foi vendido pelos AA no contrato de compra e venda referido nos pontos 5 e 7 dos factos provados.

Efectivamente, se bem atentarmos na estrutura daquela decisão, tem de concluir-se que o juiz formou efectivamente convicção acerca da inclusão dos ditos balcões no âmbito da venda de recheio acordada (que realmente menciona como objecto do negócio os balcões existentes no estabelecimento), não incluindo, consequentemente, no elenco de reparações que determinou incumbirem à R., a reparação de tais elementos, como resulta da sentença, a fls. 393.

Significa isto que – interpretando devidamente a referida sentença – não pode considerar-se inteiramente provado o facto mencionado no ponto 21 k) da descrição da matéria de facto, já que – embora noutro local da sentença - o juiz explicitamente teve tal factualidade por não provada, afastando a existência de dano com base na anterior transmissão da propriedade sobre os balcões danificados – e extraindo, no plano jurídico, todas as consequências de tal juízo factual, assente na consideração, desde logo, do teor de documentos juntos aos autos.

Ora, não se mostrando tal matéria – a inexistência de dano relevante nos ditos balcões, atenta a sua não pertença ao lesado – questionada pelos AA./ apelantes no recurso que interpuseram, não podia efectivamente a Relação desconsiderar tal juízo factual constante da sentença apelada, bem como as consequências jurídicas dele extraídas, reflectidas explicitamente no âmbito do direito à reparação que se reconheceu aos AA: ou seja, a circunstância de tal juízo factual sobre a ocorrência e ressarcibilidade de certo dano específico, apesar de explicitado na sentença, não ter sido projectado ou mencionado no segmento desta que contem formalmente a descrição da matéria de facto, não significa que, ao valorar a factualidade relevante, não tenha a Relação de atender à decisão substancial, tomada expressamente sobre a matéria na sentença apelada, e não impugnada pelo recorrente na apelação que interpôs.

E, assim sendo, terá efectivamente de se abater no valor da indemnização a arbitrar o referido valor de €9.750,00, por não relevar o dano causado num bem que era, afinal, propriedade do próprio lesante, por os seus antecessores o haverem adquirido ao lesado.


6. A segunda questão suscitada prende-se com a aplicação da regra segundo a qual, ao definir o conteúdo da obrigação de indemnizar, cumpre dar prioridade ao princípio da reconstituição natural.

Não tem qualquer relevo e utilidade discutir em abstracto tal tema, desligando-o das particularidades e especificidades do caso concreto: na verdade, é inquestionado que a nossa lei civil dá prevalência a tal princípio fundamental, considerando-o como regra – base na definição do conteúdo da obrigação de indemnizar – embora se deva notar que tal princípio tem primacialmente em vista a defesa dos interesses do lesado; como se afirma no acórdão de 14/9/10, proferido pelo STJ no P. 403/2001.P1.S1:

17. No que respeita à reconstituição natural (artigo 562.º do Código Civil) este Tribunal já sufragou o entendimento de que “a indagação de saber se em cada caso cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer não o interesse do lesante mas o do lesado, em benefício de quem regem tais princípios. O lesante apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro; e, sendo este o caso, pode também discutir o respectivo montante (Ac. do S.T.J. de 11-1-2007 - Custódio Montes- revista n.º 4430/06 - 7ª secção). Por isso, é em situações diversas que se suscita a questão da prevalência da reconstituição natural, ou seja, cumpre ao lesante, quando o lesado reclama a reconstituição natural, alegar factos capazes de demonstrar ser manifestamente excessiva a pretensão do lesado ( Ac. do S.T.J. de 13-3-2007- Moreira Alves - revista n.º 121/07- 1ª secção

Isto não significa obviamente que o lesante não possa, ao menos na perspectiva do abuso de direito, questionar uma injustificável e desproporcionada opção do lesado por uma - mais gravosa - indemnização em dinheiro, quando a reparação natural se revele perfeitamente idónea e adequada para a reparação integral dos prejuízos – obtendo naturalmente, se provar tais pressupostos, pelo menos uma redução do montante indemnizatório peticionado, fazendo-o equivaler ao custo da restauração natural…

No entanto, e como é evidente, esta problemática, nos concretos litígios entre as partes, só pode ser fundadamente abordada e resolvida se se tiver em conta o teor dos factos alegados nos articulados oportunamente apresentados pelos litigantes sobre este tema concreto- ou seja, esta questão tem de ser abordada em concreto, com base na factualidade que deva ter-se por processualmente adquirida; ora, no caso dos autos, a R., confrontada com a dedução de um pedido de indemnização em dinheiro, nada alegou na contestação (fls. 171 e segs.) sobre o modo que tinha por adequado para remover o dano causado no imóvel locado, limitando-se a impugnar a existência da própria obrigação de indemnizar.

Ora, se pretendia questionar a admissibilidade da peticionada indemnização em dinheiro, cabia à R. o ónus de – ainda que a título subsidiário – suscitar as objecções que tivesse por pertinentes sobre o conteúdo da indemnização, proposto pelo A., disponibilizando-se, nomeadamente, para ser, ela própria, a proceder às reparações nos objectos danificados; e, se assim fosse, incidiria naturalmente sobre esta matéria factual alegada o contraditório dos AA. que, como é óbvio, não estariam automaticamente sujeitos a essa forma de reparação do danos, pretendida  pela R./lesante, podendo questioná-la ( nomeadamente, alegando que não confiavam em que fosse o próprio lesante, que já não dispunha sequer de qualquer título sobre o locado, a providenciar e a dirigir, ele próprio, com inteira autonomia, a reparação de um imóvel que lhe não pertencia).

Como é evidente, nada disto se verificou no caso dos autos, inexistindo, consequentemente, matéria factual para se poder decidir em concreto acerca da justificabilidade de uma reparação de bem alheio, feita  pelo próprio lesante e sob a direcção deste, - e que ele, no momento processual adequado, não se ofereceu sequer para realizar.

E, nesta situação específica, estava efectivamente vedado ao juiz, no momento da sentença, convolar oficiosamente do pedido de indemnização em dinheiro para uma pretensa restauração natural a cargo da R./lesante, que esta não se ofereceu, no momento próprio, para efectivar - e sem que ao lesado fosse facultada oportunidade para dissentir da justificabilidade de tal forma de indemnização pretendida pela R…


Como se refere no ac. do STJ, atrás citado:

19. Estamos, no entanto, manifestamente face a uma questão nova (artigo 660.º do C.P.C.) pois os réus, na contestação, não suscitaram a questão de pretenderem proceder à reparação do imóvel dos lesados, só tendo em momento ulterior do processo, já em fase de recurso, procurado retirar, a partir da ideia da natureza sucedânea da obrigação de indemnizar face à reconstituição natural, o alcance de ser inatendível um pedido de indemnização sem prévia dedução de um pedido de reconstituição natural.

20. Refira-se que, pretendendo os réus a reconstituição natural e propondo-se realizá-la em caso de condenação, os autores, se pretendessem alegar factos demonstrativos de que, no caso, a reconstituição natural não era possível ou não repararia integralmente os danos (ou ainda que, pela sua actuação pregressa e presente, se revela manifesto que os lesantes não têm uma intenção efectiva de proceder à reparação da coisa danificada, pois não é de afastar, segundo parece, destas situações o instituto do abuso do direito, questão esta em aberto e que aqui se deixa apenas em sede argumentativa), tinham sempre aberta a porta da réplica e da ampliação do pedido, com a faculdade de deduzirem o pedido principal de condenação dos réus na reparação integral dos danos e, a título subsidiário, o pedido de indemnização (artigo 273.º do C.P.C).


Não merece, pois, censura o decidido, quanto a este ponto, pela Relação no acórdão recorrido

7. A outra questão suscitada na presente revista tem a ver com a existência e quantificação do dano decorrente da privação de uso do imóvel, decorrente da inviabilidade de o mesmo, perante o estado fortemente degradado em que se encontrava quando foi restituído, ser objecto de nova locação, como pretendiam os AA.

Saliente-se, também a propósito desta questão, que não tem utilidade para a dirimição do concreto litígio que opõe as partes abordar, em termos dogmáticos e abstractos, o tema da ressarcibilidade do dano decorrente da privação do uso de um bem, móvel ou imóvel: na verdade, mesmo para quem entenda que a mera privação do uso de um bem, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, parece inquestionável que, nos presentes autos, os AA. concretizaram e fundamentaram, em termos factuais minimamente consistentes, qual a concreta utilidade que pretendiam extrair do bem e, portanto, o específico e concreto dano sofrido com a impossibilidade de locação do imóvel, por via dos defeitos que o afectavam, imputáveis a comportamentos da R: tal utilidade específica traduzia-se, - em consonância, aliás, com o destino que lhe vinha sendo dado há vários anos, - na colocação no mercado de arrendamento para fins comerciais, especificando-se qual o lucro cessante que em concreto se entendia ocorrer - traduzido no montante das rendas de que o locador ficou privado em consequência do estado de conservação do locado.

Ou seja: no caso dos autos, não se limitou o lesado a alegar genericamente que esteve privado do uso e fruição do bem, especificando e factualizando, em termos minimamente consistentes, qual foi o lucro cessante sofrido em consequência do estado em que o imóvel se encontrava, por facto imputável ao locatário – não sendo necessário – ao contrário do que se decidiu em 1ª instância,- alegar e provar a existência de um concreto interessado na locação do imóvel: note-se que a perda das rendas prováveis constitui um lucro cessante futuro e – como em todos os danos futuros – basta-se com um juízo de prognose sobre a viabilidade da futura locação.

Essa utilização da fracção, pretendida pelo lesado, é, aliás, inteiramente congruente com o destino que, ao longo dos anos foi reiteradamente dado ao prédio, não se vendo qualquer razão consistente para duvidar em absoluto da viabilidade de celebração de novos arrendamentos para fins idênticos, se não ocorresse a deterioração que – segundo a matéria de facto provada – determina que o local tivesse perdido as condições mínimas de funcionamento que permitiam o seu arrendamento.

Saliente-se, a este propósito, que se concorda inteiramente com o acórdão recorrido, na parte em que tem por irrelevante para apurar da viabilidade de uma futura e hipotética locação a falta de licença de utilização específica : para além de a obtenção desta ser encargo do locatário, a sua falta não impediu que, durante anos, tivesse funcionado no locado um estabelecimento de restauração…

Não pode, pois, neste contexto, duvidar-se da realidade do dano invocado, traduzido na frustração das concretas utilidades que plausivelmente o locador pretendia extrair do imóvel, consubstanciadas em lucros cessantes futuros, de verificação provável, face a um juízo de prognose fundado na normalidade das situações da vida.


Resta, porém, o problema da quantificação deste dano, decorrente da privação de certa utilidade específica, proporcionada pelo imóvel: será proporcional e adequado às concretas circunstâncias do caso fazer corresponder o dano sofrido à mera soma aritmética do valor das rendas correspondentes a um valor locativo médio do prédio, desde a data da respectiva restituição?


E efectivamente concorrem, na situação peculiar dos autos, três circunstâncias que implicam dever ser tal valor pecuniário objecto de redução, em conformidade com o princípio da proporcionalidade e com as regras da equidade.

Assim,- em primeiro lugar – e como sustenta a recorrente - sempre que haveria que descontar ao valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários que, em termos de imposto sobre rendimentos prediais, necessariamente lhe correspondessem e tivessem imperativamente de ser saldados pelo senhorio.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 8/10/15 , proferido pelo STJ no P21127-A/1980.L1.S1.:

Só existe dano do lesado na medida em que este tenha ficado efectivamente privado, no seu património, dos valores remuneratórios normalmente auferíveis com o capital financeiro que esteve impossibilitada de dispor durante o período temporal da ocupação – não traduzindo lucro cessante os valores pecuniários que, a ter ocorrido a referida rentabilização na banca, devessem necessariamente reverter (nomeadamente através dos mecanismos de retenção na fonte) para a administração tributária, a título de imposto devido pelos rendimentos de certo capital financeiro.

Tais considerações são inteiramente transponíveis para o plano dos rendimentos prediais, por ser evidente que o lucro cessante efectivamente sofrido pelo proprietário corresponde ao valor líquido auferido, depois de descontado o montante dos encargos tributários que correspondem inelutavelmente à pretendida utilização do prédio.


Em segundo lugar, a indemnização arbitrada peca por excesso, ao presumir que o imóvel sempre teria estado ininterruptamente locado pelo valor locativo médio: tendo a restituição do prédio ocorrido em período de acentuada crise económica e, em particular, do sector imobiliário, é altamente improvável que – ainda quer o locado se encontrasse em perfeito estado de conservação – os locadores tivessem conseguido imediatamente interessado na respectiva utilização, dispondo-se a pagar o montante arbitrado: impõe-se, pois, num juízo de prognose, proceder ao desconto do tempo previsível para colocar no mercado de arrendamento comercial imóveis devolutos, que se estima, perante as pressões negativas da época, em período nunca inferior a 12/15 meses.

Impõe-se ainda reflectir no montante indemnizatório a arbitrar os constrangimentos práticos decorrentes da falta de licença de utilização específica em vigor (que, não inviabilizando a locação, nem constituindo encargo do locador, naturalmente a podem dificultar), a circunstância de, para além das deteriorações causadas, o estabelecimento não dispor dos equipamentos que tinham sido anteriormente cedidos e o facto de – mesmo sem as deteriorações anormais verificadas por culpa da R.- os AA. carecerem provavelmente de realizar algumas obras tendentes a reparar o desgaste normal inerente ao uso do locado, por vários anos, na actividade de restauração.


Finalmente, importa valorar que, no caso dos autos, o locador não esteve privado totalmente do gozo e fruição do imóvel, como sucederá nos mais frequentes casos de desapossamento do prédio: tal gozo e fruição foram apenas restringidos, em termos prático económicos, pelo facto de o imóvel ter sido restituído com substanciais deteriorações, dificultando a sua colocação no mercado de arrendamento, sem o investimento traduzido na sua reparação adequada.


Na verdade, não parece que – apesar da realidade do dano sofrido pelo locador – esta situação deva ser plenamente equiparada aos casos em que ele esteve totalmente desapossado do bem e absolutamente privado do exercício de qualquer poder sobre ele – caso em que efectivamente poderia ser razoável e proporcional ressarci-lo da privação do uso através da atribuição de montante correspondente ao integral valor locativo perdido: impõe-se, deste modo, proceder, também por esta via, a uma redução equitativa do valor indemnizatório arbitrado a título de danos decorrentes da privação do (pleno) uso e fruição do bem.

Ora, valorando, em termos de equidade todos estes factores e circunstâncias, procurando fixar-se indemnização proporcional, conforme às regras do senso prático e da justa medida e reflectindo, na medida do possível, as realidades da vida, considera-se adequada a fixação de indemnização correspondente a €150,00 mensais, com início a partir de Janeiro de 2013 e até à data do pagamento do montante correspondente à compensação das deteriorações causadas no imóvel.


8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se parcial provimento à revista, pelo que, revogando em parte - e alterando- o decidido no acórdão recorrido, se condena a interveniente Maria Armanda a pagar aos AA:

- a quantia de €24.890,00 ( vinte e quatro mil, oitocentos e noventa euro), acrescida de IVA, à taxa legal, e de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, ocorrida em 5/3/13, até integral e efectivo pagamento;

- a quantia, a liquidar em incidente de liquidação, à razão de €150,00 ( cento e cinquenta euro) por mês, a partir de Janeiro de 2014 e até à data de pagamento  da quantia referida no anterior parágrafo, salvo se antes da data desse pagamento se demonstrar que os AA. lograram dar de arrendamento o locado em litígio, caso em que a aludida indemnização será computada por referência a esta última data.

Custas da acção e dos recursos por ambos os litigantes – interveniente HH e AA.- em partes iguais.


Lisboa, 14 de Julho de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor