Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3353
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: NOVAÇÃO
NATUREZA
EFEITOS
Nº do Documento: SJ200903310033536
Data do Acordão: 03/31/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – A novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.

II – Essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contracção de uma nova obrigação.

III – A obrigação só é nova quando haja uma alteração substancial dos seus elementos constitutivos.

IV- Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas algum ou alguns dos seus elementos acessórios, não há novação, mas simples modificação ou alteração da obrigação.

V– A vontade de contrair a nova obrigação deve ser expressamente manifestada.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo tribunal de Justiça:


AA- Comércio de Camiões, L.da, instaurou os presentes embargos de executado contra o Banco Mello, S.A. ( actualmente Banco Comercial Português, S.A., derivado de fusão por incorporação), por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que este moveu contra aquela e outros, pedindo que os embargos sejam julgados procedentes e que a execução contra si intentada seja julgada extinta.
A embargante alegou, em resumo :
A livrança dada à execução foi entregue ao Banco embargado em branco e o crédito concedido à BB L.da (subscritora da livrança) refere-se a um contrato a que chamou de “concentração de responsabilidades”.
Tal contrato visava concentrar num único contrato os financiamentos que concedera à dita BB, L.da, sendo um em que a embargante era fiadora e avalista e outro, celebrado em 24-11-94, em que não o era, pretendendo o embargado que a embargante interviesse nesse novo contrato de “concentração de responsabilidades“, o que a embargante recusou.
Nessa situação, o embargado poderia ter mantido tudo como estava, ou contratar como se propunha, mas sem a intervenção da , tendo o mesmo embargado optado pela segunda via, tendo obtido a assinatura de tal contrato por parte da BB e de outros avalistas que não a embargante .
Assim, extinguiram-se, por caducidade ou revogação, as responsabilidades da embargante, o que decorre de ter passado a haver uma única conta (quando antes havia duas referentes a dois contratos), de, a partir daí, ter sido sempre numa única conta que os movimentos a débito e a crédito foram lançados, o mesmo sucedendo aos juros, e ainda da embargante não ter querido intervir no novo contrato.
Conclui pelo preenchimento abusivo da livrança em causa e afirma que a BB já pagou à embargada mais do que os 55.000.000$00, ora exigidos.

O Banco embargado contestou, dizendo:
O BCP resultou de fusão, por incorporação do Banco Mello, S.A., sendo por isso, sucessor do exequente.
A movimentação contabilística passou a ser feita apenas numa conta, mas a concentração de responsabilidades não se consumou, por não ter sido aceite pelos destinatários.
A BB beneficiava de um crédito até 80.000.000$00, concedido pela UBP, S.A., avalizado pela embargante e beneficiava ainda de um outro crédito até 100.000.000$00, alargado para 130.000.000$00, concedido pelo Banco Mello, S.A.
A dívida da BB, quanto ao contrato garantido pela embargante era de 65.000.000$00 .
A proposta de concentração de responsabilidades tinha apenas o objectivo de passar a haver uma única conta, devido à alteração da denominação da UBP, mas os dois contratos continuaram a vigorar em separado, embora sujeitos às mesmas condições de taxas de juro, a idênticos períodos de contagem e pagamentos de juros.
A BB aceitara redução do crédito garantido pela embargante de 80.000.000$00 para 50.000.000$00, e, apesar de ter feitos pagamentos, o embargado imputou-os ao outro crédito, menos garantido e de que não era garante a embargante.
A embargante faz confusão pela reunião numa conta dos movimentos quanto a ambos os contratos .
O Banco embargado comunicou à BB a rescisão do contrato de abertura de crédito e interpelou-a para pagar a quantia de 55.000.000$00, tendo feito a mesma interpelação à embargante.
*
Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e ordenou a prossecução da execução contra a embargante.
*
Apelou a embargante, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 30-10-07, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida.
*
Continuando inconformada, a embargante pede revista, onde resumidamente conclui:
1- O escrito datado de 17-2-97, denominado “contrato de concentração de responsabilidades”, conjugado com os factos constantes da alínea G) da especificação e as respostas dadas aos quesitos 3º, 4º e 5º traduz um novo contrato celebrado entre a recorrente e a BB.
2 – Contrato que a recorrente não subscreveu porque não quis.
3 – Embora anteriormente a recorrente não tenha tomado esta posição, a verdade é que, face aos factos provados, afigura-se agora que se tratou de uma novação.
4 – O contrato de concentração de responsabilidades de 17-12-97 substituiu os dois anteriores contratos de abertura de crédito em conta corrente, fundindo numa só as obrigações até então existentes.
5 – A partir dessa data, passou a existir uma única conta de empréstimo com o limite de 185.000.000$00, a vencer juros a uma taxa única e uma única conta de depósito à ordem para efeito do pagamento de juros e amortizações, em vez das duas até então existentes.
6 – Foram alterados elementos essenciais de cada um dos anteriores contratos: os já referidos e ainda o montante limite do crédito e a taxa de juros aplicável .
7 – Mediante o novo contrato, foi contraída uma nova obrigação em substituição das duas obrigações anteriores, o que patenteia uma novação.
8 – A vontade das partes contratantes foi manifestamente a de proceder a uma novação.
9 – Mesmo que se entendesse que o novo contrato só tinha extinto uma das dívidas anteriores, esta sempre seria a celebrada com a União de Bancos Portugueses, S.A., em 27-11-92, que é a de montante inferior e a mais antiga, por aplicação analógica do art. 784, nº1, do C.C.
10 – Considera violados os arts 236, nº1, 237, 238, nº1, 406, nºs 1 e 2 , 651, 784, nº1, 857 e 861, nº1 e 2, todos do C.C.
*
O recorrido contra-alegou em defesa do julgado.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.

*
A Relação considerou provados os factos seguintes :

1- A livrança que serve de base à execução foi entregue em branco ao exequente (A).

2 – Foi a embargada que preencheu a livrança, nomeadamente apondo-lhe o montante , a data do vencimento e ainda a referência “reportado ao saldo da conta corrente caucionada “(B).

3 – O crédito concedido à BB, L.da, subscritora da livrança, consta do contrato celebrado em 27-11-92 e de uma adenda de 27-5-94( C) .

4 – Por escritura lavrada em 28-5-95, , nº 5º Cartório Notarial de Lisboa, de fls 64 a 65 verso, do Livro 112-0, a União de Bancos Portugueses, S.A., alterou a denominação social de Banco Mello Comercial, S.A., posteriormente alterada para Banco Mello, S.A., por escritura lavrada a fls 28, do Livro 136-L, do 20ª Cartório Notarial de Lisboa (D) .

5 – O Banco Mello, S.A., propôs à BB, L.da, a celebração de novo contrato a que chamou de “concentração de responsabilidades “, que tinha em vista concentrar num novo contrato, dois financiamentos que concedera à BB: aquele em que era fiadora e avalista a embargante e um outro que constava do contrato celebrado em 24-11-94, no qual a embargante não tinha intervenção (E).

6 – A embargante recusou-se a celebrar o referido contrato de concentração de responsabilidades (F).

7 – A partir de Fevereiro de 1997, a movimentação contabilística passou a processar-se através de uma única conta ( G).

8 – A BB, L.da, beneficiava de um crédito aberto até ao limite de 80.000.000$00, concedido pela União de Bancos, Portugueses, S.A., mediante contrato celebrado em 27-11-92, alterado pela adenda de 29-6-95, cujo prazo terminava em 29-6-2000, a qual se mostra assinada pela embargante na qualidade de avalista e de um crédito aberto, concedido pelo Banco Mello, S.A., por contrato de 24-11-94, até ao limite de 100.000.000$00, posteriormente elevado até 130.000.000$00, por acordo de 11-12-95 ( H).

9 – Para caução do crédito concedido pelo primeiro contrato (80.000.000$00), foi entregue ao Banco a livrança dada à execução de que os presentes autos são apenso, acompanhada da respectiva autorização de preenchimento até ao limite de 55.000.000$00 (I).

10 –A BB, L.da, assinou a proposta do mencionado “contrato de concentração de responsabilidades” datado de 17 de Fevereiro de 1997, após a selagem do mesmo acordo, tendo ainda tal acordo sido assinado por CC e mulher, DD na qualidade de avalistas ( resp. ques. 1º).

11 – A embargante não tem cópia do mesmo acordo de concentração de responsabilidades, assinado pelo Banco ( resp. ques.2º) .

12 – A partir de Fevereiro de 1997, o Banco Mello, S.A., passou a fazer constar as responsabilidades decorrentes dos acordos referidos em 8 apenas numa única conta, sendo que o crédito que a embargante avalizara havia sido reduzido para 50.000.000$00 em 1994 ( resp. ques. 3º)

13 – A partir de Fevereiro de 1997, o embargado ou então o Banco Mello, s.A., passou a levar a crédito numa conta, referida em 12, todos os movimentos feitos pela BB, L.da, a crédito e a débito, bem como a lançar na mesma conta todos os juros devidos, aplicando quanto a tais juros, a taxa de juro decorrente do mencionado acordo de concentração de responsabilidades constante de fls 98 a 102 dos autos, que, no mais, se dá por reproduzido ( resp. ques. 4º e 5º) .

14 – Face à existência de uma única conta e lançamentos a débito e a crédito na mesma conta, à taxa de juro decorrente do acordo de fls 98 a 102 dos autos, a embargante tinha e tem a convicção de que tal acordo estava em vigor e que os anteriores deixaram de produzir efeitos ( resp. ques.6º).

*
No contrato de concentração de responsabilidades de fls 98 a 102, celebrado entre a Banco Mello, S.A., e BB, L.da, consta, além do mais, o seguinte :

Considerando
“1-Que entre a então denominada União de Bancos Portugueses, S.A. como 1º contraente, e a beneficiária BB, L.da, foi celebrado um contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente, cujo limite actual é de cinquenta e cinco mil contos, nos termos do contrato celebrado em 27-11-92 e sua adenda de 27-5-94;
2- Que entre o então denominado Banco Mello, S.A., também como 1º contraente, foi celebrado um contrato de abertura de crédito com a BB, L.da, sob a forma de conta corrente, cujo limite actual é de 130.000 contos, nos termos do contrato referido e celebrado em 24-11-94 e sua adenda de 23-7-96;
3 – Que é de interesse comum concentrar em um único contrato ambos os financiamentos supra referidos;
4 – Que apenas por questões de ordem administrativa, o 1º contraente também decidiu entretanto modificar o clausulado do seu crédito em conta corrente, de modo a obter a uniformização dos modelos utilizados, sem que tal se traduza na novação das responsabilidades emergentes dos contratos supra referidos;

Decidem ambos os contraentes que aquele financiamento fique a reger-se pelo novo clausulado, constante das cláusulas seguintes :
Cláusula primeira
A abertura de crédito em curso tem como limite o montante de 185.000.000$00 e será movimentada sob a forma de conta corrente dentro do referido limite e para a finalidade referida na cláusula segunda do presente contrato .
Cláusula segunda
A utilização do crédito ora concedido destina-se a apoio de tesouraria.

(…)
Cláusula nona
As responsabilidades emergentes ou derivadas do presente contrato encontram-se garantidas por duas livranças subscritas pela beneficiária BB., L.da, sendo uma delas avalizada pelos sócios (…) e por Comércio de Camiões, L.da ( ora embargante ), já em posse do Banco e aptas a cobrir o montante da dívida e eventuais encargos, num total de 120% do valor do crédito ora concedido .
… “
*
A questão a decidir consiste apenas em saber se o denominado “contrato de concentração de responsabilidades” de 17-2-97 configura uma novação objectiva, traduzindo a celebração de um novo contrato, através do qual foi contraída uma nova obrigação em substituição das duas obrigações anteriores, fundindo numa só as obrigações até então existentes.

*
A Relação, no seguimento do decidido na 1ª instância, considerou que não houve novação, por não poder concluir-se que as partes contratantes tivessem querido extinguir o que antes contrataram, não havendo expressa intenção de novação, mas apenas a alteração de alguns elementos acessórios dos acordos iniciais, não tendo sido posto em causa o valor do empréstimo, nem havendo qualquer confusão entre o montante garantido pela recorrente e o empréstimo garantido por outros.
E com razão.
Com efeito, dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga – art. 857 do C.C.
A novação consiste “na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela”(Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed, pág. 229).
Essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contracção de uma nova obrigação.
Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos seus elementos, não há novação, mas simples modificação ou alteração da obrigação.
Como observa Antunes Varela ( Obra citada, pág. 231), é evidente que a fixação da vontade das partes a esse respeito reveste o maior interesse, “pois a substituição da obrigação pressupõe, em regra, a eliminação das garantias e dos acessórios da dívida extinta, ao passo que na simples modificação da obrigação se mantêm todos os elementos que não foram alterados.
Se a alteração resultante da convenção das partes se reflecte apenas em elementos acessórios da relação creditória (prorrogação, encurtamento, aditamento ou supressão dum prazo; mudança do lugar de cumprimento, estipulação, modificação ou supressão de juros, agravamento ou atenuação da cláusula penal, etc), nenhumas dúvidas se levantarão, em regra, acerca da persistência da obrigação e da manutenção dos seus elementos não alterados. Quando, pelo contrário, a alteração convencionada atinja os elementos essenciais da relação obrigacional ( o objecto, a causa, os sujeitos), o seu sentido pode já ser radicalmente distinto”.
Assim sendo, deve ter-se por adquirido, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 149) que, “para que haja novação, objectiva ou subjectiva, é necessário que uma obrigação nova venha substituir a antiga; e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos. Não basta, por isso, que se altere, por exemplo, a data do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa de juro, se majore ou reduza o preço, ou se dê por finda uma garantia, etc. É preciso que seja outra a obrigação e não seja apenas modificada ou alterada a obrigação existente”.
A vontade de contrair a nova obrigação, em substituição da antiga, deve ser expressamente manifestada – art. 859 do C.C.
Não havendo, portanto, declaração expressa de que se pretende novar (animus novandi), a obrigação primitiva não se extingue, sendo apenas modificado ou transmitido o crédito ou a dívida para terceiro.
É expressa a declaração quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade, nos termos do art. 217, nº1, do C.C.
Pois bem .
Resulta dos factos provados que o Banco embargado propôs à BB, L.da, a celebração de um acordo, denominado de “concentração de responsabilidades”, que reuniria num só contrato dois financiamentos concedidos àquela e garantidos por entidades distintas, sendo que apenas num caso a embargante , L.da, era garante de tais responsabilidades, avalizando uma livrança.
Tal contrato de concentração de responsabilidades veio a ser assinado pela BB, mas a embargante recusou-se a subscrevê-lo.
O mesmo acordo foi posto em prática pelo Banco embargado, ao concentrar numa única conta todos os movimentos a crédito e a débito da BB, L.da, e à taxa de juro decorrente do mencionado contrato de concentração de responsabilidades.
Tais procedimentos configuram uma concentração de meios contabilísticos e operacionais a nível bancário, por meras razões de ordem administrativa, mas não uma novação, com extinção da garantia prestada pela embargante numa das obrigações, pois não foi posto em causa o valor do empréstimo, nem a garantia dada pela recorrente, não havendo confusão entre o montante garantido por esta e o outro financiamento garantido por terceiros.
De resto, no referido acordo de concentração de responsabilidades, as respectivas partes contratantes expressamente declararam que o mesmo acordo ou a sua consubstanciação numa única conta não se traduzia na novação das responsabilidades emergentes dos contratos de concessão de crédito celebrados com a BB, L.da .
Não havendo expressa intenção de novação, mas apenas alteração de elementos acessórios dos referidos acordos (designadamente quanto à taxa de juros, que passou a ser diferente da que era aplicada aos contratos iniciais e em relação aos quais já vimos que a recorrente era garante de apenas um deles), não pode falar-se em novação, nem afirmar-se que a obrigação que a embargante garantira através do aval da livrança exequenda se tenha extinto com a celebração daquele acordo de concentração de responsabilidades.
Com o aludido contrato de concentração de responsabilidades, não estamos em presença de uma obrigação nova que tenha vindo substituir as antigas, pois não houve uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos.
Do que se tratou foi apenas de uma modificação ou alteração das obrigações existentes, que se reflectiu apenas em elementos acessórios da relação creditória.

Termos em que, na improcedência das conclusões do recurso, negam a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Março de 2009

Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira