Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6586/14.5T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
PROVA PERICIAL
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA PERICIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROVA PERICIAL / SEGUNDA PERÍCIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 389.º;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 489.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 4388/07;
-DE 29-10-2014, PROCESSO N.º 1083/05.2TTLSB.L2.S1;
-DE 28-01-2015, PROCESSO N.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1;
-DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 468/07.4TTPRT.P1.S1;
-DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 306/12.6TTCVL.C1.S1;
-DE 14-01-2016, PROCESSO N.º 1391/13.9TTCBR.C1.S1;
-DE 26-10-2017, PROCESSO N.º 196/12.9TTBRR.L2.S1;
-DE 06-12-2017.
Sumário :
1. A expressão na qual se refere “que na altura que o autor sofreu o embate estava a trabalhar numa obra do réu”, inserida na factualidade dada como provada, em processo emergente de acidente de trabalho, no qual se discute a existência do acidente, é de fácil apreensão em termos factuais, permitindo a compreensão da relação estabelecida entre o autor e o réu na altura em que ocorreu o evento, razão pela qual não deve ser eliminada com o fundamento de que é conclusiva.

2. Cabe às instâncias, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos do artigo 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetuadas nos autos, alterar a factualidade dada como assente.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

 Relatório:

 1. AA, patrocinado pelo Ministério Público, intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe:

- Indemnização devida pelas incapacidades temporárias no valor de € 835,28;

- Uma pensão anual e vitalícia no valor de € 7.820,68, com início no dia seguinte ao do acidente de trabalho;

- Subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de € 4.545,93;

- € 306,25, a título das despesas tidas em atos médicos e exames realizados na sequência do acidente;

- € 53,24, a título de despesas tidas com medicamentos ministrados por causa das lesões decorrentes do acidente;

- € 30,00, referente aos gastos que teve com transporte por deslocação a este Tribunal para atos no processo;

- Juros de mora, vencidos e vincendos, sobre todas as antecedentes prestações, à taxa anual legal, desde a data dos respetivos vencimentos e até integral pagamento. 

Para o efeito, alegou em síntese:

- No dia 13 de julho de 2014, no período da tarde, à porta da garagem de uma residência localizada em ..., escorregou e caiu, embatendo com a cabeça no solo;

- Pese embora tenha sangrado dos ouvidos logo após a queda, continuou a trabalhar até às 17 horas e, apenas depois de se ter deslocado a casa para tomar banho, foi levado para o Hospital … ... para ser observado;

- Na altura em que sofreu esta queda, encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização do réu BB, que o havia contratado para exercer as funções de pedreiro, sendo que, nessa data, auferia uma média de € 680,00 por mês, sendo-lhe pagos € 40,00 por cada dia de trabalho, em dinheiro, em cheque ou por transferência bancária;

- No momento do acidente estava a recolher o entulho da obra de remodelação que estava a ser levada a cabo naquele local;

- Como consequência do embate com a cabeça no solo, o sinistrado sofreu um traumatismo temporal direito;

 - Tais lesões provocaram-lhe os períodos de incapacidade temporária que indica, tendo ficado com uma incapacidade parcial permanente de 40,50%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;

- Na altura do acidente descrito, o réu não tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para qualquer companhia de seguros, nem reconheceu o acidente em causa como sendo de trabalho, por entender não ter consigo qualquer relação laboral àquela data, nem aceitou o resultado do exame médico, nem o nexo de causalidade entre o acidente verificado e as lesões por si sofridas;

- Com consultas, episódios de urgência e exames médicos, despendeu um total de € 306,25, teve de comprar medicamentos para tratar as lesões neurológicas que lhe foram causadas pelo acidente acima descrito, despendendo em tais compras, até à data, um total de € 53,24, bem como € 30,00 para se deslocar ao Tribunal a atos para que foi convocado na fase conciliatória da presente ação.

2. O réu contestou invocando, em resumo, que não é verdade que no dia em causa o autor estivesse a trabalhar sob as suas ordens direção e fiscalização e que tivesse sofrido o alegado acidente de trabalho, sendo falso, também, que o autor trabalhasse para o réu, pelo menos desde os inícios do ano de 2013, e que auferisse a alegada remuneração média de € 680,00 por mês, pelo que não assiste ao autor os direitos que reclama, que o autor parece ter “simulado” um acidente de trabalho para tentar ser indemnizado por eventuais decorrências de outro acontecimento anterior ou de uma doença pré-existente, sendo que em junho de 2014, o autor estava doente e a tomar os medicamentos que identifica e que o autor, na participação e na petição inicial, dá versões diferentes do acidente e nem concretiza a hora e o local onde terá ocorrido, donde se confirma que o alegado acidente nunca ocorreu.

Por não se conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, o réu requereu a realização de perícia por junta médica e concluiu pedindo a sua absolvição dos pedidos.

3. Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e a base instrutória, determinando-se, ainda, o desdobramento do processo para fixação da incapacidade para o trabalho, vindo a ser proferida decisão que considerou o Autor afetado de uma IPP de 14% desde 13/10/2014.

 

4. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o réu a pagar ao autor:

 - A quantia de € 835,28, correspondente às indemnizações por incapacidades temporárias;

 - O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 932,96, devido desde 14 de outubro de 2014;

 - A quantia de € 308,11, de despesas médicas

 - Quantias, estas, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

 

5. Inconformados, autor e réu interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação que decidiu:

- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo réu;

- Julgar improcedente o recurso do Réu;

- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pelo autor nos termos acima mencionados;

- Julgar parcialmente procedente o recurso do autor e, em consequência, alterar a sentença recorrida nos seguintes termos:

- a) Fixar ao autor uma IPP de 19%, com IPATH;

- b) Condenar o réu a pagar ao autor:

- A pensão anual e vitalícia de € 5.121,76, devida desde 14 de outubro de 2014;

- A quantia de € 321,32, a título de despesas médicas;

- O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de € 3.874,00.

- No mais, mantém-se a sentença recorrida.

 6. Inconformado com esta decisão, o réu interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - A questão que se levanta nos autos é a de saber se ocorreu um pretenso (mas inexistente) acidente de trabalho.

2- O Autor faltou à verdade ao juntar documentos (15 e 25 da pi) com datas anteriores ao alegado acidente e ao dar cinco versões diferentes e incompatíveis sobre um pretenso acidente de trabalho.

3 - Para qualificar o acidente como de trabalho, tinha o A. o ónus de demonstrar que tal acidente tinha ocorrido no local e tempo de trabalho - v. artigos 8.º-1 da LAT e 342.° do CC.

4 - O A. não logrou provar as circunstâncias de modo, tempo e lugar que alegou em relação ao pretenso acidente de trabalho.

5 - A completa ausência de prova sobre as circunstâncias do acidente não pode ser colmatada com o recurso a matéria conclusiva e despida dos factos concretos que a pudessem integrar.

 6 - Os factos provados não permitem apurar o local do alegado acidente, o período temporal do pretenso acidente, nem a atividade que alegadamente o A. estava a realizar.

Consequentemente,

7 - É manifesto que os factos provados são insuficientes para qualificar um acidente de trabalho.

8 - Não foram alegados, nem provados factos que permitissem extrair a conclusão de que o A. bateu com a cabeça numa porta “quando estava a trabalhar numa obra do Réu”.

9 - Não basta responder, de forma vaga e conclusiva, que o acidente se deu “quando o A. estava a trabalhar numa obra do Réu”, sem se concretizar minimamente com factos qual seria essa obra, onde se situava e porque razão pertencia ao Réu.

10- A referida expressão valorativa - desprovida de factos - acaba por comportar uma resposta à questão essencial dos autos de saber se ocorreu um acidente no local e no tempo de trabalho.

11- É manifesto que o tribunal “a quo” manteve indevidamente como “factos provados” matéria de natureza conclusiva, que se insere na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação e que comporta uma resposta a essas questões - matéria conclusiva que deverá ser expurgada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

12- A questão de saber se um concreto facto assume feição conclusiva ou valorativa, constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer.

 Consequentemente,

13- Deve expurgar-se da matéria de facto a matéria do ponto 11dos factos provados.

De resto,

14- No douto Acórdão recorrido, reconheceu-se que o referido ponto 11 enferma de falta de concretização de factos.

15- Se foi reconhecido que houve falta de concretização de factos (ou seja, que o ponto 11 dos factos provados continha matéria conclusiva e não factual) então, coerentemente, o tribunal da Relação deveria ter eliminado o ponto 11 dos factos provados.

16- Tanto mais que o Tribunal “a quo” considerou, indevidamente, que a referida falta de concretização era irrelevante.

17- Contraditoriamente, apesar de reconhecer que o ponto 11 dos factos provados encerra matéria conclusiva, o Tribunal da Relação não só não expurgou esse ponto dos factos provados como assentou a solução jurídica que deu o caso dos autos precisamente nesse ponto conclusivo.

Sucede que,

18- A falta de concretização de factos não ocorreu apenas ao nível da alegada situação de subordinação jurídica ou económica, mas também, e principalmente, no plano de qualificação de acidente de trabalho.

 19- Ao colocar o acento tónico na questão de subordinação económica, o tribunal recorrido desviou-se da questão essencial que é a de saber se existem factos provados (e não conclusões) que permitam qualificar um acidente de trabalho.

20- O facto provado em 16 não permite concluir - de forma alguma - que no dia 10.7.14 o Autor sofreu um acidente “no local e no tempo de trabalho”-v. artigo 8.º-1 da Lei 98/2009.

21- Nos termos da lei, entende-se por “local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontre ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador”- v. artigo 8.º-2-a) da citada Lei.

22- Para se chegar à conclusão de que o A. bateu com a cabeça numa porta no local de trabalho (e não em casa ou noutro lugar qualquer no âmbito da sua vida privada ou social), necessário era que existissem factos que permitissem identificar em que lugar ocorreu o pretenso acidente de trabalho.

23- Expurgando-se o ponto 11 da matéria de facto provada, por ser conclusivo, não existem factos que permitam qualificar o pretenso acidente de trabalho - com a consequente absolvição do Réu dos pedidos.

Por mera cautela:

24- Ao arrepio da realidade e dos resultados das duas juntas médicas realizadas nos autos, o Tribunal da Relação resolveu alterar a decisão da 1.ª instância e considerar que o Autor ficou com uma IPATH.

25- Relativamente à “Caracterização da situação atual” do Autor, a fonte de informação do parecer do IEFP consistiu unicamente nas declarações do próprio Autor coadjuvado pelo testemunho da sua esposa.

26- As conclusões do IEFP assentaram nos testemunhos do próprio interessado e da sua esposa e não num exame médico, objetivo e imparcial.

Contudo,

27- Para o Tribunal da Relação, vale mais o testemunho do Autor e esposa (partes interessadas) do que a observação, análise científica e conclusões, por unanimidade, de três peritos médicos!...

Não faz sentido!...

Com o devido respeito, o Acórdão recorrido é incompreensível.

28- No caso dos autos o Tribunal da Relação afastou-se do juízo técnico e científico inerente à prova pericial e seus esclarecimentos complementares, sem que tenha cumprido devidamente o dever de fundamentação.

Com efeito,

29- O Tribunal da Relação considerou que o A. ficou com IPATH com base em “pseudo-factos” que não fazem parte integrante da matéria de facto provada.

 30- E decidiu, incorretamente, extrair de “factos” não apurados que o A. ficou com uma IPATH - que, na realidade, não existe.

Pelo exposto,

31- Prevenindo a possibilidade - sem conceder - de se entender que os autos contêm factos (que não conclusões) suficientes para qualificar um acidente de trabalho, deverá alterar-se o Acórdão recorrido no sentido de se concluir que o Autor não ficou com IPATH.

32- No douto Acórdão recorrido violou-se o disposto nos artigos 8.º-1 da Lei 98/2009 de 14/9 e 342.º do Código Civil.

Dado que,

33- As referidas normas jurídicas deveriam ter sido aplicadas e interpretadas no sentido de se concluir pela inexistência do alegado acidente de trabalho.

De resto,

34- Se o douto Acórdão recorrido não fosse revogado, estar-se-ia a confirmar uma tremenda injustiça e a premiar comportamentos de faltas à verdade, fraudes e simulações.

Visto que,

 35 - Para além do A. ter dado cinco versões incompatíveis sobre o acidente, o Recorrente tem a certeza absoluta que na segunda semana de julho de 2014 (incluindo o dia 10.7.14) o A. não trabalhou para o Recorrente.

 7. O autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela autora.

8. Nas suas conclusões, o recorrente suscita as seguintes questões que cumpre solucionar:

a) Aferir se o Tribunal da Relação decidiu bem ao ter concluído pela existência de acidente de trabalho, com suporte no ponto 11 dos factos provados que, no seu entender, encerra um juízo conclusivo;

b) Saber se existia fundamento para o Tribunal da Relação ter reconhecido que o autor está afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

Foi considerada a seguinte factualidade:

1. O réu não tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho, relativa ao autor, transferida para qualquer companhia de seguros.

2. O réu não reconheceu o acidente em causa como sendo de trabalho, porque referiu não ter com o sinistrado qualquer relação laboral àquela data.

3. O réu não aceitou igualmente o resultado do exame médico, nem o nexo de causalidade entre o acidente verificado e as lesões sofridas pelo sinistrado.

4. Razões pelas quais não se entendeu devedor ao sinistrado de quaisquer direitos patrimoniais na tentativa de conciliação levada a cabo nestes autos no dia 17 de setembro de 2015.

5. Nos exames médicos realizados neste tribunal o perito médico considerou o autor afetado de:

i. ITA de 11 a 21 de julho de 2014 (11 dias);

ii. ITP de 50% de 22 de julho de 2014 a 12 de setembro de 2014 (53 dias);

iii. ITP de 25% de 13 de setembro a 13 de outubro de 2014 (31 dias).

6. O perito médico fixou ao autor a IPP de 40,50%, com IPATH, desde a alta no dia 13 de outubro de 2014.

7. No dia 10 de julho de 2014, o autor bateu com a cabeça numa porta.

8. O autor sangrou de um ouvido.

9. No dia 10.07.2014, pelas 19.15h o autor deu entrada no Hospital ....

10. Para ser observado.

11. Na altura que o autor sofreu o embate estava a trabalhar numa obra do réu.

12. Que o havia contratado para exercer as funções de pedreiro.

13. Na sequência do embate o sinistrado sofreu um traumatismo temporal direito.

14. Tal lesão provocou as incapacidades referidas em 5 e 6.

15. O réu pagava ao autor € 40,00 por dia de trabalho.

16. O autor trabalhava para o réu pelo menos desde os inícios do ano de 2013.

17. A sua retribuição era recebida ao final de cada semana de trabalho.

18. Recebia tal retribuição em dinheiro,

19. (…)por meio de cheque.

20. (…)ou por transferência bancária.

21. Devido às lesões que tem na cabeça, o autor tem frequentes crises que o obrigam a deslocar-se às urgências hospitalares ou a consultas.

22. No âmbito das quais tem de fazer variados exames médicos.

23. O que ocorreu, nos dias 24 de setembro de 2014.

24. E nos dias 3 de janeiro, 24 de fevereiro, 10 de março, 14 de abril, 19 e 20 e 23 de junho, 1 e 10 de julho, 11, 13, 26 e 31 de agosto, todos de 2015.

25. Com as consultas, episódios de urgência, e exames médicos o autor despendeu a quantia de € 304, 65.

26. O sinistrado teve de comprar medicamentos para tratar as lesões neurológicas que lhe foram causadas pelo acidente.

27. Despendendo em tais compras, até à data, um total de € 3,46.

28. Em sede de incidente de fixação de incapacidade foi proferida decisão considerando-se o autor afetado de uma IPP de 14% desde 13/10/2014.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação especial emergente de acidente de trabalho, participado em 5 de dezembro de 2014, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 06/12/2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) O recorrente começa por questionar a existência de acidente de trabalho, alegando que o ponto 11 dos factos provados, suporte para tal decisão, encerra um juízo conclusivo.

O art.º 674.º do Código de Processo Civil, intitulado “Fundamentos da revista”, estatui no seu n.º 3 que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Atento o teor desta disposição legal, o Supremo Tribunal de Justiça tem firmado jurisprudência no sentido de que a sua intervenção no âmbito da decisão da matéria de facto está limitada às situações em que ocorra ofensa do direito probatório material, não abrangendo a apreciação dos factos que as instâncias consideraram assentes, tendo por base a livre apreciação da prova (Cfr. acórdãos datados de 26/10/2017, 14/01/2016, 11/02/2015 e 29/04/2015, proferidos, respetivamente, nos processos com os números 196/12.9TTBRR.L2.S1, 1391/13.9TTCBR.C1.S1, 468/07.4TTPRT.P1.S1 e 306/12.6TTCVL.C1.S1).

Relacionada com esta problemática, o Supremo Tribunal de Justiça também tem sublinhado que com a aprovação do novo Código de Processo Civil, o anterior n.º 4 do art.º 646.º do diploma entretanto revogado, que determinava que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito” não encontra paralelo, em sede normativa, no novo modelo. No entanto, não foi suprimida a distinção jurídica entre matéria de facto e matéria de direito, pelo que o juiz não deve incluir no elenco dos factos provados conceitos de direito ou conclusões normativas que possuam virtualidades para condicionar o destino da ação e que definam, por essa via, a aplicação do direito (Cfr. os já citados acórdãos proferidos nos processos n.os 1391/13.9TTCBR.C1.S1 e 306/12.6TTCVL.C1.S1).

Face a estas linhas delimitadoras, vejamos então se assiste razão ao recorrente quando defende a eliminação do ponto 11 dos factos provados, por se tratar de matéria conclusiva.

Há pois que considerar a inserção do referido ponto 11 no acervo da factualidade dada como provada, respeitante à dinâmica do acidente.

No dia 10 de julho de 2014, o autor bateu com a cabeça numa porta (facto 7), tendo sangrado de um ouvido (facto 8), pelo que nesse mesmo dia, pelas 19.15h, deu entrada no Hospital ... (facto9), para ser observado (facto 10).

É neste contexto que surge o facto 11, no qual se refere que na altura que o Autor sofreu o embate estava a trabalhar numa obra do réu, que o havia contratado para exercer as funções de pedreiro (facto 12).

Refere-se ainda na matéria de facto que na sequência do embate o sinistrado sofreu um traumatismo temporal direito (facto 13), tendo tal lesão provocado as incapacidades referidas nos pontos 5 e 6.

Ficou ainda consignado que o réu pagava ao Autor € 40,00 por dia de trabalho (facto 15) e que o autor trabalhava para o réu pelo menos desde os inícios do ano de 2013 (facto 16).

Perante este quadro, a matéria constante do ponto 11 não se pode considerar conclusiva, pois a mesma é de fácil apreensão em termos factuais, permitindo a compreensão da relação estabelecida entre o autor e o réu na altura em que ocorreu o evento.

A matéria de facto dada como provada é impressiva no sentido da existência de uma relação laboral entre o autor e o réu, como resulta dos pontos 12, 15 e 16.

Por outro lado, o embate sofrido pelo autor ocorreu no local de trabalho (uma obra do réu), durante o tempo de trabalho (o autor estava a trabalhar na obra), sendo certo que na sequência do mesmo o autor sofreu um traumatismo temporal direito, tendo tal lesão provocado as incapacidades referidas nos pontos 5 e 6 dos factos provados.

Assim, a factualidade considerada provada permite concluir que o embate sofrido pelo autor integra o conceito de acidente de trabalho, tal como se prevê no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

B3) A outra questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se existe fundamento para o Tribunal da Relação ter reconhecido que o autor está afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

Quanto a esta questão também é oportuno relembrar o já citado art.º 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da decisão da matéria de facto.

 O Tribunal da Relação ao considerar que o autor está afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ponderou todas as provas disponíveis nos autos, sendo certo que a força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389.º, do Código Civil.

Sublinhe-se que o 489.º, do Código de Processo Civil, no que diz respeito ao valor da segunda perícia estatui que esta não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.

Assim, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetuadas nos autos, alterar o deliberado no Acórdão recorrido na parte que considerou que o autor está afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre esta questão e neste sentido em vários arestos.

No Acórdão de 29-10-2014,   Recurso n.º 1083/05.2TTLSB.L2.S1 - 4.ª Secção, foi sumariado:

A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos do artigo 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetivadas no processo, alterar a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

O Acórdão de 28-01-2015,     Recurso n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1 - 4.ª Secção, seguiu a mesma orientação.

Finalmente, no Acórdão de 09-01-2008, Recurso n.º 4388/07 - 4.ª Secção, foi sumariado:

A decisão sobre a existência ou não de diminuição de função inerente e imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que o sinistrado ocupava não se trata de uma «decisão de direito», antes respeita à apreciação dos pontos da matéria de facto em causa, concretamente, ao grau de incapacidade em consequência do acidente de trabalho sofrido.

A valoração da prova pericial está sujeita à livre convicção do julgador de facto, sendo vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base em perícia médica, alterar a matéria de facto assente nas instâncias.

  Pelas razões já referidas e na linha da jurisprudência citada, não se podem acolher as conclusões do recorrente quando pretende que este Supremo Tribunal de Justiça altere a matéria de facto dada como assente no Acórdão recorrido, com base no resultado das perícias médicas constantes dos autos.

                                                                      III

            Decisão:

 Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 01 de março de 2018

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha