Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2856/17.9T8AGD.P1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: AÇÃO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
FACTO NEGATIVO
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO IMPEDITIVO
ÓNUS DA PROVA
REQUISITOS
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULAR O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO E ORDENAR A BAIXO DO PROCESSO
Sumário :
I. - Numa acção de preferência, baseada na confinância, são factos constitutivos da excepção positivada no art. 1381 a) CC, a cargo dos demandados, a alegação e prova de que o prédio alienado ( objecto da preferência) se destina a um fim que não a cultura, e, alegando-se o destino para a construção, que esse destino seja legalmente possível.

II. - que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas a comprovação das possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função dos planos e da Lei.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO


1.1. A Autora – Herança Ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA- representada por BB, e, por sua morte, os habilitados CC e DD – instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus:

(1º) EE e mulher FF

(2º) GG e mulher HH.

Alegou, em resumo:

Da herança fazia parte um prédio rústico sito em ... - ..., com a área de 41.650 m2, então inscrito na matriz predial rústica da união de freguesias ... e ... sob o artigo ...20, que correspondia ao artigo ...48 da extinta freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... sob o n° ...25/....

Há cerca de três ano acedeu em que aquele prédio fosse atravessado por dois caminhos públicos, tendo para esse efeito cedido para o domínio público a área necessária (2.466 m2 + 643 m2).

A abertura daqueles caminhos públicos provocou a divisão daquele prédio em três parcelas autónomas ou novos prédios completamente distintos, separados pelos ditos caminhos públicos, com a seguinte composição:

a) parcela ou prédio n° 1 - terreno a mato, com a área de 17.624 m2, já descrito autonomamente na CRP ... sob o n° ...33/freguesia ...;

b) parcela ou prédio n° 2 - terreno a mato, com a área de 3.357 m2, já descrito autonomamente na CRP sob o n° ...34/freguesia ...;

c) parcela ou prédio n° 3 - terreno a mato, com a área de 10.879 m2, e que ficou descrito autonomamente na CRP ... sob a anterior ficha n° ...25 /freguesia ..., após a retificação das suas áreas e confrontações, após a cedência para o domínio público das áreas ocupadas pelos dois caminhos públicos e a desanexação dele das duas parcelas dos prédios anteriores.

Na mesma data cedeu à Junta da União de Freguesias ... e ..., para ampliação dum espaço verde/parque por ela criado, a parcela de terreno ou novo prédio que ficou entre os dois caminhos públicos que atravessaram o outrora prédio único e que corresponde à parcela ou prédio n° 2, descrito na CRP ... sob o n° ...34/freguesia ....

Por contrato de compra e venda, outorgado em 26/5/2017, o 2º Réu, GG, comprou aos 1º Réus, pelo preço de € 8.000,00, o seguinte prédio:

Terreno de cultura e pinhal com a área de 2860 m2, que confronta, a norte, com II, do sul, com JJ, do nascente, com carreiro, e, do poente, com Instalações Fabris “...”, descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...18, como prédio rústico sito em ... – ... da União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo ...01, corresponde actualmente ao artigo ...28 da freguesia ..., por motivo de renumeração resultante da criação da freguesia ....

Pertence à Autora o prédio nº1), com a área de 17.624 m2, descrito na CRP ... sob o n° ...33, que confronta, em parte da sua estrema norte e em parte da sua estrema poente com o terreno vendido pelos 1ºs Réus ao 2º Réu.

Esta compra e venda não foi previamente dada a conhecer à A., não tendo também sido dada a respetiva preferência.

Pediu cumulativamente:

1. Que os Réus sejam condenados a reconhecer:

a) o direito de propriedade plena da Herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe dos AA., AA, representada pelos AA., sobre o prédio rústico devidamente identificado no artigo 20.° e n° 1 do artigo 11.° da petição inicial, ainda omisso na matriz, mas requerida a sua inscrição a 21/07/2017, mas já descrito como prédio autónomo na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ...33/freguesia ..., que, por efeitos do atravessamento do prédio único de que fazia parte por dois caminhos públicos, cuja área necessária para os seus leitos foi cedida pelos AA., na indicada qualidade, para o domínio público, foi dele desanexado e passou a constituir um prédio completamente distinto e autónomo das restantes parcelas do dito prédio único;

b) que o acabado de identificar prédio distinto e autónomo da Herança indivisa representada pelos AA., tal como já anteriormente acontecia com o até então prédio único de que, por força do seu atravessamento por caminhos municipais, foi desanexado, confina parcialmente pelo norte e parcialmente pelo poente com o prédio identificado no artigo 21.° da petição inicial, sendo tais prédios confinantes entre si e sendo ambos afetos e aptos para o mesmo tipo de cultura e sendo idêntica a natureza e composição dos seus solos;

c) o direito de preferência da Herança indivisa aberta por óbito da mãe dos AA. AA, representada pelos AA., na compra e venda mencionada nos artigos 28.° e 29.° da petição inicial, efetuada entre os primeiros RR. e o segundo Réu marido através do documento aí mencionado, do prédio devidamente identificado no artigo 21.°da petição inicial, e a, por via desta ação, verem a Herança, representada pelos AA., a haver para si o dito prédio, por força da preferência, mediante o depósito do preço, IMT, IS, e demais despesas da compra, no total de € 8.929,00, servindo a sentença de título aquisitivo  da propriedade do prédio em causa.

2 - Ser a Herança ainda indivisa aberta por óbito da mãe dos AA. AA, representada pelos AA., colocada pela sentença na posição de compradora do prédio em causa, em substituição dos RR. compradores (os segundos RR.), ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor destes acima referido e o registo da sua aquisição a favor da Herança preferente por força do exercício do direito de preferência efetuado através da presente acção.


1.2. Os Réus contestaram, defendendo-se por excepção e impugnação.

Os 1ºs Réus alegaram, em resumo, que não havia qualquer obrigação de notificar a A. ou os herdeiros por o prédio ter a área de 41.650 m2; por outro lado, o terreno vendido, pese embora se encontrar inscrito no Serviço de Finanças como rústico, era e é destinado à construção para o que tem aptidão, encontrando-se em Zona Urbanizável – Residencial. O prédio foi vendido por €40 000,00, o que era do conhecimento da A.; sendo que a representante AA entregou ao KK, em 2012, uma declaração em como não estava interessada na compra do dito prédio.

Os 2.°s. RR. alegaram em resumo:

O prédio da A. é delimitado, a poente, por um carreiro, não confrontando com o seu prédio. O muro baixo, encimado por uma rede apoiada por pilares de cimento já foi construído deixando um afastamento de cerca de 8 metros até ao efetivo limite do prédio, porque desde sempre existiu a intenção de construir uma habitação no terreno, tendo-se deixado de fora a parcela de terreno que seria utilizada para construir a dita estrada de acesso à habitação pela parte de cima do terreno.

Em Julho de 2018 a A. construiu um muro que impede o acesso dos 2.°s RR. ao seu terreno pela parte superior.

A intenção dos 2.°s RR., quando compraram o prédio, foi destiná-lo à construção de uma moradia para sua habitação própria e permanente, tendo-se certificado de que o mesmo é apto para construção; este prédio nunca esteve afeto à exploração agrícola, integrando originariamente o prédio urbano onde se encontram as instalações fabris da ...; o preço que se fez constar do documento particular autenticado que titula a compra e venda do prédio não corresponde ao valor real efetivamente pago pelos 2.°s RR. aos 1 .°s RR. que foi de €40 000,00; à data da celebração do negócio o único prédio rústico propriedade dos AA. que confrontava com o prédio objeto da preferência tinha a área de 41.650 m2.

Em reconvenção pediram, a título principal:

a) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno que se situa entre o carreiro que delimita a nascente e o murete construído mais abaixo (a poente do referido carreiro) o prédio rústico em causa nestes autos, dele fazendo parte integrante;

b) a condenação dos AA. a demolirem o muro, recentemente construído. A título subsidiário, o depósito dos €40 000,00 do preço por que o prédio foi realmente comprado por eles e acréscimos sob pena de perda do direito de preferência.

Caso seja procedente o pedido formulado pela A. em 1, c), pedem a condenação da A. a depositar o montante de €40.000,00, acrescido dos correspondentes valores devidos a título de IMT, IS, e demais despesas decorrentes da compra e venda.

Pedem, ainda, a condenação dos representantes da A. como litigantes de má fé.


1.3. A Autora replicou, mantendo a versão já apresentada na petição inicial, contestou o pedido reconvencional, requerendo também a condenação dos 2.°s RR. como litigantes de má fé.


1.4. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

Julgar procedente a exceção peremptória da segunda parte da alínea a) do art.1381 CC, julgar a ação improcedente e absolver os RR. dos respetivos pedidos;

Julgar improcedente a reconvenção, absolvendo a A. dos respetivos pedidos.


1.5. - A Autora recorreu de apelação e a Relação decidiu:

“Acorda-se, em face do exposto, em julgar improcedente a apelação da A., a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA - não se conhecendo, por isso, do recurso subordinado - confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente”.

1.6. A Autora interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, com base no art.672, alíneas a) e c) do CPC, com as seguintes conclusões:

1. O Acórdão recorrido decidiu, no caso sub-judice, em relação ao exercício pelos AA do direito de preferência previsto no artigo 1.380° do Código Civil que se verificava a excepção peremptória prevista na 2ª parte da alínea a) do artigo 1.381° do mesmo Código Civil, por o prédio objecto da preferência ter sido adquirido pelos RR compradores para nele construir uma moradia para habitação e ser legalmente viável dar ao dito prédio esse destino, isto é, ser legalmente viável a construção nele da habitação projectada pelos RR compradores.

2. Todavia, considerou verificado o requisito da viabilidade legal da construção no prédio em causa duma moradia, sem a existência de qualquer decisão administrativa que a demonstrasse, e apenas com base:- na informação/parecer técnico emitido em 22/2/2018, já na pendência da acção, pelos serviços da Câmara Municipal ..., ao abrigo do disposto na ai. a) do n° 1 do artigo 110° do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação), na qual se refere que, segundo localização dada pelo requerente, o instrumento de gestão territorial em vigor para a zona é o PDM ..., e que segundo este o prédio se insere no perímetro urbano da cidade em solo urbano, urbanizado, espaço residencial tipo 1, informação essa junta aos autos pelos RR compradores em 05/05/2018; - em ter considerado provado que, não obstante estar provado que o prédio objecto da preferência não confrontava com qualquer arruamento, o mesmo tinha acesso por dois acessos - meras servidões -que atravessavam as instalações da ..., um deles o caminho de servidão mencionado nos itens 13 a 15 da acta da audiência de julgamento com inspecção judicial ao local de 12 de Junho de 2019, pelas 9h e 30m, que serviam também duas moradias que haviam sido construídas em duas parcelas resultantes da divisão da Quinta da ..., que confrontava com aquelas instalações.

3. A apreciação da questão da verificação ou não, em casos como o sub-judice, da aptidão/viabilidade legal da construção no prédio objecto da preferência que constitui o segundo do requisitos para preenchimento da excepção ao exercício do direito de preferência prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1.381 do Código Civil é claramente de grande relevância e até indispensável para uma melhor aplicação do direito na parte que se refere a uma tal excepção, sendo tal questão a de saber se para que se possa considerar um prédio rústico/terreno como tendo legalmente aptidão/viabilidade construtiva impeditiva do exercício do direito de preferência previsto no art. 1.380° do Código Civil é: i). suficiente e bastante a demonstração da sua inserção, de harmonia com o PDM do concelho respectivo, numa zona situada dentro do perímetro urbano duma cidade-solo urbano, na categoria de solo urbanizado, espaço residencial tipo 1-, constante de informação prestada nos termos do disposto na al. a) do n° 1 do artigo 110° do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), independentemente das concretas  localização, configuração, características e das concretas infraestruturas de que disponha ou seja servido um tal prédio, designadamente mesmo que não confine com qualquer arruamento nem seja marginado por qualquer via pública, ou ii) se não obstante a sua inserção, de harmonia com o PDM concelhio, em zona integrada no perímetro urbano da cidade , em solo urbano, categoria de solo urbanizado-espaço residencial tipo 1, para se considerar a aptidão/viabilidade legal construtiva dum tal prédio para efeitos daquela disposição legal será necessária a existência duma decisão administrativa que admita ou conceda, nos termos do RJUE ( Regime Jurídico da Urbanização e Edificação),designadamente tendo em conta o disposto nos seus artigos 4o, n°s 1 e 2, alínea c), nos seus artigos 14° e segs, e no seu artigo 24°, e seu n° 5, essa aptidão/viabilidade legal construtiva ao concreto prédio em causa com as concretas localização, configuração, características e infraestruturas de que o mesmo dispõe.

 4) É que a considerar-se ser esta última a posição mais correcta a ter em conta na aplicação da excepção prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil, jamais o prédio em causa na presente acção ou outro em idênticas situações de facto ou com idênticas características poderia ou poderá ser considerado, como o foi erroneamente pelo Acórdão recorrido, ter aptidão/viabilidade legal para a construção duma moradia, por, não obstante estar inserido em zona integrante do perímetro urbano da cidade, solo urbano, solo urbanizado, espaço residencial tipo 1, confinar de todos os lados com outros prédios e não confinar por nenhum dos seus lados com qualquer arruamento público ou via pública, e por, tal como considerou provado o Acórdão recorrido para fundamentar a sua decisão, a ele se ter acesso apenas por dois acessos com portões através das instalações da ... ( meras servidões, esclareça-se, uma delas a mencionada nos itens 13 a 15 da acta da audiência de julgamento com inspecção judicial ao local de 12 de Junho de 2019, pelas 9h e 30m), o que impediria e impede legalmente, por força do disposto no n° 5 do artigo 24° do RJUE, o licenciamento de uma tal construção.

5) Não obstante estar situado, de harmonia com informação prestada na pendência da acção por serviços técnicos da Câmara Municipal ao abrigo do disposto no artigo 110°, n° I, alínea a), do RJUE ( Regime Jurídico da Urbanização e Edificação) em zona inserida no perímetro urbano da cidade ..., solo urbano, na categoria solo urbanizado, espaço residencial tipo 1, todavia não é marginado por qualquer arruamento, nem confronta com qualquer via pública (factos provados sob o n° 3, 5 e 23 e 30 da decisão sobre a matéria de facto da sentença de 1a instância, mantidos como provados pelo Acórdão recorrido), e cujo licenciamento de obras de construção, em razão disso, deve ser recusado por força do disposto nos artigos 4o, n° 2, ai. c), e no n° 5 do artigo 24° do RJUE.

6) É, por isso, indubitavelmente uma questão de grande relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito e para a segurança jurídica e que como tal foi, aliás, já considerada, embora com contornos ligeiramente diferentes, como fundamento do recurso excepcional de revista em que foi proferido o Acórdão do STJ de 17/10/2019, no processo n° 295/16.8T8VRS.E1.SI, da 6a Secção, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Raimundo Queirós.

7) É, por isso, admissível o presente recurso excepcional de revista com o fundamento de que dele resultará uma melhor e indispensável definição da aplicação do direito em matéria de verificação e prova do requisito da aptidão/viabilidade legal da construção como um dos requisitos que tem que integrar a excepção peremptória ao exercício do direito de preferência prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil, designadamente quanto à necessidade ou não duma decisão administrativa para demonstração/prova de tal requisito.

8) Uma tal definição é tanto mais necessária quanto o decidido pelo Acórdão recorrido quanto à verificação e prova do requisito da aptidão/viabilidade legal construtiva dum prédio indispensável para integrar a excepção ao exercício do direito de preferência prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil se encontra em oposição com o decidido sobre a verificação e prova de um tal requisito por outros Acórdãos do STJ e do Tribunal da Relação ... devidamente transitados em julgado e proferidos no domínio da mesma legislação (Código Civil e RJUE).

9) Não obstante se encontrar provado, pela conjugação dos factos dados como provados sob os números 3, 5, 23 e 30 da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença da 1a instância, confirmada nessa parte pelo Acórdão recorrido, e a improcedência transitada em julgado do pedido reconvencional de reivindicação deduzido pelos RR compradores, que:

- o prédio em causa confronta do norte com II, do poente com instalações da ... e do nascente e do sul com os AA;

- o mesmo se encontra do lado nascente todo vedado do prédio dos AA por um muro baixo, encimado por uma rede apoiada por pilares de cimento, e

- por isso, o mesmo não confronta, não tem frente e, por isso, não é marginado por qualquer arruamento ou via pública, o douto Acórdão recorrido considerou-o como tendo viabilidade legal para construção duma moradia com base apenas:

i. numa informação genérica prestada, já na pendência da acção, ao abrigo do artigo 110°, n° 1, alínea a), do RJUE, por um serviço da Câmara Municipal ... que informa que, de harmonia com o PDM ..., o prédio em causa se encontra inserido em zona do perímetro urbano da cidade, solo urbano, na categoria de solo urbanizado, espaço residencial tipo 1;

ii. e no depoimento de testemunhas, segundo as quais o mesmo prédio, muito embora não confronte com qualquer arruamento ou caminho público, teria acesso por dois caminhos de servidão com portões nas suas entradas que atravessavam o prédio das instalações da ... (um dos quais o mencionado nos itens 13 a 15 da acta da audiência de julgamento com inspecção judicial ao local de 12 de Junho de 2019, pelas 9h e 30m), e pelos quais teriam também acesso duas moradias construídas em dois outros lotes em que foi dividida a primitiva Quinta ..., sendo certo que relativamente a estas duas moradias, o douto Acórdão recorrido não teve sequer na devida conta e, por isso omitiu, que, como resulta abundantemente dos levantamentos topográficos elaborados pelos serviços da Câmara Municipal ... juntos aos autos - o primeiro junto como Doe. n° 6 com a p.i. e o segundo que integra a certidão junta pelos AA como Doc. n° 7 com o seu requerimento de 3/7/2019 com a Ref ...00 - e é confirmado pelas diversas fotografias aéreas do Google Earth também juntas aos autos pelos AA com este seu último requerimento, aquelas mesmas duas moradias, ao contrário do que acontece com prédio em causa nos presentes autos, têm confrontação directa pelo nascente com a Rua ....

10) E decidiu ser legalmente viável a construção duma moradia para habitação no prédio em causa sem que tenha sido apresentada pelos RR compradores qualquer decisão administrativa, designadamente um PIP (Pedido de Informação Prévia) nos termos dos artigos 14° e segs. do RJUE, no sentido da viabilidade/possibilidade legal do licenciamento da construção duma moradia para habitação naquele concreto prédio, com as infraestruturas de que dispunha, ou melhor, de que não dispunha, designadamente arruamento com que confrontasse ou tivesse frente - decisão administrativa essa que, aliás, seria legalmente impossível de ser tomada em relação ao prédio em causa nos presentes autos tendo em conta o disposto no n° 5 do artigo 24° do RJUE.

11) O Acórdão recorrido, na parte em que, sem a existência duma decisão administrativa que licenciasse, autorizasse ou deferisse um PIP para a construção nele duma moradia, decidiu que o prédio em causa, não obstante não confrontar com qualquer arruamento ou via pública, tem aptidão/viabilidade legal construtiva que constitui o segundo dos requisitos integrantes da excepção da 2a parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil, encontra-se em manifesta divergência e até oposição com o que foi decidido pelos seguintes Acórdãos, já citados pelos recorrentes nas suas alegações de recurso de apelação ,  mas  que  foram completamente ignorados no Acórdão recorrido:

1 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2004, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Ribeiro de Almeida, proferido no processo 04A844, JSTJ000, in www.dgsi.pt, de que se junta fotocópia como Doe. n° 1, que, num caso em que foi objecto de direito de preferência um terreno a pinhal, que era assumido pelo PDM concelhio como inserido em zona de construção, mas que não confrontava com qualquer caminho público, decidiu que:

“III - O adquirente tem ainda que provar que a finalidade da aquisição é lícita e viável, para o que deve haver nos autos concretização e prova bastante.", e no seu texto (pags. 6) pondera que "não é o facto de determinado terreno estar inserido no PDM em zona de construção que esse terreno, sem mais, deva ser considerado como tal. Uma das características que o terreno tem que ter é acesso, ou pelo menos, que esteja por qualquer um dos lados bordejado por caminho que determine a possibilidade de acesso. Os Réus não alegaram, nem provaram que o terreno tem as características necessárias para ser afecto à construção”

2 - Acórdão do STJ de 25/03/2010, proferido no processo n° 186/1999 PI-SI da 2a Secção de que foi Relator o Juiz Conselheiro Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt de que se junta fotocópia como Doe. n° 2, que decidiu, num caso em que um prédio rústico foi adquirido para construção que nele chegou a ser iniciada, mas cujo licenciamento foi posteriormente declarado nulo, a requerimento do Autor preferente, por decisão transitada em julgado, que:

“IX. Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art° 1381°, ai. a), 2a parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.

X. A possibilidade de afectar um terreno de cultura a finalidade diferente depende, pois, não do critério egoísta do proprietário (adquirente) não vizinho, mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território.

XI. A prova da viabilidade legal da construção é, assim, um elemento essencial para operar a excepção aque se refere o apontado facto impeditivo, a qual fica afastada no caso de o licenciamento ser ilegal”.

3 - Acórdão da Relação de Coimbra de 23/05/2017 proferido no processo 408/15.7T8LM6.G1.JTRC, de que foi Relatora a Juiz Desembargadora Silvia Pires in www.- dgsi.pt de que se junta fotocópia como Doe. n° 3, que, num caso em que os RR compradores compraram o prédio objecto da preferência para construção, mas em que se provou que nele só era possível legalmente qualquer construção unindo-o a um outro prédio, decidiu que:

“V. Para apuramento da viabilidade legal da construção que os compradores pretendem levar acabo no prédio adquirido revela-se suficiente, inexistindo razões que ponham em causa a legalidade da pronúncia administrativa, a demonstração que a entidade administrativa competente para licenciar a construção a autoriza.

VI. Não tendo os RR logrado provar que a sua intenção de construírem uma moradia unifamiliar no prédio cuja aquisição os AA pretendem preferir era legalmente admissível no momento em que foi celebrada a respectiva compra e venda, não se encontra demonstrada a causa impeditiva do direito de preferência prevista no artigo 1381, ai. a) 2a parte, do Código Civil”.

4 - Acórdão de STJ de 17/102019 proferido no processo 295/16.8T8VRS.FG1.S2, da 6aSecção, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Raimundo Queirós, in www.dgsi.pt, de que se junta fotocópia como Doe. n° 4, que, em sede de recurso excepcional de revista sobre a questão de apreciar e decidir se no caso dos autos se mostra preenchida a excepção peremptória prevista na 2a parte da al. a) do artigo 1.381° do Código Civil, num caso em que os RR compradores adquiriram o prédio objecto da preferência para nele instalarem um parque/estação de serviço para auto-caravanas, mas não lograram demonstrar que a projectada finalidade seria legalmente admissível, porque não juntaram qualquer documento passado pela Câmara Municipal de sobre o licenciamento da sua pretensão ou sequer da sua viabilidade, nomeadamente através dum PIP ( pedido de informação prévia), decidiu:

“III - Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no artigo 1381, ai. a) 2a parte, do Código Civil, opere os bens efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a intenção de dar ao prédio adquirido outra afectação ou outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei;

IV.Esta é matéria que se insere no âmbito do facto impeditivo do direito invocado pela Autora e, por esta razão, o respectivo ónus probatório recai sobre contra quem a invocação é feita, ou seja, sobre os RR compradores.

V. Não tendo demonstrado a viabilidade legal de afectação do prédio adquirido ao concreto objectivo que lhe pretendem dar, os RR compradores não lograram afastar o direito de preferência da Autora "sendo significativo que na parte final do texto deste Acórdão se pondera que "os RR compradores não juntaram qualquer documento passado pela Câmara Municipal ..... sobre o licenciamento da sua pretensão ou sequer da sua viabilidade, nomeadamente através de um pedido de informação prévio (PIP).”

12) Ora, ao invés do que decidiram aqueles doutos Acórdãos, no caso sub-judice o Acórdão recorrido, concluiu, “com a certeza necessária, pela viabilidade construtiva do prédio em causa por, além de se encontrar inserido em solo urbano, na categoria solo urbanizado espaço residencial tipo  1, no perímetro urbano da cidade, o prédio em causa ter acesso, tal como as restantes parcelas do prédio de que foi dividido, sendo que em duas delas já foram construídas habitações”, referindo-se aos dois acessos mencionados pelas testemunhas LL, MM, NN e OO, que invoca imediatamente antes, que se fazem pelo interior das instalações da ..., os quais têm portões nas suas entradas (e são meros caminhos de servidão - uma delas a mencionada nos itens 13 a 15 da acta da audiência de julgamento com inspecção judicial ao local de 12 de Junho de 2019,pelas 9h e 30m).

13). E não teve sequer em conta que, tal como resulta dos levantamentos topográficos elaborados pelos serviços da Câmara Municipal ..., o primeiro junto aos autos como Doc. n° 6 com a p.i. e o segundo que integra a certidão junta pelos AA como Doc. n° 7 com o seu requerimento de 3/7/2019 com a Ref ...00 e é confirmado pelas diversas fotografias aéreas do Google Earth também juntas aos autos pelos AA com este seu último requerimento, aquelas duas habitações, construídas em parcelas do prédio da Quinta ... que foi dividido, têm frente para a Rua ..., isto é, confrontam directamente coma Rua ..., o que não acontece manifestamente com o prédio em causa.

14) .A decisão contida no douto Acórdão recorrido está, assim, em manifesta contradição com os quatros Acórdãos acima elencados quanto à questão de direito de saber se para se considerar verificado e provado o requisito da aptidão/viabilidade legal construtiva que integra a excepção da segunda parte da alínea a) do artigo 1381° do Código Civil é ou não necessária a demonstração/prova de que a projectada construção é legalmente licenciável ou autorizada no momento da compra, com as infraestruturas de que o prédio objecto da compra e venda se encontra dotado na data desta, demonstração essa a fazer através duma decisão administrativa tomada nos termos do RJUE, designadamente o deferimento dum (PIP) pedido de informação prévia nos termos do artigo 14° e seguintes do RJUE.

15) O Acórdão recorrido e os quatro Acórdãos acima citados, todos transitados em julgado, de que se juntaram fotocópias extraídas do site www.dgsi.pt, foram proferidos no domínio da mesma legislação - Código Civil e RJUE - e decidiram de forma contraditória a mesma questão de direito acabada de enumerar: - os quatro Acórdãos citados no sentido de que a demonstração/prova de que a projectada construção é legalmente viável no momento da compra, com as infraestruturas de que o prédio objecto da compra e venda se encontra dotado na data desta, deve ser feita através duma decisão administrativa tomada nos termos do RJUE, designadamente o deferimento dum (PIP) pedido de informação prévia nos termos do artigo14° e seguintes do RJUE; - e o Acórdão recorrido no sentido de que para demonstração/prova de que a projectada construção é legalmente viável não é necessária uma tal decisão administrativa, bastando para tanto a demonstração, através duma informação técnica emitida ao abrigo do disposto na ai. a) do n° 1do artigo 110° do RJUE, de que, de harmonia com o PDM, o prédio em causa se encontra inserido noperímetro urbano da cidade, em zona de solo urbano, solo urbanizado espaço residencial tipo 1, e que, não confrontando com qualquer arruamento ou via pública, tem, todavia, acesso por dois acessos através de instalações de terceiros (...) em cujas entradas existem portões (inequivocamente meras servidões), pelo que o presente recurso excepcional de revista é assim também admissível ao abrigo do disposto na alínea c) do n°l do artigo 672° do C.P.C.

16) Todavia, ainda que se entendesse que não haveria uma completa oposição entre o Acórdão recorrido e os quatro Acórdãos fundamento supra mencionados, ou que não eram completamente idênticas ou as mesmas as questões fundamentais de direito sobre que recaíram no domínio da mesma legislação o Acórdão recorrido e os quatro Acórdãos fundamento , e que, por uma qualquer dessas razões, o presente recurso não seria admissível ao abrigo da alínea c) do n° 1 do artigo 672° do C.P.C., sempre as considerações acima contidas reforçariam ainda mais a relevância jurídica da questão que está em causa no presente recurso e cuja apreciação contribuirá decisivamente e se torna indispensável para uma melhor aplicação do direito pelo que respeita à verificação da excepção da 2a parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil, servindo, assim, sempre o que supra se expõe nas conclusões 10 a 17 pelo menos de reforço ao fundamento do recurso excepcional de revista ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 672°, n° 1, do C.P.C., que terá sempre que ser admitido por todas as razões supra expostas.

17) Decidida uma tal questão de direito no sentido decidido pelos quatro Acórdãos acima identificados de que a aptidão/ viabilidade legal de construção duma moradia no prédio objecto da preferência terá que ser demonstrada/provada por decisão administrativa que a autorize, licencie ou defira um pedido de informação prévia, tudo nos termos do RJUE, tendo em conta as infraestruturas de que o prédio dispõe na data da sua compra e venda, no caso sub-judice - em que não se provou a existência dum tal licenciamento, autorização ou PIP em relação ao prédio em causa nos presentes autos, o qual, aliás, teria que ser sempre indeferido em virtude da ausência de arruamentos ou vias públicas que o marginem, por força do disposto no artigo 24°, n° 5, do RJUE -, jamais o prédio objecto da preferência poderia ser considerado como tendo aptidão/viabilidade legal construtiva, e, consequentemente, terá que ser julgada não verificada no caso sub-judice a excepção peremptória ao exercício do direito de preferência prevista na 2a parte da alínea a) do artigo 1.381° do Código Civil e, por via disso, terá que ser revogado o Acórdão recorrido e tomar-se conhecimento do pedido de exercício do direito de preferência formulado pelos AA.


1.7. Por acórdão de 2/7/2022, a Formação decidiu admitir a revista excepcional.



II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. – Delimitação do objecto do recurso

A questão essencial submetida a revista consiste em saber, se, perante a factualidade apurada, estão verificados os pressupostos constitutivos da excepção do art.1381 a) do CC – destino do terreno e possibilidade legal de construção.


2.2. – Os factos provados ( descritos no acórdão )

1 – Por escritura de 29/10/2010, DD, casada com PP no regime de comunhão de adquiridos, fez lavrar escritura de habilitação, no Cartório Notarial ..., por óbito de sua mãe AA, falecida a .../.../2007, no estado de viúva de JJ.

A falecida deixou três filhos: BB, divorciado, CC, casado com QQ no regime de separação de bens, e a própria outorgante DD. E deixou testamento público, outorgado a 27/09/1993, no qual institui herdeira da quota disponível dos seus bens a filha DD – fls. 15/17 (A).

2 - PP faleceu, a .../.../2012, no estado de casado com DD – fls. 18 (B).

3 – Por documento escrito de 26/05/2017, autenticado na mesma data, pelo solicitador RR, EE e mulher FF declararam vender a GG que o declarou comprar, pelo preço de oito mil euros, livre de ónus ou encargos, o seguinte prédio que os vendedores declararam não ser confinante com outros prédios rústicos que lhes pertençam:

Prédio rústico – terreno de cultura e pinhal, sito em ... – ..., inscrito atualmente na matriz predial rústica da união de freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo...01 e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... (extinta) sob o artigo ...25, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...56, da freguesia ..., e inscrito a favor dos vendedores pela Apresentação ...94 de 2012/10/12, com o valor patrimonial de € 65,50 – fls. 37/40 e 76/78 (C).

4 – Por documento particular de 06/12/2017, autenticado na mesma data pelo solicitador RR, os vendedores EE e mulher FF e o comprador GG retificaram o Documento Particular de compra e venda exarado no dia 26/05/2017, no sentido de que: a) o prédio nele mencionado “foi vendido, efetivamente, pelo preço de quarenta mil euros, que os vendedores receberam e só por lapso e não porque quisessem prestar falsas declarações foi mencionado o preço de oito mil euros”; b) “mais declara o segundo outorgante (GG) que por lapso na altura não declarou que o prédio foi adquirido com intenção de o destinar à construção, dado que o mesmo se encontra inserido na zona urbanizável do PDM ...”; c) “mantêm em tudo o mais o Documento Particular Autenticado de Compra e Venda inalterado” – fls. 80/83 (D).

5 – Na matriz predial rústica da união de freguesias ... e ... está inscrito sob o artigo ...01, que teve origem no artigo ...25, o seguinte prédio sito em ... – ...: terreno de cultura e pinhal, que confronta, do norte, com II, do sul, com JJ, do nascente, com carreiro, e, do poente, com Instalações Fabris “...”.

Tem a área de 2860 m2, como titular inscrito GG e é atravessado por caminho de servidão.

Corresponde ao artigo ...28 da freguesia ..., por motivo de renumeração resultante da criação da freguesia ... (Lei nº 25/86, de 20/08) – fls. 32 (E).

6 – Na Conservatória do Registo Predial ... está descrito sob o nº ...18, o seguinte prédio rústico sito em ... – ... da União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo ...01:

Terreno de cultura e pinhal com a área de 2860 m2, que confronta, a norte, com II, do sul, com JJ, do nascente, com carreiro, e, do poente, com Instalações Fabris “...” – fls. 32 v. (F).

7 – Está inscrito, pela Ap. ...02 a favor de GG e mulher HH, por compra a EE e mulher FF – fls. 32 v./33 (G).

8 – A presente ação deu entrada em juízo a 06/11/2017 (H).

9 – Na matriz rústica da união de freguesias ... e ... está inscrito, sob o artigo ...20, que teve origem no artigo ...48, o seguinte prédio: sito em ... – ..., que confronta, do norte, com SS e outro; do sul, com caminho e TT; do nascente, com UU e VV; e, do poente, com WW e outros; tem a área de 41.650 m2, foi inscrito na matriz em 1986 e tem como titular inscrito cabeça de casal da herança de AA e o NIF ... – fls. 22 (I).

10 - Na Conservatória do Registo Predial ... está descrito sob o nº ...18, o seguinte prédio, com a área de 41.650 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...52 da freguesia ..., lugar de ... – ...: terreno a eucaliptal, pinhal e pastagens, a confrontar, do norte, com SS e outro; do sul, com caminho e TT; do nascente, com UU e VV; e, do poente, com WW e outros.

Está inscrito, pela Ap. ...18, por partilha judicial da herança de JJ, a favor de AA – fls. 22 v. e 95 (J).

11 - Na Conservatória do Registo Predial ... está descrito sob o nº ...14, desanexado do nº 3225, o seguinte prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo ...20 (parte pendente de inscrição matricial), sito em ... – ... da União de Freguesias de ... e ..., com a área de 17.624 m2: Terreno a mato, a confrontar do norte e nascente, com caminho; do sul, com “O... de ...”; e, do poente, com XX; YY; ZZ; AAA e Herdeiros de SS – fls. 26 (K).

12 – Este prédio foi inscrito, pela Ap. ...18, a favor de AA, por partilha judicial da herança do cônjuge JJ (L).

13 - Na Conservatória do Registo Predial ... está descrito sob o nº ...14, desanexado do nº 3225, o seguinte prédio rústico sito em ... –... da União de Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz sob o artigo ...20 (parte), pendente de inscrição matricial autónoma: terreno a mato, com a área de 3.357 m2, a confrontar, do norte, sul e poente, com caminho, e, do nascente, com Junta de Freguesia ... e ... – fls. 27 (M).

14 - Está inscrito, pela Ap. ...25 a favor da união de freguesias ... e ... por compra a BB, CC e DD – fls. 27 (N).

15 - Na Conservatória do Registo Predial ... está descrito, descrição atualizada, sob o nº ...18, o seguinte prédio rústico inscrito na matriz sob o nº ...20 (parte), sito no lugar de ... – Assequins da Freguesia ... e ...: terreno a mato, que confronta, do norte, caminho, do sul, com estrada, do nascente, com herdeiros de TT e BBB e, do poente, com herdeiros de TT – fls. 28 (O).

16 – Este prédio tem descrição atualizada para a área de 10.879 m2; tinha a área total inicial retificada de 34.969 m2; foi atravessado por dois caminhos públicos, tendo sido cedida a área de 3.109 m2 para o domínio público, e foram desanexados os nºs. 12433 e 12434, com as áreas de 17.624 m2 e 3.357 m2, respetivamente, e está inscrito a favor de AA, por partilha judicial da herança do marido JJ – fls. 28 (P).

17 – Por escritura pública de 25/09/2017, lavrada no Cartório Notarial ..., DD, BB e CC declararam vender à união de freguesias ... e ..., representada pelo seu presidente MM, que o declarou comprar, pelo preço de € 50,00, já recebido, o seguinte prédio situado na união de freguesias ... e ...: prédio rústico, sito em ... – ..., composto de terreno a mato, com a área de 3.357 m2, omisso na matriz predial rústica, mas tendo sido feita a sua participação para a sua inscrição, no ... em 21/07/2017, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...34 da freguesia ..., cujo direito de propriedade se encontra aí registado a favor de AA, viúva, já falecida, adiante melhor identificada, pela apresentação doze de dezoito de março de mil novecentos e noventa de três – fls. 45/48 (Q).

18 – O Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal ... certificou, a 28/06/2017, a pedido, que “o prédio rústico da união de freguesias ... e ... inscrito na matriz sob o artigo ...20, o qual corresponde ao artigo ...48 da extinta freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...25, pertencente a herdeiros de AA – contribuinte da herança nº ...92, foi atravessado por dois caminhos, resultando na divisão do prédio supra identificado, em três parcelas de terreno, distintas e com a seguinte composição:

Parcela nº 1 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., com a área de 17.624,00 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul, com “O... de ...”, nascente com caminho e do poente com XX; YY; ZZ; AAA e Herdeiros de SS.

Parcela nº 2 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., com a área de 3.357,00 m2, a confrontar do norte, sul e poente com caminho, e do nascente com Junta da União das Freguesia ... e ....

Parcela nº 3 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., com a área de 10.879,00 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com estrada, do nascente com herdeiros de TT e BBB e do poente com Herdeiros de TT.

Foi cedida a domínio público a área de 3.109,00 m2 (2.466,00 m2 + 643,00 m2).

Esclarece-se ainda que a área total do prédio é de 34.969,00 m2 e não 41.650,00 m2, conforme consta da matriz predial, isto tendo por base o levantamento topográfico anexo” – fls. 24 (R).

19 - DD, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de sua mãe AA, com o NIF ..., requereu, a 21/07/2017, ao Senhor Chefe do Serviço de Finanças ... que, tendo sido o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...20, correspondente ao artigo ...48 da extinta freguesia ..., que, por sua vez, provém do artigo 5552, derivado da criação da freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...25, atravessado por dois caminhos que o dividiu em três parcelas de terreno distintas, com as áreas, respetivamente, de 17.624 m2, 3357 m2 e 10.879 m2, mandasse inscrever as três parcelas na matriz, com as áreas e confrontações que indica e eliminar o artigo rústico ...20 da União das Freguesias ... e ... - fls. 24 v./25 (S).

20 – Os vendedores EE e mulher FF não deram conhecimento aos ora AA. da venda referida em 3 e 4 dos Factos Provados e respetivas cláusulas, os quais (AA.) só vieram a tomar conhecimento da venda com a obtenção da certidão da escritura a 09/08/2017 (T).

21 – Por documento escrito autenticado, datado de 10/02/2015, os ora 2ºs. RR. GG e mulher HH declararam comprar, a CCC, o prédio urbano composto de casa de habitação de dois pavimentos, garagem, dependências cobertas, jardim e logradouro, sito em ..., Rua ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...03 da mencionada freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...63 da União das Freguesias ... e ..., pelo preço de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), e declararam que destinavam o imóvel a habitação própria permanente – fls. 184/191 (U).

22 – A chefe de divisão de gestão urbanística da Câmara Municipal ... certificou, a requerimento do ora 2º Réu GG, que, pela Divisão de Gestão Urbanística daquela Câmara Municipal, para o terreno sito em ... – ..., união de freguesias ... e ..., inscrito na matriz com o artigo ...01, com a área de 2860 m2, foi emitido o parecer técnico que abaixo se transcreve:

“Assim, não se tratando de um pedido de informação prévia, o presente pedido é analisado ao abrigo do estabelecido na alínea a), do nº 1, do art. 110.º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 136/2014, de 9 de setembro. Conforme localização apresentada pelo requerente para o terreno, o instrumento de planeamento e gestão territorial para o local é o plano diretor municipal (PDM), publicado no Diário da República, 2ª série – nº 44 de 1 de março, através do Aviso nº ...12, estando o terreno inserido em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade” – fls. 159 (V).

23 - O prédio vendido por documento escrito de 26/05/2017, autenticado na mesma data, confronta, em parte da sua estrema sul e em parte da sua estrema nascente, com o prédio dos AA..

24 – No prédio dos AA., do seu lado poente, há um carreiro de terra batida, que corre de norte para sul poente e não tem traçado reto.

25 - O prédio dos AA., que esteve inicialmente inscrito sob o artigo matricial rústico nº ...20 da União das Freguesia ... e ..., em ..., lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...18, tinha a área de 34.969 m2.

26 - Foi dividido em três parcelas pelo atravessamento de duas estradas, tal como consta do artigo 11.º da petição inicial e documento de fls. 24:

a) Parcela ou prédio nº 1 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., atualmente União das Freguesia ... e ..., com a área de 17.624,00 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul, com “O... de ...”, do nascente com caminho e do poente com XX; YY; ZZ; AAA e Herdeiros de SS, tendo sido requerida a sua inscrição na matriz a 21/07/2017, e já descrito autonomamente na Conservatória do Registo Predial ... 12433/...14, desanexado da anterior descrição nº ...25.

b) Parcela ou prédio nº 2 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., atualmente União das Freguesia ... e ..., com a área de 3.357,00 m2, a confrontar do norte, sul e poente com caminho, e do nascente com Junta da União das Freguesia ... e ..., tendo sido requerida a sua inscrição na matriz a 21/07/2017, e já descrito autonomamente na Conservatória do Registo Predial ... 12434/...14, desanexado da anterior descrição nº ...25.

c) Parcela ou prédio nº 3 – Terreno a mato sito em ..., lugar de ..., atualmente União das Freguesia ... e ..., com a área de 10.879,00 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com estrada, do nascente com herdeiros de TT e BBB e do poente com Herdeiros de TT, tendo sido requerida a sua inscrição na matriz a 21/07/2017, e que ficou descrito autonomamente na Conservatória do Registo Predial ... sob a anterior ficha ...18, após a retificação das suas áreas e confrontações, após a cedência para o domínio público das áreas  ocupadas pelos dois caminhos públicos e a desanexação dele das duas parcelas ou prédios anteriores.

27 - Na altura da divisão do prédio referido em três parcelas, os AA. cederam ao domínio público a área necessária para os caminhos no total de 3.109 m2.

28 - O prédio identificado em 26-a) dos Factos Provados e no documento de fls. 24 é o assinalado com a letra B no documento de fls. 23v..

29 - O prédio objeto da preferência sempre foi e continua a ser apto para o mesmo tipo de cultura agrícola do dos AA. agora descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...14, embora não seja cultivado há muitos anos.

30 - Encontrava-se (o prédio objeto da preferência) desde os tempos em que era propriedade de SS todo vedado do primitivo prédio único da herança aberta por óbito da mãe dos AA., na parte que atualmente corresponde ao prédio distinto e autónomo referido em 26-a) dos Factos Provados por um muro baixo, encimado por uma rede apoiada em pilares de cimento.

31 - O R. GG em julho de 2017 invadiu o prédio antes referido (identificado em 26 dos Factos Provados) e terraplanou com uma retroescavadora uma faixa de terreno de 8 metros de largura por 30 metros de comprimento ao longo de uma parte da sua estrema poente, rasgando tal faixa de terreno para tentar ligar o seu prédio ao caminho com que a parcela do terreno dos AA. antes referida confina no seu topo norte, arrancando árvores que pertenciam à herança.

32 - Passando para fora do baixo murete com esteios e rede que limitava e limita o prédio objeto da preferência que pertenceu a SS.

33.-Os RR. GG e mulher adquiriram o terreno objecto de preferência nesta acção para nele implantarem uma moradia para sua habitação, e nunca para exploração agrícola.

34 - O terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ....

35 - Sempre os AA., por si e seus antecedentes, fruíram da faixa de terreno em discussão como seus legítimos proprietários, cultivando-a há mais de 20 anos como sua propriedade, à vista de toda a gente do local e sem oposição de ninguém, com a convicção de que não lesavam direito alheio, com exceção do carreiro referido em 24 dos Factos Provados.

36 - Os AA. construíram, em julho de 2017, um muro que impede o acesso dos RR. GG e mulher ao seu terreno pela parte superior.

37 - O prédio objeto do direito de preferência durante os últimos anos não esteve afeto a exploração agrícola de qualquer natureza.

38 - Este prédio fazia inicialmente parte de uma quinta, quinta esta que confrontava com o prédio onde tinham sido construídas as instalações fabris “...”.

39. Quando o prédio objecto da preferência estava na titularidade de KK este, por volta de 2002, contratou um gabinete que elaborou o esboço de construção da moradia de fls 107/115.

40 - O prédio objeto da preferência encontra-se inserido em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade.

41 – E foi vendido por preço não concretamente apurado, mas não inferior a € 27.500,00.


2.3. Os factos não provados ( descritos no acórdão )

a) O muro baixo referido em 7º anterior já foi construído deixando um afastamento de cerca de 8 metros até ao efetivo limite do prédio que é e sempre foi o carreiro ali existente (10º);

b) O SS tinha intenção de ali construir uma habitação, razão pela qual o muro foi construído a delimitar apenas a área do prédio em que seria implantada a construção e deixando de fora a parcela de terreno para construção de uma estrada para acesso à habitação pela parte de cima do terreno, que se concretizaria por um alargamento do carreiro existente (11º);

c) Sem ficar dependente da concessão de terreno pelos proprietários do prédio existente a nascente, propriedade agora da herança representada pelos AA. (12º);

d) Jamais os AA. praticaram na parcela de terreno do carreiro e terraplanada qualquer ato de posse ou poder de facto correspondente ao exercício do direito de propriedade (15º);

e) A parte mais a poente (no socalco mais próximo da fábrica) do prédio objeto da preferência foi utilizada para festas;

f) Já anteriormente, no tempo em que era propriedade de SS, nesse terreno foi construído um salão de festas;

g) O valor do negócio foi efetivamente fixado pelas partes em € 40.000,00, constituindo este preço real da aquisição do imóvel, pago na íntegra pelos compradores aqui 2ºs. RR..


2.4.- O direito de preferência de prédios confinantes e os factos constitutivos da excepção do art. 1381 alínea a) CC – destino do prédio para construção e possibilidade legal.

O direito de preferência fundado na confinância de prédios ( art. 1380 do CC ) insere-se num quadro normativo que tem por finalidade evitar a excessiva fragmentação da propriedade rústica, visando, assim, fomentar o seu emparcelamento.

Este direito continua a ter como pressuposto que a área do prédio alienado seja inferior à unidade de cultura, mas já não, por força do art. 18 nº1 do DL nº 348/88 de 25/10, que também o seja a área do prédio pertencente ao preferente. Noutra perspectiva, o direito recíproco de preferir existe apenas no caso de um dos terrenos confinantes se apresentar com área superior à unidade de cultura.

Por outro lado, também não depende hoje da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes (cf. Assento do STJ de 18/3/86, BMJ 355, pág. 121) e não constitui condição de procedência da acção, no caso de concurso de preferências, o afastamento prévio pelo autor dos outros direitos concorrentes.

Como facto constitutivo do direito de preferência, desde logo a comprovação de ser o preferente proprietário do terreno agrícola (em sentido amplo) confinante com o prédio rústico alienado, incumbe-lhe alegar e provar (art. 342 nº1 do Código Civil) uma das formas de aquisição (originária ou derivada) do direito de propriedade, ou a presunção de titularidade do direito.

Cabe também ao autor o ónus de alegar e provar o requisito legal – não ser o adquirente do terreno proprietário do prédio confinante – por se tratar do facto constitutivo do direito (cf., por todos, Ac STJ de 7/7/94, BMJ 439, pág. 562).

Está provado que, por documento particular autenticado de 26/5/2017, os Réus, EE e mulher FF declararam vender ao Réu GG que o declarou comprar, por preço não concretamente apurado, mas não inferior a € 27.500,00, o seguinte prédio:

Prédio rústico – terreno de cultura e pinhal, sito em ... – ..., inscrito atualmente na matriz predial rústica da união de freguesias ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...01 e anteriormente inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... (extinta) sob o artigo ...25, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...56, da freguesia ..., e inscrito a favor dos vendedores pela Apresentação ...94 de 2012/10/12com área de 2.860 m2 que confronta, do norte, com II, do sul, com JJ, do nascente, com carreiro, e, do poente, com Instalações Fabris “...”.

Posteriormente, em 06/12/2017, os vendedores EE e mulher FF e o comprador GG retificaram o Documento Particular de compra e venda exarado no dia 26/05/2017, no sentido de que: a) o prédio nele mencionado “foi vendido, efetivamente, pelo preço de quarenta mil euros, que os vendedores receberam e só por lapso e não porque quisessem prestar falsas declarações foi mencionado o preço de oito mil euros”; b) “mais declara o segundo outorgante (GG) que por lapso na altura não declarou que o prédio foi adquirido com intenção de o destinar à construção, dado que o mesmo se encontra inserido na zona urbanizável do PDM ...”; c) “mantêm em tudo o mais o Documento Particular Autenticado de Compra e Venda inalterado” – fls. 80/83 (D).

Ao exercício do direito de preferência, ambos os Réus defenderam-se com a excepção material do destino do terreno para um fim não agrícola ( art. 1381 nº1 a), 2ª parte, do CC ).

A excepção ao direito de preferência, invocada pelos Réus – como facto impeditivo - traduz-se aqui no destino do prédio alienado para um fim diverso à cultura, mais concretamente para a construção urbana.

É hoje entendimento prevalecente que a afectação do terreno a outras finalidades que não a cultura, não tem de constar da escritura pública ou de documento particular autenticado podendo provar-se por outros meios, impondo-se, no entanto, que essa finalidade seja legalmente possível ( cf., por ex., P.LIMA/ A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 276, HENRIQUE MESQUITA, C.J. ano XI, tomo V, pág. 51, AGOSTINHO GUEDES, O Exercício do Direito de Preferência, 2006, pág. 125 e 126, Ac STJ de 21/6/94, BMJ 438, pág. 450, de 19/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.144).

Daqui resulta que a mera intenção sobre o destino do terreno não é suficiente para excluir a preferência, sendo indispensável a prova da mesma, por qualquer meio, e que o destino a dar ao prédio pelo adquirente seja permitido por lei.

Ora, é precisamente neste ponto (exclusão do direito de preferência) que se situa o enfoque da questão submetida a recurso e a primeira abordagem prende-se com as regras do ónus da prova.

Segundo a “teoria das normas” cabe ao réu (adquirente) a alegação e prova de que o prédio vendido se destina a um fim que não a cultura, divergindo-se, no entanto, quanto a saber se tal ónus também abrange a possibilidade legal ( art. 342 nº2 do CC ).

Para determinado entendimento, ao réu incumbirá apenas a prova do destino a fim diferente do da cultura (facto constitutivo da excepção peremptória) competindo ao autor o ónus da impossibilidade legal da mudança de destino, designadamente, com base nas normas de natureza administrativa, por se tratar de facto impeditivo da excepção ( cf. por ex., Ac do STJ de 23/5/96, BMJ 457, pág. 370 ).

Outra orientação, aliás, prevalecente, e que aqui se acolhe, partindo do princípio da unidade jurídica, defende que o adquirente terá de alegar e provar, não só a intenção de dar ao terreno uma afectação diferente, mas também que nada se opõe a que a essa intenção se concretize, ou seja, que a mudança de destino seja legalmente possível (cf., por ex., HENRIQUE MESQUITA, C.J. ano XI, tomo V, pág. 53, Ac do STJ de 18/1/94, C.J. ano II, tomo I, pág.46, Ac STJ de 21/6/94, C.J. ano II, tomo II, pág. 154 , Ac STJ de 6/5/2010 ( proc nº 537/02), Ac STJ de 10/10/2017 ( proc nº 1522/13 ), em www dgsi.pt ).


Considerando que as instâncias julgaram provado que o prédio objeto do direito de preferência durante os últimos anos não esteve afeto a exploração agrícola de qualquer natureza, a aquisição do prédio se destinou a um fim distinto da cultura, ou seja, para nele ser implantada uma moradia para habitação dos adquirentes, e nunca para exploração agrícola, que o terreno tem viabilidade construtiva, que o prédio objeto da preferência encontra-se inserido em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade, coloca-se a questão de saber se estes elementos são suficientes para preencherem os factos constitutivos da excepção do art.1381 a) CC.

Como se sabe, é controversa a natureza jurídica do jus aedificandi. Quer se entenda que o jus aedificandi é imanente ao direito de propriedade, como uma das faculdades em que o direito se manifesta, pelo que as restrições de natureza administrativa são meros condicionalismos, ou, noutra perspectiva, se defenda que o direito de construir não resulta sem mais do direito de propriedade, sendo apenas reconhecido ao proprietário o direito de usufruir da propriedade nos termos permitidos pelo sistema jurídico global, e normas de “ordem pública de protecção”, como as que se destinam a regular o ordenamento do território, impõe-se sempre considerar as implicações do direito do urbanismo, tendo em conta os planos de organização do território, como resulta da conjugação dos arts. 62, 65 e 66 CRP e da “função social” da propriedade.

Pois bem, são os planos municipais de ordenamento do território que definem o regime do destino, uso, ocupação e transformação do solo, nomeadamente o plano director municipal ( PDM ) ou seja a afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins, com a classificação e qualificação dos solos , pois, como dispõe o art.15 nº1 da Lei nº31/2014 de 30/5 (LBPOTU) “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”.


Uma vez assente que cabe ao réu adquirente do prédio objecto da preferência o ónus da prova da possibilidade legal de construção, colocam-se ainda as seguintes questões:

A possibilidade legal da construção deve existir no momento da alineação ou pode ser comprovada posteriormente?

É suficiente uma aptidão genérica ou é indispensável uma viabilidade construtiva concreta e expressamente decidida pela administração Pública, como a licença de construção?

Quanto à primeira questão, deve entender-se que tanto a afectação do destino, como a possibilidade legal, no caso de construção a viabilidade por acto da Administração Pública, não têm que existir na data da alienação.

É certo que uma vez conferida judicialmente a preferência, os efeitos retroagem à data da alienação, mas daqui não resulta que o destino (dado pelo adquirente) já esteja concretizado nesse momento.

Como refere HENRIQUE MESQUITA, “Para afastar, portanto, o direito de preferência dos proprietários confinantes ao abrigo do disposto na parte final da al. a) do art. 1381, não deve considerar-se necessário que , à data da alienação, o terreno a alienar se encontre já afectado- em consequência, v.g. de obras nele feitas, ou de afectação decorrente de um critério legal ou decidida pela Administração Pública ou ainda da outorga de uma licença – a um fim diferente da cultura” ( loc cit., pág. 52).

De resto, nos casos mais frequentes em que o destino se traduz na construção para habitação, quaisquer autorizações administrativas e licenciamentos necessários, apenas poderão ser solicitados após a compra e venda, sendo que, o destino do terreno nem sequer tem de constar da escritura de alienação, nem tão pouco a legitimação administrativa para o fim projectado.

Por isso, parece que só no momento em que o Réu adquirente é chamado à demanda na acção de preferência, se quiser impedir o exercício do direito, é que terá o ónus de alegar e provar o destino e a possibilidade legal, atenta a natureza e os efeitos da excepção.

Quanto à questão de saber se é suficiente uma aptidão genérica ou se torna indispensável uma viabilidade construtiva concreta e expressamente decidida pela administração Pública, importa sublinhar que dentro dos instrumentos de gestão territorial, cabe ao PDM, que tem a qualificação de regulamento administrativo, proceder à identificação e delimitação das áreas urbanas. Isto resulta tanto da Lei nº31/2014 de 30/5 ( Lei de bases gerais da política de solos, de ordenamento do território e urbanismo ), que prevê a classificação e qualificação do solo ( art. 10), como do DL nº 80/2015 de 14/5 (Regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

Ora, por força do princípio da reserva do plano, o direito de construção ou edificação pressupõe que o plano lhe atribua vocação edificativa ou o classifique o solo como urbano, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do RJIGT, e está demonstrado o terreno se insere por força do PDM em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade, e consta da informação prestada pela Câmara Municipal ....

Por conseguinte, o terreno tem uma aptidão construtiva, segundo o PDM ....

Contudo, para a possibilidade legal, confirmativa do destino que não a cultura, neste caso a construção, não basta a aptidão genérica ou abstracta, sendo indispensável que em concreto se possa construir, de acordo com as características do terreno e as condicionantes impostas pela lei e pela Administração Pública. Na verdade, nem todo o solo inserido no perímetro urbano está legitimado, sem mais, à edificação concreta, já que a lei exige determinados requisitos, para o efeito.

Neste contexto, CLÁUDIO MONTEIRO distingue o “direito ao aproveitamento urbanístico”, que corresponde “às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo para fins urbanísticos conferidas ao seu proprietário pelos instrumentos de planeamento, através da definição do respectivo regime de uso”, e o “direito de construir em sentido estrito”, que “consiste na faculdade de o proprietário materializar o aproveitamento urbanístico correspondente, sendo “consolidado” pela licença ou por outro acto análogo controlo administrativo prévio das suas operações urbanísticas” (A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas, CJA, nº 91, pág. 3 e ss.).

Sendo assim, o direito de urbanizar ou edificar só se consolida e se incorpora na esfera jurídica do proprietário do terreno quando for emitida a autorização ou licença para urbanizar ou edificar.

Não é, pois, por mero efeito da aprovação do plano ou do requerimento para licenciamento que o direito a edificar se consuma, tanto que se trata de um procedimento urbanístico que contém uma sequência de actos, e, nesta medida, até à autorização ou licença ( como acto constitutivo de direito)  para edificar o proprietário dispõe de uma expectativa jurídica, maior ou menor em conformidade com a natureza dos actos preparatórios ( por ex., pedido de informação prévia, ou aprovação do plano de arquitectura ).

Neste sentido, por exemplo, Ac STA de 12/3/2008 (proc. nº 0620/07), ( “Do acto de aprovação do projecto de arquitectura apenas decorre, para o requerente do licenciamento, que essa aprovação não possa já ser posta em causa à luz dos instrumentos de planeamento em vigor, mas não lhe confere o direito adquirido de construir pois que esse direito só emerge do acto final de licenciamento”), Ac STA de 22/5/2013 ( proc nº 01146/12), (“O direito de construir só nasce ex novo no património do proprietário quando um acto administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear”), ambos disponíveis em www dgsi.pt.

Se o direito de construir nasce com o acto final de licenciamento, dir-se-ia que na acção de preferência o réu teria que juntar licença de construção para comprovar a excepção. Mas não é assim, porque o que se exige, para efeitos do art.1381 a) CC, não é a prova do direito de construir ( em sentido estrito), que obviamente o adquirente jamais poderia obter antes da aquisição do prédio ou mesmo no prazo para o exercício de preferência ( atento o prazo de a caducidade da acção), mas que o prédio tenha objectiva viabilidade construtiva, que seja apto à construção, tendo em conta as suas características.

Dito de outra forma, o que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas as possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função das características do solo e em função dos planos e da Lei.


As instâncias deram como provado, para além do facto descrito no ponto 22 ( certidão de informação – “Conforme localização apresentada pelo requerente para o terreno, o instrumento de planeamento e gestão territorial para o local é o plano diretor municipal (PDM), publicado no Diário da República, 2ª série – nº 44 de 1 de março, através do Aviso nº ...12, estando o terreno inserido em solo urbano, na categoria de solo urbanizado – espaço residencial tipo 1, no perímetro urbano da cidade” – fls. 159 (V).” ), também o facto provado no ponto 34 (“- O terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ...”).

Na verdade, a Relação manteve o facto descrito no ponto 34 ( “- O terreno tem viabilidade construtiva e vistas deslumbrantes sobre a cidade ...”) com fundamento na certidão emitida pela Câmara Municipal ... ( cf. fls. 159 ) e na prova testemunhal ( DDD, NN, OO, EEE).

Bem vistas as coisas, o que a Recorrente põe em causa é este facto, mas o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art. 46 da Lei nº 62/2013 de 26/8 (“Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito”).

Com efeito, o art. 662 nº 4 do CPC é claro e imperativo ( “ Das decisões da Relação previstas nos nº 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” ), bem como o disposto no art. 674 nº 3 ( primeira parte) CPC ( “ O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista” ) e ainda o art. 682 nº 2  CPC (“ A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674”).

Não se tratando de nenhuma destas situações excepcionais, do art.674 nº3 CPC (violação das regras do direito probatório material), verifica-se, porém, o vício da contradição de facto que inviabiliza a decisão do pleito (art. 682 nº 3 CPC).

Por um lado, considera-se provado que o terreno tem viabilidade construtiva (cf. ponto 34) mas, por outro, dão-se como provadas as confrontações do prédio ( objecto de preferência), sem que delas conste qualquer confrontação à via pública ( cf pontos 5 e 6 ).

Ora, um dos pressupostos para um prédio urbano ter viabilidade construtiva, é o acesso directo à via pública, como resulta do art.24 nº5 RJUE. ( “- O pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infraestruturas de abastecimento de água e saneamento ou se a obra projetada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes”).

O próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação exige, portanto, que o prédio onde se pretende erigir uma edificação esteja servido por arruamento sob pena da sua ausência constituir um fundamento autónomo para o indeferimento do pedido.

Neste contexto, ocorre erro de julgamento por contradição de facto, o que implica a anulação do acórdão.


2.5.- Síntese conclusiva

a) Numa acção de preferência, baseada na confinância, são factos constitutivos da excepção positivada no art.1381 a) CC, a cargo dos demandados, a alegação e prova de que o prédio alienado ( objecto da preferência) se destina a um fim que não a cultura, e, alegando-se o destino para a construção, que esse destino seja legalmente possível.

b) O que releva, para afastar a preferência, não é propriamente a atribuição do direito de construir pelo acto de licenciamento, mas a comprovação das possibilidades objectivas do aproveitamento do terreno, a sua concreta aptidão construtiva, avaliada em função dos planos e da Lei.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Anular o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, caso seja necessário) se elimine a contradição de factos, procedendo a novo julgamento quanto a esta matéria.

2)


Condenar nas custas a parte vencida a final.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Novembro de 2022.


Os Juízes Conselheiros

Jorge Arcanjo ( Relator)

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira