Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
763/15.9T8LSB.L1-B.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO FINAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO RECEBIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, p. 57, 356, 358
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil Os Artigos da Reforma, Volume II, p. 145, 146, e 360;
- Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, p. 306 e 441.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 18-09-2014, PROCESSO N.º 1852/12;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 6975/09;
- DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1;
- DE 20-09-2016, PROCESSO N.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1;
- DE 06-10-2016, PROCESSO N.º 89/13;
- DE 29-11-2016, PROCESSO N.º 167/15;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 105/14.0TVL5B.G1.S1;
- DE 07-11-2017, PROCESSO N.º 1947/12;
- DE 08-02-2018, PROCESSO N.º 810/13;
- DE 08-01-2019, PROCESSO N.º N.º27/12, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 28-10-2015, PROCESSO N.º 2248/05.2TBSJM.
Sumário :
I - O acórdão da Relação que julga verificada uma nulidade processual ocorrida em momento antecedente à declaração da deserção e determina o prosseguimento dos autos não constitui uma decisão final nem versou sobre uma decisão interlocutória, não sendo, como tal, enquadrável na previsão do n.º 1 e do n.º 2 do art. 671.º do CPC.

II - A admissão da revista com fundamento em oposição de julgados pressupõe, fora do contexto delineado no n.º 2 do art. 671.º do CPC, que o acórdão da Relação conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo.

III - A conveniência na resolução de conflitos jurisprudenciais ao nível da Relação não justifica que, ao arrepio do quadro legal vigente, se crie uma nova via recursória.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I - Relatório

Na presente acção declarativa de condenação intentada por:

a) “AA”, representado pela “BB”;

b) “CC”,

c) “DD”, representado pela “BB”;

d) “EE”, representado pela “BB”;

e) “BP Pension Trustees Limited”,

f) “FF”,

g) “GG”, representado pela “BB”,

h) “HH”, representado pela “BB”;

i) “II”,

j) “JJ”, representado pela “BB”;

k) “KK”, por referência à “KK - European Aggressive Fund” por referência à “KK - European Aggressive Pool”,

l) “KK”, por referência à “KK - Ibéria Fund, por referência à KK - Iberia Pool”,

m) “KK Investment Funds” por referência à “KK Index Europe Ex UK Fund”;

n) “KK Investment Funds” por referência à “KK Index World Fund”, “LL”, representado pela “BB”;

o) “LL FlexPERP”, representado pela “BB”;

p) “MM”, representado pela “BB”;

q) “NN”, representado pela “BB”;

r) “OO”, “PP - R Actions Euro”, representado pela “BB”;

s) “QQ Multi-Manager Actions Euro”, representado pela “BB”;

t) “RR Actions R.”, representado pela “BB”;

u) “SS”;

v) “TT”, representado pela “BB”;

w) “UU Actions Euro”, representado pela “BB”;

x) “UU Convertibles”, representado pela “BB”;

y) “VV”, representado pela “BB”;

z) “XX Convertibles Europe”, representado pela “BB”;

aa) “XX Euro”, representado pela “BB”;

bb) “XX Europe”, representado pela “BB”;

cc) “ZZ”, representado pela “BB”;

dd) “AAA”, representado pela “BB”;

ee) “BBB”, representado pela “BB”;

ff) “CCC”, representado pela “BB”;

gg) “DDD”, representado pela “BB”;

hh) “EEE”, representado pela “BB”;

ii) “FFF”, representado pela “BB”;

jj) “GGG” e

kk) “HHH & Catering”

contra:

a) “Banco III, S.A..”;

b)  JJJ;

c)  KKK;

d)  LLL;

e)  MMM;

f)  NNN;

g)  OOO;

h)  PPP;

i)  QQQ;

j)  RRR;

k)  SSS;

l)  TTT;

m)  UUU;

n)  VVV;

o)  XXX;

p)  ZZZ;

q)  AAAA;

r)  BBBB;

s)  CCCC;

t)  DDDD;

u)  EEEE;

v)  FFFF;

w)  GGGG;

x)  HHHH;

y)  IIII;

z)  JJJJ;

aa)  KKKK;

bb)  LLLL;

cc)  “MMMM - Revisores Oficiais de Contas, S.A..”,

dd)  NNNN e

ee) “Banco III de Investimento, S.A.”,

foi, por despacho de 31 de Janeiro de 2017, declarada a deserção da instância.

Os AA. “AA” e Outros arguiram a nulidade dessa decisão, invocando, entre o mais, que foi omitida a prolação de um despacho que lhes indicasse que o processo aguardava o impulso do demandante e que tal omissão influía na resolução da causa, constituindo aquela uma decisão-surpresa.

Ainda irresignados com a mesma decisão, os mesmos AA. dela apelaram para a Relação de Lisboa que, por Acórdão de 23 de Novembro de 2017, decidiu:

“Em face do exposto, acordam os Juízes desta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto do despacho que declarou extinta a instância por deserção, declarando-se nulo esse despacho, e, em consequência, determina-se a remessa do processo à 1ª instância para prosseguimento dos autos em conformidade.”.


Desta decisão, vêm interpostos recursos de revista pelos RR. OOO, PPP, DDDD, “MMMM, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A.” e NNNN. Ulteriormente.

Os RR. UUU, GGGG, SSS e TTT, por sua vez, aderiram à revista interposta pelo R. DDDD.


O primeiro Recorrente finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

“A) - A deserção verifica-se quando a falta de impulso processual é imputável à parte a título de negligência e perdurar por mais de seis meses;

B) - A deserção da instância tem natureza compulsória, destinando-se a tutelar a celeridade processual e a boa gestão dos serviços, mas também os interesses dos demandados, relativamente aos quais não é tolerável que fiquem indefinidamente submetidos a uma demanda a cuja tramitação os demandantes negligenciam providenciar;

C) - A deserção da instância tem igualmente uma natureza sancionatória visando a punição da inacção negligente das partes;

D) - A decisão da 1ª instância que decretou a extinção da instância por deserção foi proferida depois que os ora Rec. dos se pronunciaram sobre o pedido naquele sentido deduzido pelo ora Reate;

E) - A lei não prevê qualquer despacho prévio, mormente cautelar ou de alerta à decisão de extinção da instância por deserção.

F) - O princípio da autoresponsabilidade processual das partes não soçobra face aos deveres de gestão processual e de cooperação que a lei (art° 6º e 7º do C.P.C.) faz impender sobre o Juiz: se a parte negligenciou, "sibi imputet";

G) - A extinção da instância deve ser decretada uma vez verificada a falta de impulso processual por mais de seis meses decorrente de negligência objectiva e imediatamente espelhada nos autos, sem prejuízo do direito de impugnação, se no caso não se verificar a negligência;

H) - O douto acórdão recorrido, decidindo como decidiu, acolheu a tese contrária à consagrada nos doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-9-2015, 20-9-2016 e 14-12-2016, proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio do mesmo quadro normativo e já transitados em julgado, inexistindo acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em causa conforme com o douto acórdão recorrido.

I) - O douto acórdão recorrido, decidindo como decidiu, infringiu o disposto no art° 281° n° 1 do C.P.C, e subverteu os princípios da autoresponsabilidade processual das partes, da cooperação e do dever de gestão processual consagrados nos art°s 6º n° 1 e 7º nº 1 do mesmo diploma legal;

 J) - O douto acórdão recorrido está, assim, em contradição designadamente com o supra citado douto acórdão do S.T.J. de 20-9-2016, na medida em que determina:

1) - Que a falta de impulso processual por parte dos autores por mais de seis meses, e não tenho estes alegado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, não constitui omissão de impulso e qualificar necessária e automaticamente como negligente e não implica a deserção da instância;

2) - Que a negligência a que se refere o n° 1 do art° 281° do C.P.C, é uma "negligência que tem de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, não se tratando de uma negligência ali objectiva e imediatamente espelhada "(negligência processual ou aparente)";

3) - Que o princípio da autoresponsabilidade das partes foi minimizado no processo civil, pelo que, se a parte incumprir o seu dever de promoção processual e não foi advertida expressamente por despacho para as consequências da sua inércia, são imputáveis ao Tribunal, e não a ela, as respectivas consequências;

L) - Para a hipótese de se entender que importa designar um só acórdão fundamento, desde já se indica como tal o douto acórdão do S.T.J. de 20-9-2016;

Termos em que,

Deve conceder-se provimento ao recurso de revista e revogar-se o douto acórdão recorrido, resolvendo-se o indicado conflito jurisprudencial no sentido decidido nos supra citados doutos acórdãos do S.T.J., e em particular, no douto acórdão designado na ala L) das conclusões, ordenando-se a devolução do processo ao Tribunal da Relação para que conheça dos demais fundamentos da apelação e, se fôr o caso, da matéria da ampliação requerida pelo ora Rec.te.

Mais requer nos termos e para os efeitos do art° 6º n° 7 do R.C.P. a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta que a análise dos fundamentos da revista e a decisão da mesma não envolve questões de facto e, ou, de direito complexas, que a presente alegação não é prolixa e que não suscita qualquer questão de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diversificado. (art° 530° n° 7 do C.P.C.).

Aliás, caso não viesse a ser concedida a dispensa do remanescente da taxa de justiça, verificar-se-ia inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20º da C.R.P., conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos art°s 2º e 18º nº 2, 2ª parte, do mesmo diploma fundamental, das normas dos art°s 6º nºs 1, 2 e 7, 7º nº 2, 11º e 14º do R.C.P., conjugadas com a tabela l-B do regulamento, interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, considerando a reduzida complexidade da questão e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título (cfr. Ac.s do Trib. Const. de 15-7-2013 e 25-9-2007; Ac. S.T.J. de 12-12-2013; Ac.s da Relação de Lisboa de 22-10-2009, 25-2-2010, 20-9-2011 e 3-7-2012).


O segundo Recorrente, por seu turno, rematou a sua alegação recursiva, elencando as seguintes Conclusões:

 “A) - A deserção verifica-se quando a falta de impulso processual é imputável à parte a título de negligência e perdurar por mais de seis meses;

B) - A deserção da instância tem natureza compulsória, destinando-se a tutelar a celeridade processual e a boa gestão dos serviços, mas também os interesses dos demandados, relativamente aos quais não é tolerável que fiquem indefinidamente submetidos a uma demanda a cuja tramitação os demandantes negligenciam providenciar;

C) - A deserção da instância tem igualmente uma natureza sancionatória, visando a punição da inação negligente das partes;

D) - A decisão da 1ª instância que decretou a extinção da instância por deserção foi proferida depois que os ora recorridos se pronunciaram sobre o pedido naquele sentido deduzido pelo Réu Rui Silveira;

E) - A lei não prevê qualquer despacho prévio, mormente cautelar ou de alerta, à decisão de extinção da instância por deserção;

F) - O princípio da autoresponsabilidade processual das partes não soçobra face aos deveres de gestão processual e de cooperação que a lei (arts 6º e 7º do C.P.C.) faz impender sobre o Juiz: se a parte negligenciou, "sibi imputet;

G) - A extinção da instância deve ser decretada uma vez verificada a falta de impulso processual por mais de seis meses decorrente de negligência objetiva e imediatamente espelhada nos autos, sem prejuízo do direito de impugnação, se no caso não se verificar a negligência;

H) - O acórdão recorrido, decidindo como decidiu, acolheu a tese contrária à consagrada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-9-2015, 20-9-2016 e 14-12-2016, proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio do mesmo quadro normativo e já transitados em julgado, inexistindo acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em causa conforme com o acórdão recorrido.

I) - O acórdão recorrido, decidindo como decidiu, infringiu o disposto no arte 281º nº 1 do C.P.C, e subverteu os princípios da autoresponsabilidade processual das partes, da cooperação e do dever de gestão processual consagrados nos artºs 6º nº 1 e 7º nº 1 do mesmo diploma legal;

J) - O acórdão recorrido está, assim, em contradição designadamente com o supra citado acórdão do S.T.J. de 20-9-2016, na medida em que determina:

1) - Que a falta de impulso processual por parte dos autores por mais de seis meses, e não tenho estes alegado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, não constitui omissão de impulso e qualificar necessária e automaticamente como negligente e não implica a deserção da instância;

2) - Que a negligência a que se refere o nº 1 do artº 281º do C.P.C, é uma "negligência que tem de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, não se tratando de uma negligência ali objetiva e imediatamente espelhada "(negligência processual ou aparente)";

3) - Que o princípio da autoresponsabilidade das partes foi minimizado no processo civil, pelo que, se a parte incumprir o seu dever de promoção processual e não foi advertida expressamente por despacho para as consequências da sua inércia, são imputáveis ao Tribunal, e não a ela, as respetivas consequências;

L) - Para a hipótese de se entender que importa designar um só acórdão fundamento, desde já se indica como tal o acórdão do S.T.J. de 20-9-2016;

Termos em que,

Deve conceder-se provimento ao recurso de revista e revogar-se o acórdão recorrido, resolvendo-se o indicado conflito jurisprudencial no sentido decidido nos supracitados acórdãos do S.T.J., e em particular, no acórdão designado na al. L) das conclusões, ordenando-se a devolução do processo ao Tribunal da Relação para que conheça dos demais fundamentos da apelação e, se fôr o caso, da matéria da ampliação requerida pelo Réu OOO.

Mais requer, nos termos e para os efeitos do artº 6º nº 7 do R.C.P. a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta que a análise dos fundamentos da revista e a decisão da mesma não envolve questões de facto e, ou, de direito complexas, que a presente alegação não é prolixa e que não suscita qualquer questão de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diversificado, (artº 530º nº 7 do C.P.C.).

Aliás, caso não viesse a ser concedida a dispensa do remanescente da taxa de justiça, verificar-se-ia inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artº 20º da C.R.P., conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artºs 2º e 18º nº 2 – 2ª parte, do mesmo diploma fundamental, das normas dos artºs 6º nºs 1, 2 e 7, 7º nº 2, 11º e 14º do R.C.P., conjugadas com a tabela l-B do regulamento, interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, considerando a reduzida complexidade da questão e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título (cfr. Ac.s do Trib. Const. de 15-7-2013 e 25-9-2007; Ac. S.T.J. de 12-12-2013; Ac.s da Relação de Lisboa de 22-10-2009, 25-2-2010, 20-9-2011 e 3-7-2012.


O terceiro Recorrente, por sua vez, finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1) O presente recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ("acórdão recorrido") que, julgando procedente o recurso interposto pelos Autores, ora Recorridos, declarou nulo o despacho da 1ª Instância que declarou extinta a instância por deserção e determinou a remessa do processo à 1ª Instância para prosseguimento dos autos.

2) O objeto do presente recurso consiste, assim, em saber se a deserção da instância ocorre independentemente de ser precedida de despacho de alerta, ou cautelar, dirigido à parte a quem compete o impulso processual, advertindo-a para as consequências da persistência da sua inação.

3) O acórdão recorrido, ao considerar que "o Mmo. Juiz antes de proferir o despacho que declarou deserta a instância deveria ter proferido despacho com a expressa advertência de que a falta de impulso processual podia ter como consequência a extinção da instância por deserção", encontra-se em clara oposição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28 de outubro de 2015, proferido no processo n^ 2248/05.2TBSJM, e que constitui o acórdão-fundamento dos presentes autos de recurso (certidão judicial junta sob o n.º 1), nos termos do qual, sob o âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, foi decidido que a deserção da instância ocorre independentemente de qualquer despacho cautelar ou de alerta.

4) Tal determina que o presente recurso deva ser admitido, ao abrigo do artigo 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, uma vez que o acórdão recorrido se encontra em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão-fundamento identificado, proferido por outro tribunal da relação, e dele não cabe recurso ordinário por motivo que é estranho à alçada da relação.

5) O acórdão recorrido encontra-se, também, em contradição com os acórdãos do STJ datados de 20.09.2016 (processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, Relator JOSÉ RAINHO - certidão judicial junta sob o n.º 2), e de 14.12.2016 (processo nº 105/14.0TVL5B.G1.S1, Relator SALAZAR CASANOVA - certidão judicial junta sob o n.º 3), ambos proferidos em casos em que não só não houve qualquer advertência expressa à parte para a prática de um ato sob pena de deserção, como não foi dada oportunidade às partes para se pronunciarem previamente à declaração da deserção, por se ter entendido que tal não seria necessário ao abrigo do disposto no artigo 281º do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.

6) Também estes acórdãos tratam e resolvem, no domínio da mesma legislação e em sentido totalmente divergente, a mesma questão jurídica decidida pelo acórdão recorrido, em clara contradição com o mesmo.

7) O artigo 629, n.º 2, alínea d), do CPC apenas refere a possibilidade de recurso de revista por contradição de julgados entre acórdãos das relações mas, por maioria de razão, deve ser interpretada aquela norma como admitindo revista quando a aludida contradição se verificar relativamente a um acórdão do STJ.

8) Assim, para a hipótese de se entender inexistir contradição do acórdão recorrido com o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa (doc. 1) identificado como acórdão-fundamento, o que não se concede mas apenas se equaciona por dever de patrocínio, sempre deverá o presente recurso ser admitido por ser manifesta a contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos do STJ acima referenciados como acórdãos-fundamento (docs. 2 e 3), em primeiro lugar o proferido em 14.12.2016 (processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1) e, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, o acórdão datado de 20.09.2016 (processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1).

9) Contrariamente ao entendimento veiculado no acórdão recorrido, a parte a qual compete a iniciativa processual não tem de ser advertida de que o processo se encontra a aguardar o seu impulso processual, sob pena de deserção, pois que a lei (art. 281º do CPC) não prevê, nem exige, tal comunicação.

10) É a própria lei que fixa um prazo (de 6 meses), dela resultando que, decorrido esse prazo, se o processo se mantiver a aguardar impulso processual da parte, o tribunal não pode deixar de considerar verificada ipso facto, a deserção: a advertência é, assim, no caso da deserção, feita pela própria lei.

11) E nem se diga, como é referido no acórdão recorrido, que constitui requisito do artigo 281º, n^ 1, do CPC "[q]ue o juiz alerte a parte onerada para a deserção da instância que ocorrerá se o ato não for praticado", requisito este não expresso mas decorrente da sua interpretação à luz do dever de gestão processual; gerir o processo, no âmbito do dever inserido no nº 1 do artigo 6º do CPC, não implica que o juiz se deva substituir às partes na observância dos ónus que sobre elas impendem e, principalmente, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes que a ressalva do nº 1 do artigo 6º - "sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes" - e o artigo 7.º, n.º 1, ambos do CPC, mantém e constitui limite àquele dever de gestão processual.

12) A tese veiculada no acórdão recorrido representa uma verdadeira nova oportunidade para a parte que não observe o ónus processual que lhe incumbe, desresponsabilizando-a, para além de esvaziar de conteúdo e/ou utilidade processual o instituto da deserção da instância, que sanciona a inação processual negligente, e de poder consubstanciar, a aceitar-se, uma violação do princípio da igualdade das partes.

13) Para efeitos de enquadramento do que se discute dos presentes autos, não se pode deixar de referir que tendo sido substancial a alteração introduzida nesta matéria em discussão (como, aliás, noutras) pelo Código de Processo Civil aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de junho, após o termo do período transitório de aplicação do novo CPC, quaisquer requisitos e/ou alertas para o novo regime da deserção - ou quaisquer outros - deixaram de ter qualquer enquadramento legal - veja-se, a este propósito, o acórdão da Relação do Porto de 2.2.2015, proferido no proc. 4178/12.2TBGDM.PI.

14) A instituição de um regime mais severo para a deserção da instância encontra a sua génese nos motivos subjacentes à reforma do CPC de 2013 (cfr. exposição de motivos da Proposta de Lei n.s 113/XII, páginas 2 e 3): i.e.; razões económicas do estado e combate à morosidade da justiça, nomeadamente ao exercício de faculdades dilatórias, aos atrasos injustificáveis, aos vícios que impõem as pendências patológicas e às irresponsabilidades processuais, visando-se, assim, com esta reforma, assegurar a celeridade e eficácia da justiça, através da responsabilização de todos os intervenientes processuais, por forma a evitar custos desnecessários com a manutenção injustificável de recursos do Estado afetos à pendência de processos parados.

15) A jurisprudência maioritária considera - e bem - que a deserção da instância ocorre sem que deva ser precedida de despacho de alerta, ou cautelar, dirigido à parte a quem compete o impulso processual, advertindo-a para as consequências da persistência da sua inação (cfr. a titulo exemplificativo, acórdãos do tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, do STJ de 20.09.2016 e 14.12.201, do tribunal da Relação de Lisboa de 6.6.2017, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.9.2015, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt e melhor identificados no corpo da alegação).

16) Pelo que, o acórdão recorrido, ao declarar nulo, nos termos e com os fundamentos com que o fez, o despacho de primeira instância que julgou extinta a instância por deserção, violou, por erro de interpretação e aplicação, os princípios, regime e o disposto nos artigos 6Q, 7^ e 2819 do Código de Processo Civil.

17) Deve, assim, o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e confirmado o despacho proferido em primeira instância, confirmando-se a extinção da instância por deserção.”.


As Recorrentes, outrossim, encerraram a minuta recursória com as seguintes conclusões:

1.ª - Decorre do disposto no art. 630.°, n.° 2, do C.P.C, que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.° 1 do art. 195.°, como seria o caso da invocada pelos Autores.

2.ª - O recurso interposto pelos Autores do douto despacho de 24.3.2017 não deveria, por isso, ter sido admitido e, de todo o modo, a questão da alegada omissão do despacho de advertência para o risco de deserção deve ter-se como definitivamente resolvida nos presentes autos, dado que a decisão contida naquele despacho de 24.3.2017 não pode ser alterada.

3.ª - Ao não ter assim decidido, o douto acórdão recorrido violou o caso julgado formado na acção relativamente à inexistência de nulidade processual e extraiu, por isso, consequências indevidas do facto de não ter sido proferido despacho a advertir os Autores da possibilidade de deserção da instância — assim aplicando erradamente a norma do art. 195.°, n.° 1, do C.P.C..

4.ª - Não existem fundamentos para se julgar nulo o douto despacho que declarou deserta a instância por suposta omissão de advertência aos Autores sobre a possibilidade de deserção.

5.ª - É pacífico que, ao menos na sua letra, o art. 281.° do C.P.C, não exige, como pressuposto da deserção da instância, que seja previamente proferido um despacho de advertência do onerado relativamente às consequências da sua inacção.

6.ª - Não o faz porque a cominação da deserção da instância como resultado da inércia do onerado decorre inequivocamente da lei, que associa esse efeito ao puro e simples decurso do prazo de 6 meses nela estabelecido sem que haja impulso processual, somado à negligência da parte sobre a qual recaía o ónus de promover o andamento do processo.

7.ª - O dever de gestão processual, em qualquer das dimensões previstas no art. 6.° do C.P.C., não impõe ao Juiz a obrigação proferir um despacho de alerta ou de advertência.

8.ª - O princípio da cooperação não impõe, também, o dever da emissão de tal despacho, em termos tais que a sua omissão possa configurar uma nulidade processual e retirar efeitos à inércia dos Autores.

9.ª - A norma do art. 281.° estabelece uma consequência adequada e razoável, à luz do princípio da autorresponsabilidade das partes, para a inércia negligente em promover o andamento do processo, sem que seja exigível um especial aviso ou advertência.

10.ª - Isso mesmo tem sido reconhecido pelos nossos Tribunais Superiores, seja nos acórdãos invocados como fundamento do presente recurso (acórdão da Relação do Porto de 28.10.2015 e acórdão do S.T.J. de 14.12.2016) seja noutras decisões também proferidas sobre a mesma questão, já no domínio de vigência do actual C.P.C, e da norma do art. 281.°.

11.ª - Acresce que, mesmo que se se entendesse que o princípio da cooperação recomenda alguma advertência de que o impulso processual foi devolvido à parte, os factos demonstram, na situação em apreço, que os Autores foram notificados, por três vezes, a 8.10.2015, 21.10.2015 e 27.10.2015, de que tinham de proceder à tradução dos ofícios recebidos de França, e foram depois novamente alertados, pela notificação de 17.06.2016, de que o processo estava a aguardar essas mesmas traduções; ora, estando os Autores devidamente representados em juízo, não podiam ignorar as consequências que a lei associa à sua inércia negligente na promoção dos termos do processo, pelo que mais nenhuma advertência se mostrava necessária.

12.ª - O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação:

- as normas dos arts. 195.°, n.° 1, e 630.°, n.° 2, do C.P.C., que deveriam ter sido aplicadas com o sentido de a questão da alegada nulidade decorrente da omissão de despacho de alerta ou advertência aos Autores ter ficado definitivamente decidida em Primeira Instância;

- as normas dos arts. 6.°, 7.° e 281.° do C.P.C., ao extrair delas um alegado dever do Juiz de proferir um despacho de alerta ou advertência como pressuposto da deserção da instância, pressuposto esse que não é estabelecido na última das referidas normas nem é reclamado pelos princípios gerais consagrados nas duas primeiras.

Termos em que deverá julgar-se procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar-se o douto acórdão recorrido e substituir-se por outro que, julgando inexistente a nulidade processual decorrente da alegada falta de um despacho de alerta, confirme a decisão de deserção da instância.”.


A Recorrida, por outro lado, apresentou contra-alegações, ultimadas nos seguintes termos:

A. A Revista não é processualmente admissível, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 671.°, n.° 2(b) do CPC - fundamento de recorribilidade invocado pelos Recorrentes -conquanto, o Acórdão a fls. recorrido não corresponde a uma decisão interlocutória e, por outro lado, não se verifica o núcleo essencial da decisão facto-jurídico entre o Acórdão-recorrido e os Acórdãos-fundamento, nem há qualquer oposição frontal de julgados, nem existe qualquer identidade dos fundamentos que relevam para a decisão final dos acórdãos em confronto. Os Acórdão-fundamento não tratam, nem apreciam, qualquer nulidade por omissão da prática de um acto devido (a saber, a advertência expressa das consequências da inacção), apreciando um contexto factual muito diverso do do Acórdão-recorrido.

B. Caso assim não se entenda, em conformidade com a arguição de nulidades efetuada pelos Autores em 05.02.2017 (ref.ª citius 24…7), a decisão de deserção da instância foi proferida sem que, em nenhum momento, o Juiz do processo houvesse advertido os Autores de que o processo ficava a aguardar o seu impulso processual, com referência ao regime do Art. 281.° do CPC. O processo, na data em que o Despacho a fls. de deserção foi proferido, encontrava-se a correr normalmente e a 6 dias do termo da apresentação das contestações dos Réus que, àquela data, ainda não a haviam apresentado.

C. A omissão do referido despacho advertindo os Autores de que o processo ficava a aguardar o seu impulso processual, com referência ao regime do Art. 281.° do CPC corporiza um acto nulo e provoca a nulidade do Despacho a fls. que julgou a instância deserta, nos termos e para os efeitos do disposto no Arts. 195.°, n.° 1 e 2 do CPC, tal como determinado pelo Tribunal a quo. A referida nulidade também influiu no exame da causa, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC, porque impediu os Autores de reagirem no processo esclarendo o Tribunal de Primeira Instância do que quer que fosse tido por necessário.

D. Decorre da lei processual civil — ao abrigo dos princípios da boa gestão processual, da cooperação, e da garantia dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à decisão de mérito - a necessidade de alerta à parte onerada com o ónus da prática de acto para a deserção da instância que ocorrerá se tal ato não for praticado, constituindo a omissão de tal despacho prévio uma nulidade processual, com influência na decisão da causa.

E. O concreto acto omitido corresponde, por isso, a despacho do Tribunal (prévio ao despacho que declara a deserção), informando a parte inadimplente que (a) o processo aguarda o impulso do demandante; (b) a inércia deste determinará a extinção da instância (em data que indicar, ou decorridos seis meses sobre a data que indicar); (c) não haverá novo convite à prática do ato, sendo declarada deserta a instância, logo que decorrer o prazo apontado (art. 281.°, n.° 1); (d) qualquer circunstância que impeça o autor de praticar o ato deverá ser imediatamente comunicada ao tribunal.

F. Este é também o entendimento unânime da jurisprudência no caso, como era o dos presentes autos, do processo judicial não se encontrar suspenso por despacho judicial.

Vide, para o efeito, a vasta jurisprudência mencionada nas alegações.

G. O Recorrente limita-se a citar um arestos cuja jurisprudência nem sequer é aplicável, pois a decisão de deserção da situação controvertida sucedeu a um despacho de suspensão da instância, devidamente notificada à parte, e que a advertia que o processo se encontrava a aguardar o seu específico impulso processual. Nestes casos, em que ocorre ou está pendente a suspensão da instância e o autor tenha o ónus de praticar o ato mediante o qual a suspensão cessará, estando a parte já prevenida, pela lei ou pelo despacho judicial que decrete a suspensão, de que o processo aguardar a prática desse acto, a nova advertência poderá ser considerada como dispensável. Não é o que sucede nos presentes autos.

H. Quando não ocorra a suspensão da instância, a simples notificação da parte para a prática de um ato é insuficiente para caracterizar essa univocidade entre a paralisação do processo e o acto do qual o mesmo dependa e que seja imputável à parte, tão-pouco a caracterizando o conhecimento, pela parte, duma informação da secretaria a dizer ao juiz que o ato da parte, por ela própria solicitado e não imposto por lei, ainda não foi praticado, pelo que o juiz deve, nestes casos, convidar a parte à prática do ato, com a clara indicação de que o processo aguarda esse impulso processual para poder prosseguir.

I. E, por outro lado, resulta também claro da jurisprudência, que não só deve existir um despacho a alertar para a possibilidade de deserção da instância, é ainda necessário que decorram seis meses sobre aquele prazo sem que a parte pratique os actos em falta. No caso, não existiu qualquer despacho, nem, tão-pouco, qualquer alerta para o facto de o processo estar, alegadamente, a aguardar o impulso dos Autores, o que deveria ter existido.

J. Não tendo em nenhum momento do tempo os Autores sido previamente, e por despacho, notificadas pelo Tribunal de que o processo se encontrava a aguardar o impulso processual das mesmas sob pena deserção (nem, tão-pouco, instadas, sob cominação ou prazo, fosse de que natureza fosse, a juntar as traduções a que se alude no Despacho recorrido e cuja alegada junção tardia esteve na origem da decisão de extinção do processo por deserção), ao julgar improcedente a nulidade oportunamente arguida, o Despacho recorrido encontra-se viciado por um erro de julgamento, consistente em interpretar o Art. 281.°, n.° 1 do CPC com violação de princípios gerais atinentes à garantia dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à decisão de mérito

K. Os Autores nem sequer eram a parte onerada com a tradução dos referidos documentos uma vez que, como resulta do disposto nos Arts. 134.° e 226.°, n.° 1 do CPC, (i) não constitui um ónus processual da parte, quando a mesma não é a apresentante desses documentos, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 134.° do CPC; (ii) não espoleta o decurso do prazo de deserção por não ser precedida por despacho judicial, necessário de acordo com o Art. 134.° do CPC; e (iii) constitui um dever ou ato próprio da Secretaria Judicial nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 226.°, n.° 1 do CPC, ao abrigo do princípio da oficiosidade.

L. Não é também correcta a afirmação de acordo com o qual "« existência de um despacho de advertência só muito dificilmente é configurável nas fases processuais em que não existe intervenção do juiz". Com efeito, além de no caso concreto o Tribunal de Primeira Instância ter intervindo por diversas vezes na fase da citação - como resulta claro, de resto, da sequência de actos processuais -, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 226.°, n.° 3 do CPC, o processo tem de ser concluso ao juiz sempre que a citação não se mostre efectuada no prazo de 60 dias da tentativa de citação. É, nesse momento, que o Tribunal deve suspender a instância ou advertir as partes que o processo aguarda o seu impulso se entende que as citações apenas não se efectuaram por culpa da parte.

M. Não colhe também o argumento de que, estando os Autores representados por Advogado, o Tribunal estaria isento da advertência prévia e expressa, por falta de base legal. Nem, tão-pouco, daí resulta uma menor necessidade de protecção das Partes. De resto, toda a jurisprudência citada nas alegações, seguida pela doutrina, exigindo tal advertência prévia e expressa, é emanada de Tribunais superiores, o que pressupõe, necessariamente, que as partes tivessem sido representadas por Mandatário, como impõe, de resto, o Art. 40.°, n.° 1 do CPC.

336. Não colhe também o argumento que a prolacção de despacho de advertência prévia poderia violar a equidistância e imparcialidade do Tribunal, pondo em causa o equilíbrio global das Partes. O que viola o equilíbrio das Partes é a prolacção de despacho a destempo e em contravenção da jurisprudência e doutrina unanimemente aceite, sobretudo numa fase processual em que todas as citações se mostravam efectuadas e o prazo para apresentação de todas as contestações a terminar dentro de 6 dias...

N. Por conseguinte, deverá o Despacho a fls. ser revogado e substituído por outro que mande prosseguir a instância, considerando o facto que mesmo antes daquela declaração tinham sido já juntos aos autos todos os actos que o Tribunal considerou em falta e que justificariam a decisão de deserção.

O. Porém, na eventualidade da Revista ser procedente, o que não se concede, e caso os autos não baixem à Relação para decisão dos argumentos da defesa que foram considerados prejudicados pela decisão recorrida, deverá o Tribunal ad quem conhecem da extensão do objecto do recurso, o que se requer nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 634.°, n.° 1 do CPC.

P. Assim, e sem prejuízo do que se deixa exposto e com os mesmos fundamentos aí referidos, o Despacho que considerou a instância deserta constitui ainda uma decisão-surpresa, nula por violação do princípio do contraditório, e que deveria ter sido julgada procedente no Despacho recorrido. A referida nulidade influiu no exame da causa, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC

Q. Com efeito, ao decretar a deserção da instância sem que as Autoras tivessem sido interpelados, por despacho, a fazer ou a esclarecer o que quer que seja, muito menos sob qualquer tipo de cominação, constitui uma decisão-surpresa, sendo irrelevante para o efeito, isto é, para afastar esta surpresa, o contraditório oferecido previamente à decisão, mas subsequente à deserção

R. Como é natural, a defesa e a argumentação empregue pelas partes é sempre necessariamente distinta sabendo a posição em que o Tribunal se encontra e os motivos pelos quais entenderia que existia uma deserção. Aliás, como resulta muito claro dos presentes autos, o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo a propósito da contagem do prazo de 6 (seis) meses previsto no Art. 281.°, n." 1 do CPC, nada teve que ver com o raciocínio do Réu OOO quando suscitou a questão.

S. Por outro lado, os atos em falta que, na interpretação do Tribunal, determinariam a deserção da ação, foram executados pelos Autores de forma espontânea, sem qualquer "aviso caminatário" e, bem assim, sem que tivessem tido conhecimento de qualquer requerimento dos Réus peticionando que o Tribunal julgasse a instância deserta.

T. Não tem também qualquer acolhimento, com o devido respeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com datas de 20.09.2016 e de 14.12.2016, invocada pelo Tribunal de Primeira Instância no Despacho revogado, conquanto as situações jurídicas aí retratadas têm na base a existência prévia de um despacho de suspensão da instância advertindo expressamente a parte para o concreto acto processual de que dependia o andamento do processo. Nada disso sucedeu nos presentes autos.

U. O Despacho do Tribunal de Primeira Instância é, por isso, ilícito e deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, porquanto, à data da prolação do referido despacho, não subsistia a prática de nenhum acto que impedisse o andamento do processo.

V. Caso ainda assim não se entenda, a norma ínsita no Art. 281.°, n." 1 do CPC deve ser interpretada ao abrigo do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, que inclui o direito a uma decisão de mérito em prazo razoável e é formada por 7 (sete) requisitos, tomando por base o Parecer datado de 16.02.2017, do Senhor Professor Doutor José Lebre de Freitas e junto aos autos na mesma data (ref,ª citius 24…2), nenhum dos quais se verificando nos presentes autos, por erro de julgamento. Os 7 (sete) requisitos são os seguintes,

1. Que lei especial, ou o tribunal por despacho de adequação formal do processo, imponha à parte um ónus de impulso processual subsequente;

2. Que o ato que a parte deva praticar seja por ela omitido;

3. Que o processo fique parado em consequência dessa omissão;

4. Que a omissão se prolongue durante mais de seis meses;

5. Que o processo se mantenha, por isso, parado durante este período de tempo;

6. Que a omissão seja imputável à parte, por dolo ou negligência;

7. Que o juiz alerte a parte onerada para a deserção da instância que ocorrerá se o ato não for praticado (segundo a corrente mais exigente, só a partir da notificação deste despacho de advertência se contando os seis meses)

W. (1) Em primeiro lugar, não resulta do processo a existência de despacho que ordene os Autores a promover a junção aos autos das traduções dos documentos emitidos pelas autoridades do Estado Francês, ao abrigo das cartas rogatórias promovidas pelo Tribunal Judicial. Com efeito, a notificação para tradução dos referidos documentos foi promovida pela Secretaria Judicial, sem precedência de despacho, e sem qualquer tipo de cominação. Por outro lado, o Despacho notificado em 20.06.2016 (ref.ª citius 35…4) não impôs aos Autores qualquer ónus de impulso processual subsequente, nem sendo sequer o seu conteúdo, na parte que alude ao não início do prazo para contestar, é aos mesmos dirigido.

X. De igual modo, de acordo com os Arts. 134.° e 226.°, n." 1, do CPC, é à Secretaria Judicial que cabe, ao abrigo do princípio da oficiosidade, remover os obstáculos à citação - que, no caso, alegadamente existiriam - e a parte só é onerada com a tradução de documento escrito em língua estrangeira, mediante despacho do juiz, quando ela seja o apresentante, o que não sucedia neste caso, cabendo de outro modo ao juiz determinar que ela seja feita por um perito designado pelo tribunal.

Y. Pelo exposto, ainda que se entendesse que o processo se encontrou parado por mais de seis meses (o que não é verdade), não se pode afirmar tal é consequência de falta de atividade ou impulso que cabia aos Autores, pois os atos a praticar são atos que devem ser praticados pelo Tribunal ou, no limite, apenas passíveis de serem impostos à parte por meio de despacho judicial prévio, como determinado pelos Arts, 134.°,226.°, n.º 1 do CPC, normas violados pelo Despacho do Tribunal de Primeira instância.

Z. (2) Por outro lado, não tendo os Autores omitido ato que devesse ser por eles praticado na estrita medida que os Autores não estavam onerados com a prática de nenhum ato processual-, não se verifica o segundo dos sete requisitos previstos para a deserção, o que determina a ilicitude do Despacho a fls., neste caso por violação do disposto no Art. 281.°, n.º 1, conjugado com os referidos Arts. 134.°, n.os 1 e 2 e 226.°, n.º 1, todos do Cf'C,

AA. (3) Erra também o Despacho do Tribunal de Primeira Instância ao considerar que o processo esteve paralisado em consequência de putativa omissão dos Autores, conquanto, e sem prejuízo do supra referido, tais traduções eram e foram, com o devido respeito, irrelevantes para o prosseguimento dos autos, por não alterarem o início da contagem do prazo para apresentação das contestações, o qual estava sempre dependente das diligências em curso para a citação dos Réus AAAA e UUU.

BB. Sendo que, no caso específico do Réu UUU, com os Ofícios de 08.10.2015 e de 21.10.2015, não estava em causa a promoção da citação, ato processual cuja omissão poderia atrasar a tramitação do processo (e em cujo prosseguimento os autores eram os primeiros interessados), mas, antes, a tradução de um ofício meramente instrumental à realização da citação e de cuja omissão não decorre, por si só, que a citação não estivesse a ser promovida pelos Hussiers de Justice, como, de resto, sucedeu (em 25.11.2016), e sem que a referida tradução do ofício tivesse sido junta aos presentes autos, falhando, por isso, qualquer nexo de causalidade entre a alegada omissão e a suposta paralisação do processo. Razão pela qual não se verifica o terceiro dos sete requisitos previstos para a deserção, o que determina a revogação do Despacho do Tribunal de Primeira Instância por violação do disposto no Art. 281.º, n.º 1 do CPC.

CC. (4) O Despacho do Tribunal de Primeira Instância viola também a lei quando inclui no cômputo do prazo do Art. 281.°, n.º 1 do CPC o tempo decorrido entre os ofícios da secretaria de 08.10.2015, 21.10.2015 e 27.10.2015 e o início da suspensão da instância por óbito de um dos réus, em 04.01.2016, somando-o ao período decorrido após a cessação desta suspensão, com a notificação do despacho de homologação da desistência da instância de 17.06.2016. Ao contrário do que defende o Despacho do Tribunal de Primeira Instância, o prazo da deserção contado até à suspensão da instância por falecimento da parte é inutilizado por força da suspensão, cfr. decorre do disposto no Art. 275.°, n." 2 do CPC, concatenado com o disposto no Art. 269.°, n.º1, aI. a) do mesmo Código, não tendo nesta matéria qualquer especialidade o prazo previsto para a deserção comparativamente a qualquer outro prazo processual.

DD. A partir de 04.01.2016, com a notificação aos Autores do Despacho que declarou a suspensão da instância por falecimento do réu VVV (cfr. Ref.ª citius 34…9) começou a correr sim um outro prazo de deserção que impunha um ónus aos Autores de pôr fim à suspensão, que estes cumpriram ao promover a desistência da instância quanto ao réu falecido por requerimento de 03.05.2016 (ref," citius 22…5). O consequente despacho de homologação da desistência da instância foi notificado aos Autores apenas em 20.06.2016, tendo nesta data cessado a suspensão da instância (Art. 276.°, n.º 1(a) do CPC, por interpretação extensiva). No mesmo sentido milita, de resto, o Art. 332.° do Código Civil.

EE. Ou seja, o prazo para a prática de qualquer ato ou impulso pelos Autores nunca se iniciou antes da referida data de 20.06.2016. Do que resulta também claro que, no limite, a referida omissão não durou seis meses, visto o lapso de tempo decorrido entre 20.06.2016 e 16.12.2016, o que impede a verificação do quarto requisito acima mencionado, o que de per si determina a revogação do Despacho do Tribunal de Primeira Instância por violação do disposto no Art, 281.°, n.º 1 concatenado com o disposto nos Arts, 269.°, 1, a) e 275.°, n," 2, todos do CPC.

FF. (5) Sem prejuízo, e ainda que assim não se entendesse, o processo não se encontrou parado, de forma ininterrupta, durante 6 (seis) meses. Desde logo, a paragem do processo tem de ser total e, não, individualmente considerada a partir de cada um dos actos alegadamente omitidos. Sendo que, por outro lado, no prazo de 6 (seis) meses que foi considerado no Despacho do Tribunal de Primeira Instância ocorreu variada atividade processual, existiu vívida actividade processual, que resulta expressamente dos autos, e vária actividade extra-processual, que resulta directa e indirectamente do processo.

GG. Porém, ainda que não se considerasse que a suspensão da instância a partir de 04.01.2016 e até 20.06.2016 inutilizou o decurso do prazo da deserção, ao arrepio do disposto no Art. 275. o, n. ° 2 do CPC, nem por isso se poderia deixar de considerar que o processo não esteve parado por causas imputáveis aos Autores até 20.06.2016, uma vez que durante esse período decorriam as diligências de citação dos Réus AAAA e UUU, de cujo cumprimento os Autores não eram responsáveis, como é natural. Sendo que, entre a referida data de 20.06.2016 (notificação do levantamento da suspensão do processo) e 15.11.2016 (efectivação da citação pessoal do Réu UUU) não decorreram 6 (seis) meses.

HH. Ou seja, se o prazo do Art. 281.°, n." 1 do CPC se tivesse iniciado em 20.06.2016 - o que apenas se concede por dever de patrocínio -, os seis meses só se completariam em 20.12.2016, sendo que, todas as traduções alegadamente omitidas foram juntas ao processo por requerimentos dos Autores de 15.12.2016 e 16.12.2016, consignando-se ainda que a tradução junta em 03.01.2017 era irrelevante porquanto a mesma era meramente instrumental à citação do Réu UUU, a qual se encontrava já realizada e dela dada notícia ao Tribunal pelos Autores, constituindo, aliás, o próprio ato de citação do réu em país estrangeiro um ato do processo de que emanou a respetiva carta rogatória.

II. (6) A conduta dos Autores não foi negligente, já que, num razoável juízo de previsibilidade, não poderiam conjeturar uma situação de absolvição da instância por nunca terem sido notificados, seja por que via for, de despacho ordenando-lhes a junção de qualquer documento, em processo que se manteve sempre em andamento e cujas citações dos Réus e traduções alegadamente necessárias a tal desiderato se encontravam já todas satisfeitas.

JJ. Não resultando também minimamente do Despacho do Tribunal de Primeira Instância a demonstração da causalidade entre a omissão alegadamente praticada e o atraso no processo, nem em que medida é que o processo poderia ter andado mais celeremente tivessem sido juntos aos autos as traduções requeridas. Com efeito, se, relativamente aos Réus GGGG e DDDD a junção das traduções se revelava irrelevante para efeito de prosseguimento dos autos, já quanto ao Réu UUU, os Autores fizeram tudo o que estava legalmente ao seu alcance para que a citação pessoal se efectivasse no menor tempo possível, o que resulta claro da prova documental produzida nos presentes autos, nos esclarecimentos prestados pelos Autores e da prova testemunhal que, pese embora tenha sido requerida pelos Autores, não foi atendida pelo Tribunal de Primeira Instância.

KK. É falso e desprovido de qualquer sentido que a não junção aos autos da tradução dos ofícios se traduza numa atitude consciente e pretendida em ocultar factos ao Tribunal, porquanto, tratando-se de documentos em língua francesa, emitidos no âmbito de procedimento rogatório, não se vislumbra o que se pudesse querer ocultar que o tribunal não conseguisse saber por sua iniciativa. Pelo contrário, o que resulta dos autos é que os Autores tudo fizeram até à presente data para auxiliar o Tribunal e os serviços a contornar as dificuldades existentes e a acelerar, na medida do possível, o prosseguimento dos autos, garantindo, de igual modo, que todas as citações eram bem executadas com a menor morosidade, custos e transtornos para o Tribunal.

LL. A carta rogatória para as competentes entidades francesas foi requerida pelo Tribunal dos presentes autos e a citação foi executada pelas autoridades competentes do Estado francês.

E, foi bem executada, como resulta, de resto, do requerimento apresentado pelo Réu UUU em 02.02.2017, reconhecendo tal citação, e sem arguir qualquer nulidade, e, bem assim, do relatório e tradução juntos por requerimento de 23.02.2017 aos presentes autos, com a Ref," Citius 24…9.

MM. Os Autores, enquanto parte com interesse e com o ónus de impulso processual do processo e o dever de requerer a citação dos Réus, não estão impedidas de contactar e esclarecer as dúvidas dos oficiais de justiça estrangeiros, antes lhes incumbindo esse dever de colaboração com o processo, como reconhecido na Despacho a fls .. tudo, atos extra-processuais que não foram considerados pelo Tribunal a quo, pese embora existissem nos autos elementos suficientes dos quais se pudesse induzir que tais atos existiam e que, como tal, deveriam ser valorados por terem efeitos processuais - como tiveram, de resto, com a citação do Réu UUU. Sendo que, caso dúvidas existissem sobre tais diligências, nunca poderia o Tribunal de Primeira Instância recusar a prova requerida pelos Autores, sob pena de violação do seu direito de defesa, ao contraditório e à prova da sua atuação não negligente.

NN. Por este motivo, não está preenchido o pressuposto que permitiria decretar a deserção da instância nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 281.º, n.º 1 do CPC, a qual foi declarada com base em putativas faltas da parte que não justificavam, nem justificaram, o atraso do processo durante 6 (seis) meses.

OO. (7) Decorre ainda da lei processual civil - ao abrigo do princípio de cooperação e da boa gestão processual - a necessidade de alerta à parte onerada para a deserção da instância que ocorrerá se o ato não for praticado, constituindo a omissão de tal despacho prévio um erro de julgamento pela falta de verificação dos requisitos constitutivos e necessários à decisão de deserção. Este é também o entendimento unânime da jurisprudência no caso, como era o dos presentes autos, do processo judicial não se encontrar suspenso por despacho judicial.

PP. E, por outro lado, resulta também claro da jurisprudência, que não só deve existir um despacho a alertar para a possibilidade de deserção da instância, é ainda necessário que decorram seis meses sobre aquele prazo sem que a parte pratique os actos em falta. No caso, não existiu qualquer despacho, nem, tão-pouco, qualquer alerta para o facto de o processo estar, alegadamente, a aguardar o impulso dos Autores, o que deveria ter existido.

QQ. Não tendo em nenhum momento do tempo os Autores sido previamente, e por despacho, notificadas pelo Tribunal de que o processo se encontrava a aguardar o impulso processual das mesmas sob pena deserção (nem, tão-pouco, instadas, sob cominação ou prazo, fosse de que natureza fosse, a juntar as traduções a que se alude no Despacho recorrido e cuja alegada junção tardia esteve na origem da decisão de extinção do processo por deserção), o Despacho recorrido encontra-se viciado por um erro de julgamento, consistente em interpretar o Art. 281.°, n.º 1 do CPC com violação de princípios gerais atinentes à garantia dos direitos fundamentais de acesso à justiça e à decisão de mérito

RR. Por conseguinte, deverá o Despacho a fls. ser revogado e substituído por outro que mande prosseguir a instância, considerando o facto que mesmo antes daquela declaração tinham sido já juntos aos autos todos os actos que o Tribunal considerou em falta e que justificariam a decisão de deserção.

SS. Sem prejuízo do que se deixa exposto, enquanto a instância não for declarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis meses, impedindo, desse modo, a declaração de deserção. Para o efeito, não releva a qualificação do despacho de deserção como constitutivo ou declarativo, conforme flui da jurisprudência e doutrina desenvolvida nas alegações. Esta é também a perspetiva que melhor se enquadra com o primado da decisão de mérito sobre a de forma e que norteia a interpretação do Art, 281.º, n.º 1 do CPC.

TT. O Despacho recorrido é, por isso, ilícito e deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, porquanto, à data da prolação do referido despacho, não subsistia a prática de nenhum acto que impedisse o andamento do processo

UU. Sem prejuízo ainda, a ilicitude do Despacho do Tribunal de Primeira Instância a fls. dos presentes autos, resulta ainda do facto de desconsiderar o ato promovido pelo próprio Tribunal de Primeira Instância e que determinou o início da contagem do prazo para os Réus apresentarem as suas contestações. Ou seja, o ato omisso não era um ato da parte, mas, pelo contrário, do próprio do Tribunal de Primeira Instância, e que foi praticado em 15.11.2016, interrompendo novamente o prazo de deserção.

VV. Do teor dos Arts. 6.°, 7.° e 281.° do CPC deriva a obrigação do Tribunal notificar os Autores, por despacho, da necessidade de promoverem o andamento do processo sob pena de deserção. A não se entender assim, a interpretação das normas dos Arts. 6.°, 7.° e 281.° do CPC no sentido de ser desnecessária a advertência expressa e prévia dos Autores com a cominação de deserção em caso de falta de impulso processual, viola, de forma desproporcionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança, da proporcionalidade, do princípio do acesso à justiça e da garantia da prevalência do fundo sobre a forma, na estrita medida que os Autores nunca podem ser prejudicados por actos que não podiam razoavelmente podiam contar ou, em qualquer caso, nunca podem ser prejudicados por actos dos mandatários susceptíveis de ser supridos. Interpretação inconstitucional que se suscita por violação do princípio da proporcionalidade (Art. 2.° da CRP), da confiança e segurança jurídica e do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (Art. 20.°, n." 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos - o que se requer nos termos e para os efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

WW. Como resulta das alegações, do teor dos Arts. 6.°, 7.° e 281.° do CPC deriva a obrigação do Tribunal colaborar com as partes, impedindo a prolacção de decisão de deserção sempre que for possível a sanação oficiosa por parte do Tribunal. A não se entender assim, a interpretação das normas dos Arts. 6.°,7.° e 281.° do CPC no sentido de ser possível decisão de deserção ainda que o Tribunal possa sanar oficiosamente as alegadas faltas da Parte, viola, de forma desproporcionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança, da proporcionalidade, do princípio do acesso à justiça e da garantia da prevalência do fundo sobre a forma, na estrita medida que os Autores nunca podem ser prejudicados por actos que podem razoavelmente ser supridos oficiosamente pelo Tribunal nomeadamente por se tratar de traduções de língua francesa para língua portuguesa, sem influência na decisão de mérito. Interpretação inconstitucional que se suscita por violação do princípio da proporcionalidade (Art. 2.° da CRP) e do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (Art. 20.°, n." 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos - o que se requer nos termos e para os efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

XX. Como resulta das alegações, do teor dos Arts. 6.°,7.° e 281.° do CPC impede o Tribunal de considerar a instância deserta sempre que os alegados incumprimentos já se encontrem sanados e precisamente num momento em que a ação está a correr sem obstáculos por estes terem sido sucessivamente removidos pelos Autores. A não se entender assim, a interpretação das normas dos Arts. 6.°, 7.° e 281.° do CPC no sentido de ser possível decisão de deserção num momento que os alegados incumprimentos já se encontrem sanados e precisamente num momento em que a ação está a correr sem obstáculos por estes terem sido sucessivamente removidos pelos Autores, viola, de forma desproporcionada e injustificada, o princípio constitucional da protecção da confiança, da proporcionalidade, do princípio do acesso à justiça e da garantia da prevalência do fundo sobre a forma, na estrita medida que os Autores nunca podem ser prejudicados por actos que podem razoavelmente ser supridos oficiosamente pelo Tribunal - nomeadamente por se tratar de traduções de língua francesa para língua portuguesa, sem influência na decisão de mérito. Interpretação inconstitucional que se suscita por violação do princípio da proporcionalidade (Art. 2.º da CRP) e do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (Art. 20.º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos - o que se requer nos termos e para os efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER LIMINARMENTE REJEITADO NOS TERMOS DOS ARTIGOS 671.º N.º 1 E 692.º N.º 1 DO CPC POR A DECISÃO RECORRIDA NÃO SE TRATAR DE DECISÃO QUE (I) APRECIA O MÉRITO DA CAUSA OU QUE (II) PONHA TERMO AO PROCESSO, ABSOLVENDO DA INSTÂNCIA O RÉU OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO E MANTIDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!”.


Juntou, ainda, eruditos Pareceres de eminente Jurisconsulto.


Na sequência da apresentação do requerimento de fls. 12 e 12 vº dos presentes autos, a mesma Recorrida apresentou novas contra-alegações que encerrou nos termos que seguem:

“1. Em 30 de Novembro de 2017, o Réu/ Recorrente interpôs recurso de revista do Acórdão da Relação de Lisboa a fls., com fundamento no Art. 671.°, n.° 1 do CPC ("Revista I"), tendo a Autora/ Recorrida respondido, em 18 de Dezembro de 2017, suscitando desde logo a respectiva inadmissibilidade, sem embargo de sustentar por dever de patrocínio a improcedência de mérito do recurso..

2. Com efeito, como referido nas Contra-Alegações a fls., o recurso apresentado pelo Recorrente não preenche os requisitos de admissibilidade do recurso de revista previstos no Art. 671.° n.° 1 do CPC conquanto o Acórdão recorrido nem conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo.

3. Sucede que, na mesma data de 18 de Dezembro de 2017, o Réu/ Recorrente apresentou um novo ou segundo recurso de revista do douto Acórdão da Relação de Lisboa de fls., desta feita à luz do disposto nos Arts. 671.°, n.° 2(b) e 637.°, n.° 2 do CPC, reconhecendo desde logo a incorrecção do recurso que interpôs em primeiro lugar (ou seja, da Revista I) e requerendo a sua substituição pelo novo recurso que se apresentou nessa data ("Revista II").

4. Com efeito, o Réu/ Recorrente não se limitou a alterar o seu requerimento de interposição de recurso, promovendo igualmente diversas alterações, umas, formais, outras, processuais, outras ainda de substância 4 ao longo das suas alegações e conclusões da Revista II. Trata-se, por isso, de um novo recurso ou de um segundo recurso que visa substituir o primeiro.

5. Ao invés do que afirma o Réu /Recorrente, é óbvio que este seu requerimento não se trata de uma mera correcção de erros materiais.

6. Como se disse, a Revista II consubstancia a confirmação, pelo Réu/ Recorrente, de que a Revista I é processualmente inadmissível, conforme alegado e requerido pela Autora/ Recorrida e se reitera.

7. Sem prejuízo, a própria Revista II é, também ela, processualmente inadmissível, como se analisará em detalhe de seguida, dando-se por reproduzidas, a final, o conteúdo das Contra-Alegações oportunamente apresentadas, por mera cautela, caso se entenda diversamente.

II. INADMISSIBILIDADE DA REVISTA II:

A. Preclusão/ Esgotamento da oportunidade de recurso com a interposição da Revista I:

8. Pese embora o Réu/ Recorrente alegue que a Revista II constitui uma mera correcção de erro material, tal não corresponde à verdade, como se depreende desde logo do capítulo anterior.

9. Com efeito, um erro material constitui uma inexactidão na expressão da vontade, por lapso notório, sendo que a divergência entre a vontade real e a declarada não deve suscitar fundadas dúvidas, antes ser patente, através de outros elementos. É o equivalente ao erro-obstáculo tratado no direito substantivo.

10. Pelo contrário, a Revista II inova substancialmente da Revista I, seja por representar a interposição de recurso ao abrigo de condições de recorribilidade distintas, seja por alterar o conteúdo das alegações e das conclusões, como se notou supra.

11. Representa, por isso, uma opção e um recurso diferente do Réu/ Recorrente, não se contendo, como tal, nos apertados e excepcionais limites definidos pelo erro material ou pelo manifesto lapso, reportados necessariamente à determinação da norma aplicável, à qualificação jurídica dos factos ou à desconsideração de elementos de prova conducentes a solução diversa.

12. Ora, constituindo um recurso novo assente sobre pressupostos de recorribilidade distintos, o mesmo não pode ser aceite, porquanto o direito de recurso do Réu/ Recorrente esgotou-se ou precludiu com a apresentação da Revista I.

13. Inadmissibilidade que resulta do princípio da preclusão ou da eventualidade, que, como referido já em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.2016, "é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado - art. 580°, n°2, do Código de Processo Civil - e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito - art. 552º nº 1, d) - e das excepções, quanto à defesa - art. 573º, nº 1, do Código de Processo Civil", que prossegue referindo que admitir o contrário equivaleria a "contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado".

14. Recorde-se que a Autora/ Recorrida já exerceu o seu direito de contraditório, em 18.12.2017, com a apresentação das suas Contra-alegações. Permitir a apresentação da Revista II determina, por consequência, obrigar a Recorrida a deduzir novas contra-alegações, no caso, sob pressupostos de recorribilidade distintos e que não antecipou, nem tinha de antecipar, com a Revista I.

15. Razão pelo qual deve a Revista II, interposta por requerimento com data de 18.12.2017, ser indeferida por se encontrar já esgotado o direito de recurso, e, como consequência, apenas deverá ser apreciado a Revista I - o que se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 641.°do CPC.

B. Subsidariamente. Inadmissibilidade da Revista II por falta de preenchimento dos pressupostos de recorribilidade do Art. 671.°, n.° 2(b) do CPC:

Sem prejuízo, ainda que a Revista II interposta não fosse considerada inadmissível por não se tratar de correcção de lapsos materiais da Revista I - o que não se concede, e apenas se admite por dever de patrocínio - sempre será inadmissível por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de recorribilidade constantes do Art. 671.°, n.° 2(b) do CPC.

17. De acordo com o referido, são recorríveis (Í) "os acórdãos da Relação, que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual" caso (ii) "estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (...)", requisitos cumulativos que, no caso, não estão preenchidos.

i. O Acórdão recorrido a fls. não apreciou uma decisão interlocutória:

18. Como o Réu/ Recorrente tem conhecimento, o douto Acórdão recorrido de fls. apreciou uma decisão que, ainda que proferida após a decisão final, não é tida como uma decisão interlocutória.

19. Com efeito, por decisão interlocutória entende-se todas as decisões judiciais que, sem apreciar o mérito da causa, são proferidas antes da decisão final. É também este, de resto, o entendimento subjacente ao Art. 671.° do CPC, conforme resulta da dinâmica entre o n.° 1 referente às decisões que determinam a extinção do processo, sejam ou não de mérito, e, por outro lado, o n.° 2, referente às decisões interlocutórias e que, como tal, não determinam a extinção do processo.

20. Ora, no caso, a decisão que indeferiu as nulidades arguidas pelos Autores/ Recorridos determinava, só por si, a extinção do processo, uma vez que as nulidades foram arguidas tinham por referência um despacho de deserção. O objecto do recurso não é, como tal, uma decisão interlocutória, pois reporta-se a uma decisão proferida depois da decisão final que extinguira a instância.

21. Assim, não sendo uma decisão interlocutória, a revista apenas terá lugar nos termos previstos no Art. 671.°, n.° 1 do CPC, o que, como vimos, não está também preenchido. Motivo pelo qual deverá a Revista II ser indeferida.

 ii. Acórdão recorrido a fls. não está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito:

22. Sem prejuízo, ainda que assim não se entenda - o que não se concede -, o douto Acórdão recorrido a fls. não está em contradição com outro proferido pelo STJ, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

23. Sobre este preceito legal já se pronunciou a doutrina mais avalizada, da qual resulta que a contradição deve ser relativa ao sentido das decisões em confronto e deve preencher os seguintes requisitos:

i. Incidência sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo ignoradas eventuais divergências relativamente a questões de facto;

ii. Contradição entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e por outro acórdão do Supremo, já transitado em julgado, bastando, contudo, que na decisão recorrida se tenha optado por uma resposta diversa e não necessariamente contrária à que sobre a mesma questão foi assumida no acórdão-fundamento;

iii  A oposição frontal e não apenas implícita ou pressuposta;

iv. A questão de direito sobre a qual se verifica a controvérsia deve ser essencial para determinar o resultado numa ou noutra das decisões, sendo irrelevantes as respostas ou argumentos que não tenham valor decisivo;

v. A divergência deve verifícar-se num quadro normativo substancialmente idêntico, posto que a mera alteração ou revogação da norma que concretamente foi interpretada não constitua impedimento à revista excecional, desde que, na sua substância o quadro normativo se mantenha inalterado;

vi.  Inexistência de acórdão de uniformização sobre a questão jurídica em causa a que o acórdão recorrido tenha aderido.

24. No caso sub júdice não se encontram preenchidos os requisitos necessários e acima referidos para que este Venerando Tribunal se possa pronunciar quanto à oposição de julgados, pois, desde logo, é necessário que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tenham decidido em sentidos divergentes - incompatíveis - a mesma questão fundamental de direito.

25. A contradição deve ser apurada tendo em conta o ratio decidendum das decisões e ocorrerá quando haja, no caso concreto, uma identidade do núcleo essencial da situação fáctica, bem como das normas jurídicas objeto de interpretação e/ou aplicação.

26. Ora, no caso dos presentes autos não se verifica a existência de uma identidade do núcleo esssencial da situação fáctica, nem dos fundamentos que relevam para a decisão final dos dois acórdãos em confronto.

27. Com efeito, ao passo que a ratio decidendum do douto Acórdão recorrido a fls. consiste na apreciação da nulidade processual da decisão do Tribunal de Primeira Instância, requerida nos termos do disposto no Art. 195.° do CPC, por omissão da prática de acto devido (a saber, a advertência à parte onerada com o ónus do impulso processual das consequências da sua inacção antes da prolacção de despacho de deserção), já os Acórdãos-fundamento invocados pelos Réu Recorrente nada dizem a este respeito.

28. Os Acórdãos-fundamento apenas apreciam o carácter negligente da conduta inactiva das Partes e a necessidade das mesmas serem ou não ouvidas sobre a verificação dos requisitos constitutivos da deserção antes da prolacção do despacho de extinção da instância. Ou seja, em nenhum momento foi apreciada a nulidade do despacho de deserção nos termos e com os fundamentos constantes da Apelação a fls. e que constituíram o ratio decidendum do douto Acórdão recorrido a fls.

29. O mesmo se diga do ponto de vista dos princípios processuais ínsitos nos arestos. Enquanto o douto Acórdão recorrido a fls. sustenta a sua decisão de nulidade do despacho de deserção por violação do princípio da colaboração entre o Tribunal e as Partes e o princípio da gestão processual e adequação formal, já os Acórdãos-fundamento invocados pelos Réu/ Recorrente apenas se reportam à eventual violação do princípio do contraditório.

30. Sem prejuízo, a falta de identidade do núcleo essencial da situação fáctica entre o douto Acórdão recorrido a fls. e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça referida pelo Réu/ Recorrente nas suas alegações constata-se igualmente ao nível dos pressupostos específicos em que assentou cada uma das decisões, também eles diferentes em ambos os casos.

31. Assim, no Acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.09.2015, Proc. n.° 955/10.7TBVVD.G1.S11, junto como Doc. n.° 1 à Revista II, o Tribunal de Primeira Instância, antes da prolacção do despacho de deserção, advertira a parte interessada das consequências da sua inacção, deixando claro que o processo se encontrava suspenso.

32. Com efeito, resulta da simples leitura do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.09.2015, Proc. n.° 955/10.7TBVVD.G1.S11, cuja certidão se juntou.

i. Pág. 5, "A instância está suspensa desde 22-09-2014 face ao óbito da autora"',

ii. Pág. 9, "Concluindo: I — Face ao óbito da autora, a instância foi suspensa por decisão de 22-9-2014 quando os autos de recurso interposto pela ré Carolina Pereira estavam pendentes no Supremo Tribunal de Justiça, não estando o processo inscrito em tabela para julgamento”;

iii. Pág. 9, "II- Decorridos seis meses a contar desse despacho [de suspensão da instância] sem que nada haja ocorrido nos autos, o recurso interposto foi julgado deserto por decisão de 24-4-2015 conforme disposto no artigo 281.°/2 do CPC/2013";

iv. Pág. 9, "IV- No caso vertente constata-se que, antes do aludido despacho de 24-4-2015 ter sido proferido, a ora reclamante foi notificada da decisão de 16-3-2015 de que a instância se encontrava suspensa e que assim devia permanecer sem prejuízo do prazo de deserção, salvo habilitação então ainda não deduzida";

v. Sendo que, e como se referiu, o acórdão-fundamento não aprecia a eventual nulidade processual por omissão de despacho prévio de advertência, requerida nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC. Desde logo porque, no caso, tal despacho existiu e foi pressuposto da própria decisão de deserção e da qualificação da negligência da parte;

33. Do que resulta claro a inexistência de qualquer oposição frontal ou contradição entre o acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido a fls., conquanto, no acórdão-fundamento (1) o processo estava suspenso por despacho judicial (ao contrário do sucedido nos presentes autos, no qual o processo estava a ser tramitado à data da prolacção do despacho de deserção recorrido a fls.); (2) foi proferido despacho prévio de advertência às partes das consequências da sua inacção (ao contrário dos presentes autos, no qual o Tribunal de Primeira Instância não proferiu nenhum despacho de advertência prévio ao despacho de deserção recorrido a fls.); e, (3) como se referiu antes, não é apreciada nulidade processual pela omissão da prática de acto devido, qual seja, a omissão de despacho prévio de advertência à parte com as consequências da inacção.

34. Ao contrário do que pretende o Réu /Recorrente, o Acórdão-fundamento invocado confirma a posição do douto Acórdão recorrido a fls. quanto à necessidade da existência de advertência prévia ao despacho de deserção, mesmo nos casos em que a instância se encontrava suspensa e o despacho de suspensão havia sido notificado às Partes, o que não sucedeu no caso vertente.

35. Por conseguinte, está claro que o núcleo essencial da decisão facto jurídica em ambos os casos não é o mesmo, o que impossibilita a admissibilidade do recurso com fundamento na oposição de julgados.

36. Entrando agora na análise dos segundo e terceiro arestos ora invocados, importa salientar que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça junta como Doc. n.° 2 e Doc. n.° 3, a saber, os Acórdãos de 20.09.2016, Proc. n.° 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 e de 14.12.2016, Proc. n.° 105/14.0TVLSB.G1.SI, apenas consideraram desnecessário o alerta à parte interessada quanto aos riscos e consequências da falta de impulso processual quanto o processo já se encontra previamente suspenso por despacho judicial, caso em que tal despacho e suspensão constituem alerta bastante. Nada disto, porém, é referido pelo Réu/ Recorrente, que nem sequer cuidou - porque não é possível, naturalmente - de adequar a referida jurisprudência à situação vertida nos presentes autos.

37. Como resulta claro da mera leitura dos Acórdãos citados pelo Réu/ Recorrente, os mesmos respeitam a factos que nada têm de semelhante com a situação destes autos desde logo porquanto o despacho de deserção destes autos não sucedeu a um despacho de suspensão da instância, ou seja, foi proferido quando a instância não se encontrava suspensa. Ora, inversamente, nas situações descritas nos acórdãos invocados pelo referido Réu/ Recorrente, o despacho de deserção teve lugar durante a suspensão formal do processo (decretada por despacho expresso e prévio) pelo facto da mesma ultrapassar 6 (seis) meses.

38. De igual modo, nas situações invocadas, não foi arguida, nem, como tal, apreciada - como sucede nos presentes autos - qualquer nulidade processual por omissão de despacho prévio de advertência, requerida nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC.

39. Para prova do que se diz, veja-se o seguinte:

i. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2016, Proc. n.° 1742/09.0TBBNV-H.EI.SI,

i. Pág. 1, "(...) veio ao conhecimento dos autos que o Réu OOOO havia falecido, razão pela qual foi proferido despacho (datado de 27 de janeiro de 2015) a declarar a suspensão da instância";

ii. O Acórdão-fundamento não apreciou qualquer nulidade processual por omissão de despacho prévio de advertência, requerida nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC. Pelo contrário, apenas foi apreciado o eventual dever do Tribunal ouvir as partes antes da prolacção do despacho de deserção ao abrigo do princípio do contraditório;

ii. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2016, Proc. n.° 105/14.0TVLSB.G1.S1,

i. Pág. 2, "(…) No dia 24-10-2014 o Tribunal declara suspensa a instância "até que seja notificada a decisão que considere habilitado o seu sucessor (artigos 269.º/1, alínea a), 270.º/1 e 276.º/1, alínea a), todos do CPC)"

ii. Pág. 2 e 3, é referido ter sido o seguinte despacho de teor elucidativamente pedagógico "No dia 19-1-2015, o Tribunal notificou a requerente PPPP nestes termos: [...] Informa-se a Requerente PPPP que efectivamente foi junta aos autos escritura de habilitação de herdeiros mas que não basta tal junção aos autos para que a mesma seja considerada parte nos presentes autos e se determine o seu prosseguimento, antes sendo necessário que a mesma deduza o competente incidente de habilitação de herdeiros (o qual se baseado em escritura de habilitação correrá nos próprios autos), sujeito a requerimento próprio, com atribuição de valor, pagamento de taxa de justiça (a não ser que a parte esteja dispensado de pagamento) e contraditório da parte contrária e, obviamente, de decisão que defira a habilitação requerida, e só após o trânsito em julgado dessa decisão poderão os autos prosseguir e ser declarada cessada a suspensão da instância; daí que tenha sido proferido despacho determinando a suspensão da instância até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor e só após esta poderá ser determinado o prosseguimento dos autos; (...). Assim, e sem ser deduzido o competente incidente e ser proferida decisão a considerar habilitada como sucessora a requerente não poderão os presentes autos prosseguir e nem ser declarada a suspensão da instância.

iii. Pág. 5, "No dia 23-4-2015 (fls. 223) o Tribunal profere despacho em que refere que "os autos continuarão suspensos nos termos ordenados no despacho de fls. 165 até notificação da decisão que considere habilitado o sucessor do falecido autor QQQQ".

iv. Pág. 19, "Concluindo: I- Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281." do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia";

v. O Acórdão-fundamento não apreciou qualquer nulidade processual por omissão de despacho prévio de advertência, requerida nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC. Pelo contrário, apenas foi apreciado o eventual dever do Tribunal ouvir as partes antes da prolacção do despacho de deserção ao abrigo do princípio do contraditório;

40. Ou seja, os aludidos arestos versam sobre casos distintos do destes autos, nos quais (1) o(s) aí autor(es) tinha(m) sido notiflcado(s) por Despacho Judicial de suspensão do processo; (2) o processo esteve formalmente suspenso por mais de 6 meses por falecimento de um dos Réus; (3) existindo um ónus processual próprio e específico desse(s) autor(es) em ordem a cessar a suspensão do processo pela prática de um acto adequado a essa cessação (seja através da constituição de mandatário, seja pela dedução de incidente de habilitação de herdeiros); e, (4) não foi conhecido em sede de recurso, por não ter sido arguido, qualquer nulidade por omissão de despacho prévio de advertência.

41. Nestes casos que, como se vê, não assentam no mesmo pressuposto do dos presentes autos, em que ocorre ou está pendente a suspensão da instância e o autor tenha o ónus de praticar o ato mediante o qual a suspensão cessará, estando a parte já prevenida, pela lei ou pelo despacho judicial que decrete a suspensão, de que o processo aguardar a prática desse acto, a nova advertência poderá ser considerada como dispensável.

42. Com efeito, quando não ocorra a suspensão da instância, a simples notificação da parte para a prática de um ato é insuficiente para caracterizar essa univocidade entre a paralisação do processo e o acto do qual o mesmo dependa e que seja imputável à parte, tão-pouco a caracterizando o conhecimento, pela parte, duma informação da secretaria a dizer ao juiz que o ato da parte, por ela própria solicitado e não imposto por lei, ainda não foi praticado, pelo que o juiz deve, nestes casos, convidar a parte à prática do ato, com a clara indicação de que o processo aguarda esse impulso processual para poder prosseguir.

43. A este último propósito, vide o referido pelo Senhor Professor Doutor José Lebre de Freitas, no parecer junto em 26.04.2017, por requerimento com a Ref.ª 25…0 (cfr. pág. 45), e que, por mera comodidade, se junta novamente a final das Contra-Alegações a fls..

44. Por outro lado, e sem prejuízo de repetição, veja-se que no Acórdão-fundamento, ao contrário do Acórdão recorrido a fls., não foi apreciada qualquer nulidade processual por omissão da prática de acto devido, no caso, a advertência prévia ao despacho de deserção, requerida nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 195.° do CPC, e que corporiza, como é evidente, o tema decidindo do Acórdão recorrido a fls.

45. Do que resulta também claro a inexistência de qualquer oposição frontal ou contradição entre o acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido a fls., conquanto, no acórdão-fundamento (2) o processo estava suspenso por despacho judicial (ao contrário do sucedido nos presentes autos, no qual o processo estava a ser tramitado à data da prolacção do despacho de deserção recorrido a fls.)l (2) não foi conhecida qualquer nulidade por violação dos princípios da colaboração e da gestão processual por omissão da prática de acto devido, a saber, o despacho prévio de advertência às partes das consequências da sua inacção.

46. Por conseguinte, está também claro não ser o mesmo o núcleo essencial da decisão facto jurídica em ambos os casos, o que impossibilita a admissibilidade do recurso com fundamento na oposição de julgados.

47. Consequentemente, as decisões em confronto não se debruçam sobre o mesmo núcleo factual essencial, tendo como resultado uma falta de identidade dos fundamentos que relevam para a decisão final dos dois acórdãos em confronto.

48. Mais se diga que, do que resultou supra exposto, também a questão fundamental de direito aplicável aos dois acórdãos em confronto é diferente: no douto Acórdão recorrido a fls., a nulidade pela omissão da prática de acto devido, ao passo que nos Acórdãos-fundamento, o carácter negligente da conduta inactiva das Partes e a necessidade das mesmas serem ou não ouvidas sobre a verificação dos requisitos constitutivos da deserção antes da prolacção do despacho de extinção da instância. Bem pelo contrário, e como se viu, um dos A cordão-fundamento invocado pelo Réu/ Recorrente considerou, inclusivamente, ser necessário tal despacho prévio de advertência...

III.  POR CAUTELA. REMISSÃO/ REPRODUÇÃO DAS CONTRA-A LEGAÇÕES APRESENTADAS A FLS. EM RESPOSTA À REVISTA I:

49. Por cautela, na eventualidade da Revista II ser admitida - o que não se concede -, a Autora/ Recorrida dá novamente por reproduzidas as suas Contra-Alegações de Revista apresentadas no passado dia 18.12.2017, nos termos e para todos os efeitos legais, para as quais se remete por mera economia processual, as quais se devem ter por complementadas pela pronúncia que antecede (§ 1 a 48 da presente peça processual) no que tange à respectiva inadmissibilidade.

50. No mesmo pressuposto, considerando que a Revista II só será admitida em substituição da Revista I, a taxa de justiça já liquidada pela Autora/ Recorrente é também aqui aproveitável.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER LIMINARMENTE REJEITADO NOS TERMOS DOS ARTIGOS 671." N.°2 E 692.° N.º 1 DO CPC OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO E MANTIDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, AS¬SIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!”


As Recorrentes e o Recorrente DDDD apresentaram requerimento de resposta à impetrada ampliação do objecto do recurso.


II - factos

Os factos para aqui relevantes são os que constam do antecedente relatório.


II - direito

1. Como é sabido, e flui do disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil[2], o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

Destarte, considerando o concreto teor das conclusões recursórias acima transcritas, e tendo em conta o já decidido pelo aqui Relator, no despacho exarado a fls. 1357 e ss., no tocante às questões, figurada como prévias, admissibilidade da substituição das alegações por parte do Recorrente OOO, e admissibilidade da ampliação do objecto do recurso, surgem de considerar as seguintes questões

- Admissibilidade das revistas;

- Desnecessidade de alertar previamente a parte onerada com o impulso processual antes de ser decidida a deserção da instância;

- Inadmissibilidade do conhecimento da nulidade arguida pelos Recorridos em sede de apelação; e

- Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Vejamos, pois.


I - Apreciação da 1.ª questão solvenda

Como resulta das respectivas conclusões recursórias, os dois primeiros Recorrentes sustentam a admissibilidade das revistas por si interpostas na contradição que divisam entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em sede do Proc. n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, invocando o disposto na alínea b) do n.º 2, do art. 671.º.

Por sua vez, o terceiro Recorrente e as Recorrentes ancoram a recorribilidade do Acórdão impugnado na contradição que afirmam existir entre aquele e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no Proc. n.º 2248/05.2TBSJM e, subsidiariamente, por o primeiro contraditar o decidido nos Acórdãos proferidos por este Alto Tribunal no Proc. n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 e no Proc. n.º 105/14.0TVLSB.G1.S1.

A Recorrida, por sua vez, sustenta a inadmissibilidade dos recursos interpostos, argumentando, em resumo, que o Acórdão recorrido não é passível de revista.


Nesse encadeamento, foi, entretanto, proferido o aludido despacho de fls. 1355 e ss., alertando os Recorrentes para a eventualidade de não ser conhecido o objecto das revistas, em virtude de as mesmas terem sido interpostas de decisão não enquadrável na previsão do n.º 1, ou do n.º 2, do art. 671.º.

Notificados daquele despacho, os Recorrentes expressaram, nos antecedentes requerimentos – fls. 1366 e ss. ‑ as razões pelas quais se mantêm a pugnar pela admissibilidade das revistas.

Pois bem.


É sabido que, após a reforma do processo civil encetada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto do recurso de revista passou a ter como ponto referencial o acórdão recorrido.

Como se lê nos dois primeiros números que compõem o art 671.º, a revista somente pode incidir sobre “acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”, ou sobre “acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual.”.

No caso ora em análise, deflui da leitura da parte motivatória do aresto recorrido e do respectivo dispositivo que a anulação do despacho apelado que aí foi decretada se filiou na consideração de que a 1.ª Instância incorreu em nulidade processual susceptível de influir no exame e apreciação da causa.

Assim, como parece ser transversal às posições expostas pelos Recorrentes, o Acórdão impugnado não ingressou na resolução do diferendo subjacente à relação material litigada. Desta sorte, é de concluir, pois, que esse aresto não conheceu do mérito da causa, presente o constante da 1.ª parte do n.º 1, do art. 671.º.

Por outro lado, o dito Acórdão ora sob censura não colocou também termo ao processo, nem decretou a absolvição ou a extinção da instância[3]. A consideração do efeito processual prático emergente do respectivo dispositivo – o prosseguimento dos autos – evidencia, se porventura mister, tal conclusão[4].

Em suma, a circunstância de não estarmos perante uma decisão final obvia, de todo, à admissibilidade das revistas interpostas ao abrigo do n.º 1, do art. 671.º[5].

Resta enão determinar se terá cabimento a respectiva admissão à luz da previsão do n.º 2 desse mesmo preceito.

Cabe notar que, em regra, os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1.ª instância não são recorríveis – só o sendo nos casos excepcionais aí referenciados –, porquanto o legislador parte do pressuposto da suficiência do duplo grau de jurisdição para a resolução das inerentes questões[6].


Ora, o Acórdão recorrido – relembre-se ‑ recaiu sobre uma decisão da 1.ª Instância que declarou a instância deserta e a sua consequente extinção. Trata-se, pois, de uma decisão que seria apta a colocar termo à instância ‑ alínea c) do artigo 277.º‑ e, logo, merecedora do qualificativo de final.

É, pois, ajustado obtemperar que não nos deparamos com um aresto que haja apreciado uma decisão de cariz meramente interlocutório e incidente sobre a relação processual, i.e. susceptível de constituir caso julgado formal[7].

Daí que, a despeito de se reconhecer que o Acórdão recorrido abordou e decidiu uma questão adjectiva, não seja possivel, com a devida propriedade, considerar aquele douto aresto passível de ser integrado na previsão do n.º 2, do art. 671.º[8][9]. Aliás, sem quebra do nexo entre pensamento legislativo e o texto legal – em flagrante colisão, pois, com o prescrito no n.º 2, do art. 9.º, do Cód. Civil‑, não se vê como se possa considerar que “não teria fundamento algum”[10] a solução legislativa vinda de enunciar.

A argumentação subsequentemente desenvolvida pelas Recorrentes no seu antecedente requerimento parece, salvo o muito respeito, olvidar que o Acórdão recorrido se limitou a reconhecer o cometimento, pela 1.ª Instância, de uma nulidade processual, o que é significativamente diverso de conhecer o mérito do recurso de uma decisão prolatada pelo 1.º grau.

O cerne da presente decisão não é, pois, como apontam as Recorrentes, a dissonância entre as decisões prolatadas nos autos, mas antes a consideração do distinto conteúdo [e efeito prático] daquelas e a inerente repercussão sobre a admissibilidade da revista. Com efeito, nas hipóteses configuradas naquele requerimento [a confirmação do decidido pela 1.ª Instância ou ainda o caso de, na 1.ª Instância, se ter desatendido a pretensão de ser declarada a deserção da instância], sempre seria inquestionável, em face do n.º 1 ou do n.º 2 do art. 671.º, a admissão da revista por parte de quem tivesse efectivamente ficado vencido.

Por isso, a adopção deste entendimento não infringe o princípio da igualdade de armas ou o direito a um processo equitativo. Não se tratam, como se vê, de situações equiparáveis, e que, por isso, sejam ou devam ser merecedoras de tratamento similar.

Acrescente-se que os princípios constitucionais do direito a um processo equitativo e da igualdade das partes não implicam a recorribilidade de todas as decisões para o Supremo Tribunal de Justiça[11], tanto mais que as normas processuais civis sindicadas encerram em si vias suficientemente adequadas a efectivar o direito ao recurso.

Na conformidade do exposto, resulta, pois, que o aresto ora em crise não é passível de impugnação mediante recurso de revista.

E como assim, quadra-se despiciendo apurar se se verificam as contradições decisórias invocadas pelos Recorrentes para sustentar a admissibilidade das respectivas revistas.

É que apenas teria sentido e utilidade fazê-lo se, previamente, se concluísse que o acórdão recorrido era enquadrável na previsão do n.º 2 do artigo 671.º Repare-se que a admissão da revista “continuada” tem, como primeiro pressuposto, que o acórdão recorrido incida sobre decisão interlocutória de conteúdo adjectivo[12].

Só após ser ultrapassado esse crivo fará, logicamente, sentido indagar se o fundamento da impugnação dirigida a este Supremo integra alguma das previsões do n.º 2, do art. 629.º – entre os quais se conta a contradição entre acórdãos da Relação – ou se, como aventam alguns dos Recorrentes, o Acórdão recorrido se encontra em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça.

Importa, por seu turno, precisar que a referência à previsão da alínea d), do n.º 2, do art. 629.º [constante da minuta recursória do 3.º Recorrente – e, por efeito da adesão, aos demais Recorrentes que a ela aderiram – e, bem assim, das Recorrentes] deve ser entendida no contexto da sustentação da admissão da revista ao abrigo do n.º 2, do art. 671.º – i.e. por efeito da remissão operada pela alínea a) deste preceito –, o que já vimos não ser o caso.

Ao invés do que sustenta o terceiro Recorrente em antecedente requerimento, não se incorreu, pois, em qualquer lapso que cumpra esclarecer[13].

Mas mesmo que essa menção devesse ser considerada fora de tal contexto[14] – o qua apenas a benefício de mera argumentação ora se equaciona ‑ a solução não seria diversa.

Se não, vejamos.

As diversas alíneas que integram o predito n.º 2, do art 629.º, têm em vista situações em que o legislador considerou que devia haver lugar a recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

A previsão da alínea d) reporta-se, em especial, aos casos em que se configure existir uma oposição de julgados entre dois acórdãos da Relação ‑ o acórdão recorrido e um outro acórdão, dito fundamento‑, sendo claro o desígnio legislativo em viabilizar a resolução de conflitos de jurisprudência ocorridos entre acórdãos das Relações que nunca poderiam ser apreciados pelo Supremo Tribunal de Justiça por não ser admissível a revista[15].

Estes requisitos devem, porém, ser entendidos em consonância com o que é o objecto do recurso de revista, nos termos definidos pelo n.º 1. do art. 671.º.

Equivale isto a dizer que, não obstante se poderem verificar os requisitos de que depende a admissão do recurso nos termos da alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, apenas será de admitir a revista se o acórdão recorrido constituir, nos termos daquele preceito, uma decisão final. É o que se depreende, claramente, da previsão a alínea a), do n.º 2, do mesmo preceito, ao aludir, precisamente, aos casos em que o recurso é sempre admissível.

Assim, e em síntese, somos a entender que, fora do contexto do recurso de decisões interlocutórias – que, repisa-se, não é, pelos motivos antes expostos, o caso dos autos – a admissão do recurso de revista ao abrigo do omnicitado n.º 2, do art. 629.º, pressupõe, necessariamente, que o acórdão recorrido constitua uma decisão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância ou pondo-lhe término, que o mesmo é dizer, uma decisão final[16].

Ora, como se disse e se crê indisputável, o Acórdão recorrido não se consubstancia numa decisão final, pelo que, no seguimento do que expendemos, não é, em função da delimitação legal do objecto da revista, admissível a sua impugnação nesta sede.

Por outro lado, há que salientar que a previsão da alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, pressupõe que a decisão sob censura seja irrecorrível por motivo estranho à conexão entre a alçada e o valor da causa, mormente por existir uma determinação legal que o impeça[17].

  Ora, no caso, não existe qualquer norma legal que impeça a admissão deste recurso ordinário e, em abstracto, verificar-se-iam até os requisitos ou pressupostos gerais de admissibilidade, mormente o valor da causa, a sucumbência e a legitimidade.

Ao invés, o que se constata é que, como vem sendo exposto, a decisão recorrida não é idónea a integrar o objecto do recurso de revista, nesses termos em que este foi legalmente concebido e delimitado.

Não se vê que se possa, por seu turno, conceber tal delimitação como um impedimento legal à interposição de um recurso ordinário como parecem sustentar as Recorrentes. É que, por um lado, a definição do objecto da revista não é confundível com uma norma que expressamente vede a sua interposição e, por outro, seria um contra-senso[18] admitir que o legislador assim a encarava, pois a resolução de conflitos jurisprudenciais foi justamente configurada como um dos casos em que, verificados os demais pressupostos por ele estipulados, a revista seria, em tese, admissível.

Por outras palavras, e em suma, não se concebe que o legislador “deixe entrar” pela janela franqueada pela previsão da alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, aquilo - entenda-se, revistas interpostas de acórdãos que não põem termo a processos nem versam sobre decisões interlocutórias ‑  a que, decididamente, se “fechou a porta” no n.º 1 e no n.º 2 do art. 671.º.

Por seu turno, a conveniência na resolução de invocados conflitos jurisprudenciais não justifica que, ao arrepio do enquadramento legislativamente delineado, se crie, por via da actuação da jurisprudência, uma nova via recursória, tanto mais que não se detecta qualquer omissão de regulamentação que demande a integração analógica doutamente preconizada pelo primeiro Recorrente. De resto, sendo a previsão da alínea b), do n.º 2, do art. 671.º, uma norma de cariz excepcional, a mesma não comportaria, em qualquer caso, aplicação analógica – art. 11.º do Código Civil.

Acrescente-se ainda que, neste Supremo Tribunal de Justiça, inexiste uma modalidade específica de distribuição [cfr. art. 215.º] que contemple a impugnação judicial de decisões da Relação exclusivamente fundada na oposição de julgados.

Como tal, independentemente da invocada verificação das aludidas contradições decisórias entre o Acórdão recorrido e outros arestos[19], crê-se que, também por este motivo, não se poderia fundar na alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, a admissão das revistas.


   Conjugando, pois, todas estas ponderações e considerações, força é concluir pela inevitabilidade da rejeição de todos os recursos de revista a que nos vimos atendo, pelo que, malgrado a sua tramitação até aqui ocorrida, inviável se torna prosseguir e conhecer dos respectivos objectos, impondo-se, diversamente, pôr-lhes termo e à atinente instância – arts. 641,º n.º 5, e 652.º, n.º 1, al. b).


Remanesce, assim, apenas, entre as acima inventariadas, a

II - QUESTÃO DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Preliminarmente, ressalve-se que a medida de jurisdição deste Supremo Tribunal de Justiça abrange somente – “ut” n.º 2, do art. 69.º - o conhecimento do recurso de revista. Por outro lado, é certo que os autos se encontram numa fase extremamente embrionária da sua tramitação.

Nessa medida, cingiremos pois com referência a tal recurso a análise postulada pelo n.º 7, do art. 6.º, do Regulamento das Custas Processuais.

Ali se prevê que “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Tendo em conta o valor correspondente à soma dos pedidos formulados na petição inicial, a taxa de justiça devida pela interposição dos recursos dos autos ascenderia, na sua integralidade, a € 1.294.074,00 ‑ cfr. n.º 1 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I a ele Anexa).

Contudo, a valoração das respectivas conclusões finais evidencia que as questões nelas submetidas à apreciação do Tribunal não se perfilam de especial dificuldade, nem por isso demandariam extensas e complexas averiguações jurisprudenciais e doutrinais, ou o desenvolvimento de aprofundadas lucubrações dogmáticas.

Por outro lado, nada há a apontar à conduta das partes do ponto de vista da lisura processual, sendo certo que os Recorrentes são maioritariamente pessoas singulares.

Acrescente-se, enfim, que os recursos de revista não foram admitidos.

Nesse contexto, atenta a especificidade da causa, cremos justificado conceder a impetrada dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Como logo se alcança, seria manifestamente desproporcionado, senão mesmo indecoroso, exigi-lo.

E tendo em mente que a dispensa ora concedida não depende de prévio requerimento da parte, é a mesma estendida a todos os Recorrentes.

Sendo que, na medida em que vencidos, as custas do presente recurso serão suportadas pelos Recorrentes ‑ n.º 1 do art. 527.º.

 

IV - Decisão

Por todo o que exposto fica, decide-se não receber os recursos de revista interpostos e, não conhecendo dos respectivos objectos, indeferir os atinentes requerimentos.

Custas nos termos acima definidos.

                                                                      *

                                                                      *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12 de fevereiro de 2019


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

_____________

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
              Exm.º Ilídio Sacarrão Martins.
[2] Diploma ao qual respeitam os demais preceitos doravante citados sem outra menção.
[3] No sentido de que as decisões que declaram a extinção da instância se enquadram na previsão do n.º 1, do art. 671.º, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª ed., p. 356.
[4] Neste sentido, veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil Os Artigos da Reforma, vol. II, p. 145 e, entre outros, Ac. do STJ de 7.11.2017, proferido no Proc. n.º 1947/12 e em cujo sumário – acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf – se pode ler que ”O acórdão da Relação em que se revoga a decisão da 1.ª instância que não admitiu a reconvenção, se anula a sentença e se ordena o prosseguimento dos autos não coloca termo ao processo nem conhece do mérito da causa, não sendo, como tal, admissível a revista dele interposta.”.  
[5] No mesmo sentido, vide o recente Ac. do STJ de 8.01.2019, proferido no Proc. n.º 27/12 e ainda inédito.
[6] Assim, Abrantes Geraldes, in ob. cit. p. 360.
[7] Assim, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, p. 441.
[8] No sentido de que o recurso de revista não está previsto para situações em que a Relação conhece de questão adjectiva sem que, por essa via, coloque termo ao processo, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in ob. cit., vol. II, p. 146.
[9] Neste sentido, veja-se ainda o douto Parecer junto a fls. 1588 e ss., embora com a sustentação de que o despacho apelado – que considera ser apenas o despacho que desatendeu as nulidades arguidas pela Recorrida – constitui uma decisão proferida após a decisão final.
[10] Cita-se, salvaguardando sempre o muito respeito, o douto requerimento de interposição de recurso das Recorrentes.
[11] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 6.10.2016, proferido no Proc. n.º 89/13 e acessível in dgsi.pt.
[12] No sentido de que só admitem “revista continuada” os acórdãos da Relação que incidam sobre decisões interlocutórias de conteúdo adjectivo, vide Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 358.
[13] Sendo, ademais, certo que a faculdade que era concedida às partes pela alínea a), do n.º 1, do art.669.º, do Código de Processo Civil pré-vigente, foi abolida pelo diploma adjectivo civil actualmente em vigor.
[14] Como o terceiro Recorrente e as Recorrentes agora precisam nos requerimentos que antecedem.
[15] Assim, Ac. do STJ de 18.09.2014, proferido no Proc. n.º 1852/12, e acessível in dgsi.pt, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 57 e RUI PINTO, in ob. cit., p. 306.
[16] Neste sentido, cfr., “i.a.”, os Acórdãos deste Tribunal Supremo de:
- 29.11. 2016, proferido no Proc. n.º 167/15 e assim sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2016.pdf: “A admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC – oposição de julgados – depende, ainda, da verificação dos requisitos gerais de admissibilidade dos recursos previstos no art. 671.º, n.º 1, do CPC, entre os quais a decisão em questão pôr termo ao processo, que em concreto não se verifica.”;
- 17.11.2015, prolatado no Proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1 e acessível em dgsi.pt.
- 11.02.2015, proferido no Proc. n.º 6975/09 e assim sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf e em que se lê […]Como é evidente, o acórdão da Relação, não conhece do mérito da causa, nem põe termo ao processo, pelo que o recurso de revista não cabe, autonomamente, da decisão proferida.
Entendemos que não é, por isso, aqui admissível recurso de revista da decisão da Relação, como aliás decorre da evolução da legislação processual, sendo que o objectivo do legislador de 2007 e de 2013 foi o de reduzir e simplificar as instâncias de recurso, embora se tenha que reconhecer que o recurso previsto no artigo 629.°, n.º 2, aI. d) representa uma novidade, em contraciclo com essa evolução, mas que se apresenta como perfeitamente justificada, no caso, apenas, de se estar perante uma decisão de mérito ou que ponha termo ao processo. […]”.

[17] O Prof. M. Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. deste Supremo de 2.06.2015, proferido no Proc. n.º 189/13, publicada em https://blogippc.blogspot.pt escreve: […] Quer dizer: o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível. É o que se verifica, por exemplo, nos procedimentos cautelares, dado que nestes procedimentos a revista não é admissível mesmo que o valor do procedimento exceda a alçada da Relação (art. 370.º, n.º 2, CPC); o mesmo pode ser dito quanto aos processos de jurisdição voluntária, porque nestes processos está excluída a revista das resoluções proferidas segundo um critério de discricionariedade, mesmo que o valor do processo exceda a alçada da Relação (art. 988.º, n.º 2, CPC). […]”; no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, in ob. cit., pp. 57 e ss., e, por todos, Ac. do STJ de 8.02.2018, proferido no Proc. n.º 810/13, subscrito pelo aqui Relator como 2.º Adjunto, e acessível in dhsi.pt.
[18] E, logo, incongruente com a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento - n.º 3, do art. 9.º, do Código Civil.
[19] Note-se que, para tal solução, é irrelevante tomar posição sobre a argumentação exposta no despacho de admissão do recurso, segundo o qual é também relevante, no contexto da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, a contradição com um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.