Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
053793
Nº Convencional: JSTJ00008701
Relator: ABREU COUTINHO
Descritores: ARRENDAMENTO
USUFRUTO
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO DO NEGOCIO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195005100537931
Data do Acordão: 05/10/1950
Votação: MAIORIA COM 7 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 20-05-1950 ; BMJ 19, 305; RLJ 83,41
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1950
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 763.
D 5411 DE 1919/04/17 ARTIGO 9.
CCIV867 ARTIGO 643 ARTIGO 815 PARUNICO ARTIGO 1601 ARTIGO 2207.
L 2020 DE 1948/06/22 ARTIGO 41.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1947/02/25 IN BOL OF N39 PAG97.
ACÓRDÃO STJ DE 1939/02/03 IN COL OF ANO38 PAG29.
Sumário :
No dominio da legislação anterior a Lei n. 2030 a caducidade do arrendamento feito pelo usufruturario não se opera ipso jure com a extinção do usufruto. E se, findo este, o proprietario recebeu a renda e passou o respectivo recibo, considera-se renovado o arrendamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A e marido , B e mulher, , C e mulher D e mulher e E solteira, maior, todos residentes na vila da Amadora, recorreram para o Tribunal Pleno do acordão de folhas 214, alegando que ele se encontra em oposição com o acordão deste Supremo Tribunal de 25 de Fevereiro de 1947, publicado no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, a paginas 97 do seu n. 39, ao decidir, como decidiu, que a caducidade dos contratos de arrendamento por morte do usufrutuario se não opera ipso jure e tem de ser declarada judicialmente, e em oposição com o acordão tambem deste Supremo Tribunal, de 3 de Fevereiro de 1939, publicado na Colecção Oficial dos Acordãos deste Tribunal, ano 38, pagina 29, decidindo, como decidiu, que a renovação do arrendamento se pode operar pelo consentimento expresso ou tacito do proprietario e que, portanto, se, findo o usufruto, o proprietario recebeu a renda e passou ao que vinha sendo arrendatario o respectivo recibo, o arrendamento considera-se renovado, acordãos estes com transito em julgado e proferidos no dominio da mesma legislação.


Nisto se resumem os fundamentos do recurso porque a isto foram restringidos na alegação de folhas 269. E por isso mesmo nada mais foi apreciado no acordão de folhas 289 que declarou existente essa invocada oposição com os dois mencionados acordãos e, consequentemente, mandou que prosseguisse o recurso.


Alegaram a final sobre o seu objecto os recorrentes e o recorrido E apos o que apresentou o seu parecer o douto Representante do Ministerio Publico junto deste Tribunal.


O que tudo visto e considerado:


Existe efectivamente a alegada oposição, pois no citado acordão de 25 de Fevereiro de 1947 decidiu-se que caduca o arrendamento com a morte do usufrutuario e que, falecido este, o proprietario pode desde logo rescindir o contrato que ele fizera, o que sem duvida quer dizer que a caducidade do arrendamento não depende de declaração judicial, e no acordão de 3 de Fevereiro de 1939 foi decidido que o facto de o proprietario, posteriormente a morte do usufrutuario, ter recebido rendas não importa renovação do arrendamento.
Ora, isto e manifestamente o contrario do que decidido foi no acordão, em recurso de folhas 214.


Alegaram os recorrentes que os tres acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação, o que ficou ja reconhecido a folhas 390 e 391. E, porque isso e condição necessaria da admissibilidade do recurso para o Tribunal Pleno, em vista do que dispõe o artigo 763 do Codigo de Processo Civil, e fora de duvida que so a face dessa legislação ha-de ser agora encarado o problema e decidido o conflito cuja existencia acaba de ser verificada.
Essa legislação e toda anterior a Lei n. 2030, porque esta Lei foi publicada em 22 de Junho de 1948 e, portanto, não existia ainda quando foram proferidos os mencionados acordãos de 3 de Fevereiro de 1939 e 25 de Fevereiro de 1947 e nem a minima referencia a ela fez o acordão agora em recurso.


Importa acentuar isto porque os recorrentes na sua alegação de folhas 397 invocam varias disposições dessa Lei, dizendo mesmo que são de aplicar ao caso destes autos. Esquecem, assim, que neste recurso para o Tribunal Pleno o que ha a resolver e somente qual a interpretação a dar, quanto ao objecto em causa, aos artigos 9 do Decreto n. 4511 e aos artigos 1601 e 2207 do Codigo Civil em que os tres acordãos se basearam para decidirem, como decidiram, de maneira oposta.


E certo que no acordão em recurso, de folhas 214, se não considerou de aplicar ao caso qualquer disposição da citada lei n. 2030. Mas apurar se o Tribunal, assim procedendo, julgou bem ou julgou mal não cabe no ambito deste recurso.


Quanto a isso o acordão e mesmo inimpugnavel.


Constitui a tal respeito a ultima, a definitiva decisão.
Posto isto:


O problema a resolver e dos que mais discutidos tem sido e sobre eles se tem pronunciado em sentido diverso a jurisprudencia e a doutrina.
Aceite que, falecido o usufrutuario, logo caducou ipso jure o arrendamento por ele feito, não haveria ja que conhecer do segundo ponto da alegada oposição do julgador porque na realidade impossivel seria renovar um arrendamento ja caduco.


Mas na legislação a considerar nem a letra nem o espirito da Lei conduzem a um tal entendimento.


Não ha disposição legal que imponha a caducidade ou rescisão do arrendamento como consequencia necessaria da morte do usufrutuario ou, melhor, da extinção do usufruto.


E certo que, segundo o artigo 9 do Decreto n. 5411, os usufrutuarios não podem dar de arrendamento por tempo que exceda o seu usufruto. E ja os artigos 1601 e 2207 do Codigo Civil estabeleciam que o arrendamento feito pelo usufrutuario findaria quando findasse o usufruto.


Disto resulta indubitavelmente que, extinto este, o proprietario tem o direito de pedir a entrega do predio que pelo usufrutuario havia sido arrendado. Mas não quer isto dizer que ele esteja impedido de manter o arrendamento, de consentir a sua renovação.


E assim, para que se tenha por findo o arrendamento, na falta de acordo a tal respeito por parte do que vinha sendo arrendatario, ha-de o proprietario pedir a declaração judicial da sua caducidade.


Se, porem, em vez de a pedir, deixa continuar aquele na fruição do predio, e recebe dele a respectiva renda, entregando-lhe o correspondente recibo, reconhecendo-o, assim, como verdadeiro arrendatario e colocando-se a si proprio na situação de verdadeiro senhorio, e evidente que renunciou ao direito de dar por findo o arrendamento, de pedir a entrega do predio.
De tal renuncia são prova bastante os recibos, nos termos do paragrafo unico do artigo 815 do Codigo Civil.


Operou-se em tais circunstancias a renovação do arrendamento.
Esta mesma solução, que e a do acordão em recurso, apresenta-se como a mais aconselhada se se encara o problema tambem pelo seu lado moral, nunca de desprezar quando, em circunstancias de obscuridade e duvida, se procura dar a Lei a interpretação mais justa.


Basta para o por em relevo um caso como o dos autos.
E que seguir a opinião contraria, que foi a dos mencionados acordãos de 3 de Fevereiro de 1939 e 25 de Fevereiro de 1947, e admitir que o proprietario depois de estar durante mais de sete anos e meio a comportar-se como senhorio e a tratar com o ocupante do predio como com arrendatario, deixando-o, tranquilo e confiado, na sua fruição, recebendo dele as respectivas rendas e passando-lhe os recibos, possa vir, ao fim de tanto tempo, a juizo exigir o despejo, proclamando triunfalmente que não ha arrendamento, porque ele caducara havia perto de oito anos!
Como ja ficou dito, a questão tem de ser decidida a face da legislação anterior a Lei n. 2030. E nem como elemento de interpretação dessa Lei tem para o caso relevancia porque, se o facto de nela ter o legislador estabelecido que o recebimento de rendas pelo proprietario, findo o usufruto, não prejudica o seu direito de obter o despejo pode, como pretendem os recorrentes, significar que ele quis assim acabar com duvidas, escolhendo a doutrina que teve por melhor, pode tambem significar, como diz o recorrido, que ele assim procedeu precisamente porque no dominio da legislação anterior o recebimento das rendas, prejudicava a obtenção do despejo e por isso, entendendo que convinha alterar essa legislação, teve de para isso inserir na nova
Lei disposições especiais.


Não deve, porem, passar por despercebido que nessa Lei n. 2030 foi fixado ao proprietario o prazo de um ano para pedir o despejo, sucedendo, portanto, que, se dentro desse prazo o não pode, tem-se como renovado o arrendamento.
Pelo que fica exposto, negam provimento ao recurso e firmam o Assento seguinte:
No dominio da legislação anterior a Lei n. 2030 a caducidade do arrendamento feito pelo usufrutuario não se opera ipso jure com a extinção do usufruto.
E se findo este, o proprietario recebeu a renda e passou o respectivo recibo considera-se renovado o arrendamento.


Nas custas condenam os recorrentes.


Lisboa, 17 de Maio de 1950

Jose de Abreu Coutinho (Relator) - Campelo de Andrade - Alvaro Ponces - A. Bartolo - Lencastre da Veiga - Rocha Ferreira (Vencido na parte da redacção do assento, so por entender que devia abranger todos os arrendamentos celebrados pelos que tenham poderes temporarios de administração, visto os assentos se não poderem aplicar por analogia) - Pedro de Albuquerque - Bordalo e Sa (vencido enquanto a primeira parte do assento, pois votei que a caducidade se operava ipso jure, visto não haver lei que autorize a doutrina deste acordão, em relação aquela parte) - Artur A. Ribeiro (vencido porque entendo que a caducidade do arrendamento, feito pelo usufrutuario como senhorio, opera-se automaticamente, isto e, ipso jure. O recebimento de rendas ou quantias a titulo delas, apos a morte do senhorio usufrutuario, não importa renovação do arrendamento, porque não se renova o que não existe, e não existe o que caducou.


Esse recebimento importa apenas a criação de um arrendamento de facto, intitulado, com todas as consequencias que resulte da falta de titulos nos termos do Decreto n. 22661) - Roberto Martins (Vencido por entender que o arrendamento caduca ipso jure pelas razões constantes do voto que antecede e porque entendo que o simples facto do recebimento das rendas não importa renovação do contrato ou formação de um novo contrato) - Raul Duque (Vencido por entender que o arrendamento feito pelo usufrutuario caduca por morte deste ipso jure ou automaticamente e ate e esse o espirito da nova Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948 artigo 41. O recebimento das rendas pelo proprietario ja consolidado não constitui renovação do contrato feito pelo usufrutuario.


Morto este não ha renovação de contrato porque impossivel e renovar o contrato que ja não existe, nem ha contrato novo a que faltam as condições do artigo 643 do Codigo Civil. O facto do recebimento de rendas por um so dos comproprietarios em relação aos outros não implica da mesma forma renovação de contrato que ja não existia) - Mario de Vasconcelos (Vencido: a caducidade do contrato de arrendamento por morte do usufrutuario opera-se de direito. O artigo 9 do Decreto n. 5411 e terminante, ao dizer que o usufrutuario não pode dar de arrendamento por tempo que exceda o seu usufruto. Logo, falecendo, deixa de existir o usufruto, e por isso, o contrato. Neste caso o evento do qual dependia a caducidade era a extinção do usufruto, e, assim, falecendo o usufrutuario, titular do direito, ha a caducidade de direito. O vinculo juridico entre o arrendatario e o usufrutuario dissolveu-se. Quanto a segunda parte: o recebimento das rendas pelo proprietario do predio, depois do falecimento do usufrutuario, não importa renovação do contrato. Se o contrato caducou ha que fazer novo contrato e não renovar o que não existe). - A. Cruz Alvura (Vencido pelas razões dos votos anteriores.