Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1901/17.2T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA
EFEITOS
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
PRINCÍPIO DA COMUTATIVIDADE
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – Estando em causa um contrato de empreitada nulo por falta de forma, mas parcialmente executado, o dever de restituir tudo o que foi prestado pode consistir nas prestações efetivamente realizadas pelas partes, se o seu montante for equivalente. 

II – Permitindo os factos provados concretizar inteiramente a quantificação do dever de restituição a cargo das partes do contrato nulo, não se justifica que seja relegada para incidente de liquidação o cálculo desse valor que já foi pago, a título de preço devido pelos trabalhos executados pelo empreiteiro.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

AA, residente na......, instaurou a presente ação declarativa com processo comum, contra BB e mulher, CC, residentes em …, ….., pedindo que se condene estes a:

a - reconhecerem que em dezembro de 2013 celebraram um contrato de empreitada com o Autor para construção de uma casa de habitação unifamiliar;

b - reconhecerem que esse contrato de empreitada extinguiu-se por desistência dos Réus;

c - pagarem ao Autor a quantia de 53.450,00€, a título de trabalhos executados e não liquidados e prejuízos sofridos, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, dedicar-se à atividade de construção civil, edificando casas e que no exercício dessa sua atividade celebrou com os Réus um contrato de empreitada nos termos do qual se obrigou a construir para aqueles uma casa de habitação unifamiliar, tipo T4, constituída por 2 pisos, no lugar......., concelho ....., pelo preço de 190.000,00 euros, com IVA já incluído, a ser pago em oito prestações;

No decurso da obra, os Réus solicitaram ao Autor a realização de trabalhos não previstos na empreitada inicial, bem como alterações de alguns materiais a utilizar na obra, o que foi aceite mediante a obrigação dos Réus lhe pagarem € 2.000,00 referente à execução de um tanque/depósito de água;

Autor e Réus acordaram que, no final da obra, o valor daquele trabalho extra seria liquidado aquando do pagamento da última prestação, ou seja, no ato de entrega da obra;

No final de dezembro de 2015, por sugestão dos próprios Réus, o Autor contratou a “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra, pelo preço de 25.000,00 euros;

Acontece que no início de março de 2016, quando decorriam os trabalhos de acabamento interiores por parte da dita empresa, os Réus comunicaram ao Autor que não pretendiam que este continuasse os trabalhos, alegando que alguns trabalhos executados apresentavam defeitos e recusando-se a pagar o valor em débito ao Autor, que não aceitou essa posição dos Réus, referindo-lhes que os trabalhos de conclusão da obra estavam a decorrer e que procederia à eliminação dos defeitos que eventualmente existissem e sugerindo a realização de uma vistoria à obra;

Acontece que os Réus nunca mostraram interesse em realizar a dita vistoria, apesar das diversas interpelações promovidas pelo Autor.

Em 11 de março de 2016, o Autor, acompanhado do diretor técnico da obra e do seu advogado, deslocou-se à obra para acompanhar a execução dos acabamentos interiores e para verificar a existência das alegadas patologias e, bem assim procedimentos a adotar para a sua eliminação, mas foram proibidos de aceder à obra pelos responsáveis e funcionários da tal empresa que o Autor havia contratado para conclusão dos acabamentos interiores, os quais alegaram que tinham ordens dos Réus para impedirem o acesso do Autor à obra e que os trabalhos entregues pelo Autor em regime de subempreitada seriam liquidados diretamente pelos Réus à dita empresa.

Nesse mesmo dia, o Réu-marido, através do seu mandatário, reiterou essa posição que tinha sido notificada ao Autor aquando da deslocação à obra e solicitou que removesse os equipamentos que tinha nesta, alegando a existência de defeitos.

O Autor respondeu reiterando a indicação de uma data para efeitos de realização de uma vistoria técnica à obra a fim de verificar o estado da mesma e da possível existência de anomalias e acerto dos valores em dívida ao Autor.

Acontece que os Réus não mais contactaram o Autor e não lhe permitiram que desse continuidade aos trabalhos, sequer que verificasse e eliminasse eventuais defeitos, impossibilitando-o, inclusivamente que alguns trabalhos iniciados por subempreiteiros e objeto de pagamento integral por parte do Autor, fossem totalmente concluídos, como foi o caso do capoto, das caixilharias, entre outros, optando os Réus por desistirem do contrato, com o objetivo de não procederem ao pagamento do valor em dívida ao Autor, agindo de má fé e enriquecendo, dessa forma o seu património à custa do património daquele.

Do valor inicialmente acordado para execução da obra (€190.000,00), os Réus pagaram ao Autor a quantia de €118.750,00.

Ao referido valor pago pelos Réus ao Autor, deverá ser tido em conta a quantia de €25.000,00 referente aos trabalhos de acabamentos interiores objeto de subempreitada por parte do Autor à dita empresa Susazub e, bem assim a quantia de 13.800,00 euros que o Autor teria de despender para a conclusão integral da obra, do que resulta um crédito a favor do Autor de € 32.450,00, a que acresce o valor de 2.000,00 euros, correspondente ao preço dos trabalhos a mais que executou.

Acresce que o Autor tinha a expectativa de retirar um proveito da obra nunca inferior a 10% do valor da empreitada, ou seja, 19.000,00€, que os Réus estão obrigados a pagar-lhe, cifrando-se a quantia em dívida a 53.450,00€.

Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação e deduzindo reconvenção.

Invocaram a exceção da nulidade do contrato de empreitada celebrado, por alegada inobservância da forma escrita.

Invocaram a exceção do pagamento, alegando terem pago ao Autor a quantia total de 158.700,00 euros.

Impugnaram parte dos factos alegados pelo Autor.

Concluíram pela improcedência da ação.

Deduziram reconvenção, pedindo a condenação do Autor a pagar-lhes uma indemnização de 7.500,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Para tanto alegam que o Autor incumpriu com o prazo acordado para a conclusão da obra e que os trabalhos por ele executados apresentam os defeitos que identificam na contestação-reconvenção, com o que os privou do uso e do gozo da moradia, causando-lhes vários danos não patrimoniais.

Acresce que o Autor não pagou parte dos trabalhos aplicados na obra, vendo-se os Réus confrontados com interpelações feitas pelos fornecedores desses materiais, que pretendem que estes paguem o preço desses materiais, com o que o Autor colocou em crise o bom nome e a reputação dos Réus.

Acresce ainda, que os Réus pagaram à empresa subcontratada pelo Autor trabalhos, pelos quais já tinham entregue ao Autor a quantia de 5.110,00 euros, impondo-se que este restitua aos Réus essa quantia.

O Autor não replicou.

Dispensou-se a realização de audiência prévia, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da presente ação em 60.950,00 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas de prova, que não foram alvo de reclamação.

Conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e determinou-se oficiosamente a realização de perícia à obra.

Junto aos autos o relatório pericial, os Réus reclamaram deste, tendo essa reclamação sido atendida pelo tribunal a quo, que determinou que a senhora perita prestasse os esclarecimentos requeridos pelos Réus.

Prestados esses esclarecimentos, designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, da qual consta a seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o exposto:

1º- Julgo a presente ação apenas parcialmente procedente, pelo que:

a) Condeno os réus a reconhecerem que em dezembro de 2013 celebraram um contrato de empreitada com o Autor para construção de uma casa de habitação unifamiliar.

b) Condeno os réus a reconhecerem que o contrato de empreitada aludido em a) se extinguiu por desistência dos Réus.

c) Condeno os réus a pagarem ao Autor a quantia de € 7.125,00 (sete mil cento e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

d) Absolvo os réus do mais peticionado.

2º- Julgo totalmente improcedente a reconvenção formulada, pelo que absolvo o autor/reconvindo do pedido.

3º- Custas da ação por autor e réus, na proporção de ¼ para o autor e ¾ para os réus, e da reconvenção a cargo dos reconvintes.

4º- Registe e notifique”.

Inconformado com o assim decidido, o Autor e os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……., tendo este tribunal decidido o seguinte:

«Nesta conformidade, acordam os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a - revogam a parte dispositiva da sentença em que se condena os Réus a reconhecerem que o contrato de empreitada se extinguiu por desistência e se condena os Réus a pagarem ao Autor a quantia de 7.125,00 euros, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, e absolvem os Réus desses pedidos;

b - declaram o contrato de empreitada celebrado entre o Autor e os Réus nulo, por vício de forma;

c - condenam os Réus a restituírem ao Autor o valor dos trabalhos que executou para aqueles na execução desse contrato de empreitada nulo até à desistência da empreitada pelos Réus, a calcular nos termos acima apontados, deduzido da quantia de 118.750,00 (cento e dezoito mil setecentos e cinquenta) euros, que os Réus já pagaram ao Autor por via da execução desses trabalhos, cujo quantum restitutório relegam para incidente de liquidação;

d - no mais, confirmam a sentença recorrida. 

Custas da ação e do recurso interposto pelo Autor, por este e pelos Réus, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 60% para o Autor e em 40% pelos Réus, fazendo-se o rateio final no incidente de liquidação (art. 527º, n.ºs e 2 do CPC).

Custas da reconvenção e da apelação interposta pelos Réus, pelos últimos – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)».

Inconformados os réus interpõem recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

«1ª Os Recorrentes consideram que atento a matéria de facto dada como provada nos autos, impunha ao Venerando Tribunal da Relação a aplicação à matéria factual uma subsunção jurídica diferente.

2ª Considerando os Recorrentes, na sua modesta opinião, que o Tribunal da Relação fez uma incorreta aplicação do Direito aos factos dados como provados.

3ª A presente ação, fundou-se na celebração de um contrato de empreitada entre o Autor (empreiteiro) e os Réus (donos da obra), nos termos do qual o primeiro se obrigou a executar uma casa de habitação, pelo preço de 190.000,00 € com IVA incluído, a ser pago em 8 prestações, na realização de trabalhos a mais e na desistência da empreitada.

4ª Pretendeu, assim, o Autor, com fundamento nessa concreta causa de pedir, obter condenação dos donos da obra a pagar-lhe o preço dos trabalhos que executou, incluindo os trabalhos a mais que realizou, acrescido do lucro que obteria.

5ª Portanto, fundamentou-se a presente ação no disposto no artigo 1229º do C.C., pretendendo o empreiteiro ser indemnizado pelos Réus pelos gastos e trabalhos a mais que executou até à desistência da obra e pelos proveitos que deixou de obter.

6ª Deste modo, a causa de pedir em que o empreiteiro sustentou os seus pedidos é a celebração do contrato de empreitada.

7ª Os Recorrentes, na sua contestação, invocaram a nulidade do referido contrato de empreitada por vício de forma, considerando, contudo, o Tribunal da 1ª Instância, na sua decisão, considerou válido o referido contrato por observância da forma legalmente prescrita e, consequentemente, considerou que os gastos e trabalho do empreiteiro consistem na obra que executou.

8ª Concluindo o Tribunal da 1ª Instância na sua douta decisão que da prova produzida, o empreiteiro executou os trabalhos previstos até ao ponto 5º das condições de pagamento e que recebeu as prestações devidas por esses trabalhos por parte dos Réus, nada mais tendo a receber, até porque ficou provado e o próprio Autor o admitiu, que os trabalhos que dariam lugar ao pagamento da 6ª prestação foram subempreitados e foram já pagos pelos Réus ao subempreiteiro, sendo certo que nenhum outro trabalho o empreiteiro executou e daí absolveu os Réus daqueles pedidos.

9ª Contudo, o douto Tribunal da 1ª Instância na sua decisão condenou os Réus no pagamento da quantia de 7.125,00 €, correspondente a 10% do valor da obra, que não chegou a ser pago ao Autor a título de lucro da obra.

10ª Os Recorrentes em sede de recurso de Apelação, suscitaram novamente a nulidade do contrato de empreitada, por vício de forma, que mereceu, por parte do Venerando Tribunal da Relação, a procedência desse fundamento de recurso e consequente absolvição dos ora Recorrentes no pagamento dos 7.125,00 € a título de lucro ou proveito da obra.

11ª Mantendo o douto Tribunal da Relação inalterada a decisão da 1ª Instância relativamente à factualidade provada e não provada.

12ª Assim, consideram os Recorrentes em sede do presente recurso que mantendo-se inalterada tal factualidade, não poderia o douto Tribunal da Relação, na sua decisão, condenar os Recorrentes a restituir ao empreiteiro o valor dos trabalhos que executou para aqueles, na execução desse contrato de empreitada até à desistência da empreitada pelos Réus, ora Recorrentes, cuja quantia restitutória relegou para incidente de liquidação, isto porque, além do mais, que de seguida diremos, os Réus já tinham sido absolvidos desse pedido pelo Tribunal da 1ª Instância atento terem provado que pagaram todos os trabalhos executados.

13ª Como se sabe, a declaração de nulidade do contrato de empreitada tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelos contraentes por via do contrato inválido, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – cfr. art. 289º, nº 1, do C.C..

14ª Da matéria de facto dada como provada na 1ª Instância, que não foi alterada, resulta do ponto 22 que “Do valor inicialmente acordado para a execução da obra (190.000,00 €), os Réus pagaram ao Autor a quantia de 118.750,00 €.

15ª Concluindo o Tribunal de 1ª Instância que o Autor (empreiteiro) executou os trabalhos previstos até ao ponto nº 5 das condições de pagamento, já que ambas as partes admitem que o Autor recebeu as cinco primeiras prestações do preço acordado.

16ª Acrescentando o douto Tribunal da 1ª Instância “Se o Autor executou os trabalhos referidos e recebeu as prestações devidas por esses trabalhos, nada mais terá a receber pelos trabalhos executados (…)”.

17ª Pelo que, salvo melhor entendimento, tendo os Recorrentes demonstrado ter pago todos os trabalhos executados pelo Recorrido na obra e, por via disso, foram absolvidos desses pedidos e tendo transitado tal decisão em julgado quanto à matéria de facto dada como provada, não poderia o Venerando tribunal da Relação condenar os ora Recorrentes a restituir ao Recorrido um quantitativo restitutório a liquidar em incidente de liquidação.

18ª Isto por manifesta violação da factualidade dada como provada, do trânsito em julgado da decisão que absolveu os Recorrentes desses pedidos de condenação nos gastos e trabalhos, porquanto ficando provada em sede de 1ª Instância que o empreiteiro executou os trabalhos até ao ponto nº 5 das condições de pagamento e recebeu as prestações devidas por esses trabalhos e provando-se que nenhum outro trabalho executou, não poderia o douto Tribunal da Relação relegar para incidente de liquidação um valor que atento a factualidade dada como provada já foi pago pelos Recorrentes.

19ª Ao assim decidir, violou, entre outras, a decisão recorrida o disposto nos artigos 347º, 289º, nº 1 e 1229º, todos do C.C. e alíneas b) e d) do artigo 615º e alínea a) do nº 2 do artigo 616º, artigo 619º, artigo 666ºe alínea c) do nº1 do artigo 674º, todos do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

20ª O Acórdão sob recurso é nulo nessa parte da decisão, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 615º e alínea a) do nº 2 do artigo 616º e artigo 619º, todos do CPC, uma vez que, mantendo-se inalterada a factualidade dada como provada na 1ª Instância de que os recorrentes pagaram todos os trabalhos executados pelo recorrido e daí nessa sede a sua absolvição desse pedido, não especificou a douta decisão sob recurso os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a alteração da decisão da 1ª Instância e subsequente relegação desse valor para incidente de liquidação;

21ª Ocorrendo erro na subsunção jurídica dos factos dados como provados ao Direito aplicável porquanto salvo melhor entendimento provando-se que os Recorrentes pagaram todos os trabalhos executados pelo empreiteiro na obra, não poderia o douto Tribunal da Relação por manifesta contradição relegar para incidente de liquidação novamente o pagamento de tais trabalhos, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

Termos em que atento o supra exposto e com o mui douto suprimento de V.Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser proferida douta decisão que revogue essa parte da decisão que condenou os recorrentes a restituir ao recorrido o valor dos trabalhos que executou, relegando esse valor para incidente de liquidação.

Assim decidindo, farão V.Exªs a Costumada JUSTIÇA».


O recorrido apresentou contra-alegações, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, pugnando pela manutenção do decidido.

Sabido que é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

I – Nulidade do acórdão recorrido ao abrigo das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º, em conjugação com a alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º e com o artigo 619.º, todos do Código de Processo Civil (CPC).

II – Nulidade do contrato de empreitada e conteúdo do dever de restituição das partes, ao abrigo do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

   A – Os factos

«1º- O Autor dedica-se à atividade de construção civil, edificando casas de habitação e outros prédios, mediante contratos de empreitada celebrados com os donos das obras.

2º- Em dezembro de 2013 foi celebrado entre o Autor e os Réus um contrato de empreitada para construção de uma casa de habitação unifamiliar, tipo T4, constituída por 2 pisos, mais concretamente rés-do-chão e aproveitamento do desvão, no lugar ......., concelho .... .

3º- Tendo sido fixado para o efeito o preço de 190.000,00€ (cento e noventa mil euros), IVA incluído.

4º- O Autor comprometeu-se a executar os trabalhos descritos no caderno de encargos. 5º- Em contrapartida, os Réus assumiram a obrigação de pagar ao Autor o preço, consoante o desenvolvimento da obra, no valor global de 190.000,00€, comprometendo-se a pagar 8 (oito) prestações no valor de 23.750,00€ cada uma, nos termos seguintes:

1.ª Prestação - Assinatura do contrato------------------23.750,00€

2.ª Prestação - Conclusão 1.ª Placa---------------------23.750,00€

3.ª Prestação - Conclusão 2.ª Placa---------------------23.750,00€

4.ª Prestação - Conclusão Cobertura e Bruto Paredes-----23.750,00€

5.ª Prestação - Conclusão de capoto e revestimentos exteriores, assim como colocação de caixilharias, gesso, pladur e primeira fase de eletricidade e pichelaria------------23.750,00€

6.ª Prestação - Conclusão de eletricidade, iluminação e carpintarias, cerâmicos, sanitários e pinturas--------------------------23.750,00€

7.ª Prestação - Conclusão de arranjos exteriores--------23.750,00€

8.ª Prestação - Entrega da Obra------------------------23.750,00€,

Tudo como melhor se extrai de um documento denominado “Condições de Pagamento”, que faz parte integrante do caderno de encargos.

6º- As obras foram acompanhadas pelos Réus e pelo técnico responsável pela obra e pelo projeto.

7º- No final do mês de dezembro de 2015, o Autor procedeu à contratação da empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra, devidamente identificados no orçamento nº 2015/67, com data de 31/12/2015.

8º- Foi por sugestão do sogro do Réu, que o Autor procedeu à contratação da empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, em regime de subempreitada, para execução dos acabamentos interiores da obra.

9º- No início do mês de março de 2016, numa altura em que decorriam os trabalhos de acabamentos interiores por parte da dita empresa contratada em regime de subempreitada, os Réus comunicaram ao Autor que não pretendiam que este continuasse os trabalhos.

10º- Os Réus alegam que alguns trabalhos apresentavam defeitos.

11º- Os Réus recusam proceder ao pagamento de qualquer outro valor para além do que já pagaram ao Autor.

12º- O Autor não aceitou a posição assumida pelos Réus, referindo-lhes que os trabalhos de conclusão da obra estavam a decorrer e que procederia à eliminação dos defeitos que porventura pudessem existir, sugerindo uma vistoria à obra, conforme carta registada datada de 15.03.2016, remetida ao mandatário dos Réus.

13º- Os Réus nunca mostraram interesse em realizar a tal vistoria, apesar das diversas interpelações promovidas pelo Autor.

14º- No dia 11 de março de 2016, o Autor, acompanhado do diretor técnico da obra, Arquiteto DD, e do seu mandatário, deslocou-se à obra para acompanhar a execução dos acabamentos interiores e para verificarem a existência de alegadas patologias e procedimentos a adotar para a sua eliminação.

15º- Nessa altura, o Autor e o seu mandatário foram proibidos de aceder à obra pelos responsáveis e funcionários da tal empresa que o Autor havia contratado para conclusão dos acabamentos interiores, alegando que tinham ordens dos Réus para impedirem o acesso do Autor à obra.

16º- Referiu ainda um responsável daquela dita empresa que os trabalhos entregues pelo Autor em regime de subempreitada seriam liquidados diretamente pelos Réus, tudo sem a autorização ou consentimento do Autor.

17º- No próprio dia da deslocação do Autor à obra (11.03.2016), o então mandatário do Réu solicitou a remoção dos equipamentos que este tinha na obra e alegando a existência de defeitos.

18º- Em resposta ao referido ofício, naquele próprio dia 11.03.2016, o Autor, através do seu mandatário, solicitou, para além do mais, a indicação de uma data para efeitos de realização de uma vistoria técnica à obra para efeitos de verificação do estado da mesma e da possível existência de anomalias e acerto dos valores em dívida ao Autor.

19º- Apesar de todos os esforços encetados pelo Autor, os Réus não mais contactaram o Autor, não permitindo que o mesmo desse continuidade aos trabalhos de conclusão da obra nem de verificação e eliminação de eventuais defeitos.

20º- Impossibilitando, inclusive, que alguns trabalhos iniciados por subempreiteiros, e objeto de pagamento integral por parte do Autor, fossem totalmente concluídos, como foi o caso do capoto, das caixilharias, entre outros.

21º- Os Réus não permitiram ao Autor a execução dos trabalhos necessários à conclusão da obra em conformidade com o convencionado, alegando a existência de defeitos que, contudo, jamais permitiram que fossem corrigidos pelo Autor, nem tão pouco verificados.

22º- Do valor inicialmente acordado para execução da obra (190.000,00€), os Réus pagaram ao Autor a quantia de 118.750,00€ (Cento e dezoito mil setecentos e cinquenta euros).

23º- O Autor tinha a expectativa de retirar um proveito da obra nunca inferior a 10% do valor da empreitada, ou seja, 19.000,00€ (dezanove mil euros).

24º- O Autor e os Réus acordaram que aquele procederia à construção de uma moradia (chave na mão), com projeto e materiais incluídos pelo preço total de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros), com IVA incluído, a pagar faseadamente.

25º- O Autor não respeitou o prazo de conclusão da obra que deveria estar concluída em dezembro de 2015.

26º- Alguns trabalhos realizados pelo Autor na dita obra e numa altura em que os Réus já lhe tinham pago 118.750,00 € (cento e dezoito mil setecentos e cinquenta euros), sem qualquer recibo emitido por aquele, apresentavam defeitos.

27º- A obra apresentava diversas patologias, nomeadamente, a entrada de água nos arrumos do piso 0, com infiltrações na parede exterior da garagem, na sala, resultantes da falta de impermeabilização da varanda, com humidade no rés-do-chão por capilaridade; existindo ponte térmica nas caixas de estore; as cerâmicas das paredes dos WC estavam desalinhadas.

28º- A betonilha do rés-do-chão e do piso 1, com cerca de 2 cm de espessura, apresentava pouca resistência mecânica, consequência da sua reduzida espessura. Estando a betonilha executada sobre “pó de pico”, não sendo este um material usual e adequado para o efeito.

29º- Acresce que a obra não respeitava o projeto, conforme se pode atestar pelo projeto de térmica que indicava um isolamento de 6 cm sobre a laje do piso do rés-do-chão, mas não havia isolamento na obra.

30º- O teto falso estava com fungos, necessitando de ser substituído.

31º- Segundo o projeto de estruturas, a obra nas escadas interiores deveria ter uma laje armada com ferro de 16 espaçado a 15 cm e ferro de 10 mm espaçado a 15 cm e na obra nada disso foi feito.

32º- Os cerâmicos aplicados no terraço estavam todos desalinhados, acumulando água dentro do arrumo do terraço e falta de impermeabilização entre pedras de capeamento de muros e nos muros do terraço, o que origina a entrada de água pelas pequenas fissuras dos rebocos.

33º- Falta de saída da água escoada nas telas do terraço; falta de impermeabilização e drenagens na envolvente exterior da moradia, sendo tal impermeabilização e drenagem importante porque evita as infiltrações para a habitação ao nível do rés-do-chão.

34º- Falta de impermeabilização sob peitoris e soleiras em aço inox.

35º- A pintura exterior da habitação apresentava problemas de execução, não permitindo emendas, pelo que a reparação implicava a pintura integral do pano de parede.

36º- Os vãos exteriores da obra apresentavam diferentes alturas, ou seja, os que têm estores têm cerca de 1,8 m de altura e os que não têm estores têm cerca de 2 m de altura.

37º- O revestimento exterior em granito tinha as juntas desalinhadas e o revestimento das escadas exteriores foi executado com pedações de pedra com espessuras diferentes.

38º- O muro de suporte na parte de trás da moradia apresentava irregularidades pondo em perigo as pessoas e bens, tendo que ser demolido.

39º- Entretanto, aperceberam-se agora os Réus, com o decorrer das obras, que a rede de saneamento exterior foi mal executada e as escadas interiores tiveram que ser demolidas porque nem sequer tinham ferro.

40º- Os Réus decidiram desistir da obra.

41º- Os Réus pagaram à empresa “Susazub Unipessoal, Lda.”, a quantia de 29.274,04 € (vinte e nove mil duzentos e setenta e quatro euros e quatro cêntimos) referentes a alguns trabalhos por realizar.

42º- Os Réus também pagaram ao Autor a quantia de 40.000,00 €, com o esclarecimento de que foi para o pagamento do terreno onde a moradia veio a ser construída.

43º- Os Réus estão emigrados na Suíça e a construção da casa era um “sonho” que queriam ver realizado.

44º- Sentiram-se tristes e revoltados por não conseguirem viver na casa que sempre sonharam habitar.


Foram os seguintes os factos não provados:

a) O contrato foi integralmente cumprido pelo Autor no que diz respeito aos trabalhos contratados.

b) Já no decurso da execução da obra, os Réus solicitaram ao Autor a realização de trabalhos não previstos na empreitada inicial, bem como alterações de alguns materiais a utilizar na obra.

c) Todos os trabalhos a mais e despesas extraordinárias foram realizados no interesse, a pedido e na sequência de ordens dadas pelo dono da obra, ou seja, pelos aqui Réus, cuja execução o Autor aceitou levar a cabo, tendo aqueles assumido a obrigação de proceder ao pagamento da quantia de 2.000,00€ referente à execução de um tanque/depósito de água.

d) Autor e Réus acordaram que, no final da obra, o valor daquele trabalho extra, seria liquidado aquando do pagamento da última prestação, ou seja, no ato de entrega da obra.

e) O valor constante no dito orçamento (29.274,04€) foi, por acordo verbal entre o Autor e um responsável da dita empresa, “Susazub-Unipessoal, Lda., arredondado e definitivamente fixado na quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).

f) Para conclusão integral da obra, o Autor necessitava de despender a quantia de 13.800,00 € referente aos seguintes trabalhos:

- conclusão dos trabalhos de pichelaria; - conclusão do trabalho de eletricista;

- cerâmicos;

- colocação de 2 portões e gradeamento em inox; - calcetamento parcial do logradouro.

g) Os Réus pagaram ao Autor todos os trabalhos por este executados.

h) A demolição e construção do muro de suporte na parte de trás da moradia acarreta aos Réus uma despesa de 23.598,00 €.

i) O Autor já tinha dívidas a diversos fornecedores que exigiam aos Réus os respetivos pagamentos.

j) O desespero do Autor era tanto que chegou, inclusive, a deslocar-se ao Banco e falar com a gestora da conta dos Réus pedindo-lhe dinheiro da obra.

k) O chão dos diversos compartimentos da obra teve que ser todo retirado, porque os materiais empregues e aplicados pelo Autor não respeitavam o que foi acordado.

l) Os Réus já tinham pago ao Autor todos os trabalhos executados por este e respetivos materiais, nada mais tendo a pagar seja a que título for.

m) Os réus pagaram à empresa Susazub trabalhos que o Autor não realizou e pelos quais já tinha recebido o respetivo valor, no montante de 5.110,00 € (cinco mil cento e dez euros).

n) Apesar de terem pago ao Autor 158.750,00 €, vêem-se ainda com interpelações feitas por fornecedores para pagarem materiais, e cujo pagamento é da responsabilidade do Autor, estando assim o seu bom nome e reputação postos em causa.


B – Fundamentação de direito       

1. Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito e por omissão ou excesso de pronúncia

Entendem os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, que justifiquem a sua decisão de relegar o cálculo do montante a restituir para incidente de liquidação. Alegam que esta decisão carece de fundamento, uma vez que o tribunal recorrido manteve inalterada a matéria de facto fixada no tribunal de 1.ª instância e que, tendo sido pagas todas as tarefas realizadas pelo autor, nada há a restituir na decorrência da nulidade do contrato de empreitada.

            Mas não têm razão.

A circunstância de o Tribunal da Relação não ter alterado os factos fixados pelo tribunal ..... não exige que a decisão de direito seja a mesma que foi decretada pelo tribunal de 1.ª instância, desde logo porque à mesma factualidade foram aplicadas normas jurídicas distintas: o tribunal de 1.ª instância considerou o contrato de empreitada válido e extinto por desistência dos réus, enquanto o tribunal recorrido considerou-o nulo por falta de forma. A diferente qualificação dos factos é suscetível de conduzir a distintas argumentações jurídicas e a resultados também distintos no plano decisório. Para além de diferente enquadramento jurídico, a mesma factualidade pode ser interpretada de modo distinto pelas instâncias, com reflexo na solução jurídica dos casos.

Considerando o contrato de empreitada válido e o preço das prestações integralmente pago, o tribunal de 1.ª instância entendeu que os réus deviam ainda ao autor um valor de 7.125,00 euros, a título de lucro sobre os trabalhos que ainda estavam em falta e que o autor foi impedido de concretizar devido à desistência dos réus. Já o tribunal recorrido, aplicando o regime das consequências da nulidade, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, procedeu a uma liquidação do montante a restituir por cada uma das partes, recorrendo a um raciocínio lógico-dedutivo baseado no princípio da retroatividade da declaração de nulidade, segundo o qual os réus teriam de restituir o valor objetivo de mercado dos trabalhos realizados à data da desistência (descontada a parte que foi feita pela subempreiteira e paga diretamente a esta, o valor dos defeitos e dos trabalhos a mais que não se provou que o autor tivesse prestado) e o autor o preço recebido, de forma a permitir a obtenção da sua percentagem de lucro.

A nulidade do acórdão recorrido é confundida, pelos recorrentes, com o mérito da questão e serve apenas para exprimir a discordância destes em relação ao acórdão do Tribunal da Relação. Como se tem entendido neste Supremo Tribunal, «As nulidades da decisão visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento; a discordância relativamente à valoração dos factos e à interpretação da lei efectuada no acórdão recorrido não integra o vício de falta de fundamentação, sendo que o modo como as recorridas expressam o seu dissídio é a melhor evidência de que aquele não padece de obscuridade ou de ambiguidade» (Acórdão de 08-01-2019, Incidente n.º 1699/16.1T8PNF.P2.S2 - 1.ª Secção).

As nulidades são vícios intrínsecos a uma sentença ou a um acórdão e não formas de exprimir divergências de fundo. Por outro lado, a nulidade por vício de fundamentação inclui apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão, conforme jurisprudência dominante (cfr., entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-06-2016, proc. 781/11; Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/L.F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 763).

Na verdade, a suposta nulidade invocada pelos recorrentes não se reporta à estrutura da decisão em si mesma, tendo o acórdão recorrido esclarecido, de forma completa e coerente, os fundamentos de factos e de direito em que se baseou, não padecendo o acórdão de ininteligibilidade, nem apresentando qualquer vício de fundamentação. 

O acórdão recorrido também não apresenta qualquer nulidade, por omissão ou excesso de pronúncia, tendo decidido todas as questões que lhe foram suscitadas e não tendo apreciado qualquer questão que não coubesse no thema decidendum ou para a qual não tivesse competência.

Como é tradicional, o não conhecimento de todos os argumentos aduzidos pelas partes ou a errada interpretação dos factos feita na sentença não acarretam omissão ou excesso de pronúncia geradores da nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Segundo jurisprudência constante deste Supremo Tribunal «Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não quando deixe de apreciar os argumentos ou o conteúdo de documentos explicativos desses argumentos, invocados a favor da versão por eles sustentada – art. 615.º, al. d), 1.ª parte, do NCPC». No mesmo sentido, «Não há nulidade por excesso de pronúncia se o juiz aborda uma questão de direito nova, já que, não estando este sujeito às alegações das partes na sua tarefa de indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas, aquela abordagem se insere no que é objeto de conhecimento oficioso» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2018, Revista n.º 779/14.2TBEVR-A.E1.S1 - 2.ª Secção).  «O facto de o acórdão recorrido ter dissentido da interpretação do quadro legal formulada pelas instâncias não integra o vício do excesso de pronúncia» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-01-2019, Incidente n.º 1699/16.1T8PNF.P2.S2 - 1.ª Secção).

A decisão de relegar o cálculo do montante do dever de restituição para execução de sentença está dentro do poder oficioso do tribunal verificados determinados requisitos definidos pela lei e pela jurisprudência. A pertinência desta decisão é uma questão de fundo, que poderá configurar erro de julgamento, mas não é uma questão processual, suscetível de gerar nulidade do acórdão, devendo a bondade da solução ser conhecida em sede de apreciação de mérito e não de nulidades. 

Como tem entendido este Supremo Tribunal, «O enquadramento jurídico diverso do pugnado pela parte não integra excesso de pronúncia, antes assume assentimento no princípio ínsito no n.º 3 do art. 5.º do CPC (oficiosidade do julgador quanto à matéria de direito), que apenas se mostra cerceado pela imposição do contraditório na perspectiva de proibição das decisões surpresa (n.º 3 do art. 3.º do CPC)» (Acórdão de 19-12-2018, Revista n.º 301/12.5TCGMR.G2.S1 - 6.ª Secção).

Pelo que, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer nulidade, improcede a conclusão 20.ª da alegação de recurso.


Nulidade do contrato de empreitada

2.  O tribunal de 1.ª instância considerou que o contrato de empreitada não padecia de nulidade por vício de forma, uma vez que o empreiteiro (autor) e os donos da obra (réus) assinaram o caderno de encargos, em que constavam os elementos essenciais de um contrato de empreitada. Assim, o documento n.º 1, junto em anexo à petição, intitulado de “memória descritiva e justificativa”, consubstanciaria o contrato de empreitada escrito, tal exigido pela lei, celebrado entre Autor e Réus, que continha, na perspetiva do tribunal, o conteúdo mínimo obrigatório fixado no artigo 29º, n.º 1, do DL n.º 12/2004, de 09-01 (com as alterações introduzidas pelo artigo 7.º do DL n.º 18/2008, de 29-01),  à exceção da menção do alvará do Autor (empreiteiro), omissão essa que, no entanto, não determinaria a invalidade formal do contrato de empreitada celebrado.

Entendeu o tribunal de 1.ª instância, que o contrato se extinguiu por desistência dos réus. Todavia, como o autor executou os trabalhos referidos no caderno de encargos e recebeu as prestações devidas por esses trabalhos, nada mais teria a receber pelos trabalhos executados, até porque provado ficou e o próprio autor o admitiu, que os trabalhos que dariam lugar ao pagamento da sexta prestação foram entregues a outra empresa em subempreitada, tendo sido já pagos diretamente pelos réus ao subempreiteiro.

O tribunal condenou, assim, os réus ao pagamento ao autor de uma quantia de 7.125,00 euros, a título de proveito que o autor podia ter retirado da obra, caso não tivesse sido impedido de nela entrar para corrigir os defeitos, determinando que tal proveito seria correspondente a 10% do valor da obra, ou seja 19.000,00 euros, Contudo, julgou ainda que, não estando prevista uma parcela concreta a título de valor pelo lucro da obra, deve entender-se que tal lucro já se mostra diluído nas diversas prestações que foram sendo pagas, pelo que o autor apenas teria direito ao lucro que ainda podia receber caso o tivessem deixado terminar a obra, ou seja, € 7.125,00, correspondente a 10 % do valor da obra que não chegou a ser pago ao autor (190.000 euros menos os 118.750 euros recebidos, faltando pagar € 71.250,00 do preço acordado). 

Já o Tribunal da Relação entendeu que o contrato de empreitada era nulo por falta de forma, porque no citado documento n.º 1 não constava o mútuo consenso a que chegaram verbalmente o Autor, na qualidade de empreiteiro, e os Réus, na qualidade de donos da obra, “mas antes a “memória descritiva e justificativa” dessa obra, aquilo a que vulgarmente se denomina de “caderno de encargos”, o qual não configura o contrato de empreitada, mas que antes se destina a complementar e a concretizar esse contrato, mediante a especificação das obrigações nele assumidas por cada um dos contraentes”. Considerou ainda  o tribunal recorrido, na sua fundamentação, que «(…) não tendo o contrato de empreitada celebrado entre Autor e Réu sido reduzido a escrito, o mesmo é nulo e como tal insuscetível de produzir efeitos jurídicos na ordem jurídica e quanto aos já produzidos, impõe-se a destruição retroativa desses efeitos, mediante a obrigação dos contratantes de restituírem tudo o que tiverem prestado por via desse contrato inválido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º, n.º 1 do CC)».

O Tribunal da Relação enunciou os seguintes critérios para o cálculo do montante a restituir pelos réus, na sequência da declaração de nulidade de um contrato de empreitada parcialmente executado.

«No caso, em consequência daquele contrato de empreitada nulo, por vício de forma, o Autor executou, até à desistência da obra pelos Réus, os trabalhos que se extraem dos factos apurados nos pontos 1º a 4º, 6º a 7º, 9º, 10º, 12º, 14º, 15º, 17º, 19º, 20º, 26º a 39º da sentença, parte dos quais subcontratou à sociedade “Susazub Unipessoal, Lda.”, a quem adjudicou, em regime de subempreitada, a execução dos acabamentos interiores da obra e que executou esses trabalhos, pelo que perante a impossibilidade dos Réus de restituírem, em espécie, ao Autor esses trabalhos, por efeitos da parte final daquele n.º 1 do art. 289º do CC, impõe-se que os Réus restituam ao Autor o valor correspondente.

Desse valor a restituir pelos Réus ao Autor excluem-se, reafirma-se, os trabalhos que foram executados pela “Suzalub Unipessoal, Lda.” mas que foram pagos a esta sociedade pelos próprios Réus – art. 41º dos factos apurados.

Também se excluem os pretensos “trabalhos a mais” que o Autor pretende ter executado a pedido dos Réus, mas cuja execução não provou (cfr. als. b), c) e d) do elenco dos factos não provados).

Note-se que os factos apurados não permitem determinar o valor dos trabalhos executados pelo Autor até à desistência da empreitada por parte dos Réus, diretamente pelo primeiro ou através da “Suzalub”, tanto mais que parte desses trabalhos, mais concretamente, os identificados nos pontos 27º a 37º da facticidade apurada, apresentam defeitos.

Nesse contexto, o valor dos trabalhos executados pelo Autor, diretamente por si ou através da dita sociedade “Suzulab” até à desistência da obra, com as mencionadas exclusões (isto é, excluindo-se da obrigação de restituição o valor dos trabalhos a mais – não provados -e, bem assim os trabalhos executados pela “Suzulab”, mas que foram pagos à última pelos próprios Réus), corresponderá ao valor objetivo de mercado dos mesmos, acrescido do respetivo IVA (já que este imposto é devido ao Estado, por imposição legal, tendo de ser cobrado pelo Autor, não isento deste imposto, tanto assim que o valor de 190.000,00 euros acordado pela execução da obra, era com IVA incluído, o que demonstra que este não é dele isento e que terá de entregar esse imposto ao Fisco – arts. 1º, n.º 1, al. a), 2º, n.º 1, al. a), 4º, n.º 1, 7º, n.º 1, al. b), 16º, n.º 1 e 27º, n.º 1 do Código do IVA), necessário à realização dos mesmos, desvalorizados pelas deficiências/patologias com que o Autor os executou.

Quanto ao muro de suporte a que alude o ponto 38º dos factos apurados, e as escadas interiores identificados no ponto 39º dos factos apurados, dado que estes apresentavam irregularidades que levaram a que tivessem sido demolidas, naturalmente que o Autor não terá nada a receber, a título de restituição, por via da edificação desse muro e escadas, dado que as deficiências que os mesmos apresentavam, determinaram que tivessem de ser demolidos, não resultando, consequentemente, da sua edificação qualquer benefício económico para os Réus, pelo que o Autor nada terá direito a receber a título de restituição por via da edificação desse muro e escadas.

Ao valor a restituir pelos Réus ao Autor, cujo cálculo se processará da forma acabada de enunciar, impõe-se subtrair a quantia de 118.750,00 euros, já paga pelos Réus àquele (cfr. ponto 26º dos factos apurados).

O montante a restituir pelos Réus ao Autor corresponde a essa diferença.

No entanto, porque o tribunal não dispõe de elementos que permitam fixar o valor a restituir pelos Réus ao Autor, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2 do CPC, relega-se a fixação desse quantum restitutório para incidente de liquidação».


Todavia, para que seja possível proferir uma sentença de teor genérico ou ilíquido, relegando, para execução de sentença, a quantificação da dívida, a título de indemnização ou de restituição do valor na sequência de um contrato nulo, a jurisprudência exige a verificação de determinados pressupostos, confirme estipulado no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18-09-2018, proc. n.º 4174/16.0T8LRS.L1.S1).

«I - O tribunal deve condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: (i) que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor; e (ii) que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (art. 609.º do CPC).

II - O requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, i.e., ainda que não seja possível quantificar o seu montante.

III - Não tendo a autora logrado provar os danos que alegou, não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos».


Em síntese, é necessário que tenha ficado comprovada, na sentença, a existência do direito e da correspondente obrigação, e ainda que os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, ob. cit., p. 755).

O dever de restituição, na sequência da declaração de nulidade ou anulação de um negócio jurídico, comporta tão-só a restituição do que foi prestado (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), não implicando, a não ser que tenha ficado provado que o facto que deu origem à invalidade contratual tenha sido um facto ilícito, culposo e causador de danos (como sucede, por exemplo, com a coação moral e a coação física), qualquer dever de pagamento de uma indemnização ou de compensação pela perda de lucro. Ora, no caso vertente, tendo sido a causa de nulidade do contrato de empreitada um vício de forma, estamos perante uma ilicitude (violação de norma imperativa), mas não ficou provado, nem foi alegado, que a culpa dessa omissão da forma legal fosse imputável aos réus. A este propósito, pelo contrário, segundo a lei aplicável à data da celebração do contrato (dezembro de 2013) é ao empreiteiro que compete cumprir o ónus de verificação e de certificação da observância das exigências formais legalmente estabelecidas para a celebração do contrato (artigo 29º, n.º 2 e 4, do DL n.º 12/2004, de 09-01, com as alterações introduzidas pelo artigo 7.º do DL n.º 18/2008, de 29-01) e, em caso de nulidade por inobservância de forma, esta só pode ser invocada pelo dono da obra. Pelo que, a responsabilidade pela falta de forma nunca poderia recair sobre os donos da obra, réus na presente ação. Por outro lado, não ficaram demonstrados quaisquer danos causados ao autor/empreiteiro, uma vez que este recebeu o preço integral pelas prestações realizadas, como atesta a matéria de facto provada, preço que já incluiu, como é normal, uma margem de lucro correspondente.

Vejamos.

Na matéria de facto afirma-se o seguinte:

«22º- Do valor inicialmente acordado para execução da obra (190.000,00€), os Réus pagaram ao Autor a quantia de 118.750,00€ (Cento e dezoito mil setecentos e cinquenta euros) – destaque nosso

23º- O Autor tinha a expectativa de retirar um proveito da obra nunca inferior a 10% do valor da empreitada, ou seja, 19.000,00€ (dezanove mil euros).

24º- O Autor e os Réus acordaram que aquele procederia à construção de uma moradia (chave na mão), com projeto e materiais incluídos pelo preço total de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros), com IVA incluído, a pagar faseadamente».


O preço estipulado ficou de ser pago em oito prestações de 23.750,00 euros, conforme facto provado n.º 5:

«5º- Em contrapartida, os Réus assumiram a obrigação de pagar ao Autor o preço, consoante o desenvolvimento da obra, no valor global de 190.000,00€, comprometendo-se a pagar 8 (oito) prestações no valor de 23.750,00€ cada uma, nos termos seguintes:

1.ª Prestação - Assinatura do contrato-------------------23.750,00€

2.ª Prestação - Conclusão 1.ª Placa---------------------23.750,00€

3.ª Prestação - Conclusão 2.ª Placa---------------------23.750,00€

4.ª Prestação - Conclusão Cobertura e Bruto Paredes-----23.750,00€

5.ª Prestação - Conclusão de capoto e revestimentos exteriores, assim como colocação de caixilharias, gesso, pladur e primeira fase de eletricidade e pichelaria---------------------------------23.750,00€

6.ª Prestação - Conclusão de eletricidade, iluminação e carpintarias, cerâmicos, sanitários e pinturas---------------------------23.750,00€

7.ª Prestação - Conclusão de arranjos exteriores--------23.750,00€

8.ª Prestação - Entrega da Obra-------------------------23.750,00€,

Tudo como melhor se extrai de um documento denominado “Condições de Pagamento”, que faz parte integrante do caderno de encargos.»

Destas prestações foram pagas 5, no valor de 118.500,00 euros (facto provado n.º 22), correspondentes à parte da obra que foi realizada pelo autor. Os réus pagaram ainda, segundo o facto 41º, à empresa (subempreiteira contratada pelo autor) “Susazub Unipessoal, Lda.”, a quantia de 29.274,04 € (vinte e nove mil duzentos e setenta e quatro euros e quatro cêntimos) referentes a alguns trabalhos por realizar e, segundo o facto 42.º, os réus também pagaram ao autor a quantia de € 40.000,00, com o esclarecimento de que foi para o pagamento do terreno onde a moradia veio a ser construída.

Assim sendo, tem de se concluir que os factos provados permitem concretizar inteiramente a quantificação do dever de restituição a cargo dos réus, que coincide com o pagamento do preço relativo aos trabalhos realizados pelo autor, tendo de se considerar, também, que a margem de lucro do empreiteiro já estava incluída nesses pagamentos parcelares pagos a título de preço e de valor equivalente ao trabalho prestado. Em relação às restantes prestações que o autor foi impedido de realizar pelos réus, que não o deixaram entrar na obra (facto provado n.º 19), o autor não tem a receber a margem de lucro respetiva, pois não estamos perante um incumprimento de um contrato válido, mas perante a liquidação de um contrato nulo, que não produziu os seus efeitos jurídicos típicos tal como pretendidos pelas partes. A decisão judicial a proferir não incide sobre uma avaliação ético-jurídica do comportamento das partes, nem sobre o apuramento de responsabilidades, por não ter sido executado o contrato até ao fim, nem sobre as consequências da desistência, que garantiriam ao autor, nos termos do artigo 1229.º do Código Civil, uma indemnização pelo proveito que poderia tirar da obra. O Supremo não foi chamado a analisar um eventual incumprimento contratual nem a indemnização pelos danos causados pela desistência, mas apenas a determinar as consequências jurídico-económicas da nulidade para as partes de um contrato nulo parcialmente executado.

No caso vertente, não há necessidade de se recorrer, como fez o acórdão recorrido, à ficção jurídica de que os réus têm de restituir o valor objetivo de mercado (acrescido de IVA) dos trabalhos feitos pelo autor, descontando-se o valor das obras que foram demolidas por apresentarem defeitos, o pagamento feito diretamente à subempreiteira pelos réus, bem como os trabalhos a mais que o autor alegou, mas não provou, ter executado, subtraindo, por último, o montante que já foi pago pelos réus a título de preço. Este cálculo, para além de complexo e difícil de realizar, pois implicaria ainda uma decisão sobre quem suporta o ónus da inflação ou da deflação eventualmente verificadas, prolongaria por mais tempo o conflito judicial entre as partes, sem vantagens económicas relevantes para o autor, dado que teriam ser feitos os descontos enunciados pelo Tribunal da Relação ao valor de mercado objetivo da obra.

Alega o autor, nas suas contra-alegações, que as prestações pagas não correspondiam ao valor exato e real dos trabalhos efetivamente executados em cada uma dessas fases, tendo que se aferir o valor de mercado do trabalho prestado.

Todavia, como entendeu a sentença de 1.ª instância, verifica-se um paralelismo entre os trabalhos executados pelo autor e as prestações recebidas, “(…) até porque ficou provado e o próprio autor o admitiu, que os trabalhos que dariam lugar ao pagamento da sexta prestação foram subempreitados e foram já pagos pelos réus ao subempreiteiro, sendo certo que o autor nenhum outro trabalho executou”.

Por outro lado, dada a ocorrência de defeitos nesses trabalhos, que os autores tiveram de eliminar a expensas suas, não é ajustado, de um ponto de vista jurídico e racional, ficcionar valores de mercado para a obra (sem defeitos), para depois subtrair as despesas com os defeitos (v. factos n.º 26 a 39). Seria justo que o autor beneficiasse do valor de mercado da obra sem defeitos, para depois descontar o valor dos defeitos?  A que data se reportaria a avaliação? Qual seria o valor de mercado dos trabalhos realizados com defeitos?

A solução mais simples e ajustada às circunstâncias do caso é a de tratar a situação jurídica destes autos – um contrato nulo parcialmente executado – como um caso em que o dever de restituição das prestações coincide com o cumprimento parcial, já efetuado, do contrato nulo, nada mais havendo a restituir.

Esta solução respeita o princípio da justiça comutativa, transpondo a ideia e os critérios de equivalência entre as prestações realizadas pelas partes, em execução do contrato nulo, para a quantificação das obrigações recíprocas de restituição a cargo de cada uma delas.

O contrato nulo não é um nada jurídico, nem um ato inexistente. Nos casos em que um contrato de execução duradoura, como o contrato de empreitada, é declarado nulo, não é possível regressar ao estado anterior à celebração do contrato para aplicar de forma estritamente lógica o princípio da retroatividade dos efeitos da nulidade. Estamos, assim, perante uma situação que tem sido designada pela doutrina francesa, como um contrato sinalagmático de sentido inverso (cfr. Jean Carbonnier, Droit Civil, Volume II, Paris, 2004, n.º 1022, p. 2100), ou como um contrato putativo (Malaurie, «Cour de Cassation (Ch. Civ., Sect. Soc.), 8 avril 1957», Jurisprudence, Dalloz, 1958, p. 223) ou ainda como uma situação para-contratual (Pierre Hébraud, «Jurisprudence Française en Matière de Procédure Civile», RTDC, 1949, p. 298).  A retroatividade não pode ser uma ficção, servindo antes como um instrumento ou técnica jurídica de correção de relações contratuais defeituosas, tendo em conta as realidades materiais e económicas anteriores à anulação ou à declaração de nulidade.

A restituição da margem de lucro que o autor teria obtido se tivesse sido admitido a corrigir os defeitos da obra e a terminá-la, como pretendia, pressupõe a validade do contrato de empreitada, tese que foi rejeitada pelo acórdão recorrido, que declarou a nulidade daquele negócio jurídico por falta de forma. Sendo o contrato nulo, os réus não tinham qualquer dever de o cumprir, adjudicando a continuação da obra ao empreiteiro a fim de que este a terminasse. Por outro lado, a circunstância de a obra apresentar defeitos, conforme factos provados 26 a 39, que o empreiteiro teria de corrigir, se, como era sua vontade, fosse admitido a terminar a obra, não permite concluir que o autor tenha suportado danos decorrentes do facto de os réus terem adjudicado a obra a terceiros. Assim, não há lugar, por falta dos pressupostos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, a quantificação do dever de restituição do valor, em execução de sentença. 

Revoga-se, pois, o acórdão recorrido, e absolve-se os réus de qualquer pagamento adicional ao que já foi prestado.

           

Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – Estando em causa um contrato de empreitada nulo por falta de forma, mas parcialmente executado, o dever de restituir tudo o que foi prestado pode consistir nas prestações efetivamente realizadas pelas partes, se o seu montante for equivalente. 

II – Permitindo os factos provados concretizar inteiramente a quantificação do dever de restituição a cargo das partes do contrato nulo, não se justifica que seja relegada para incidente de liquidação o cálculo desse valor que já foi pago, a título de preço devido pelos trabalhos executados pelo empreiteiro.


III – Decisão

Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, absolvendo os réus de qualquer pagamento.

No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pelo recorrido.


Supremo Tribunal de Justiça, 22 de junho de 2021


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Alexandre Reis (1.º Adjunto)

Pedro Lima Gonçalves (2.º Adjunto)

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto). 

(Maria Clara Sottomayor – Relatora)