Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
43/13.4TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - GARANTIAS DE CRÉDITO DO TRABALHADOR.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- Ana Ribeiro Costa, “Os Créditos Laborais no processo Especial de Revitalização: Breves Notas e Inquietações”, prelecção no VI Congresso Internacional Ciências Jurídico-Empresariais, decorrido em 24/10/2014, 87.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Anotado, 164 e ss..
- Catarina Serra, «Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação”», na Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.
- João Labareda e Luís Carvalho Fernandes, “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, 2.ª Edição, 2013, 164.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I, 2013, 38.
- Madalena Perestrelo de Oliveira, «Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE», in RDS (Revista do Direito das Sociedades), IV, 2012, 3, 718 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, 17.º-A A 17.º-C, 17.º-E.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 277.º, ALÍNEA E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
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-DE 01/06/2011, PROFERIDO NO PROCESSO Nº 876/08.3TTLRA.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 26/11/2015, DE 17/03/2016 E DE 31/05/2016, PROCESSOS N.ºS 1190/12.5TTLSB.L2.S1, 33/13.7TTBRG.P1.G1.S1 E 7976/14.9T8SNT.L1.S1, RESPECTIVAMENTE, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 03/03/2016, PROFERIDO NO ÂMBITO DO PROCESSO Nº 2528/13.3TTLSB.L1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DO STJ, ACÓRDÃO Nº 1/2014, PUBLICADO NO D.R., I SÉRIE, DE 25/02/2014.
Sumário :
I – O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico-financeira.

II – Nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.

IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.

V – Estão, por isso, abarcadas pelo preceituado no art. 17º-E, nº 1, do CIRE, os complementos de reforma, quando devidos pela Ré empregadora, porquanto também esse pedido se reconduz a um quantitativo monetário no qual se pretende obter a condenação do devedor.
Decisão Texto Integral:





ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA
 
Instaurou acção declarativa de condenação com processo comum laboral, contra:

BB

Pedindo a condenação da R. a:
“a) Pagar à A. a quantia de € 16.631,43, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Pagar à A. a indemnização prevista no art. 396° do Código do Trabalho. no valor de € 28.035,00, acrescida de juros legais desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de a sobredita indemnização poder ser fixada pelo Tribunal entre os 30 e os 45 dias por cada ano, atenta a conduta manifestamente ilícita da Ré e em condenação extra vel ultra petitum;
c) Reconhecer à A. o direito a um complemento para custear medicação, bem como o direito a um complemento de pensão de reforma, cf. doc n.º 5 anexo, e que pretende ver reconhecido, a fim de ser exercitado e liquidado em sede de execução de sentença;
d) Entregar à A. o Certificado de Trabalho a que alude o artigo 341º do Código do Trabalho, e
e) Tudo com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos”.

Alegou, para tanto em síntese, que:
A Autora foi admitida ao serviço da R. em 1 de Março de 1970, desempenhando ultimamente as funções de Ajudante de Acção Directa de 1.ª, mediante a retribuição de € 667,50, acrescida de € 4,02 de subsídio de alimentação diário.
Até Maio de 2011, foram-lhe sendo pagas, em prestações, as diferenças salariais de que era credora tal como acordara com a R., encontrando-se em dívida 14 parcelas, cada uma de € 148,95.
Porém, ao longo do ano de 2011 a R. começou a deixar de lhe pagar pontualmente a sua retribuição, o que a levou a resolver o contrato de trabalho com justa causa, resolução que se tornou eficaz em 30 de Janeiro de 2012.
Nessa data estavam em dívida vários créditos laborais, que no seu articulado inicial discrimina, tendo a Autora direito não só ao pagamento desses valores, mas também a uma indemnização de antiguidade equivalente a 41 anos e 9 meses, tudo no montante global de € 44.666,43.
Valores a que acrescem um complemento para custear a sua medicação e um complemento de reforma, prestações a que tem direito e que pretende ver reconhecidas e liquidadas em execução de sentença.

2. A R. apresentou contestação, na qual reconheceu parte dos alegados atrasos e o não pagamento à A. das quantias que esta enumera, questionando, porém, outras.
Em sua defesa alegou que tais atrasos e falta de pagamento não se verificaram apenas relativamente à A. mas também em relação a todos os restantes trabalhadores ao seu serviço e que o próprio Sindicato a que pertence a A. reconheceu a impossibilidade económica/financeira da Ré para suportar de uma só vez os aumentos salariais convencionados no Instrumento de Regulamentação Colectiva que lhe é aplicável.
Argumentou, ainda, que atravessa uma situação extremamente difícil e de grave crise económica, facto que os seus trabalhadores bem conhecem e que, com grande constrangimento, a Ré deixou praticamente de poder pagar aos seus trabalhadores, desde Maio de 2011 (inclusive).
Requer que a peticionada indemnização de antiguidade seja reduzida ao mínimo legal.
Quanto aos complementos de reforma e para custear medicação entende a Ré que estes dependem da existência e manutenção do vínculo laboral, o que não acontece neste caso, estando o de reforma dependente da subsistência do contrato à data da concessão da mesma pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e o complemento da medicação dependente de o trabalhador integrar o quadro de pessoal da Ré.

3. A A. apresentou resposta à contestação na qual defendeu a impro-cedência da matéria impeditiva suscitada pela Ré.

4. Já após ter sido proferido despacho saneador e fixado à causa o valor de € 44.666,43, recebeu-se a comunicação relativamente à pendência de um processo de Insolvência n.º 663/13.7TYVNG relativo à Ré que, por sua vez, foi suspenso por a própria Ré ter dado entrada a um Processo Especial de Revitalização a que veio a ser conferido o n.º 711/13.0TYVNG, no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de … – cf. fls. 112 e segts.

5. O Tribunal do Comércio informou o Tribunal de 1ª instância (onde se encontravam em curso os presentes autos) que a Autora reclamou créditos no referido PER (Processo Especial de Revitalização proposto pela Ré), créditos esses que foram parcialmente reconhecidos pelo Administrador Judicial provisório, tendo a A. apresentado reclamação da lista por este elaborada.
Solicitada ulteriormente informação sobre o estado do processo de revitalização, foi junta aos autos a sentença proferida naquele processo a homologar o Plano de Revitalização, bem como o Plano de Recuperação e, bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, em 9 de Outubro de 2014, recaiu sobre aquela sentença homologatória – cf. fls. 134 e segts.
Tendo esta decisão transitado em julgado em 04/11/2014.

6. Perante tal informação, foi então proferida pelo Tribunal a quo a seguinte decisão, datada de 24 de Março de 2015:

«Ao abrigo do disposto no art. 17.º-E, n.º 1, da Lei n.º 16/2012, de 20.04 e face à aprovação e homologação judicial do plano de recuperação da Ré, julgo extinta a presente acção.
Custas pela Ré” – cf. fls. 197.

7. Inconformada, a Autora interpôs recurso de Apelação tendo, para o efeito, alegado, em síntese, que:

- Nem a A., nem o seu Mandatário foram notificados da sentença homologatória, que terá homologado o Plano Especial de Revitalização da Ré;
- Não obstante a Recorrente ter reclamado os seus créditos no dito PER, a verdade é que nem todos foram reconhecidos, pelo que mantém interesse numa decisão do Tribunal “a quo” relativamente aos créditos que não foram reconhecidos, como é o caso do “complemento de reforma” e do “subsídio de medicação”.
- Conclui, assim, pedindo a revogação da decisão da 1ª instância e a sua substituíção por outra que determine a subsequente tramitação processual.

8. O Tribunal da Relação do … proferiu Acórdão, em 15/2/2016, julgando nos seguintes termos:

“5. Decisão:
 Em face do exposto, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência:

 5.1. mantém-se a decisão recorrida de extinção da instância no que diz respeito aos pedidos elencados nas alíneas a) e b) da petição inicial” – (porquanto considerou que o reconhecimento dos créditos peticionados e, consequen-temente, o pagamento/cobrança das inerentes dívidas reconduzem-se a uma acção de cobrança de dívidas, pelo que, nessa medida, estavam abrangidos pelo disposto no nº 1, do art. 17.º-E, do CIRE)

5.2. revoga-se a decisão recorrida no que diz respeito aos pedidos elencados nas alíneas c) e d) da petição inicial e ordena-se o prosseguimento dos autos quanto aos mesmos(porquanto considerou que os “complementos de reforma” e o “suplemento de medicação, bem como a entrega pela Ré à Autora do certificado de trabalho a que alude o art. 341º do Código do Trabalho” não respeitavam a obrigações pecuniárias em sentido estrito e, por isso, determinou o prosseguimento dos autos para apreciação de tais pedidos).

Custas da apelação pela recorrente e recorrida na proporção de 9/10 e 1/10, atendendo-se a que a primeira beneficia de apoio judiciário.
Custas da acção pela recorrida na proporção de 9/10, sendo a parte restante conforme vencimento a final” – (sublinhado nosso; cf. fls. 310 e segts.).

9. Irresignada com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, veio a R. interpor recurso de revista, no qual concluiu, em síntese, nos seguintes termos:

1. O entendimento do Tribunal a quo vai em sentido contrário àquele que tem sido defendido pela grande maioria das decisões judiciais dos Tribunais Superiores;
2. Dispõe o n.º 1 do art. 17.º- E do CIRE que "a decisão a que se refere a alínea a), do n.º 3, do art. 17.o- C — nomeação de administrador provisório - obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação ";
3. "Porque a recuperação é agora elevada a fim essencial do CIRE é evidente que, se despoletado o PER, ao mesmo deve ser conferida relevância e protecção, por reporte a outras acções que contendam com o património do devedor e “a fortiori”, relativamente ao próprio processo de insolvência, “tout court" - Ac. RC de 16.10.2012 no Proc. n.º 421/12.6TBTND.C1;
4. Decorre desta interpretação que perfilhamos, dada por esta decisão àquele dispositivo, que, citamos: "objecto da suspensão não são (apenas) as acções exclusivamente instauradas para cobrança de dívidas, mas sim todas as acções que tenham também por finalidade, a cobrança de dívidas ou seja, quaisquer acções pendentes, que contendam contra o património do devedor sendo certo, aliás, que todas elas pressupõem o prévio reconhecimento judicial da violação de direitos”;
5. A presente acção, tal como resulta do pedido e da causa de pedir - na parte em que a A. pretende ver reconhecidos o direito a um "complemento para custear medicação", bem como o direito a um "complemento de pensão de reforma'' a fim de serem exercitados e liquidados em sede de execução de sentença - está abrangida pelo disposto no n.º 1 do art. 17.o-E do CIRE, porquanto tais pedidos, julgados procedentes, irão conduzir à condenação da Ré naquelas quantias pecuniárias correspondentes, o que se reflectirá, obrigatoriamente, no seu património;
6.  Atenta a génese desses direitos a complementos, o reconhecimento dos mesmos traduz e pressupõe ter por objecto uma prestação em dinheiro/pagamentos de importâncias em dinheiro, sendo assim típicas obrigações pecuniárias em sentido estrito, que a A. se propõe exercitar e liquidar em execução de sentença;
7. Sendo certo que o direito a qualquer desses benefícios tem como pressuposto a subsistência do contrato de trabalho. Contrato de trabalho esse da A. com a R. que cessou antes da propositura pela A. da acção, como decorre dos autos e que corre termos sob o n.º 43/13.4TTPRT;
8. A A. confessadamente reclamou também estes seus créditos no PER, não tendo os mesmos sido aí reconhecidos. – cf. alínea d), das conclusões do recurso interposto pela A. para o Tribunal da Relação, da decisão do Tribunal de 1ª instância;
9. Na 2.a Secção do Comércio, de ..., onde corre o referido PER, sob o n.º 711/13.0TYVNG, no plano de revitalização não se prevê a continuação de acções declarativas laborais pendentes contra a ora Ré;
10. A 25/03/2014, foi proferida sentença a homologar o Plano de Revitalização que se debruçou sobre a reclamação apresentada pela A., publicada em 26/03/2014, no portal Citius, através de anúncio de publicidade de homologação e citação de credores e outros interessados;
11. De tal sentença foi interposto recurso por alguns credores (nos quais não se incluía a A.), sentença que não alterou a homologação do plano de recuperação, tendo a decisão de homologação do plano de revitalização da ora Recorrente transitado em julgado, em 04 de Novembro de 2014, como consta do douto Acórdão na parte ora em revista;
12. Conforme se vem defendendo na Jurisprudência maioritária, o art. 17.º-E n.º 1 não faz qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu;
13. De acordo com as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão e extinção das acções previstas no n.º l, do art. 17.º-E, do CIRE, é aplicável a qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da actividade económica do devedor;
14. Destinando-se o processo especial de revitalização a obter um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos;
15. O acordo obtido com os credores, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º- F, n.º 6, do CIRE);
16. Se qualquer acção contra o devedor não for suspensa ou extinta, estar-se-ia a privilegiar, sem razão justificativa, um credor que tinha instaurado uma acção declarativa relativamente a outro que não o tivesse ainda feito;
17. A interpretação dada ao disposto no n.º 1, do art. 17.º-E, do CIRE, não viola a Constituição da República Portuguesa;
18. Está subjacente a este tipo de procedimentos - especiais - uma simplificação de procedimentos que não retira direitos, antes simplificando, tão só, as negociações conducentes à revitalização da empresa em dificuldades económicas e os procedimentos para obtenção do acordo entre devedor e credores, indispensável à homologação do PER;
19. Sendo o processo especial de revitalização justo e equitativo no quadro legal em que se mostra delineado, e no âmbito do qual a A. pode esgrimir os seus argumentos e deduzir a defesa dos seus direitos;
20. Quanto à decisão do Tribunal da Relação do … na parte em que revoga a decisão da 1ª instância no que diz respeito ao pedido elencado na alínea d), da petição inicial - entregar à A. Certificado de Trabalho (a que alude o art. 341.º do CT), ordenando o prosseguimento dos autos quanto ao mesmo - dir-se-á que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões - das alegações do Recorrente – art. 635.º n.º 4 e 639.º nºs 1 e 2 do CPC;
21. No caso em apreço, da consulta dos autos resulta de imediato que, embora tal matéria conste do pedido formulado em 1.ª Instância, a mesma não é referida nas Alegações de Recurso da sentença de 1.ª instância, nem integra as conclusões formuladas nos alegações da A. em sede de recurso de apelação daquela decisão;
22. Porém o Tribunal de recurso pronuncia-se sobre a mesma e decide em desconformidade com os limites impostos por aqueles dispositivos do CPC;
23. Acresce que a violação da Ré do disposto no art. 341º n.º 1 do CT ("Não entrega do Certificado de Trabalho") constitui contra-ordenação leve que tem por consequência o desencadear do procedimento contra-ordenacional (verificada que seja a infracção pelos serviços Administrativos com competência para tal - no caso a Autoridade para as Condições de Trabalho - ACT), podendo culminar na condenação da R. numa coima prevista no art. 554º do CT e bem assim proceder ao seu recebimento;
24. Decisão de que, no caso, há recurso para os Tribunais de Trabalho.
25. Por tudo o exposto, deve ser considerado procedente o Recurso de Revista interposto pela Ré e, consequentemente, revogar-se o Acórdão recorrido, na parte que é objecto deste recurso, para ficar a prevalecer "in totum" a decisão da 1ª instância que decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”.

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

11. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser negada a revista e revogado o Acórdão recorrido, fundamentando-se, nomeadamente, na Jurisprudência desta Secção do STJ.

Notificado às partes o mencionado Parecer, nada foi aduzido.

12. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se a presente acção deve, ou não, ser declarada extinta, in totum, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no art. 17º-E, nº 1, do CIRE.

Isto porquanto o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação considerou que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do citado normativo do CIRE, não abarcava nem o “complemento de pensão de reforma”, nem o “subsídio para custear medicação”.

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO

Para a decisão do presente pleito relevam as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (=CIRE), maxime as relativas ao Processo Especial de Revitalização, previstas nos arts. 17.º-A e segts., bem como o disposto no Código de Processo do Trabalho, na versão actual, e o Novo Código de Processo Civil.

A) DE FACTO:

Uma vez que vez que o despacho que pôs termo ao processo em sede de primeira instância foi proferido antes da decisão sobre a matéria de facto, e as questões a dilucidar em sede de revista são estritamente jurídicas, os factos que relevam para a decisão a proferir são, nomeadamente, os seguintes:

1. Na 2ª Secção do Comércio, de ..., corre o Processo Especial de Revitalização, com o número 711/13.0TYVNG, no qual é revitalizanda a R. BB, e onde foi proferida, em 3/Junho/2013, decisão a nomear Administrador Judicial Provisório, publicada nessa data no portal Citius;
2. Na lista provisória de credores organizada pelo Administrador Judicial Provisório, à A. foi reconhecido o crédito na quantia de € 6.600,24 e, posteriormente, na lista definitiva e de votação apresentada pelo Administrador com o Plano de Revitalização, em 20/Dezembro/2013, à A. foi reconhecido o crédito de € 36.836,35;
3. Em tal Plano de Revitalização prevê-se o pagamento de 80% do valor em dívida dos créditos laborais reconhecidos e privilegiados através da venda de bens imóveis a realizar no primeiro semestre de 2014;
4. No plano de revitalização não se prevê a continuação de acções declarativas laborais pendentes contra a ora Ré;
5. Com a data de 25/Março/2014, foi proferida sentença no processo supra referido, a homologar o Plano de Revitalização, a qual, debruçando-se sobre a reclamação apresentada pela A. (expressamente identificada na sentença) a par de outros trabalhadores da revitalizanda, decidiu nos seguintes termos:

“Esclareceu ainda o Exmo. AJP que os créditos dos credores (…) AA (…) foram também reconhecidos pelos valores que constam da lista de votação, os quais correspondem aos reclamados, embora deduzidos das legais retenções de impostos e de segurança social, as quais constituem créditos do Estado e da Segurança Social. No fundo, a divergência reconduzir-se-á ao facto de estes Srs. Credores impugnarem a Lista pugnando por valores brutos ou ilíquidos e a Revitalizanda e o AJP os terem acabado por reconhecer, mas tão-somente em termos líquidos.
Restam assim neste momento para apreciação e decisão as impugnações dos seguintes Srs. Credores:
(…)  AA (…)
Tendo em consideração que os valores da divergência resultam apenas da sua consideração como ilíquidos ou líquidos propendemos a considerar que a razão assiste ao AJP, uma vez que a não ser assim, haveria duplicação parcial de créditos, entre os do Estado e da Segurança Social, por um lado, e o desses Srs. Credores, por outro – (sublinhado nosso).
(…)”.
6. A sentença homologatória do Plano não foi notificada à A.;
7. E foi publicada em 26/Março/2014, no portal Citius, através de anúncio de “publicidade de homologação e citação de credores e outros interessados”;
8. De tal sentença foi interposto recurso por alguns credores, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 9/Outubro/2014, julgado parcialmente procedentes alguns recursos, alterando os valores dos créditos de alguns credores Recorrentes (nos quais se não incluía a ora A.) e a sua qualificação como privilegiados, mas sem alteração da homologação do Plano de Recuperação;
9. Este Acórdão foi notificado, em 26/Outubro/2014, ao mandatário da A.;
10.  Conforme certidão da Secção do Comércio de ..., documentada a fls. 272, a decisão de homologação do Plano de Revitalização da ora Ré/Recorrida transitou em julgado, em 04 de Novembro de 2014.


B) DE DIREITO:

O Acórdão da Relação do … revogou a sentença da 1ª instância que determinara a extinção da instância com base no entendimento de que tendo a Ré sido submetida a um processo especial de revitalização (o PER), onde a Autora reclamou os seus créditos, a presente acção não podia prosseguir.
A Relação do … dissentiu desse entendimento quanto ao “complemento de pensão de reforma” e o “subsídio para custear medicação” e, nessa medida, determinou o prosseguimento dos autos para julgamento da presente acção quanto a tais pedidos.
 
A Ré inconformada interpôs a presente revista, requerendo que seja revogado o Acórdão e repristinada, in totum, a decisão proferida pela 1ª instância que declarou a extinção da instância.

O que está, pois, em causa, em sede recursória, é a questão de saber se a presente acção deve ser ou não declarada extinta, in totum, por inutilidade superveniente da lide, por força do disposto no art. 17º-E, nº 1, do CIRE.

Sobre a questão jurídica que nos é colocada, ainda que os factos julgados se tivessem apresentado então com outros contornos, esta Secção do STJ teve já a oportunidade de se debruçar sobre a análise do processo especial de revitalização (=PER) e a produção dos seus efeitos jurídicos nas acções que se encontravam pendentes durante o decurso da tramitação processual do PER, nomeadamente, após a aprovação e homologação do plano de recuperação do PER.

Pelo que, o entendimento que então defendemos, sustentados na doutrina, na Jurisprudência do Acórdão Uniformizador do STJ, Acórdão nº 1/2014, publicado no D.R., I Série, de 25/02/2014 e na legislação específica do PER, maxime o n.º 1, do seu artigo 17.º-E, do CIRE, que determina a extinção de quaisquer acções em curso para cobrança de dívidas contra o devedor, ou acções de natureza similar, terá agora que ser retomado com a reflexão que se impõe em função das diferenças fácticas que, como se verá, não alteram as conclusões então extraídas.

Destarte, impõe-se, agora, dilucidar de novo esta problemática, não sem que antes se formule o enquadramento jurídico da questão, com recurso, para tanto, ao que explanamos, em parte, sobre esta matéria, nos Acórdãos desta Secção, do STJ, datados de 26/Novembro/2015, de 17/Março/2016 e de 31/Maio/2016, proferidos no âmbitos das Revistas nº 1190/12.5TTLSB.L2.S1, nº 33/13. 7TTBRG.P1.G1.S1 e nº 7976/14.9T8SNT.L1.S1, respectivamente, e por nós Relatados, estando disponíveis em www.dgsi.pt.

Vejamos.

1. O Processo Especial de Revitalização – o PER:

1.1. O Processo Especial de Revitalização (designado usualmente pelas suas iniciais, PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo, para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria que seja apta a vincular a generalidade dos credores.
Extrai-se do art. 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (igualmente conhecido pelas suas iniciais – CIRE) que esse tipo de processo destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.

Revitalização que passa por uma efectiva negociação das dívidas com os credores de modo a que o devedor consiga recuperar da situação económica difícil em que se encontra.
Entendendo-se como situação económica difícil, a do devedor que enfrenta dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito por parte das entidades bancárias e financeiras.

1.2. O objectivo do legislador, que presidiu à criação deste regime – do PER – foi o de institucionalizar um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de qualquer devedor singular, ou pessoa colectiva, poder obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.
Procurou-se, assim, através deste processo, conceder primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), de modo a propiciar uma revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, pois só nestas condições existe justificação para se privilegiar o interesse público da manutenção do devedor na circulação e actividade comercial.

A criação de um novo processo – diferente do processo da insolvência – por ser mais expedito e de tramitação simplificada, foi norteada pelo desígnio vertido no seu próprio nome: a revitalização da empresa com dificuldades económico-financeiras, a obter através da negociação com os respectivos credores, tendente a alcançar um acordo que conduza à revitalização do devedor, se esta se mostrar viável e se for esse, igualmente, o interesse dos credores.
Finalidade que encontra expressão nas normas que regulam este processo especial.

1.3. Com efeito, decorre do art. 1.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (=CIRE), na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que criou o Plano Especial de Revitalização (doravante PER), que o processo de insolvência é um processo de execução universal “que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores”.
Mas “estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao Tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17.º-A a 17º-I,” do CIRE – cf. n.º 2 do art. 1.º.

Este procedimento, simplificado, surgiu porquanto o Estado Português, em forte constrangimento económico e financeiro, assumiu, como é sabido, por imposição do Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxílio financeiro ao nosso País, o compromisso Europeu de legislar no sentido de introduzir um regime legal de cooperação, flexibilização e reestruturação de créditos, seus e/ou de outros credores. [2]

Ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis no ordenamento jurídico Português, no âmbito de créditos dessa natureza, como forma de salvaguarda das empresas, numa comunhão de esforços com os credores particulares, propondo-se alcançar, prima facie, a sua recuperação, que só pode ser obtida, no caso do processo especial em análise, pelo acordo de cada um dos credores do devedor e com todos aqueles que queiram participar.
Criando, para tal, um procedimento de facilitação da aprovação de planos de recuperação do devedor.

Daí que Carvalho Fernandes e João Labareda,[3] explicitem, com a Mestria que lhes é reconhecida nesta área, o sentido adequado a dar a este normativo, na parte que aqui releva:
“A paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias… e também as acções com processo especial e procedimentos cautelares” – (sublinhado nosso).

A razão para tal extrai-se ainda da explanação de outros Autores, v.g. Madalena Perestrelo de Oliveira, quando nos alertam para o seguinte:

O objectivo deste processo é “facultar ao devedor o espaço necessário para levar a cabo a recuperação, com a consequente proibição da prossecução de outras acções, até das próprias acções executivas, como forma de protecção do devedor que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que os levou até aquela situação económica depauperada e de insolvibilidade”. [4]

Sistema processual similar está consagrado nos ordenamentos jurídicos Espanhol e Alemão, e com regulação normativa nos EUA, onde o procedimento especial de revitalização aparece designado como “automatic stay” ou o “breathing space”[5] por prever este sistema, no qual os credores não podem reclamar os seus créditos.

No mesmo sentido se manifesta Luís M. Martins, a propósito dos créditos dos trabalhadores[6], quando refere que:

“A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido… Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores.
E estes (os trabalhadores), no âmbito de um processo desta natureza não podem, porque a lei que criou e regula o PER o não permite, ter ao longo da sua tramitação tratamento diferenciado dos restantes credores”.

Sobre o entendimento da norma do CIRE, art. 17.º-E, seu n.º 1, cf. também Catarina Serra, in “Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação” —, na Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.

1.4. O objectivo, como ressalta de toda a legislação, é contribuir com sucesso para a recuperação da empresa – se esta se mostrar viável – e visa, conforme se salientou supra, a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecendo, para o efeito, negociações com os respectivos credores de modo a concluir, com a intervenção destes, acordo conducente à revitalização do devedor, por meio da aprovação de um plano de recuperação.

Plano esse que só não deve merecer a homologação do Tribunal se houver fortes razões que obstem a tal. Mas que uma vez homologado, não pode deixar de produzir os respectivos efeitos.


2. Os Efeitos Processuais:

2.1. Entre esses efeitos decorrentes da decisão proferida pelo Tribunal competente, e cumpridas as demais formalidades que as normas conjugadas dos arts. 17.º-A a 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevêem, estão os que constam expressamente do art. 17.º-E, nº 1, que, por sua vez, estabelece que:
“A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”. [7]

Ora, estes efeitos não se confinam ao processo especial de revitalização. Mas como o próprio normativo consagra, estendem-se “às acções em curso com idêntica finalidade” e a “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

2.2. Resulta, assim, da análise da norma em causa, que os efeitos dessa decisão podem conduzir a uma das seguintes situações:
1.º- Tanto “obstam à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”;
2.º - Como “suspendem, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade”;
3.º - Ou “extinguem aquelas acções logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”.

Exceptuando-se, apenas, nessa norma, as situações em que se preveja a sua continuação.

3. O caso dos autos:
 
3.1. No caso dos autos sabe-se que foi proferida decisão judicial de homologação do plano em causa, já transitada em julgado.
O que significa, nos termos do art. 17º-I, do CIRE, que este processo especial - PER - chegou ao fim com a prolação da decisão judicial que homologou o plano apresentado pelo devedor e aceite pelos credores.
Quer isto dizer que no âmbito do referido PER, em que a Ré figura como devedora, o plano de recuperação da empresa Ré foi homologado por sentença transitada em julgado. E que os créditos que a A. aí reclamou foram reconhecidos nos termos que constam desse processo (PER), reportados concretamente aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.

3.2. Aqui chegados, a questão que importa dirimir é a de saber se depois de se ter conhecimento da existência do PER, no qual foram reclamados créditos vencidos anteriormente, pode ser exigido, através do prosseguimento da presente acção e já após ter sido proferida sentença, transitada, no âmbito do PER, o reconhecimento dos direitos que se arroga e obter a condenação da Ré no pagamento dos créditos que advêm do reconhecimento desses direitos.

A questão relativamente aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação tem merecido da parte das instâncias a prolação de decisões não coincidentes, com as Relações a divergirem quanto às soluções jurídicas, não obstante, actualmente, os Acórdãos do STJ veicularem entendimento uniforme sobre tal matéria.
E assim algumas instâncias têm decidido que, em tais circunstâncias, tem aqui aplicação o normativo que estabelece que a decisão homologatória do Tribunal no âmbito do processo PER, “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor” ou “suspende as acções em curso com idêntica finalidade”, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, e a impor, como tal, a extinção da instância por “inutilidade superveniente da lide”,
Para outros, essa extinção não pode ocorrer e, por isso, as acções propostas devem prosseguir os seus termos.

Vejamos, então, antes de mais, quais são as acções abarcadas pelo n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE.
Ou seja: que tipo de acções cabem nesta elocução da norma com acepção jurídica “de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedorou “acções em curso com idêntica finalidade”.

Concretizando: será, atenta a especificidade da mesma, de incluir a presente acção?
A resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser afirmativa, em face do entendimento que tem sido por nós expresso nos Acórdãos desta Secção citados supra, e o demais que se aduzirá nos pontos seguintes.
Explicitando.

4. Os créditos laborais e as “acções com idêntica finalidade”:

4.1. É certo que como já tivemos oportunidade de afirmar no Acórdão desta Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26/11/2015, no âmbito do Proc. 1190/12.5TTLSB.L2.S1 (disponível em www.dgsi.pt.), a lei não distinguiu, nem excepcionou, no art. 17º-E, do CIRE, as acções em que estejam em causa – simultaneamente com a condenação do Réu ao pagamento de uma quantia determinada, devida por falta do pagamento de retribuições e salários -, o pedido de reconhecimento, por exemplo, da natureza do contrato celebrado entre as partes ou outro qualquer pedido que envolva o reconhecimento de um direito.

Porém, quer no caso referido no âmbito do processo do citado Acórdão, quer em outras situações que temos vindo a analisar e a decidir, verifica-se que, em tais circunstâncias, e de acordo com a causa de pedir e o pedido aí formulado pelos respectivos AA., estamos perante direitos alegadamente emergentes da relação de trabalho.
E na verdade, esses direitos peticionados por quem se arroga o direito a eles (=o trabalhador), quer no que respeita às indemnizações que são pedidas, quer quanto às retribuições peticionadas, reconduzem-se a uma expressão numérica: aos valores determinados, relativos a montantes em dívida.
Ou seja: trata-se de créditos laborais.

E uma vez decidida a condenação da Ré no seu pagamento, assumem a plena natureza de direito de crédito dos AA./trabalhadores sobre a Ré/devedora.
Por conseguinte, é o património desta que sempre terá de responder por esse crédito, no todo ou em parte. Com reflexos directos no património da Ré, podendo, a partir de então, ser exigidos esses montantes.

E nos casos que já foram decididos por esta Secção do STJ, nas circunstâncias descritas, em que estava em causa uma acção de reconhecimento do contrato de trabalho, reconheceu-se que, não sendo uma acção de cobrança de dívida, não deixava de se assumir – porque o era – como uma acção declarativa de condenação, em que a condenação se cifrava num montante determinado, num crédito, a exigir da Ré e com consequências directas no património e activo desta, quando a Ré, se havia apresentado, requerendo por sua iniciativa, um processo especial de revitalização. 

Razão pela qual nos casos citados foi entendido que estaríamos perante acções de idêntica finalidade e, que, como tal, se mostravam abrangidas pelo n.º 1 do art. 17.º-E, do CIRE, na acepção de “acções em curso com idêntica finalidade”.

4.2. Ora, no caso dos autos, não obstante se tratar de uma situação em que se pretende obter o reconhecimento à Autora do direito a um “complemento para custear a medicação” e o direito a um “complemento de reforma”, certo é que esses direitos emergem da relação de trabalho, e conforme se afirmou já no Acórdão desta Secção do STJ, datado de 17/3/2016, no âmbito do Processo nº 33/13.7TTBRG.P1.S1, por nós Relatado, e disponível em www.dgsi.pt., a verdade é que tais direitos reconduzem-se, igualmente, a uma expressão numérica: são valores determinados e relativos a montantes em dívida.
São também créditos emergentes da relação de trabalho. E uma vez decidida a condenação da Ré no seu pagamento, assumem a plena natureza de direitos de crédito do Autor/trabalhador sobre a Ré devedora, por conseguinte, será o património desta que sempre terá de responder por esse crédito.   
Nesta medida, a solução a adoptar não pode divergir daquela, devendo também ser abarcada pelo nº 1 do art. 17º -E, do CIRE, de extinção da instância.

Com efeito, conforme se deixou expresso em pontos anteriores “no conceito de “acções para cobrança de dívidas”, previsto no art. 17º-E do CIRE, estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
Encontrando-se abarcadas pelo referido normativo também as acções em curso com idêntica finalidade”.
Neste sentido cf. o Acórdão Uniformizador nº 1/2014, publicado no D.R., I Série, de 25/02/2014, e Acórdãos desta Secção, do STJ, datados de 26/11/2015 e de 17/3/2016, proferidos no âmbito dos Procs nº1190/12.5TTLSB.L2.S1 e nº 33/13.7TTBRG.P1.G1.S1., respectivamente, estes últimos por nós Relatados, e todos disponíveis em www.dgsi.pt.

E se tivermos em consideração que os complementos de reforma, quando devidos, constituem prestações periódicas, que se renovam ao fim de períodos consecutivos, reconduzindo-se a um quantitativo monetário que é fraccionado e pago ao longo de meses e de anos, e que a lei permite ao credor, se o devedor deixar de pagar, que compreenda no pedido formulado em juízo não só as prestações já vencidas, como as vincendas, não pode deixar de se considerar que situações desta natureza cabem na previsão do art. 17º-E do CIRE.[8]

Razão pela qual se conclui, no caso sub judice, nos mesmos termos que constam dos Acórdãos citados, com a declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, também nesta parte.
Estando, por conseguinte, abrangidos, na totalidade, pela extinção da instância.

4.3. Conclusão para a qual convergem, nomeadamente, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda quando defendem que:

“O despacho em questão (referido nos arts. 17º-C e 17º-E, do CIRE) obsta à instauração de quaisquer novas acções dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor; além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha já sido proferida sentença declaratória. (….)
“(…) Diferentemente do que ocorre em sede de processo de insolvência, a paralisação aqui determinada deve abranger todas as acções para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias. Mas comunga com ele o facto de se abrangerem também acções com processo especial e procedimentos cautelares.[9]

Extraindo-se de Ana Ribeiro Costa igual conclusão, quando refere no seu Estudo que, uma solução como aquela aqui por nós preconizada, é a que permite “a compatibilização das garantias e direitos dos trabalhadores com o intuito e vantagens do processo especial de revitalização para o devedor”.[10]

5. Foi ainda suscitada nos autos a questão da entrega do certificado de trabalho, mencionada pelo Tribunal da Relação, por constar da alínea d) do pedido formulado pela Autora, pois segundo esta, não lhe teria sido entregue.
Trata-se, porém, de matéria que, como bem defende a Recorrente, a ter-se verificado, configura uma violação ao disposto na alínea a), do nº 1, do art. 341º, do Código do Trabalho de 2009, e constitui contra-ordenação leve por força do nº 3 deste normativo. Cuja consequência, como se sabe, é o desencadear de um procedimento contra-ordenacional (verificada que seja a infracção pelos serviços administrativos com competência para tal – no caso a Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT) que poderá ter como consequência a condenação da Ré numa coima prevista no art. 554º do CT.
Mostra-se, por isso, sujeita à tutela contra-ordenacional, não se vislumbrando, por tal facto, razões para garantir uma diferenciada tutela jurisdicional.

6. Nestes termos, procede a revista quanto à extinção da presente instância, na sua totalidade, por inutilidade superveniente da lide – cf. art. 277º, alínea e), do Novo CPC.


IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em julgar procedente a revista e, em consequência, revoga-se o Acórdão recorrido, repristinando-se, in totum, a sentença da 1ª instância.

- Custas da revista pelas AA., parte vencida.

- Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 17 de Novembro de 2017


Ana Luísa Geraldes (Relatora)


Ribeiro Cardoso


Ferreira Pinto

 



_______________________________________________________
[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Sobre esta matéria cf. o Memorando de Entendimento, nomeadamente os seus pontos 2.17, 2.18 e 2.19, que se reporta às linhas gerais do “Enquadramento Legal da Reestruturação de Dívidas de Empresas e de Particulares”.
[3] In “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, Anotado”, págs. 164 e segts.
[4] Cf., neste sentido, cf. Madalena Perestrelo de Oliveira, in “Processo Especial de Revitalização:
O Novo CIRE”, in RDS (Revista do Direito das Sociedades), IV, 2012, 3, págs. 718 e segts.
[5] Madalena Perestrelo de Oliveira, Ibidem.
[6] In “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2013, pág. 38. Sublinhado nosso.
[7] Negrito e sublinhado nosso.
[8] Sobre esta matéria dos complementos de reforma, sua natureza jurídica e o que comporta, cf. Acórdão desta Secção do STJ, datado de 03/03/2016, proferido no âmbito do processo nº 2528/13.3TTLSB.L1.
S1, por nós Relatado, e disponível em www.dgsi.pt. Cf. tb. o Acórdão desta Secção, do STJ, datado de 01/06/2011, proferido no processo nº 876/08.3TTLRA.C1.S1, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponí-vel no mesmo site.
[9] Neste sentido, cf. João Labareda e Luís Carvalho Fernandes, in “CIRE Anotado”, 2ª Edição, 2013, pág. 164.
[10] Cf., neste sentido, Ana Ribeiro Costa, in “Os Créditos Laborais no processo Especial de Revitalização: Breves Notas e Inquietações”, prelecção no VI Congresso Internacional Ciências Jurídico-Empresariais, decorrido em 24/10/2014, pág. 87. Texto publicado pela Autora que é docente na Universidade Católica do Porto.