Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
Descritores: | FACTOS CONCLUSIVOS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE DIREITO CONTRATO DE AGÊNCIA DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA INCUMPRIMENTO BOA FÉ JUSTA CAUSA RESOLUÇÃO DEVER DE COOPERAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida; o tribunal está, apenas, a proceder à sua qualificação como tal de acordo com as regras de direito aplicáveis. II. Os factos meramente conclusivos, quando constituam uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis podem ainda integrar o acervo factual, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum. III. Com a alteração ao artº 4º do DL 178/86, de 3.07 (contrato de agência), introduzida pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril, a exclusividade – que antes da alteração era estabelecida em favor quer do agente, quer do principal (no silêncio do contrato, ao agente era vedado o exercício de actividades concorrentes às do principal e a este último era proibido utilizar outros agentes para o mesmo ramo de actividade do agente exclusivo) – passou a funcionar apenas a favor do principal (este passou a poder utilizar, mesmo dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes concorrentes do agente principal; já o agente (no silêncio do contrato escrito) continuou a, “Dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes”, não poder “exercer actividades que estejam em concorrência com as da outra parte”); o direito de exclusivo deixou, assim, de ser recíproco: o agente só beneficia dele, havendo acordo escrito das partes: o principal, contudo, pode exigir que o agente se abstenha de práticas concorrentes, mesmo que o contrato seja omisso a tal respeito. IV. O mesmo é dizer que a nova lei veio atribuir ao principal um verdadeiro direito potestativo de exclusividade do agente, direito esse que só pelo principal poderá ser derrogado através de documento escrito – portanto, nada constando do contrato, a exclusividade é unilateral, só funciona num sentido (a favor do principal). V. A situação de justa causa, a justificar a resolução do contrato de agência, abarca os fenómenos de não cumprimento, pelo agente, das suas obrigações, quer as que tenham por fonte o contrato, quer as obrigações e deveres que resultam de disposições legais ou do princípio da boa fé. Sendo uma “justa causa” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim. VI. Na determinação da gravidade exigível nessa violação contratual, a fundamentar ou justificar a resolução contratual, há que atender à importância do incumprimento no conjunto da relação contratual concreta, persistência do incumprimento, tempo decorrido desde a celebração do contrato e forma como decorreram anteriormente as relações entre as partes, sendo que o incumprimento grave das obrigações contratuais deve comprometer (não apenas subjectiva, mas objectivamente) a subsistência da relação de confiança e de cooperação, tendo em vista o fim de cooperação visado pelo contrato. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO Italper, Sociedade de Representações e Comércio de Têxteis, Lda., intentou acção de condenação sob a forma de processo comum contra a Texpro SPA., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 46.280,86, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, alegando, para tanto, em resumo que, - celebrou com a ré um contrato de agência pelo qual se obrigou a promover por conta da ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa - tecidos e malhas em PFD (prepared-for-dye), e também em algumas situações, as mesmas malhas e tecidos tingidos já em cores, recebendo desta, como contrapartida, uma retribuição correspondente a uma comissão sobre o preço dos artigos vendidos, a clientes por aquela angariados. - logo no início da relação contratual a ré tomou conhecimento que a autora já representava outras empresas concorrentes, facto que foi aceite, nunca tendo sido imposta pela ré ou acordada entre as partes qualquer exclusividade; - enquanto agente da ré, desenvolveu uma intensa actividade para a divulgação e implantação de produtos do departamento de telas para a indústria de confecção e também para revenda em determinados armazéns da especialidade, o que deu resultados de maneira estruturada e com um crescimento sustentado, ao longo dos últimos quatro anos; - as vendas da ré com contratos angariados pela autora durante os mais de 4 anos, 51 meses, que vigorou o contrato geraram comissões no valor de € 196.642,66; - as vendas da ré em território nacional de tecidos e malhas acabadas — que eram praticamente inexistentes — começando assim praticamente de zero aumentaram substancialmente, tendo a autora angariado clientes muito importantes; - entretanto, recebeu uma carta da ré datada de 29.09.2017, que antecipadamente lhe foi remetida por fax, comunicando lhe a resolução do contrato de agência, com justa causa, sendo o único motivo invocado o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é sua concorrente directa; - a invocação desta actividade concorrente através da representação da GENERTEC foi um pretexto que a ré arranjou para pôr termo ao contrato de agência, tentando arranjar algum fundamento que se enquadrasse em “justa causa”, para se furtar, desse modo, ao pagamento da indemnização de clientela.; - a autora, depois de reagir por mail de 29 de Setembro, reenviado em 2 de Outubro, sem qualquer resposta nessa altura, em 4 de Abril de 2018, enviou à ré uma carta refutando os motivos invocados e solicitando o pagamento da indemnização de clientela que, por lei, lhe é devida; - a autora angariou uma vasta de carteira de clientes para a ré, aumentando significativamente o seu volume de negócios com o mesmo; - a ré beneficia largamente do trabalho desenvolvido pela autora pois, neste momento, tem como clientes os que foram angariados por esta; - a autora deixou de receber comissões por todos os contratos negociados e concluídos após a cessação do contrato de agência com clientes por si angariados. Contestou a ré impugnando a factualidade alegada e deduzindo pedido reconvencional, pede a condenação da autora no valor de € 69.787,73, correspondente a um dano de perda de lucro no período compreendido entre 01.07.2017 a 30.09.2017. A autora replicou. No despacho saneador o processo foi tido como isento de nulidades ou de excepções do conhecimento oficioso e, na mesma ocasião foi fixado o objecto do litigio e os temas da prova. Seguiu o processo para julgamento, ao qual se veio a proceder com observância de todo o legal formalismo e, que culminou com a prolação de sentença que julgou, - a acção parcialmente procedente provada e em consequência foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 25.000,00 a titulo de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado e, - o pedido reconvencional improcedente e dele absolveu a autora. Inconformada com o assim decidido, recorre a ré, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a conceder parcial provimento à apelação e, em consequência: 1. Revogar a sentença no segmento em que se decidiu condenar Ré a pagar à Autora a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização de clientela e, - determinar, assim, a sua absolvição do pedido 2. Mantendo-se, no entanto, a absolvição da Autora quanto ao pedido reconvencional. * Agora, por sua vez, inconformada, vem a Autora ITALPER – SOCIEDADE DE REPRESENTAÇÕES E COMÉRCIO DE TEXTEIS, LDA., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES: I. A maioria das alterações introduzidas pela Relação relativamente à matéria de facto enferma de invalidade, ao qualificar como factos aquilo que são meras conclusões ou interpretações, como é o caso dos “factos” aditados sob os n.ºs 6-A, 6-B, 6-C, 6-D e 14-B. II. Além disso, esses “factos” (bem como o 14-F), mostram-se mesmo contraditórios e inconciliáveis com outros factos, também provados, como por exemplo os enunciados sob os n.ºs 6., 6-E, 7, 8 e 15. III. Por isso, deverão os “factos” 6-A, 6-B, 6-C e 6-D e 14-F ser eliminados, repondo-se o textooriginaldofacto6e repondo-se ofacto9(indevidamenteeliminado pela Relação). IV. Além disso, o douto acórdão recorrido errou ao decidir que a Autora incorreu em “grosseira violação do princípio da boa fé”, pelo facto de ter “passado a representar, também, uma outra empresa que comercializava produto similar e conflituante com o que já promovia em nome do principal”. V. Ora, se é certo que, “no silêncio do contrato”, se presume que o agente está obrigado à exclusividade, não o é menos que, neste caso concreto, tal presunção foi afastada, mediante prova de que a Autora — com o conhecimento da Ré — desde o início representou empresas concorrentes do principal. VI. Aliás, a Autora juntou aos autos, com o seu requerimento de 25/11/2020, 101 (cento e uma) faturas da ADS relativas à venda, entre 2015 e 2017, de produtos têxteis pfd/pfp — exatamente da mesma natureza daqueles que a Ré comercializa, sendo que uma parte substancial dessas vendas foi feita aos mesmos clientes a quem a Ré também fornecia tecidos pfd/pfp (v.g., a Polopiquê, a Confetil, a GIVEC, a Puzzle Perfil, a Largo Oceano, a 6 Dias, a Carnady, a WTG, a Teciblanka) conforme resulta do confronto dessas 101 faturas com as faturas juntas com a PI (docs. 1 a 26). VII. Com essa prova, ficou demonstrado que Autora e Ré afastaram desde início o dever de exclusividade por parte do agente, que ao longo dos anos sempre foi representando livremente empresas concorrentes da Ré, com conhecimento desta (cf. n.ºs 6, 7 e 8 dos Factos provados). VIII. Para afastar essa conclusão, a Relação embrenhou-se numa bizarra distinção entre “empresas”, “actividades” e “produtos” concorrentes, sustentando que “o que o legislador prevê, nesta matéria, não é tanto a formulação genérica de empresas concorrentes, mas sim, de actividades concorrentes, produtos concorrentes”. IX. Como é óbvio, empresas concorrentes são aquelas que oferecem produtos ou serviços concorrentes. São aquelas que, oferecendo ao público bens satisfazendo necessidades idênticas, podem desviar clientes umas das outras. X. Não faz, pois, qualquer sentido dissociar o conceito de “empresas concorrentes” da existência de “produtos concorrentes” ou “actividades concorrentes”. Sem estes, aquelas não existem! XI. De resto, a relação de concorrência entre empresas não é uma questão de “tudo ou nada”, mas sim de doses, que podem ser maiores ou menores. XII. Por isso, para que haja concorrência entre duas empresas não tem que haver coincidência total entre as suas gamas de produtos ou serviços; bastando que haja uma coincidência parcial, ou seja, alguma zona de interseção entre essas gamas de produtos ou serviços. XIII. Pois bem, ficou ficado provado inequivocamente que a CNC e a ADS fornecem — e foram fornecendo a clientes angariados pela Autora, ao longo dos anos — produtos da mesma natureza daqueles que a Ré fornece (tecidos “PFD”) e até aos mesmos clientes que eram fornecidos pela Ré. XIV. Por isso, só negando as evidências é que a Relação pôde afirmar que “a autora estava impedida, no silêncio do contrato, de exercer, por conta própria ou conta de outrem, actividades concorrentes, no mesmo sector de actividade, com produtos similares aos que lhe incumbia promover por conta da ré”. XV. A Autora sempre foi livre para representar as empresas (concorrentes da Ré) que quisesse representar, oferecendo aos seus clientes produtos pfd/pfp de várias proveniências, fosse da Ré, fosse da ADS, da CNC ou de outros fornecedores, em função dos prazos de entrega praticados por cada uma, dos preços oferecidos ou de outras condições ou caraterísticas específicas. XVI. Sendo assim, a Relação errou quando decidiu que a Autora “faltou ao cumprimento das suas obrigações” perante a Ré, e que incorreu em “grosseira violação do princípio da boa fé”. XVII. Pelo contrário, quem violou a boa fé foi a Ré, quando — invocando um pretexto irrelevante, de vendas de um concorrente que representavam “uma gota de água no oceano — veio resolver um contrato ao abrigo do qual a Autora lhe tinha angariado uma volumosa carteira de clientes e encomendas. XVIII. O acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 607/3 e 662 do CPC e 30 e 33 do DL 178/86, de 3 de julho. Assim, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o acórdão recorrido, deverá confirmar-se na íntegra a decisão da primeira instância, condenando-se a Ré nos termos aí indicados. Assim se fazendo inteira JUSTIÇA. * Contra-alegou a Recorrida TEXPRO SPA, pugnando pela improcedência do recurso e, subsidiariamente – caso assim se não decida – , seja revisto o valor da indemnização de clientela fixado na sentença. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista. Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir consistem em saber: 1. Violação da lei de processo: se os factos aditados pela Relação sob os n.ºs 6-A, 6-B, 6-C, 6-D, 14-B e 14-F devem ser eliminados por serem meras “conclusões ou interpretações”, bem assim contraditórios com os factos provados sob os nºs 6, 6-E, 7, 8 e 15, devendo repor-se o “texto original” do facto 6 e o facto 9 da sentença. § Violação da lei substantiva: - Se a Autora (o agente) não estava sujeita ao dever de exclusividade perante a Ré (o principal). - Se a Relação errou ao considerar que a Autora “faltou ao cumprimento das suas obrigações” perante a Ré, e que incorreu em “grosseira violação do princípio da boa fé”, pelo que não há justa causa de resolução do contrato. ** III. FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS É a seguinte a matéria de facto provada (fixada após impugnação em recurso): 1. A autora dedica-se à actividade de representação e comércio de têxteis. 2. Nesse âmbito, a autora promove e celebra contratos de compra e venda em nome de outros comerciantes, de forma autónoma e estável, colocando no mercado esses produtos, contra remuneração 3. Os artigos vendidos são facturados directamente pelas representadas aos clientes e, após boa cobrança, a autora recebe uma comissão sobre a facturação efectuada. 4. A ré é uma sociedade que comercializa diversas matérias-primas têxteis. 5. Em Julho de 2013, a autora e a ré celebraram um acordo, não reduzido a escrito, pelo qual a autora se obrigou a promover por conta da ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa - tecidos e malhas em PFD (prepared-for-dye), recebendo desta, como contrapartida, uma retribuição correspondente a uma comissão sobre o preço dos artigos vendidos, a clientes por aquela angariados. 6. Logo no início da relação contratual, a ré tomou conhecimento que a autora já representava a ADS e a CNC – facto por si aceite. 6-A. A comercialização e promoção por parte da autora dos produtos das empresas ADS e CNC não constituiu qualquer obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora. 6-B.Ambas tinham um “core business” substancialmente distinto do da ré. 6-C. A alemã ADS – Hamburgo é uma empresa que tem como negócio principal a venda de tecidos estampados, sendo a venda de tecidos PFD muito marginal e de uma qualidade e preço muito superior aos da ré. 6-D. A CNC tem como negócio principal a venda tecidos diferentes dos da ré, no caso, tecidos tingidos a uma única cor, de gama bastante alta e a preços elevados, 6-E. A autora representa há muitos anos a CNC, empresa que vende tecidos e malhas tingidos e em preparado para tingir, sendo que estes últimos que também são comercializados pela ré, a qual também conhecia e aceitou esse facto. 7. A autora já há vários anos que representava a empresa alemã ADS- Hamburgo — facto que sempre foi do conhecimento da ré. 8. A coleção da ADS é mais pequena que a da ré, mas todos os produtos que a ADS comercializa, também são comercializados pela TEXPRO. 10. Enquanto agente da ré, a autora desenvolveu uma intensa actividade para a divulgação e implantação de produtos do departamento de telas para a indústria de confeção, e as vendas da ré com contratos angariados pela autora durante os mais de 4 anos que vigorou o contrato geraram comissões no valor de € 196.642,66. 11. Ao logo desses anos, as vendas da ré em território nacional de tecidos e malhas acabadas — que eram praticamente inexistentes — começando assim praticamente de zero, aumentaram substancialmente. 12. A autora, enquanto agente da ré, angariou os seguintes clientes: Dias, Armando Silva e Matos, Batista e Soares, Belisotex, Carnady, CarlosMartins Miranda, Confetil, Estamparia Adalberto, Largo Oceano, Givec, Longratex, Lupolivre, Mlook, M. Sousa Rodrigues, OWT Petratex, Plurima, Polopiqué, Puzzle, Quick Code , Rubro, Satin Skin, Somália, Teciblanka, Vieira e Marques, e WTG. 13. A autora recebeu uma carta da ré datada de 29.09.2017, que antecipadamente lhe foi remetida por fax, comunicando lhe a resolução do contrato de agência, com justa causa. 14. Nesta carta é invocado como único motivo de justa causa de resolução, o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é concorrente directa daquela. 14-A. Por mero acaso, em Setembro de 2017 tomou conhecimento que a autora se encontrava a promover a venda dos produtos da empresa GENERTEC ITALIA SRL. no mercado português; 14-B. A empresa Genetec Italia surgiu no mercado italiano, com sede em Milão e armazém na mesma zona geográfica da ré (COMO), posicionando-se lado a lado da ré e figurando praticamente com um clone desta, produzindo os seus tecidos na China, tal como a ré, e fazendo concorrência directa a esta, com o mesmo core business e modus operandi da ré; 14-C. A Genertec Italia é uma empresa que se dedica, entre outras, à mesma actividade da ré usando, inclusive, o mesmo método de publicidade de produtos; 14-D. A Genertec Italia surgiu precisamente com o objectivo de fazer concorrência à ré retirando-lhe os seus clientes e agindo no mercado nacional e estrangeiro como vendedores de tecidos PFD nos mesmos moldes da ré e com um tipo de PFD igual ao comercializado pela ré; 14-E. A autora começou a promover os produtos da Genertec bem sabendo que estes eram directamente concorrentes com os da ré; 14-F. O comportamento da autora, ao começar a promover a venda de produtos de marca concorrente da ré – Genertec Italia – foi determinante para a cessação do contrato celebrado entre as partes. 15. A empresa ADS tem uma coleção mais ampla que a ré mas stocks muitíssimo mais reduzidos. 16. Os negócios feitos em representação da GENERTEC pela autora geraram para a mesma uma comissão no valor de € 725,73 entre 2015 a 2018. 17. Os clientes da Genertec angariados pela autora no período referido em 16 foram 8, para um valor facturado de € 31.015,94 . 18. A autora, por força do trabalho desenvolvido durante o período que durou o contrato (51 meses), recebeu comissões que ascenderam a € 196.642,66. 19. No período compreendido entre 01.10.2016 a 30.09.2016 a ré facturou por intermédio da autora € 1.560.625,91 ; 20. No mesmo período de 2017 a facturação correspondeu a € 1.095.374,29. 21.A autora, após a cessação do contrato deixou de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos com os clientes que angariou ou com a clientela já existente. 22. A ré participou com a autora em feiras da especialidade onde dava a conhecer os seus produtos aos potenciais clientes. ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.
Recorre, assim, a Autora, da matéria de facto. Antes de mais, cumpre relembrar os termos ou âmbito em que a impugnação de facto é admitida em sede de revista. Ora, como tem sido dito e redito por este Supremo Tribunal, os casos em que, excepcionalmente, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar matéria de facto (e que, na verdade, são ainda ‘questões de direito’, porquanto se reconduzem à apreciação da correcção da aplicação dos complexos normativos que regulam a selecção, averiguação e fixação do circunstancialismo factual da lide), são muito limitados (e delimitados), quais sejam: 1. Se houver violação de direito probatório material (artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do CPC): a) por ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova; b) por ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova; 2. Se houver violação de direito probatório adjectivo[1], designadamente por mau uso que a Relação fez dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, a) por um uso meramente formal dos poderes de reapreciação; b) pelo estabelecimento de presunções judiciais em oposição a norma legal, em oposição com os factos apurados ou com insuficiência dos mesmos, ou mediante patente ilogicidade; c) pela anulação de respostas em desconformidade com as regras processuais; 3. ocorrendo insuficiência da matéria de facto apurada para a correcta solução jurídica da causa (art.º 682º, nº 3, do CPC); 4. Ocorrendo contradição essencial na matéria de facto (art.º 682, nº 3, do CPC). Como dito, a Recorrente alega que os factos aditados pela Relação sob os n.ºs 6-A, 6-B, 6-C, 6-D, 14-B e 14-F devem ser eliminados por se tratar de “conclusões ou interpretações”, bem como por serem contraditórios com os factos provados sob os nºs 6, 6-E, 7, 8 e 15, daí que peticione a reposição do “texto original” do facto 6 e bem assim o facto 9, ambos da sentença. Antes de mais, note-se que a haver contradição na matéria de facto, a mesma só será relevante se essa contradição for essencial, impedindo a este Supremo Tribunal de fixar com precisão o regime jurídico a aplicar (ut artº 684º, nº3 CPC). E quanto aos factos conclusivos, é claro que a intervenção do Supremo na sua apreciação não deve ser negada, dado que, a verificar-se, está em causa uma questão de direito. Com efeito, se é certo que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no domínio do facto está reservada ao campo da designada prova tarifada ou vinculada, ou seja, aos casos em que a lei exige determinado tipo de prova para demonstração de certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório (artigo 674º nº 3), não é menos certo que saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida. Assim, v.g., o Ac. deste Supremo Tribunal de 10.01.2017 (proc. 761/13.7TVPRT.P1.S1), que entendeu que neste caso este Tribunal não está a interferir na apreciação dos factos, não está a corrigir, indevidamente, um eventual erro na apreciação das instâncias; está, sim, e apenas, a proceder à sua qualificação como tal de acordo com as regras de direito aplicáveis[2]. Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, o que está em causa é avaliar se matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”[3]. A intervenção do Supremo justifica-se, portanto, pois que, por imperativo do estatuído no artigo 607º nº 4 do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos. * Devem ser considerados conclusivos os factos os provados, aditados pela Relação, sob os nºs n.ºs 6-A, 6-B, 6-C, 6-D, 14-B e 14-F? E, por outro lado, são tais factos contraditórios com os factos provados sob os nºs 6, 6-E, 7, 8 e 15? Antes de mais, o que deve entender-se por facto conclusivo? Como refere ANSELMO DE CASTRO[4], “…a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.” Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo inteleto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”. Conforme bem refere ALBERTO VICENTE RUÇO[5] "quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos". De igual modo, referem ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA[6] que os factos "abrangem as ocorrências concretas da vida real", tecendo ainda as seguintes considerações sobre este tema: Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem - ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (...); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (...) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (...); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria. [...] Anote-se, por fim, que a área dos factos (selecionáveis para o questionário) cobre, principalmente, os eventos reais, as ocorrências verificadas; mas pode abranger também as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto. [...] São realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa [...]. Mas trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, integrando a esfera do direito, embora estritamente ligados ao circunstancialismo concreto pertencem já a uma outra jurisdição. Deste modo, os factos meramente conclusivos, quando constituam "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis[7]" podem ainda integrar o acervo factual, "apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum". Tudo o que for de excluir da matéria factual deverá ser eliminado ou ter-se como não escrito. Aqui chegados, vejamos os factos que a Recorrente considera conclusivos: 6-A. A comercialização e promoção por parte da autora dos produtos das empresas ADS e CNC não constituiu qualquer obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora. 6-B.Ambas tinham um “core business” substancialmente distinto do da ré. 6-C. A alemã ADS – Hamburgo é uma empresa que tem como negócio principal a venda de tecidos estampados, sendo a venda de tecidos PFD muito marginal e de uma qualidade e preço muito superior aos da ré. 6-D. A CNC tem como negócio principal a venda tecidos diferentes dos da ré, no caso, tecidos tingidos a uma única cor, de gama bastante alta e a preços elevados, 14-B. A empresa Genetec Italia surgiu no mercado italiano, com sede em Milão e armazém na mesma zona geográfica da ré (COMO), posicionando-se lado a lado da ré e figurando praticamente com um clone desta, produzindo os seus tecidos na China, tal como a ré, e fazendo concorrência directa a esta, com o mesmo core business e modus operandi da ré; 14-F. O comportamento da autora, ao começar a promover a venda de produtos de marca concorrente da ré – Genertec Italia – foi determinante para a cessação do contrato celebrado entre as partes. Ora bem. É verdade que se pode ver algum pendor conclusivo nos apontados pontos de facto – em especial os factos 6-A, 6-B e 14-F) Mas também é verdade, a nosso ver, que o que neles se retrata, ou são puros factos, ou realidades facilmente extraíveis de factos facilmente apreensíveis. E, como tal, como dito, podem ainda integrar o acervo factual. Cremos que é facilmente apreensível/compreensível – designadamente, para as testemunhas ouvidas sobre esta matéria – o que se pretende saber ao ser perguntado se o facto de a Autora comercializar e promover os produtos das empresas ADS e CNC não constituiu obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora, atento o facto de ambas terem um “core business” substancialmente distinto do da ré. Pode, é certo, questionar-se sobre a inteligibilidade ou perceptibilidade da expressão “core business”. Mas se as testemunhas têm dúvidas sobre o significado dessa expressão, obviamente que tal é explicado, ou pelo mandatário, ou pelo Sr. juiz, a fim de que a mesma possa responder sabendo o que lhe é realmente perguntado. Ora, é comumente sabido que esta expressão é utilizada habitualmente para, simplesmente, definir aquele que é o negócio central de uma determinada empresa ou organização. E perguntar à testemunha qual era o negócio central da ou das empresas x e/ou y não se nos afigura que se esteja a incidir sobre matéria de cariz conclusivo que não possa ser levada ao acervo factual provado. Trata-se, como dito, e ainda, de "realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa". O mesmo se diga do facto 14-B). Aliás, os factos 6-C) e 6-D) mais não são do que a concretização ou explicação do facto 6-B) – isto é, explicam ou concretizam por que razão se entendeu que as empresas referidas em 6-A) tinham um “core business” substancialmente distinto do da ré. Algumas dúvidas se poderiam pôr no que tange ao facto 14-F (“O comportamento da autora, ao começar a promover a venda de produtos de marca concorrente da ré – Genertec Italia – foi determinante para a cessação do contrato celebrado entre as partes”). Mas também não vemos razões para excluir tal ponto do elenco dos factos provados, pois é perfeitamente perceptível, no contexto em causa, o significado da expressão ser “determinante”: qualquer pessoa sabe o que significa perguntar se isto ou aquilo foi determinante (se teve influência e em que medida) para que A ou B tomasse determinada atitude. Esta questão do Facto versus Direito situa-se numa zona um tanto cinzenta, por vezes bem difícil de clarificar. Não pode, com efeito, olvidar-se que os juízos ou conclusões de facto situam-se numa zona intermédia ou campo intermédio entre os puros factos e as questões ou matéria de direito, encontrando-se incluídos na legislação como parte integrante ou constituinte da hipótese legal de várias normas jurídicas. Tais juízos ou conclusões de facto numas situações aproximam-se mais de uma verdadeira questão de facto, enquanto que noutros a proximidade é com uma questão de direito. Parece que apenas são proibidos os juízos de facto conclusivos que impliquem e apreciem determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica. O que se nos afigura não ser o caso dos pontos de factos sob apreciação. ** E, igualmente, não vislumbramos que os referidos pontos de facto 6-A, 6-B, 6-C, 6-D, 14-B e 14-F sejam contraditórios com os factos provados sob os nºs 6, 6-E, 7, 8 e 15. Com efeito, estes factos não apenas não estão em contradição com aqueles outros (6-A, 6-B, 6-C, 6-D, 14-B e 14-F), como, ao invés, até estão plena sintonia com os mesmos. É que, relativamente às empresas ADS e CNC (e só a estas se reportam os factos 6, 6-E, 7, 8 e 15) não se suscitam quaisquer problemas. O que suscita controvérsia nos autos é a comercialização e promoção por parte da autora dos produtos da empresa Genetec Italia, concorrentes com os da Ré. Como tal, não se vê razão para alterar a factualidade, tal como foi retratada no acórdão recorrido. Sempre se lembrando que, se a Recorrente entende que houve erro na apreciação das provas por banda da Relação – designadamente, por considerar que a Relação ignorou “a forma contraditória e intelectualmente desonesta como despôs a testemunha AA – cujo depoimento serviu de suporte àquelas alterações” – , tal hipotético erro não é sindicável por este Supremo Tribunal (ut artº 674º/3 CPC). §DA VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA DO DEVER DE EXCLUSIVIDADE E DA SUA EVENTUAL VIOLAÇÃO POR BANDA DA RÉ A Autora demandou a Ré/Recorrida visando a condenação desta ao pagamento de uma indemnização de clientela que considerava ser-lhe devida na sequência da resolução pela Ré do contrato verbal de agência existente entre as partes. A sentença deu parcial provimento à pretensão da Autora, mas a Relação revogou essa decisão, julgando improcedente esse pedido da Autora, com sustento em que a A. violou as suas obrigações contratuais e, como tal, foi legítima a resolução do contato de agência operada pela Ré, donde não lhe ser devida qualquer indemnização. Volta, agora, a Autora à “carga”, alegando que não houve fundamento válido para a resolução do contrato por banda da Ré, na medida em que não foi violada a exclusividade na promoção dos produtos da Ré pois tal característica (da exclusividade) nunca existiu na relação contratual celebrada e mantida entre A. e Ré. Daí que entenda a Autora que, tendo a Ré resolvido sem justa causa o contrato de agência outorgado, verbalmente, com a Autora, tem direito à indemnização de clientela. Sustenta, portanto, a Autora/Recorrente (o Agente) que não estava sujeita ao dever de exclusividade perante a Ré (o Principal). Pelo que a Relação, ao assim não entender, decidiu mal, ao considerar que a Autora “faltou ao cumprimento das suas obrigações” perante a Ré e que incorreu em “grosseira violação do princípio da boa fé”. * Não há divergências quanto à qualificação do contrato que A. e R. celebraram – mesmo que verbalmente. Trata-se de um contrato de agência. O contrato de agência está regulado no DL n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril (referem-se a esta última versão do diploma todos os artigos citados sem indicação da respectiva proveniência), as quais tiverem fundamentalmente em vista transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 86/653/CEE do Conselho, de 18.12.1986. O agente comercial constitui um tipo de intermediário integrado na rede de distribuição. Conceptualmente, o agente comercial desenvolve uma actividade com carácter de continuidade e com autonomia perante o produtor, mantendo, no entanto, uma estreita colaboração com o produtor, em nome de quem promove a sua actividade. Na doutrina, define-se este tipo de contrato da seguinte forma: a agência é o contrato nos termos do qual uma das partes é, enquanto intermediário independente, encarregado de, a título permanente negociar a venda ou compra de mercadorias por outra, o comitente. A agência pressupõe a responsabilidade por uma clientela determinada e uma retribuição (…)[8]. Sendo que o artigo 1.º daquele DL n.º 176/86 define agência como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes». Temos, portanto, que o agente desenvolve, por um lado, uma actividade de prospecção de mercado, procurando alargar o leque de clientes e, por outro, de negociação, enquanto intermediário que tem por objecto levar o cliente a celebrar um contrato com o principal. Assim, o contrato de agência caracteriza-se pelos seguintes elementos fundamentais: - A obrigação do agente de promover a celebração de contratos, também aludida no art. 6.º do mesmo diploma legal: o agente faz prospecção de mercado, angaria a clientela e encaminha para o principal as propostas dos clientes; - A actuação do agente por conta da outra parte, isto é, na defesa dos interesses do principal, igualmente aludida no art. 6.º; - A autonomia do agente, no sentido de este poder organizar do modo que entender a sua actividade, suportando o risco de um eventual insucesso, característica que simultaneamente afasta e distingue esta figura negocial do contrato de trabalho; tal não significa que o agente não esteja obrigado a acatar algumas instruções do principal, mas desde que estas não ponham em causa a referida autonomia, conforme preceitua a al. a), do art. 7.º; - A estabilidade da relação contratual, ou seja, o seu carácter duradouro, também implícito no art. 27.º; como diz G. GHEZZI, a actividade executiva do agente «consiste numa verdadeira e própria prestação continuada, apta portanto a uma abstracta continuação indefinida, destinada a satisfazer uma necessidade duradoura da outra parte»[9]; - A retribuição paga pelo principal ao agente, regulada nos artigos 13.º, al. e), f), e g), e 15.º a 18.º, que confere ao contrato um carácter oneroso. Embora não configurem elementos essenciais deste tipo negocial, os contratos de agência contemplam, frequentemente, as seguintes convenções adicionais: - A existência de uma zona delimitada de actuação ou de um círculo pré-determinado de clientes, tendo em vista a celebração de contratos numa determinada circunscrição territorial ou com determinada categoria de pessoas, podendo ocorrer uma combinação de ambos os critérios; a frequente inserção deste tipo de cláusulas em contratos de agência e o seu relevo na economia desses concretos contratos, nomeadamente no que respeita ao direito de exclusivo e ao pagamento das comissões, justifica a sua menção na definição legal do contrato de agência, sublinhando-se embora o seu carácter não essencial; - O direito de exclusivo a favor do agente dentro de determinada zona ou círculo de clientes; - O exercício de funções do agente em regime de exclusividade; - A obrigação de não concorrência pós-eficaz (após a cessão do contrato de agência); - A convenção de cobrança; - A convenção del credere; etc. Ao contrário do mandatário, que está vinculado à prática de actos jurídicos, a actividade do agente traduz-se na prática de actos materiais, mesmo quando tenha poderes para celebrar contratos.
«Muito embora o art. 1.º do DL n.º 176/86 acentue especialmente a promoção negocial – dirigida à celebração de contratos entre o principal e os clientes angariados pelo agente, por ser nela que se traduz a aquisição e a conservação de clientes – a actividade do agente tem um objecto mais vasto, que define a própria função económica do contrato de agência, e que consiste na criação de uma clientela – através da sua captação, aumento ou, sendo o caso, manutenção e consolidação – a qual realiza o interesse de ambas as partes. Com efeito, na vigência do contrato de agência, a clientela adquirida aproveita tanto ao principal, que aumenta o volume dos seus negócios e intensifica a distribuição do seu produto, como ao agente, o qual quer aumentar e consolidar as suas comissões (sobretudo através das “comissões por pedidos ulteriores”, i. e. por negócios concluídos com clientes por si angariados, independentemente da sua intervenção profissional»[10]-[11]. Importa recordar que o contrato de agência não está sujeito a forma legal. Mas o n.º 2 do art. 1.º permite que qualquer das partes exija da outra um documento assinado com o seu conteúdo e posteriores aditamentos ou modificações. Tal como afirma MENEZES CORDEIRO, «[v]isa-se, assim, a protecção do agente, que nunca poderá ser confrontado com a pura e simples nulidade do contrato, por falta de forma». Porém, como adverte o mesmo autor, «diversas cláusulas devem necessariamente assumir a forma escrita», designadamente a que confira ao agente poderes de representação (art. 2.º, n.º 1), a que lhe permita cobrar créditos (art. 3.º, n.º 1), a que estabeleça uma proibição de concorrência pós-eficaz (art. 9.º), a convenção del credere (art. 10.º), a cessão por mútuo acordo (art. 25.º) e a declaração de resolução (art. 31.º). Na prática, conclui o mesmo autor, «os contratos de agência assumem a forma escrita», sendo ainda frequente que se traduzam na adesão a cláusulas contratuais gerais[12]. ** No caso sub judice estamos perante um contrato de agência celebrado sem sujeição a qualquer forma (verbal, portanto). Ora, discutindo-se a existência, ou não, inter partes (A. e R.) de um acordo de exclusividade – no sentido de à Autora ser negada a possibilidade de levar a cabo actividade concorrente com a da Ré, através de promoção de venda de produtos de concorrentes desta – e não tendo sido clausulado por escrito o que quer que fosse nesse sentido, pergunta-se se, perante os factos carreados aos autos pode dar-se como assente a existência desse dever de exclusividade; e, a existir, se a sua violação pela Autora, nos termos retratados na matéria factual provada, dava à Ré o direito a resolver, como resolveu, o contrato com justa causa, dessa forma não assistindo à Autora o direito à indemnização de clientela aqui peticionada. A Autora sustenta que não impedia sobre si o dever de exclusividade e como tal, não havia justa causa de resolução do contrato pela Ré. Impõe-se, assim, saber: 1. por um lado, se o dever de exclusividade emerge da lei; 2. por outro, se, mantendo-se o dever de exclusividade no silêncio do contrato, o mesmo dever foi afastado pelos aqui outorgantes (A. e Ré); 3. por último, saber se, caso se considere que, no silêncio do contrato (este que, sendo verbal, nada diz a tal respeito) o dever de exclusividade se mantém e as partes outorgantes não o afastaram, assistia à Ré o direito a resolver o contrato com justa causa. * DA EXCLUSIVIDADE O regime de exclusividade, em sede de contrato de agência, vinha previsto no artº 4º do Dcreto Lei 178/86 – antes da redacção do Decreto Lei 118/93 de 13 de Abril – nos seguintes termos: “(Direito de exclusivo) Dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, nem o agente pode exercer actividades que estejam em concorrência com as da outra parte nem esta pode utilizar outros agentes para o respectivo ramo de actividade, excepto havendo convenção em contrário formulada por escrito.”. destaques nossos. Porém, com aquele Decreto Lei 118/93, a redacção desse artigo 4º passou a ser a seguinte: ”Agente exclusivo Depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente, nos termos do qual a outra parte fique impedida de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo.” - destaque nosso. Como se vê, não apenas foi alterada a redacção do artigo, como o foi a própria epígrafe: passou de “Direito de exclusivo” para ”Agente exclusivo”. Se antes daquela alteração (“excepto havendo convenção em contrário formulada por escrito”), o direito à exclusividade incidia sobre ambas as partes, pois a exclusividade era estabelecida em favor quer do agente, quer do principal – no silêncio do contrato, ao agente era vedado o exercício de actividades concorrentes às do principal e a este último era proibido utilizar outros agentes para o mesmo ramo de actividade do agente exclusivo – , já com a alteração do Decreto Lei 118/93, a exclusividade passou a funcionar apenas favor do principal, pois se este passou a poder utilizar, mesmo dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes concorrentes do agente principal, já o agente (no silêncio do contrato escrito) continuou a, “Dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes”, não poder “exercer actividades que estejam em concorrência com as da outra parte”. O mesmo é dizer que, de facto, a nova lei veio atribuir ao principal, um verdadeiro direito potestativo de exclusividade do agente, direito esse que só pelo principal poderá ser derrogado através de documento escrito – portanto, nada constando do contrato, a exclusividade é unilateral, só funciona num sentido (a favor do principal). Nos autos, porém, não está em causa a exclusividade do principal, mas apenas a do agente – a tal que não sofreu alteração com o Decreto Lei 118/93. O sentido desta alteração é assim explicado por PINTO MONTEIRO[13]: “Presentemente, no silêncio do contrato, o principal não está impedido de utilizar, ainda que dentro da mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades concorrentes. Tal limitação só existirá se o principal nela consentir, por escrito, ao contrário do que sucedia anteriormente, uma vez que, sendo o contrato omisso, o agente beneficiaria do direito de exclusivo. Já pelo que respeita ao agente, contudo, este continua a estar impedido, no silêncio do contrato, de exercer, por conta própria ou por conta de outrem, actividades concorrentes. A lei não o diz expressamente, ao contrário do que sucedia na redacção primitiva, mas é o sentido que dela se extrai, desde logo, por argumento “a contrario sensu”: o direito de exclusivo a favor do principal – o direito deste a que o seu agente não exerça actividades concorrentes – não está dependente de qualquer acordo pelo que o agente carece, para o efeito, do consentimento prévio da outra parte. É esta, além disso, e sobretudo, a posição que melhor se harmoniza com o disposto no artigo 6.º, visto que o princípio da boa fé e a obrigação de o agente ter de “zelar pelos interesses da outra parte” dificilmente tolerariam que aquele pudesse exercer actividades concorrentes, sem o consentimento prévio do principal. Decorre do exposto que o direito de exclusivo deixa de ser recíproco: o agente só beneficia dele, havendo acordo escrito das partes: o principal, contudo, pode exigir que o agente se abstenha de práticas concorrentes, mesmo que o contrato seja omisso a tal respeito”[14]. * Regressando ao caso, temos, então que o Autor (agente) apenas podia levar a cabo práticas concorrentes, caso o principal nisso consentisse por escrito. Consentimento escrito que não existe. Pergunta-se, então: levou o Autor a cabo actividades concorrentes com as da Ré (principal)? E, fazendo-o, assistia à Ré o direito a resolver o contrato de agência com justa causa, como fez? Ou seja, pode dizer-se que a conduta do Autor consubstancia uma falta de cumprimento das suas obrigações que, pela sua “gravidade e Reiteração”, torna “não … exigível a subsistência do vínculo contratual” (artº 30º, al. a) do cit. DL)? Atentemos nos factos. Provado esta, designadamente, que: 1. A autora, que se dedica à actividade de representação e comércio de têxteis, nesse âmbito, promove e celebra contratos de compra e venda em nome de outros comerciantes, de forma autónoma e estável, colocando no mercado esses produtos, contra remuneração 3. Os artigos vendidos são facturados directamente pelas representadas aos clientes e, após boa cobrança, a autora recebe uma comissão sobre a facturaçao efectuada. 5. Em Julho de 2013, a autora e a ré celebraram um acordo, não reduzido a escrito, pelo qual a autora se obrigou a promover por conta da ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa - tecidos e malhas em PFD (prepared-for-dye), recebendo desta, como contrapartida, uma retribuição correspondente a uma comissão sobre o preço dos artigos vendidos, a clientes por aquela angariados. 6. Logo no início da relação contratual, a ré tomou conhecimento que a autora já representava a ADS e a CNC – facto por si aceite. 6- A. A comercialização e promoção por parte da autora dos produtos das empresas ADS e CNC não constituiu qualquer obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora. 6-B. Ambas tinham um “core business” substancialmente distinto do da ré. 6-C. A alemã ADS – Hamburgo é uma empresa que tem como negócio principal a venda de tecidos estampados, sendo a venda de tecidos PFD muito marginal e de uma qualidade e preço muito superior aos da ré. 6-D. A CNC tem como negócio principal a venda tecidos diferentes dos da ré, no caso, tecidos tingidos a uma única cor, de gama bastante alta e a preços elevados, 6-E. A autora representa há muitos anos a CNC, empresa que vende tecidos e malhas tingidos e em preparado para tingir, sendo que estes últimos que também são comercializados pela ré, a qual também conhecia e aceitou esse facto. 7. A autora já há vários anos que representava a empresa alemã ADS- Hamburgo — facto que sempre foi do conhecimento da ré. 8. A coleção da ADS é mais pequena que a da ré, mas todos os produtos que a ADS comercializa, também são comercializados pela TEXPRO. 13. A autora recebeu uma carta da ré datada de 29.09.2017, que antecipadamente lhe foi remetida por fax, comunicando-lhe a resolução do contrato de agência, com justa causa. 14. Nesta carta é invocado como único motivo de justa causa de resolução, o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é concorrente directa daquela. 14-A. Por mero acaso, em Setembro de 2017 tomou conhecimento que a autora se encontrava a promover a venda dos produtos da empresa GENERTEC ITALIA SRL. no mercado português; 14-B. A empresa Genetec Italia surgiu no mercado italiano, com sede em Milão e armazém na mesma zona geográfica da ré (COMO), posicionando-se lado a lado da ré e figurando praticamente com um clone desta, produzindo os seus tecidos na China, tal como a ré, e fazendo concorrência directa a esta, com o mesmo core business e modus operandi da ré; 14-C. A Genertec Italia é uma empresa que se dedica, entre outras, à mesma actividade da ré usando, inclusive, o mesmo método de publicidade de produtos; 14-D. A Genertec Italia surgiu precisamente com o objectivo de fazer concorrência à ré retirando-lhe os seus clientes e agindo no mercado nacional e estrangeiro como vendedores de tecidos PFD nos mesmos moldes da ré e com um tipo de PFD igual ao comercializado pela ré; 14-E. A autora começou a promover os produtos da Genertec bem sabendo que estes eram directamente concorrentes com os da ré; 14-F. O comportamento da autora, ao começar a promover a venda de produtos de marca concorrente da ré – Genertec Italia – foi determinante para a cessação do contrato celebrado entre as partes. Os negócios feitos pela Autora em representação da Genertec tiveram lugar “entre 2015 a 2018” (facto 16.), tendo nesse período a Autora angariado 8 clientes, para um valor facturado de €31.015,94 (facto 17). * Perante estes factos, entende-se que a apontada actividade da Autora – esta que, no silêncio do contrato, estava vinculada ao dever de exclusividade (não promovendo a venda de produtos de concorrentes da Ré) – , para além de concorrente com a da Ré, é violadora das suas obrigações para com aquela, violação essa que, pela sua “gravidade”, tornou “não … exigível” à Ré a “subsistência do vínculo contratual” (assim se preenchendo a previsão ínsita na al. a) do artº 30º do diploma que rege o contrato de agência). * Não desconhecemos que a cláusula resolutiva contida na quela al a) do artº 30º do DL 178/86 (“a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade e reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual” – destaque nosso) é uma cláusula um tanto vaga, competindo à jurisprudência e à doutrina determinar quais os incumprimentos do contrato que, atenta a sua gravidade e reiteração, têm a virtualidade de justificar a resolução do contrato de agência. E por muito esforço que se faça para elencar situações que caibam na previsão normativa dessa cláusula geral, nunca passaríamos duma enunciação meramente indicativa, pois será fundamento de resolução todo e qualquer tipo de incumprimento grave e reiterado que permita chegar à conclusão de que o contrato deve ter fim por se tornar inexigível ao principal a subsistência do vínculo contratual (algo parecido, diga-se, com o que ocorre na cláusula geral resolutiva do contrato de arrendamento, ínsita no nº 2 do artº 1083º do Código Civil). Esgotam-se, ou abarcam-se, assim, nesta alínea, todas as situações em que pode ter lugar um incumprimento contratual com relevo para permitir a resolução do contrato. A situação de justa causa[15], a justificar a resolução do contrato de agência, abarca os fenómenos de não cumprimento, pelo agente, das suas obrigações, quer as que tenham por fonte o contrato, quer as obrigações e deveres que resultam de disposições legais ou do princípio da boa fé[16]. Ou seja, a justa causa de resolução abarca todas as situações jurídicas, as mais variadas, que integram a relação contratual de agência[17]. Sem dúvida que na alínea a) do citado artº 30º se concretiza a ideia de que “o princípio da boa fé [….] postula a exigência de um incumprimento resolutivo suficientemente grave”[18]. E a respeito da exigência da gravidade do incumprimento, para que a resolução possa operar, deve dizer-se que já o anteprojecto de VAZ SERRA continha uma disposição por que se afastava expressamente a resolução dos contratos bilaterais com base em incumprimento de “pequena importância”, colocando-se em letra de lei a regra segundo a qual “a resolução dos contratos bilaterais […] não pode basear-se em falta que, segundo a boa fé, seja de pequena importância no cumprimento por uma das partes com respeito ao interesse da outra”[19]. Em anotação àquela al. a) do artº 30º (Dec.-Lei nº 178/86, de 03.07) escreveu PINTO MONTEIRO[20]: “mas não é qualquer situação de incumprimento, tout court, de uma ou mais obrigações, que legitima a outra parte, ipso facto, a resolver o contrato (sem prejuízo, contudo, da indemnização que ao caso couber, pelos danos daí resultantes). A lei exige que a falta de cumprimento assuma especial importância, quer pela sua gravidade (em função da própria natureza da infracção, das circunstâncias de que se rodeia, ou da perda de confiança que justificadamente cria na contraparte, por ex.), quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual”. É, portanto, necessário, não apenas a verificação de violação do estipulado no contrato de agência, mas, também, que tal violação seja de tal forma grave e reiterada (levando, designadamente, à perda total da confiança na contraparte) que crie na relação contratual um bloqueio, diríamos, praticamente intransponível, de forma a poder-se concluir que não é mais possível (de um ponto de vista objectivo) a manutenção da relação contratual entre as concretas partes que outorgaram o contrato, por isso se justificando o terminus dessa mesma relação. Temos aqui um conceito um tanto aproximado – embora não tanto exigente, é verdade – do que já ocorria na legislação laboral – cfr. o artº 10º/1 da anterior LDesp. e o artº 396º, nº1, do Código do Trabalho, que definem como justa causa (de despedimento) «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». Assim, também aqui (tal como na resolução do arrendamento) se está perante um conceito indeterminado: não faculta a lei uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo. E, como é sabido, os conceitos indeterminados põem em crise o método da subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, antes impondo que as decisões sejam dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações[21]. Há, como tal, que ponderar activamente os valores vocacionados para intervir, perante o caso concreto. Salientando um aparente paradoxo, temos que o recurso aos conceitos indeterminados (aparentemente muito genéricos) tem o efeito de remeter o intérprete-aplicador do direito para casuísmos. Só que estes, por sua vez, quando devidamente ordenados, propiciam o repensar da fórmula indeterminada do início, com a qual devem ser confrontados. Isto é, num primeiro passo, os conceitos indeterminados viabilizam fórmulas concretizadoras; estas, por sua vez, devem, depois, ser confrontadas com o próprio conceito básico. É, afinal, o que ocorre com o conceito de justa causa resolutiva previsto na alínea a) do artº 30º, aqui em causa. Ainda sobre a gravidade exigível nessa violação contratual, a fundamentar ou justificar a resolução contratual, escreveu HELENA BRITO[22]: “Para a determinação da gravidade dessa violação, há que atender a diversos critérios, designadamente à importância do incumprimento em si mesmo no conjunto da relação contratual concreta; à persistência ou repetição do incumprimento; ao tempo já decorrido desde a celebração do contrato; à forma como decorreram anteriormente as relações entre as partes. De todo o modo, o incumprimento grave das obrigações contratuais deve comprometer (não apenas subjectiva, mas objectivamente) a subsistência da relação de confiança e de cooperação. Mais do que o incumprimento em si ou a valoração do comportamento da parte inadimplente, há que atender ao fim de cooperação visado pelo contrato. Deste modo, só a impossibilidade de prosseguir tal fim, contida na noção de justa causa, deve condicionar o direito de resolução”[23]. Na mesma senda, escreve BAPTISTA MACHADO[24]: “releva que, diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada criam uma relação contratual mais complexa, que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do incumprimento para efeitos de resolução, por pressuporem uma relação de confiança e de estreita colaboração. Por assim ser, o direito de resolução por "justa causa" há-de aqui ser apreciado em função da "inexigibilidade". Será uma “justa causa” ou um “fundamento importante” qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim. A justa causa “representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual”. E clarifica este Autor tal conceito de justa causa[25]: «Todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente, qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade»[26]. Por outro lado, MERCADAL VIDAL[27] diz que, «em princípio, procederá o exercício da faculdade resolutória frente ao incumprimento de uma obrigação de carácter principal ou frente a uma obrigação de carácter acessório (por exemplo em matéria de informação) que possua relevância suficiente na economia da relação para justificar o uso deste remédio definitivo». Mas para valorar o incumprimento que adquira um carácter (suficientemente) grave, entende que será «mais acertada a posição que prefere examinar, em cada caso concreto”, “se pode falar-se de incumprimento e de acção resolutória contra os princípios ditados pela boa fé». Não pode olvidar-se que o contrato em causa (de agência) é “intuitu personae”, pelo que a relação de confiança assume aqui uma relevância acrescida, donde “não parecer razoável que o principal mantenha uma relação contratual em que as partes já não se revêem num relacionamento degradado e deteriorado pela quebra de um vínculo de recíproca e mútua confiança”[28]. No cumprimento das obrigações que emergem do contrato de agência estão o agente e o principal obrigados a agir de boa fé (cfr. arts 6º e 12º do DL 178/86 – imposição que já resulta do art 762º/2 do CC). Com efeito, «No cumprimento da obrigação de promover a celebração dos contratos, e em todas as demais, o agente deve proceder de boa fé, competindo-lhe zelar pelos interesses da outra parte e desenvolver as actividades adequadas à realização plena do fim contratual» (cit. artº 6º). Ora, foi precisamente essa relação de confiança que a Autora quebrou, no relacionamento contratual com a Ré. ** Poder-se-á contrapor, alegando que, para além de a Autora vir promovendo por conta da ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa – tecidos e malhas em PFD (prepared-for-dye) –, vinha, também, há vários anos, comercializando e promovendo os produtos das empresas ADS e CNC, fazendo-o com conhecimento e aceitação da Ré. E daí procurar-se extrair a conclusão de que o facto de a autora ter representado e promovido a venda de produtos da GENERTEC não constituía uma actividade concorrente com a da Ré, de molde a justificar a resolução contratual operada. Salvo melhor opinião, não deve assim ser entendido. E, desde logo e principalmente, porque se trata de realidades substancialmente diferentes. Primeiro, atendendo à obrigatoriedade de exclusividade que impendia sobre a Autora (no silêncio do contrato), o facto de a ré ter aceitado contratar com a autora não obstante aquelas duas anteriores representações – em qualquer dos casos não reportadas ao PDF que a ré comercializa – , não dava à autora o direito de passar a representar uma outra empresa, no tocante a este mesmo produto, cuja colocação no mercado promovia, já, em representação da ré. O que, por si só, já faz surgir a incompatibilidade, a que alude o referido princípio da boa fé (como bem observa a Relação, reportada não tanto a empresas concorrentes, mas sim a produtos similares e conflituantes). Segundo, porque, sendo (como é), embora, certo que “logo no início da relação contratual, a ré tomou conhecimento que a autora já representava a ADS e a CNC – facto por si aceite”, não pode olvidar-se que “A comercialização e promoção por parte da autora dos produtos das empresas ADS e CNC não constituiu qualquer obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora” (facto 6-A), até porque “Ambas tinham um “core business” substancialmente distinto do da ré (facto 6-B) – ou seja, os respectivos negócios centrais eram substancialmente distintos, pois que “a alemã ADS - Hamburgo é uma empresa que tem como negócio principal a venda de tecidos estampados, sendo a venda de tecidos PFD muito marginal e de uma qualidade e preço muito superior aos da ré (facto 6-C) e “a CNC tem como negócio principal a venda de tecidos diferentes dos da ré, no caso, tecidos tingidos a uma única cor, de gama bastante alta e a preços elevados” (facto 6-D). Assim, portanto, a Ré entendeu – e por isso se não opôs a celebrar contrato com a Autora, apesar disso – que a comercialização e promoção por parte da autora dos produtos das empresas ADS e CNC não lhe acarretava quaisquer problemas em termos de imagem e resultados no mercado, ou seja, que tal actividade da Autora “não constituiu qualquer obstáculo para a ré celebrar contrato com a autora”, donde, apesar disso, não ter deixado de contratar com ela. O que não significa que aceitasse que a Autora levasse a cabo actividades com qualquer outra empresa concorrente da Ré, pois para tal carecia da autorização ou assentimento escrito da autora. Ao contrário do que tenta fazer crer a Recorrente nas suas alegações, a presunção de exclusividade nunca foi afastada, pois se é verdade que a Ré, Recorrida, sempre soube que a A., promovia produtos das empresas CNC e ADS, também é verdade, como ficou provado, que para a Ré tais empresas não são suas concorrentes pois que o tipo de produto vendido e publico alvo é distinto, conforme já ficou bem assente. Veja-se, aliás, que não estamos a falar de uma qualquer concorrente da Ré – por isso mesmo, na “carta da ré datada de 29.09.2017, que antecipadamente lhe foi remetida por fax, comunicando-lhe a resolução do contrato de agência, com justa causa”, “é invocado como único motivo de justa causa de resolução, o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é concorrente directa daquela”. “Concorrente directa”, percute-se. E veja-se que a Ré, apenas – e “por mero acaso” – só “em Setembro de 2017 tomou conhecimento que a autora se encontrava a promover a venda dos produtos da empresa GENERTEC- ITALIA SRL. no mercado português” (facto 14-A). Empresa esta (Genertec Italia) que “surgiu no mercado italiano, com sede em Milão e armazém na mesma zona geográfica da ré, posicionando-se lado a lado da ré e figurando praticamente com um clone desta, produzindo os seus tecidos na China, tal como a ré, e fazendo concorrência directa a esta, com o mesmo core business e modus operandi da ré” (facto 14-B). Genertec Italia “que se dedica, entre outras, à mesma actividade da ré usando, inclusive, o mesmo método de publicidade de produtos” (facto 14-C). Aliás, provou-se até que “A Genertec Italia surgiu precisamente com o objectivo de fazer concorrência à ré retirando-lhe os seus clientes e agindo no mercado nacional e estrangeiro como vendedores de tecidos PFD nos mesmos moldes da ré e com um tipo de PFD igual ao comercializado pela ré” (facto 14-D). É claro que, perante esta realidade – ao invés daquilo que foi dado a saber à Ré à data do contrato – , se a A. tivesse dado a conhecer que também promovia a venda de produtos da Genertec Italia, a Ré nunca celebraria qualquer contrato com a A. Pelo que bem pode dizer-se que desde Julho de 2013 (data da celebração do contrato de agência com entre A e Ré – facto 5) até Setembro de 2017 (data em que tomou conhecimento que a autora se encontrava a promover a venda dos produtos da empresa GENERTEC- ITALIA SRL. no mercado português), ou seja, durante mais de 4 anos, a Ré “viveu na ignorância” acerca desta actividade concorrente da Autora. E, é claro, a gravidade dessa actividade concorrente da Autora para com a Ré não é afastada (nem, sequer, mitigada de forma relevante) pelo facto de a Autora apenas ter angariado para a Genertec 8 clientes nos anos em que desenvolveu essa actividade concorrente com a Ré a favor dessa empresa, com um valor facturado de €31.015,94 e que rendeu à autora uma comissão não muito significativa. O que importa aqui é saber o significado e “peso” para a Ré dessa actividade concorrente da Autora (promovendo os produtos da genertec); melhor, a repercussão que esse incumprimento, por banda da Autora, das suas obrigações contratuais teve na relação de confiança e de cooperação inter partes, então existente. Assim, portanto, perante a retratada realidade fatual, é mais que natural o súbito desagrado da Ré, pois, de um momento para o outro, depara com a Autora a “promover os produtos da Genertec bem sabendo que estes eram directamente concorrentes com os da ré” (facto 14-E) – empresa essa que, como visto, surgiu, precisamente, “com o objectivo de fazer concorrência à ré retirando-lhe os seus clientes”. Sendo que empresas concorrentes são aquelas que oferecem produtos ou serviços concorrentes. São aquelas que, oferecendo ao público bens satisfazendo necessidades idênticas, podem desviar clientes umas das outras. Como ensina OLIVEIRA ASCENSÃO[29], o entendimento dominante entre nós é o que considera concorrentes as empresas que “em concreto disputam a mesma clientela”. O que ocorria com a Genertec Italia “que se dedica, entre outras, à mesma actividade da ré”, “figurando praticamente com um clone desta”. Assim, não espanta que “determinante para a cessação do contrato celebrado entre as partes”, tenha sido, precisamente, esse comportamento da autora, ao começar a promover a venda de produtos de marca directamente concorrente da ré – Genertec Italia. * Assim, portanto, a conduta da Recorrente, promovendo produtos de uma empresa directamente concorrente com a da Recorrida – e independentemente do valor de facturação ou volume de vendas que tenha conseguido – entra em conflito com a própria finalidade do contrato de Agência celebrado entre as partes, pois a Recorrente ao promover produtos concorrentes com os da Recorrida prejudica e priva a venda dos produtos desta e, conforme ficou demonstrado, começar a representar uma empresa directamente concorrente com a da Ré, ora Recorrida, revelou-se manifestamente prejudicial para esta, comportando uma alteração clara dos resultados pretendidos com a celebração do contrato (que se prende com a venda de produtos da empresa italiana). Temos, assim, verificada uma clara e ostensiva violação da obrigação de não concorrência. A qual, no todo do quadro factual assente, consubstancia uma falta de cumprimento das obrigações contratuais da Autora que, “pela sua gravidade e reiteração” torna “não … exigível a subsistência do vínculo contratual”. O agente está legalmente obrigado ao dever de não concorrência no decurso do contrato, estando por força do mesmo impedido de praticar actos e promover produtos concorrentes dos produtos do principal[30]. Não tendo sido afastada pelas partes a obrigação de não concorrência, não está a Recorrida obrigada a manter um contrato com um agente quando este além de estar a promover os seus produtos, promove paralelamente produtos concorrentes de uma empresa também directamente sua concorrente. Nesta senda, como bem remata a recorrida, “o comportamento da Recorrente pôs em causa a confiança e boa relação comercial das partes tornando insustentável a manutenção do contrato celebrado. Concluindo-se, assim, que o comportamento da Recorrente violou o contrato celebrado entre as partes sendo justa causa de resolução do mesmo. Pois bem, o contrato objecto de análise nos presentes autos cessou, conforme se demonstrou, devido ao incumprimento contratual da A., e não por mera cessação por caducidade do contrato o que poderia comportar uma indemnização de clientela. Foi o agente, neste caso, aqui Recorrente, que deu causa à cessação por resolução com justa causa por facto imputável à própria Recorrente.”. E assim, também, razão assiste ao Acórdão recorrido: “a autora estava impedida, no silêncio do contrato, de exercer, por conta própria ou por conta de outrem, actividades concorrentes, no mesmo sector de actividade, com produtos similares aos que lhe incumbia promover por conta da ré.” E isto também dada a natureza “intuitu personae” do contrato de agência. Concluindo-se assim “não ser ilegítima a resolução do contrato”. E, daí, que o agente, desde logo, não tem direito à peticionada indemnização de clientela – que pressupõe, como vimos, o requisito negativo, de o contrato não ter cessado por razões a si imputáveis.”. Portanto, ao contrário do que sustenta a recorrente, a Ré/recorrida não incorreu em violação do princípio da boa fé, pois, como visto, não pode concluir-se que a Ré tenha dispensado a Autora do dever de exclusividade pelo facto de ter representado as empresas ADS e CNC. Pois que, se é certo que tal se verificou com o conhecimento e consentimento da Ré, não é menos verdade, como já supra se demonstrou, que tal ocorreu no âmbito específico que a demais factualidade apurada retrata: trata-se de empresas que não são concorrentes directas da Ré, pois que o tipo de produto vendido e público alvo é distinto, ao contrário do que ocorreu com a GENERTEC, esta, sim, concorrente directa da Ré, posicionando-se lado a lado com esta, figurando praticamente como um seu clone, com o mesmo core business e modus operandi. E também a reforçar que a Ré não actuou de má fé ao resolver o contrato com a Autora – ou seja, que a promoção pela Ré de produtos da GENERTEC não foi um mero pretexto para tal resolução – está o facto de o envio da carta de resolução ter ocorrido precisamente quando (ou logo que) a Ré teve conhecimento dessa actividade concorrente da Autora, donde a Ré ter tido o cuidado de na mesma carta ter mencionado como “único motivo de justa causa de resolução, o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é concorrente directa daquela”. Portanto, não vemos como imputar má fé à Ré, muito menos (como pretende a Recorrente) uma “grosseira violação do princípio da boa fé”. * A justa causa resolutiva está preenchida. E quer consideremos a obrigação de exclusividade que impendia sobre a Autora – o agente – como uma obrigação principal (o que deixa alguma dúvida, pois a obrigação principal é, afinal, a de promover por conta da Ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa - tecidos em PDF - prepared-for-dye), quer a vejamos, até, como um dever acessório, o seu incumprimento ou violação não deixa de ter, em qualquer caso, gravidade suficiente para justificar o fim da relação contratual, por quebra definitiva da confiança que mutuamente se firmou aquando da celebração do contrato e existiu até ao conhecimento pela Ré da actividade concorrente da Autora, promovendo a venda dos produtos da Genertec. Com efeito, como refere MENEZES CORDEIRO[31], (também) os deveres acessórios, quando inobservados, permitem a resolução, designadamente quando isso origine uma perda de confiança[32]. Determinados contratos, particularmente quando originem prestações duradouras e envolvam condutas pessoais — pense-se no exemplo paradigmático dos acordos parassociais – exigem lealdade e previsibilidade mútuas. Uma quebra nesse domínio pode tornar inexigível a continuação da relação, sendo a resolução o meio adequado para lhe pôr termo. * Por outro lado, a culpa (até) é aqui dispensável. É que a resolução opera para proteger um vínculo sinalagmático ou para defender os valores subjacentes ao contrato considerado: de tal modo que a sua manutenção não vá agravar a situação do contratante fiel. Por isso, ela não exige a culpa do devedor inadimplente[33]. Na resolução há um juízo de inadimplemento, porventura causado por forças estranhas e que justifica a não-continuação do contrato. Não se pretende imputar um dano nem, muito menos, censurar ou punir o inadimplente. Como acrescenta MENEZES CORDEIRO[34], “A materialidade subjacente de cada contrato explica o direito à resolução. Um contrato assenta na vontade comum das partes e, ainda, na ordem jurídica que o reconheça e lhe dê a sua tutela. As partes ficam adstritas ao que tenham assumido, bem como à projeção jurídica do acordado. A referência à boa-fé, sempre importante, reflete-se na proteção da confiança e no reconhecimento e tutela da estrutura económica subjacente à situação contratual existente. Para além da estrita permuta de prestações, existe uma realidade substantiva, de que todos se apercebem e que deve ser tida em conta, na sua materialidade global. Havendo fundamento, cabe à contraparte, pela resolução, afastar-se de um edifício que, axiologicamente, já não corresponda ao que havia sido firmado pelas partes.”[35]. Assim procedeu a Ré: ao constar – e, percutimos, logo que constatou, “por mero acaso”, “em Setembro de 2017” – , que “a Autora se encontrava a promover a venda dos produtos das empresa GENERTEC ITALIA SRL, no mercado português”, empresa essa que “surgiu precisamente com o objectivo de fazer concorrência Ré retirando-lhe os seus clientes e agindo no mercado nacional e estrangeiro como vendedores de tecidos PDF nos mesmos moldes da ré e com tipo de PDF igual ao comercializado pela ré” (o que era do conhecimento da Autora, pois a Autora “começou a promover a venda dos produtos da Genertec bem sabendo que estes eram directamente concorrentes com os da Ré”), pôs, imediatamente, fim à relação contratual. É que, dada a gravidade da situação (atento o específico concorrente – não, portanto, um qualquer concorrente, pois, como dito, a Genertec surgiu precisamente “com o objectivo de fazer concorrência Ré retirando-lhe os seus clientes”), é claro que a relação de confiança entre A. e Ré deixou de existir, tornando, a partir de então, inexigível a subsistência do vínculo contratual. Regressando a PINTO MONTEIRO[36], estando em causa – como aqui está – um contrato “intuitu personae”, «a relação de confiança assume uma relevância acrescida, pelo que não parece razoável que o principal mantenha uma relação contratual em que as partes já não se revêem num relacionamento degradado e deteriorado pela quebra de um vínculo de recíproca e mútua confiança». Atento o explanado, nenhuma censura merecer o acórdão recorrido, ao considerar válida a resolução (com justa causa) levada a cabo pela Ré, do contrato que firmara com a Autora. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação. Custas da revista a cargo da Recorrente. Lisboa, 19 de Janeiro de 2023 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto) Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto) ______ [1] Cfr. art.º 674º, nº 1, al. b), do CPC, acórdãos do STJ de 05FEV2020, proc. 13097/17.5T8LSB.L1.S1, 20FEV2020, processos 1893/12.4TBSCR.L2.S2 e 6126/15.9T8BRG.G1.S1 e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs.434-436. [2] Neste sentido pode ver-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.2012, de 18.02.2016 e de 28.09.2017 (respectivamente, nos processos nºs 3728/07.0TVLSB.L1.S1, 1320/05.3TBCBR.C1.S1 e 659/12.6TVLSB.L1.S1). [3] Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312. [4] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270 [5] Prova e Formação da Convicção do Juiz, Coletânea de Jurisprudência, Almedina, 2016, p. 55. [6] Manual de Processo Civil, 2.a edição, Coimbra Editora, pp. 406-408. [7] Acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018, no âmbito do processo n.° 13/16.0GTCTB.C1, consultável em www.dgsi.pt. [8] NUNO RUIZ, in Contrato Internacional de Agência. [9] Apud JANUÁRIO GOMES, Apontamentos sobre o Contrato de Agência, Tribuna da Justiça, n.º 3 – Abril/Maio 1990, p. 16). [10] JOANA VASCONCELOS, Cessação do contrato de agência e indemnização de clientela, Direito e Justiça, vol. XVI, tomo I, p. 244, nota 2, apud ABÍLIO NETO, Contratos Comerciais, Ediforum, Lisboa 2004, 2.ª ed., p. 126. [11] O Ac STJ 14/2/2012 (relator Gabriel Catarino)[11], in www dgsi pt, pelas citações doutrinárias a que recorre, é um dos mais completos arestos a respeito das características desse contrato. E por isso se reproduzem aqui as citações do mesmo que a esse respeito surgem como mais informativas. «O contrato de agência integra-se dentro de uma concepção mais ampla dos designados contratos de distribuição comercial, ou seja uma classe de contratos que têm com finalidade ou traço comum “[o] servir de via estável para lograr a distribuição de bens e serviços no mercado permitindo uma certa integração (mais ou menos intensa segundo a figura) do distribuidor na rede do fabricante.” Dentro da categoria geral de distribuição comercial, para além da designada distribuição directa, inclui-se a distribuição indirecta veiculando esta diversas formas de intermediação que os bens e os serviços percorrem entre o fabricante e o consumidor final. O contrato de agência, que durante muito tempo, andou paredes meias com o contrato de comissão autonomizou-se, normativamente, tendo passado a constituir uma forma de o empresário “[nomear] um empresário que, em forma jurídica e economicamente independente, se dedica profissionalmente a captar clientela para o empresário principal, ou mediante a simples promoção ou por meio da conclusão de contratos por conta e em nome e no interesse daquele.”- [[2]] Cfr. Broseta Pont, Manuel e Martinez Sanz, Fernando, “Manual de Derecho Mercantil. Contratos Mercantiles. Derecho de los Títulos-Valores. Derecho Concursal”, Vol. II, 18.ª Edição, Tecnos, Madrid, 2011, pág. 120-121. Como traços definidores do contrato de agência poder-se-ão escrutinar os seguintes: a) é um contrato duradouro ou de trato sucessivo na medida em que as prestações comprometidas pelas partes servem causalmente a necessidades de colaboração estável; b) configura-se com um negócio para a promoção ou celebração de outros negócios (segundo o que seja o âmbito das faculdades conferidas, se distinguirá entre o agente meramente promotor de negócios e o agente com poderes de contratação com terceiros. O primeiro ocupar-se-á de promover activamente no mercado os bens e serviços cuja gestão lhe haja sido encomendada, quedando obrigado a transmitir ao dominus os pedidos que obtenha com efeito de que aquele decida rechaçar ou celebrar por si mesmo cada um dos negócios propostos. O segundo, para além de se encarregar da tarefa anteriormente indicada, terá a faculdade de celebrar por si mesmo os negócios como representante do principal. Em ambos os casos o agente actuará por conta e em nome do principal); c) a relação estabelecida entre principal e agente não se assemelha em modo algum à que medeia entre um empresário e um auxiliar. O agente será um empresário cuja profissionalidade se caracteriza precisamente por fazer da agência a sua actividade económica habitual, pondo a sua própria empresa à disposição da colaboração com o principal; d) é um contrato intuitu personae, sendo exigível de ambas as partes uma colaboração baseada na confiança recíproca; e) é um contrato mercantil, atendendo à actividade característica dos agentes, notando-se a sua condição de empresários cujo tráfico de empresa consiste na colaboração estável com outros empresários. [[4]] Cfr. Mercadal Vidal, Francisco, in op. loc. cit. págs. 105-111. Cfr. ainda Broseta Pont, Manuel e Martinez Sanz, Fernando, “Manual de Derecho Mercantil. Contratos meecantiles. Derecho de los Títulos-Valores. Derecho Concursal”, Vol. II, 18.ª Edição, Tecnos, Madrid, 2011, págs. 122 a 126. No âmbito do contrato de agência constituem obrigações do agente: a) promover e/ou concluir negócios no interesse do principal. (O agente contrai a obrigação de se esforçar em promover ou concluir, segundo os casos, todos os negócios que sejam possíveis em nome e por conta do principal); b) defender os interesses do principal. (Constitui-se ou orienta-se no sentido de garantir a prevalência do interesse do principal no desenvolvimento da gestão realizada pelo agente e que conleva projecções especificas, a saber: 1) uma obrigação positiva do agente em actuar de tal maneira que melhorem os resultados económicos do estabelecimento do principal; 2) uma obrigação negativa do agente se abster de condutas que possam acarretar danos para o principal e de modo especial abster-se de competir com o principal, dedicando-se por conta própria ao mesmo género de empresa ou, de modo indirecto, aceitando gerir interesses de um competidor do principal; c) cumprir as instruções do principal (outorgamento pelo principal da faculdade de ditar ao agente as condições das operações realizadas com terceiros); d) prestar informações ao principal, tanto informações que sejam solicitadas por este, com da sua própria iniciativa, cumprindo assim a obrigação própria de quem assume um encargo de gestão baseado na confiança que nele deposita o titular do interesse; e) de manter segredo, ou seja uma obrigação de lealdade para com o interesse empresarial do principal, devendo abster-se de utilizar ou comunicar segredos do estabelecimento representado e conhecidos pelo exercício da agência; f) desempenho pessoal da agência; g) de restituição do que haja recebido em razão do cargo; h) de cooperação na execução dos negócios celebrados. Do mesmo passo constituem como obrigações típicas do principal: a) a de pagar a retribuição ao agente (que pode revestir uma retribuição fixa ou variável, sendo esta a mais corrente por representar a forma de remunerar o agente de acordo ou em proporção dos resultados da sua actividade de promoção ou de celebração de negócios); b) a de facilitar ao agente os elementos necessários para o desempenho da sua gestão ou obrigação de assistência que comporta a exigibilidade da entrega ao agente de todos os elementos necessários para o exercício eficaz da sua actividade empresarial. [[5]] Cfr. Mercadal Vidal, Francisco, in op. loc. cit. págs. 131 a 138». [12] MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, Almedina, Coimbra 2001, vol. I, p. 499. [13] Contrato de agência, anotado, 6.ª edição, 71. [14] Destaque nosso. [15] Sobre a noção de justa causa, pode dizer-se que já no Direito romano surgia a locução iusta causa, visando exprimir a situação objectiva na qual determinado comportamento se enquadra e que o justifica; e isso quer no sentido positivo de possibilitar um certo efeito jurídico, quer no negativo de excluir a responsabilidade que, de outro modo, se manifestaria (Cfr. EMILIO BETTI, Causa, NssDI 3 (1959), 30-32 (31)). Com estas raízes, a justa causa difundiu-se por todo o Direito civil (Sobre toda esta matéria, em especial, BERNARDO XAVIER, Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho cit., (1966)). Por exemplo, surge nos seguintes artigos do Código Civil: 170.°/3, 265.0/3, 461º/1, 986º/1, 1140º, 1170º/2, 1194º, etc. Verifica-se, assim, que «justa causa» traduz o conjunto de circunstâncias necessário para justificar a cessação de determinadas situações jurídicas duradouras (SANTORO-PASSARELLI, Giusta causa, NssDi 7 (1961), 1108-1111 (1110). Manteve-se, também, no Código de Seabra, designadamente no domínio da relação laboral (contrato de serviço doméstico, artº 1376º e 1377º). Daí em diante passou a ser corrente a sua utilização, designada e especialmente, nas legislações laborais-- visando a protecção do trabalhador. [16] A actuação no cumprimento do contrato de acordo com o princípio da boa fé tem aqui particular importância, pois é nesse pressuposto que ambas as partes aceitam a outorga do contrato de agência: principal e agente devem, por um lado, estar de “peito aberto” aquando da celebração do contrato, e, por outro lado, actuar de boa fé também no desenvolvimento da relação contratual. A boa fé impõe, assim, desde logo, a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos, designadamente, na celebração e execução do contrato. Com efeito, a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código). É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional--princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por SALVATORE ROMANO, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de ARMANDO TORRES PAULO, pág. 124 e “ A Boa Fé no Direito Comercial”, in “Temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e BAPTISTA MACHADO, in Obras Dispersas, vol. I. Ver, ainda, sobre o conceito de boa fé, Responsabilidade pré-contratual, Carvalho Martins, Coimbra Editora, a págs. 130 ss. [17] Sobre o conteúdo da relação contratual, ver MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, pp. 335-380. [18] JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, A resolução do contrato no direito civil, 2º ed., Coimbra Editora, 1996, a pág. 129. [19] Apud JOSÉ CARLOS PROENÇA, ob. cit., a pág. 132, nota 372. [20] Contrato de Agência, Anotação ao Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, 2ª ed., Coimbra, a págs. 98. [21] Ver MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no Direito Civil, 2º vol. (1984), 1176 ss e bibliografia aí citada. [22] O Contrato de Concessão Comercial, 1990, 227. |