Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5808/15.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
DESTITUIÇÃO
BOA FÉ
DIREITO DE DEFESA
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES – SOCIEDADES POR QUOTAS / QUOTAS / CONTITULARIDADE DA QUOTA / GERÊNCIA E FISCALIZAÇÃO / SOCIEDADES ANÓNIMAS / DELIBERAÇÃO DOS ACCIONISTAS.
Doutrina:
- Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume III, p. 294, 296 e 301;
- Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, p. 228 e 229;
- Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 3.ª Edição, p. 452 e 453.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 222.º, N.º 1, 223.º, 257. º, N. º1 E 377.º, N.º 8.
Sumário :

  I. Sendo as sociedades por quotas, sociedades de pessoas, em que as relações confiança assumem de modo particularmente sensível especial repercussão, sobretudo, quando os sócios são em pequeno número e com participações sociais semelhantes, a destituição societária deve ser acautelada em termos dos visados pela intenção de destituição se munirem de informação para se poderem defender das imputações que lhes são feitas pela sociedade.

II. A actuação de boa fé, princípio geral do Direito, a salvaguarda do princípio da proibição da indefesa, vigente também no domínio societário, postula uma actuação leal, transparente e equitativa expressa na obrigação da sociedade informar os sócios, sejam ou não gerentes, estando em causa deliberações que os visam, não se compagina com o laconismo e a opacidade da ordem de trabalhos, quando de modo algum, assegura, sequer literalmente, um real e prévio direito de informação com vista à defesa.

III. A indicação dos fundamentos da exclusão de sócios visada pela sociedade são mínimos de informação habilitantes da defesa e contestação das imputações.

IV. Sendo a convocatória para a assembleia-geral da Ré totalmente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações aos gerentes conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido vício procedimental que torna a deliberação anulável.

V. A livre destituibilidade dos gerentes, nos termos do art. 257º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, sem sequer ser necessário ser invocada justa causa, carece de ser deliberada pelos sócios em assembleia-geral regularmente convocada para que possa ser fornecido a quem delibera, o direito de votar ou não votar, informadamente, a deliberação: não se considera que a sociedade possa tomar validamente tal medida existindo violação dos deveres de informação da assembleia-geral destitutiva irregularmente convocada.

Decisão Texto Integral:

                Proc. 5808/15.0T8LSB.L1

                R-696[1]

                Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, e;

BB, intentaram, em 2.3.2015, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 2 – acção de anulação de deliberação social, contra:  

CCLda.,

Articulada a correspectiva factualidade, concluíram pela procedência do pedido e, em consequência, se declare:

a) Anulada a deliberação de 29/1/2015 da CC Lda., com sede na Rua … – A em Lisboa, pela qual foi destituída a gerência da sociedade em causa;

b) – Anuladas todas as deliberações que a partir da tomada em 29/1/2015, foram tomadas pela aludida sociedade, sem o conhecimento do outro gerente, aqui 1º Autor.

c) – Se comunique a decisão aqui tomada à Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a fim de se proceder ao seu registo;

d) Se designe um representante comum das quotas em causa;

e) Se declarem os contitulares da quota que votaram favoravelmente deliberação de 29/1/2015 os únicos e exclusivos responsáveis pelas consequências que decorrerem não só das deliberações tomadas, incluindo a de 29/1/2015 e todas as que entretanto vierem ou venham a ser proferidas, quer perante os contitulares aqui AA. quer perante quaisquer terceiros que possam vir a ser prejudicados por tais deliberações ou pela sua anulação.

Juntaram documentos, entre eles certidão do registo comercial da Ré, escrituras de cessão de quotas, acta da assembleia de sócios da Ré de 29/1/2015, escritura pública de habilitação de herdeiros, procurações forenses e comprovativo do pagamento das custas.

Citada, a Ré deduziu contestação, defendendo-se por excepção e impugnação, concluindo, alegada a correspectiva factualidade:

a) Sejam os AA. julgados parte ilegítima por falta de poderes de representação para o exercício de direitos sociais na sociedade Ré, e, consequentemente, ser a Ré absolvida da instância e do pedido (art.º. 278°, nº1, al. d) e segs. do Código de Processo Civil). Assim não se entendendo, o que por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite.

b) Seja declarado que o representante comum das quotas indivisas, da sociedade, e a cabeça-de-casal da herança, e é-o por forca da lei, primeira causa e forma de nomeação prevista no art.º. 222°., n°.1 do Código das Sociedades Comerciais, e como tal, seja a deliberação de 29/01/2015 da A.G. da Ré, constante da respectiva acta 42 julgada válida e eficaz; Assim não se entendendo;

c) Seja esta acção judicial considerada como manifestação clara do sentido do voto dos A.A., em relação ao teor do deliberado na Assembleia geral que ora impugnam, tudo para os termos e efeitos do disposto no n°.3 do art.63º do Código das Sociedades Comerciais, e, consequentemente, sanada qualquer eventual invalidade formal da A.G, ora impugnada; Caso ainda assim não se entenda,

d) Requer então a Ré, desde já, ao Tribunal, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 62.°, do C.S.C., e 269°, n.°1, al. c) e 272, n.°1 do Código de Processo Civil, a suspensão dos autos, por prazo não inferior a 60 dias, por forma à sociedade poder nesse prazo renovar as deliberações agora postas em causa por via da presente acção.

Finalmente, e sem conceder

               e) Considerando haver lugar à nomeação de representante comum, por via destes autos, seja então a actual cabeça-de-casal da herança eleita como tal, por ser o que da lei forçosamente resulta.

                f) Sejam os A.A. condenados nas custas e demais de Lei a que deram causa.


***


           A final foi proferida sentença que, julgando o pedido formulado procedente, anulou a deliberação tomada na sua assembleia-geral extraordinária ocorrida em 29 de Janeiro de 2015.

***


           Inconformada, a Ré, recorreu para o Tribunal a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 21.6.2018 – fls. 187 a 227 – com um voto de vencido – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

***


           Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

           I. Não tem razão de ser o argumento utilizado no Acórdão recorrido, de que não foi prestada a informação mínima que em virtude da lei tinha de ser prestada aos sócios por alegadamente a indicação da cessação de funções da actual gerência, constante do aviso convocatório da assembleia geral em causa, ter sido feita “sem identificação dos visados, com total omissão da indicação sucinta dos fundamentos, afronta o direito de defesa e exprime um vício procedimental gerador de anulabilidade, nos termos do disposto no art.58º, nº1, al. c) e nº4, al. a) do Código das Sociedades Comerciais, por afectar o direito de informação dos destituídos, previsto nos arts. 21º, nº1, al. c), 290º e 377º, nº8, todos do Código das Sociedades Comerciais.”

           II. De facto, este argumento não pode prosseguir, nem fundamentar a decisão proferida “a quo” pois tem por base uma errónea interpretação do artigo 377º do Código das Sociedades Comerciais, o qual apenas impõe que o aviso convocatório mencione “claramente o assunto sobre o qual o deliberação será tomada”, o que de facto aconteceu, já que efectivamente constava da convocatória para a AG em causa (vide doc. 3 da Contestação) que um dos assuntos da ordem de trabalhos era exactamente a “cessação de funções da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência paro o biénio de 2015/2016…”,

III. Logo, deste modo, a convocatória indicou claramente o assunto em causa – a “demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência”; Mais,

IV. indicou ainda, inequivocamente, quais os gerentes visados: a “actual gerência” e como a gerência era composta por todos os gerentes, o gerente em causa, i.e., um dos recorrentes, não podia de modo algum ignorar que era um dos visados.

V. Acresce que não é fundamento de invalidade a falta de indicação da causa da destituição, pois os sócios podem destituir os gerentes a qualquer altura e sem a necessidade de invocação de fundamento, nem de justa causa, sendo que a justa causa apenas releva para efeitos de atribuir ou não, ao gerente destituído. Uma indemnização (257º nºs 1 e 7do Código das Sociedades Comerciais).

VI. Assim, e tal como se retira do artigo 377º, nº8, do Código das Sociedades Comerciais, era suficiente a menção do “assunto” para habilitar os sócios a discutir e deliberar, e foi isso o que aconteceu.

VII. Acresce que, para que houvesse a alegada violação do dever de informação dos sócios, seria necessário que, tal como a Lei indica, se esteja a tratar de “sócios”, o que não é o caso, já que, o gerente em causa não é sócio da sociedade, mas sim, como melhor resulta dos factos dados como provados, (factos 2) a 5) da decisão sub judice, (pág. 7), co-titular do direito a quotas indivisas, parte do quinhão hereditário de seus falecidos pais, em cujo acervo se encontram, entre outros bens, quotas da sociedade ora Recorrente.

VIII. Além disso, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite, a verdade é que sempre se teria de entender que o referido direito à informação é de quem delibera ou pode deliberar, em A.G. Ora,

            IX. Como a própria decisão do Acórdão Recorrido reconheceu, e bem, e tal como a Lei também o estabelece, o “representante comum da quota-parte integrada em herança indiviso será, pois, em princípio e por designação legai o Cabeça-de-casal.”

X. Ora, acontece que a Cabeça-de-Casal, DD estava devidamente informada dos assuntos que iam ser discutidos e levados a votação na A.G. em causa, pelo que nunca se verificaria a violação do dito dever de informação.

XI. Finalmente, e sem conceder, mesmo não procedendo o presente recurso quanto ao mais alegado, o que por mera hipótese de raciocínio e dever de patrocínio se admite, pelo menos quanto à decisão sobre as custas do processo, sempre se defende que, a mesma deveria ser reformada.

            XII. Mais, no seguimento do que defendeu o Venerando Senhor Juiz Desembargador Luciano Farinha Alves no Acórdão recorrido, segundo o qual: “a ser mantida a decisão de anulação, julgo que a decisão sobre custas deveria ser reformada tendo em consideração o decaimento verificado nos restantes pedidos formulados que, mesmo sendo dependentes do pedido principal, excedem esse pedido”.

XIII. De facto, os A.A. fizeram, na lª Instância, cinco pedidos diferentes, e o Tribunal apenas julgou procedente o primeiro dos cinco pedidos, indeferindo os demais.

XIV. Logo, e de acordo com o disposto na Lei do Processo e no Regulamento das Custas, o ganho de causa por parte dos A.A. é apenas parcial, pelo que, as custas deveriam ter sido divididas na proporção de 1/5 para a Ré, e 4/5 para os A.A., por corresponderem à quota-parte do seu decaimento.

Termos em que deve ser concedido total provimento ao presente recurso, por ter ocorrido erro de interpretação e de determinação da norma aplicável, ao abrigo do disposto no artigo 674. nº1, al. a) do Código de Processo Civil, e, em consequência, revogar-se o Acórdão proferido no tribunal consequência, revogar-se o Acórdão proferido no tribunal por nova decisão no sentido de julgar como não procedentes todos os cinco pedidos dos A.A. e declarar como válida e eficaz a deliberação de 29/01/15 da Ré.

Finalmente e sem conceder, caso assim se não entenda, deve a decisão ser reformada quanto a custas.

Os AA/recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***


           

           Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

            1) A sociedade com a firma CC Lda. foi constituída por contrato de sociedade celebrado em 1985 encontrando-se registada desde 17/04/1985, correspondendo a anterior matrícula 60962/19850417 da C.R.C. de Lisboa – 2ª secção – cfr. doc. n.º 1 anexo à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

            2) Nesta data, o capital social da CC encontra-se distribuído por quatro quotas:

- Uma quota de 17.956,72€, uma quota de 16.585,03€ e, uma quota de 997,60€, pertencentes em comum e sem determinação de parte ou direito, EE, DD, BB, AA, e – às menores - FF e GG (representadas por seus pais, EE e HH);

- Uma quota de 872,90€, a EE.

           3) Anteriormente, por óbito de II, ocorrido em 4/1/2006, sucederam-lhe na titularidade da quota sua mulher JJ e seus quatro filhos EE, DD e AA e BB – cfr. docs. nºs. 3 e 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

           4) Em 21/1/14 faleceu JJ viúva do primitivo titular das aludidas quotas.

            5) EE repudiou a herança de sua mãe, assumindo a sua posição as suas filhas KK e FF – cfr. doc. nº 6 anexo à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

           6) Pela apresentação 301/20140414 foram inscritos como gerentes da sociedade AA, ora 1º A. e DD, por deliberação dos sócios datada de 21/3/14.

           7) Nos termos do art.º 4º do pacto social da sociedade “a gerência será exercida por dois gerentes eleitos por períodos de dois anos reelegíveis, de entre os sócios da sociedade ou terceiros” - cfr. doc. nº 2 anexo à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

           8) Por carta datada de 10/1/15 foram os AA convocados pela gerente da sociedade DD para uma A.G. extraordinária a realizar no dia 29/01/15 pelas 18h com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Único: a cessação de funções da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência para o biénio de 2015/2016” – cfr. doc. nº 7 anexo à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

           9) Na reunião não foram expressamente explicadas as razões que justificassem a destituição antes do fim do mandato respectivo.

           10) Na impossibilidade de lavrarem protesto em acta, os AA abandonaram a reunião, não tendo, pois, assistido a toda a reunião nem procedido à assinatura da acta que foi lavrada.

            11) O cabecelato na herança de JJ foi deferido a DD.

           12) A sociedade tem ao seu serviço uma funcionária administrativa.

            13) Consta da “Acta nº 33” que: “Aos trinta e um dias do mês de Março de dois mil e oito reuniu na sede social sita na Rua …, número …, letra …, em Lisboa, a assembleia geral anual da sociedade CC, Lda. com o capital social de (…). Encontravam-se presentes os Sócios EE e JJ, em representação de quotas indivisas no valor nominal de (…) pertencentes ao falecido II. O sócio EE é detentor de uma quota valor nominal de...” – cfr. doc. nº1 anexo à contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

            14) Consta “Acta nº 39” que: “Aos 21 dias do mês de Março de 2014, pelas 20h00, reuniu na sede da sociedade na Rua …, nº …, em Lisboa, a assembleia geral anual da sociedade CC, Lda. com o capital social de 36 412.25€ (…). Encontrando-se presentes os sócios EE, DD, em seu nome e como cabeça da herança aberta por óbito de JJ, BB, AA e HH – cfr. doc. nº 1 anexo à contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

            Importa ainda considerar assente o seguinte facto:

            - no dia 29.01.2015 realizou-se a assembleia geral extraordinária da sociedade CC, Lda., com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Único: a cessação de funções da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência para o biénio de 2015/2016”, constando da respectiva acta a presença dos sócios EE, DD, BB, AA e HH, esta em conjunto com o sócio EE representando as sócias herdeiras FF e KK, menores de idade, verificando-se estar representado todo o capital da sociedade, e que AA e BB informaram ter decidido abandonar a reunião e assim fizeram, mais constando da respectiva acta que “havendo quórum suficiente para continuar a Assembleia, assim prosseguiu a mesma e, levada a votação, foi a proposta apresentada aceite, tendo assim sido votada favoravelmente por maioria de 51,198% do capital social (com o voto favorável dos sócios EE e DD e FF e KK, representadas por EE e HH) e consequentemente deliberado nomear para cargo de Gerentes EE (…) e Senhora Dª DD(…) que deste modo substituem no cargo o Senhor AA, cujas funções cessam por esta via e nesta data, sendo a Senhora Dª DD reconduzida e nas seguintes condições (…).” (cfr. cópia da acta nº 42 a fls. 47 dos autos)

           Como facto não provado consta da sentença recorrida o seguinte:

           “1) Em 2014 a sociedade teve um resultado líquido do exercício de pouco mais de 600,00€.”

            Fundamentação:

           Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a convocatória para a assembleia-geral, de 29.1.2015, da Ré recorrente, pelo seu teor:         “Ponto Único: cessação de funções da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência para o biénio de 2015/2016”, violou o direito de informação dos sócios, sobretudo, dos dois que exerciam a gerência da sociedade.

           Saber, ainda, se a manter-se a decisão, deve ser alterada a condenação em custas, já que tendo os AA. formulado cinco pedidos, nem todos foram considerados fundamento da decisão, pelo que, na tese da recorrente, sucumbiram parcialmente.

           Nos termos do art. 4º do pacto social da Ré – uma sociedade por quotas (familiar) cuja gerência é exercida por dois sócios-gerentes eleitos por período de dois anos, reelegíveis, de entre os sócios da sociedade ou terceiros.

             A gerência, eleita em 21.03.2014, exerceria as suas funções até 21.03.2016.

           Não está em causa, agora, a questão da representação das quotas face à situação de contitularidade e a da representação do representante comum – arts. 222º, nº1, e 223º do Código das Sociedades Comerciais - que não constitui objecto do recurso.

            A recorrente entende que não foi violado o dever de informação, porquanto o aviso convocatório indicava, de maneira precisa, o assunto sobre o qual a deliberação seria tomada, não violando o art. 377º do Código das Sociedades Comerciais.

           O Acórdão recorrido considerou diversamente, pela existência de violação do nº8 daquele normativo, ponderando os seguintes factos, com particular relevo para a apreciação da questão:

           “- pela apresentação 301/20140414 foram inscritos como gerentes da sociedade AA e DD, por deliberação dos sócios datada de 21.03.2014;            

          - nos termos do artº 4º do pacto social da sociedade “a gerência será exercida por dois gerentes eleitos por períodos de dois anos reelegíveis, de entre os sócios da sociedade ou terceiros”;

           - por carta datada de 10.01.15 foram os AA. convocados pela gerente da sociedade DD para uma A.G. extraordinária a realizar no dia 29.01.2015, pelas 18h, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Único: a cessação de funções da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência para o biénio de 2015/2016”;

            - na reunião não foram expressamente explicadas as razões que justificassem a destituição antes do fim do mandato respectivo;

           - na impossibilidade de lavrarem protesto em acta, os AA abandonaram a reunião, não tendo pois, assistido a toda a reunião nem procedido à assinatura da acta que foi lavrada.”

            Na convocatória não consta qualquer alusão a pretensos motivos para demitir ou destituir a gerência que estava no exercício do mandato, tão pouco na assembleia geral, estando presentes os visados, foi fornecida qualquer informação de modo a que pudessem defender-se das acusações dos demais sócios que requereram o fim antecipado do mandato que os gerentes vinham a exercer, sendo certo que o gerente AA foi destituído, definitivamente, já que a gerente DD, apesar de destituída, foi de imediato reconduzida na gerência.

           Por força do estatuído no art. 248º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais é aplicável às sociedades por quotas o disposto no art. 377º do referido diploma legal.

Nos termos do n.º 5 al. e) deste normativo, a convocatória deve conter a ordem do dia.

O n.º8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais estabelece:

“O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso”.

O normativo é mais exigente quando o assunto a deliberar for a “alteração do contrato” impondo, nesse caso, que o aviso convocatório “deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.”

O Conselheiro Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 3ª edição, págs. 452/453, sobre os elementos mínimos de informação a inserir no aviso convocatório, cuja falta acarreta, em princípio, a anulabilidade da deliberação, nos termos do art. 58º, nº1, c) e nº4 a) do Código das Sociedades Comerciais, afirma:

  “A lei confere uma grande margem de discricionariedade ao intérprete na fixação da fórmula “elementos mínimos de informação”. O princípio geral válido é o que o n.°8 do art. 377º começa por apontar: deve mencionar-se claramente o assunto sobre o qual a deliberação será adoptada. Quer dizer: o Código contenta-se, em princípio, com a identificação do thema deliberandum de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar, para as modificações do contrato ou nas diferentes disposições acima referidas se exigiu um grau maior de precisão, enumerando as concretas menções a incluir no aviso convocatório — o que não deve, pelo seu carácter excepcional, ser alargado a outras hipóteses.”

           Sendo as sociedades por quotas, sociedades de pessoas, em que as relações confiança assumem de modo particularmente sensível especial repercussão, sobretudo, quando os sócios são em pequeno número e com participações sociais semelhantes, a destituição societária deve ser acautelada em termos dos visados pela intenção de destituição se munirem de informação para se poderem defender das imputações que lhes são feitas pela sociedade.

            Isto para dizer que, como no caso, sendo gerentes duas pessoas, quatro os sócios (todos irmãos, um deles repudiado à herança do pai, em favor das suas duas filhas) em contitularidade, e constando do aviso da convocatória um ponto único com a formulação “destituição da actual gerência por demissão e/ou destituição e eleição de nova gerência para o biénio de 2015/2016”, os dois seriam putativamente destituíveis, sem que se soubesse que imputações lhes eram dirigidas para acautelarem a sua defesa.

           A actuação de boa fé, princípio geral do Direito, a salvaguarda do princípio da proibição da indefesa, vigente também no domínio societário, uma actuação leal, transparente e equitativa expressa na obrigação de informação devida aos sócios, sejam ou não gerentes, não se compagina com o laconismo e a opacidade da ordem de trabalhos que, de modo algum, assegura, sequer literalmente, um real e prévio direito de informação com vista à defesa.

           A indicação dos fundamentos da exclusão são mínimos de informação habilitantes da defesa e contestação das imputações.

O nº8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais, impõe que o aviso convocatório “deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada”.

 Se em alguns casos se pode conceber que a simples menção do assunto a deliberar pode conter informação suficiente, nos casos de destituição de sócio ou gerente de uma sociedade de quotas, a omissão de indicação, mínima que seja, dos fundamentos da destituição, viola o direito do sócio a defender-se impondo um injusto status de indefesa, sobretudo, se numa perspectiva de boa-fé, se não puder afirmar que, pelas vicissitudes da actuação de um certo sócio na vida da sociedade, a destituição aparece como uma surpresa com que não se contava.

De acordo com o disposto no artº 21º, nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais: “Todo o sócio de qualquer sociedade comercial tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato.”

O artº 214º do Código das Sociedades Comerciais, nos seus nºs 1 e 7 - Direito dos sócios à informação – estatui:

“1 - Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.

 2 – (…).

7 - À prestação de informações em assembleia geral é aplicável o disposto no artigo 290.º” 

No “Código das Sociedades Comerciais em Comentário” – vol. III- IDET, pág. 294 – sobre o direito geral à informação, pode ler-se:

 “De acordo com a al. c) do nº1 do art. 21º, todos os sócios têm direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato de sociedade. Tal como no art. 181º do Código das Sociedades Comerciais, também no art. 214º pode ler-se que os sócios das sociedades por quotas têm um direito à informação, que se subdivide num direito a obter informações sobre a gestão da sociedade (inclusivamente por escrito, quando solicitado), num direito de consulta da escrituração, livros e documentos e num direito de inspecção dos bens sociais (cfr. nºs 1 e 5 do art. 214º do Código das Sociedades Comerciais).

 Estes direitos devem permitir ao sócio conhecer a vida da sociedade, designadamente quanto ao património da mesma e respectiva administração, ficando assim melhor posicionado para decidir (por exemplo, quanto à sua permanência na sociedade ou quanto ao sentido do seu voto relativamente a um vasto conjunto de matérias – cfr., em especial, o art. 146º) – ainda que decida nada decidir.

Mais adiante, pág. 296:

[…] Mesmo o sócio gerente tem o direito à informação, ao contrário do que resultava do nº1 do art. 235º do Projecto de Código das Sociedades Comerciais. O art. 214º, 1, é explícito: o direito à informação ali regulado cabe a “qualquer sócio”. Pelo facto de ser gerente não deixa de ser sócio. Nada justifica que o gerente sócio sofra, por ser gerente, uma compressão do seu direito à informação enquanto sócio. Nem se diga que, enquanto gerente, sempre teria a possibilidade de aceder à informação através da investidura no cargo.”

Na pág. 301, sobre a epígrafe - Informações em assembleia geral e fora de assembleia geral:

No nº7 do art. 214º do Código das Sociedades Comerciais acrescenta-se ainda que o direito à prestação de informações em assembleia geral está sujeito ao disposto no art 290º do Código das Sociedades Comerciais. Assim, torna-se possível distinguir entre um direito à prestação de informações em assembleia geral e um direito à prestação de informações fora da assembleia. Além disso, não se deve confundir o direito à prestação de informações em assembleia e o direito à prestação de informações preparatórias da assembleia (que será um direito à prestação de informações fora da assembleia). A estas últimas faz-se expressa referência, quanto às sociedades por quotas, no nº2, in fine, do art. 214º do Código das Sociedades Comerciais.

As informações preparatórias da assembleia geral encontram-se, desde logo, na própria convocatória. Esta deve respeitar o disposto no art. 377º, 8, uma vez que as menções aí exigidas são consideradas “elementos mínimos de informação” pelo art. 58º, 4,b). Para além disso, há também documentos que devem ser facultados à consulta dos sócios, como se vê, por exemplo, pela leitura do art. 263º- 1.” destaque e sublinhado nosso. 

O artº 290º do Código das Sociedades Comerciais - Informações em assembleia geral- preceitua:

“1 - Na assembleia geral o accionista pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação. O dever de informação abrange as relações entre a sociedade e outras sociedades com ela coligadas.

2 - As informações abrangidas pelo número anterior devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado e só podem ser recusadas se a sua prestação puder ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra sociedade com ela coligada ou violação de segredo imposto por lei.

 3 - A recusa injustificada das informações é causa de anulabilidade da deliberação.” 

O artº 22º – Deliberações anuláveis:

“As deliberações de qualquer órgão contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja em virtude de irregularidades havidas na convocação ou no funcionamento do órgão, são anuláveis, se não forem nulas, nos termos do artigo anterior.”

Sobre deliberações anuláveis, estipula o artº 58º do Código das Sociedades Comerciais.

“1 - São anuláveis as deliberações que:

 a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;

b) (…);

c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.

 2 – (…)

3 – (…)

 4 - Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:

 a) As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;

b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.”   

Sendo a convocatória para a assembleia geral da Ré totalmente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações aos gerentes conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido, de modo inquestionável, um vício procedimental que torna a deliberação anulável.

           Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2009, pág. 228-229 – afirma:

                “O direito à informação integra o núcleo do status de sócio - 21.°/1, c) – o qual é concretizado diversamente, quanto aos vários tipos societários: 181.° (SNC), 214.° a 216.° (SPQ) […].

               Elementos mínimos são requeridos, independentemente do inquérito judicial ou de outras sanções, para a validade das deliberações sociais: sem informação, não há voto consciente.

                O 58.°/4 prevê, como mínimos:

              (a) as menções exigidas pelo 377.°/8, relativo à convocação nas SA, aplicável às SPQ, pelo 248.°/1; (b) a colocação de documentos para exame dos sócios, no local e data fixados legal ou estatutariamente. O 58.°/4 não é taxativo. Temos elementos mínimos nos: 94.° (convocatória para redução do capital) e 100.°/4 (idem, para fusão). Quanto à colocação de documentos: 263.° (relatório de gestão e documentos de prestação de contas nas SPQ) e 289.° (SA).”  

           A livre destituibilidade dos gerentes, nos termos do art. 257º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, sem sequer ser necessário ser invocada justa causa, carece de ser deliberada pelos sócios em assembleia-geral regularmente convocada para que possa ser fornecido, a quem delibera, o direito de votar ou não votar, informadamente, a deliberação.        Salvo o devido respeito, não se nos afigura que a sociedade possa tomar tal medida em violação dos deveres de informação de assembleia geral destitutiva irregularmente convocada.

            Finalmente, quanto à condenação em custas.

            No Acórdão recorrido, a Ré foi condenada em custas. No douto voto de vencido, a propósito, afirmou-se – fls. 227 – “A ser mantida a decisão de anulação, julgo que a decisão sobre custas deveria ser reformada tendo em consideração o decaimento verificado nos restantes pedidos formulados que, mesmo sendo dependentes do pedido principal, excedem esse pedido.”

           Os AA. formularam vários pedidos. A pretensão essencial da acção visava a declaração de invalidade da deliberação social, ainda que tivessem sido invocados vários fundamentos, a que os demandantes fizeram corresponder vários pedidos. A procedência da acção, como de resto é comum, assentou apenas num deles, não em todos que, ademais, não tinham entre si patente autonomia.

            A condenação em custas recai, em regra, sobre a parte vencida na acção ou no recurso, e na proporção em que o for – art. 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

           Ora o facto de terem sido formulados vários pedidos, que não careceram de ser apreciados, porque a solução dada a um deles foi determinante da procedência da acção não implica sucumbência.

             A parte – no caso os AA. – não deixaram de ser vencedores e logrado a condenação da Ré no pedido, mesmo não tendo o Tribunal decretado a condenação assente em todos os pedidos. Releva, e esse é o critério legal, que as custas são suportadas pela parte vencida, na acção ou no recurso, na proporção em que o for, não estando aqui em causa o critério residual que estabelece que, não havendo vencimento, deve ser condenado “quem do processo tirou proveito” – (parte final do nº1 do art. 527º do Código de Processo Civil).

            Pelo quanto se disse o Acórdão recorrido não merece censura.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

              

            Decisão:

            Nega-se a revista.

            Custas pela Ré/recorrente.

                                              

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de janeiro de 2019

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1] Relator- Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida