Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2816
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA
NULIDADE
DETERMINAÇÃO DA SANÇÃO
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
Nº do Documento: SJ200812180028165
Data do Acordão: 12/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
1 – A imposição de termo de identidade e residência, de acordo com o art. 196° do CPP, significa que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].

2 – Se o arguido mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º.

3 – A circunstância da mãe do arguido ter informado que o arguido estaria numa outra morada, o que foi consignado pela GNR não dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos que visa garantir a disponibilidade e contactibilidade dos arguidos, responsabilizando-os por isso, em termos de notificações futuras.

4 – Daí que tendo o arguido sido notificado termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, na residência indicada, não enferme de qualquer nulidade o seu julgamento na ausência.

3 – No sistema de césure ténue de que é tributário o nosso sistema processual penal, a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente. Por outro lado, o n.º 2 do art. 71.º do C. Penal manda atender também, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e a sua situação económica [d)], à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [e)] e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [f)].

6 – Só estando apurado que o arguido, julgado na ausência, não tem antecedentes criminais, nada mais se sabendo, designadamente quanto às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à sua conduta posterior ao facto (a qual não pode ser deduzido da sua não comunicação de mudança de residência e falta de cumprimento ou incumprimento inadequado do dever de apresentação) e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, impõe a elaboração e consideração de um relatório social, pelo que deve ser reaberta a audiência nos termos do art. 371.º do CPP.

Decisão Texto Integral:
1.
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Foz Côa (proc. n.º 98/06.8JAGRD T.J. V.N.F.Côa) decidiu, por acórdão de 3.6.2008, (i) absolver o arguido AA da prática do crime de roubo que lhe era imputado; (ii) mas condená-lo, por via da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, como autor material, de um crime de violação de domicílio do art. 190.º, n.ºs 1 e 3 do C. Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; (iii) como autor material, de um crime de coacção sexual do art. 163.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; (iv) condená-lo, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão; (v) condená-lo a pagar à demandante a quantia de € 18.000 (dezoito mil euros), acrescidos dos juros vincendos, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento.
Inconformado recorre o arguido, que impugna a realização da audiência de julgamento na sua ausência, invocando a nulidade da falta da sua notificação da acusação e da data de julgamento e a nulidade do processado subsequente, bem como a medida da pena e respectiva fundamentação.
Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que se pronunciou desenvolvidamente no sentido de que não há qualquer nulidade e a ter havido ele se mostra sanada e de que não merece provimento o recurso também quanto à medida da pena.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

Factos provados:
No dia 16 de Julho de 2006, por volta das 4 horas, o arguido dirigiu-se à residência da assistente na Rua do ........., n.º ..., Cedovim, V.N.F. Côa, com intenção de lá entrar.
Aí chegado, de forma a conseguir os seus intentos, subiu ao telhado da referida casa e afastou algumas telhas para poder aceder à mesma. Posteriormente, confrontado com um alçapão entrou na casa pelo mesmo, dirigindo-se ao quarto de BB, a assistente.
Nesta altura, e confrontado com a presença da assistente que descansava na sua cama, o arguido, apercebendo-se que a mesma estava acordada, agarrou-se a ela e começou a agredi-la com murros na cara. Após, o arguido agarrou a assistente, prostrou-a sobre a cama e deu-lhe mais murros na cara e, envolvendo-se com a assistente, empurrou-a e deu-lhe encontrões, logrou tirar-lhe as cuecas e introduziu dois dedos na vagina da mesma, ao mesmo tempo que lhe mordia em diversas partes do corpo, inclusivamente, nos mamilos.
A assistente, resistindo à investida do arguido, conseguiu ir para debaixo da cama, já a esvair-se em sangue, tendo o arguido após saído do local.
A descrita actuação do arguido sobre a assistente causou nesta equimoso periorbitária direita, ferida cortocontusa supraciliar direita, ferida cortocontusa na face direita, hematoma no lábio superior, equimose mamária direita, equimose no braço esquerdo, equimose na mão direita e cotovelo direito.
Estas lesões determinaram à assistente 17 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho.
Sabia o arguido, agindo de modo livre, consciente e deliberado, que entrava no domicílio da assistente contra a sua vontade, e durante a noite, escalando a casa e retirando para o efeito as telhas.
Para incapacitá-la de resistir entendeu como necessário causar-lhe danos no seu corpo e saúde, bem como restringir fisicamente a sua liberdade de movimentos, tentando, após, manter relações sexuais com a assistente contra a sua vontade.
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, querendo com o seu comportamento satisfazer a sua lascívia, obrigando BB, através do uso da força, a suportar o descrito contacto físico com o mesmo, bem sabendo que os actos por si praticados, contra a vontade da assistente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos, ofendiam os sentimentos de pudor e vergonha de BB.
Agiu ainda o arguido livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido não tem antecedentes criminais.
A assistente ostentou as lesões provocadas pelo arguido, durante, pelo menos, dois meses.
Por força das agressões sofridas, a assistente teve de ser assistida no Hospital Sousa Martins, da Guarda, para onde foi transportada pelos bombeiros.
A assistente sofreu, em consequência das lesões, muitas dores no rosto, em toda a zona da cabeça, bem como nas mãos, braços e costas.
Em virtude das lesões sofridas, a assistente deixou de poder trabalhar nas suas terras, durante o tempo de incapacidade supra referido.
A assistente, logo a seguir às agressões de que foi vítima, saiu de casa para pedir socorro, tendo sido vista toda ferida e ensanguentada.
A assistente é pessoa de elevada reputação no meio em que vive, tendo sofrido um forte desgosto, vergonha e humilhação, com as agressões de que foi alvo.
A assistente, em virtude das agressões sofridas, tornou-se uma pessoa taciturna e triste.
A assistente, na sequência das agressões de que foi alvo, passou a viver mais desconfiada, tendo posto grades nas janelas, reforçado as portas e mandado arranjar o telhado.
A assistente tem duas filhas, que residem na cidade da Amadora, e se deslocaram de imediato para perto dela, em virtude das agressões, até ao Hospital Sousa Martins.
No dia 17/07/2006, a assistente fez uma deslocação a V.N. de Foz Côa para prestar declarações na G.N.R.
No dia 20/7/2006 a assistente deslocou-se ao Instituto de Medicina Legal.
A assistente recorreu a uma consulta de psiquiatria, no dia 14 de Setembro de 2007.
Factos não provados
Quis o arguido subtrair o dinheiro à assistente ou outros valores que encontrasse em sua casa.
Que o arguido tenha pedido à assistente dinheiro e demais coisas com valor, conseguindo dessa forma que a mesma lhe entregasse € 25, que era a quantia que a assistente possuía na altura.
Agiu o arguido com intenção de fazer seu e de integrar no respectivo património tudo o que pudesse encontrar, tendo para o efeito dado murros na cara da ofendida e a agarrado para melhor assegurar o êxito das suas intenções, não obstante saber que tal dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da dona.
Que o arguido sabia que a assistente vivia sozinha.
Que o arguido actuou, do modo que resulta provado, junto da assistente durante mais de duas horas.
Que cresceram à assistente quistos, que ainda hoje se mantêm.
Ainda hoje a assistente tem marcas das agressões sofridas.
Que a assistente teve necessidade de recorrer a consultas psiquiátricas.
Que a assistente tenha despendido a quantia de € 550 euros para colocar grades, reforçar as portas e arranjar o telhado.
No dia 18/7/2006 fez nova deslocação à Guarda, para fazer mais tratamentos.
Que a assistente no dia 20/7/2006 se tenha deslocado ao Instituto de Medicina Legal, vinda de cidade da Amadora, para onde se deslocara com as suas filhas.
Que a assistente, no dia 3/8/2006, se deslocou da Amadora a Cedovim para ser vista pelo seu médico de família.
2.2.

Realização da audiência de julgamento na ausência do recorrente.
Sustenta o recorrente que a audiência de julgamento, de 13.5.2008, sem a sua presença (conclusão 3) é ilegal, pois que, no 1º interrogatório foram-lhe aplicadas medidas de coacção entre as quais a de permanecer na freguesia de Cedovim e em 5 dias indicar aos autos a sua morada (cfr. fls. 67 a 72) (conclusão 4), pelo que se descolou para o Porto e posteriormente indicou, para os termos e efeitos do art. 196 do CPP, aos autos a sua morada na Rua do Campo Lindo n.º ..., Porto (cfr. fls. 139) (conclusão 5), mas no decurso do inquérito mudou de residência e não cumpriu cabalmente com as apresentações periódicas semanais (conclusão 6).
Mas, conforme era sua obrigação legal, informou os autos da alteração da morada, através da sua mãe, pedindo-lhe que da nova morada desse conhecimento à sua defensora oficiosa, a fim de ser comunicado aos autos (conclusão 7) e, como decorre de uma análise atenta dos autos, a nova morada do arguido mostra-se indicada a fls. 285 (conclusão 8), mediante a devolução pela GNR de Freixo de Numão, do mandado de detenção e onde comunica a nova direcção do arguido no Porto (informação dada pela mãe do arguido) (conclusão 9)

Mas, não obstante, todas as notificações, da acusação, da audiência de julgamento (1.ª e 2.ª datas), não foram efectuadas para a morada indicada pela GN R, aos autos (conclusão 10) e − art. 313, nº 2 do CPP − o despacho que designa dia para a audiência, tem de ser notificada ao arguido pelo menos 30 dias antes da data fixada para audiência (conclusão 11), conforme n.º 3 do art. 313º, tem lugar nos termos das als a) e b) do n.º 1 do artº 113 do CPP (conclusão 12), pelo que teria o arguido de ser notificado mediante contacto pessoal ou via postal registada, o que não se verificou (conclusão 11).

Verifica-se nulidade insanável da al. c) do art. 119.º do CPP (conclusão 14), que invalida − n.º 1 do art. 122.º do CPP − o acto em que se verificou e os que dele dependerem e aqueles puderem afectar (conclusão 15)

É obrigatória a presença do arguido (n.º 1 do art. 332º do CPP) na audiência que só pode ter lugar quando o mesmo se encontre regularmente notificado para ela (conclusões 16 e 17).

No caso, nenhuma das circunstâncias (que excepcionam o princípio da obrigatoriedade da presença do arguido na a audiência do julgamento) se verificaram (conclusão 18), pois o recorrente não foi notificado do despacho designando a data da audiência de julgamento, o que teria de ser realizado para a nova morada indicada antes do mesmo despacho (conclusão 19), verificando-se a nulidade, insanável, da diligência da audiência de julgamento realizada nos autos sem que o arguido fosse notificado e sem que razão exista para o justificar (conclusão 20).

Nunca houve intenção de fuga e nunca pretendeu o recorrente que o julgamento decorresse na sua ausência (conclusão 21), assim se violando também o disposto no art. 61, n.º 1 al. a) do CPP, bem como princípios fundamentais consagrados na CRP (conclusão 22)

Já o Ministério Público junto do Tribunal Recorrido concluiu que ao arguido foi, além do mais, aplicado Termo de Identidade e Residência (conclusão 1) e o mesmo foi regularmente notificado do despacho de acusação, bem como, do despacho que designou data para audiência de discussão e julgamento para a morada que para tal efeito indicou nos autos (conclusão 2).

Vejamos então.

Pretende, em síntese, o recorrente que a realização da audiência de julgamento, sem a sua presença constitui nulidade insanável (n.°s 2 e 3 do art. 313° do CPP), pois não foi notificado, com pelo menos 30 dias de antecedência, da respectiva data fixada para julgamento, com cópia da acusação.
Na sua óptica, sem bem que não morasse à data dessa notificação na residência que indicara, a notificação deveria ter tido lugar na morada para onde mudara, que indicara à sua mãe e que esta teria indicado à GNR.
Mas não lhe assiste razão.

O arguido, como ele próprio reconhece, prestou termo de identidade e residência, de acordo com o prescrito no art. 196° do CPP.

Significa isso que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa (onde os autos se encontrarem a correr nesse momento) [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].

Ora, como o próprio recorrente aceita, mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado por força da al. b) do n.º 2 do art. 196.º, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara, uma vez que não comunicara outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal de V.N. Foz Côa, de acordo com a al. c) do mesmo n.º 2, o que tudo legitimava, como fora advertido, a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [n.º 2, al. d)].

Daí que se deva ter o arguido por regularmente notificado, uma vez que lhe foi enviada a devida e completa notificação para a morada que indicara e não alterara regularmente.

Não se diga, em contrário e como faz o recorrente, que a informação prestada pela mãe a GNR e feita constar de auto dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos. Como a história do art. 196.º pode elucidar, os deveres impostos, nessa sede, aos arguidos de maneira a garantir a sua disponibilidade e contactibilidade, e responsabilizando-os por isso, na forma já analisada. E a valoração da informação prestada pela mãe ao OPC, que o não responsabilizava, desresponsabilizava-o face ao processo, ficando-se sem conhecer residência que o comprometesse em termos de notificações futuras.
Ora a exigência do formalismo, incumprido pelo recorrente, visa exactamente assegurar, como se disse, a eficácia do processo. E, por outro lado, foi o recorrente devidamente informado dos procedimentos a adoptar e das suas consequências.
É certo que é obrigatória a presença do arguido (n.º 1 do art. 332º do CPP) na audiência que só pode ter lugar quando o mesmo se encontre regularmente notificado para ela, mas como vimos, foi regularmente notificado e nas circunstâncias fora advertido de que seria, no incumprimento das regras, representado por defensor nos actos processuais em que pudesse ou devesse estar presente e, poderia ter lugar a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [n.º 2, al. d) do art. 196.º].

2.3.
Medida da pena e respectiva fundamentação.
Quanto a esta segunda questão, sustenta o recorrente que a pena deve ser medida pela necessidade de evitar a produção de lesões semelhantes por qualquer outro membro da comunidade ou mais exactamente de necessidades de estabilização, das expectativas na validade do direito por parte da comunidade em face da lesão dos bens jurídicos (conclusão 25), devendo ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente e em linha de conta evitar a dessocialização do agente (neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 231) (conclusão 26), tendo o julgador que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor do agente ou contra ele, art. 71, n.º 2 do CP (conclusão 27), o que não se verificou (conclusão 28), pois o Tribunal ‘‘a quo’’ entendeu, dada a ausência e às informações constantes dos autos relativos a sua mudança para outro local, não ser profícuo determinar a realização de relatório social (conclusão 29), mas, dada a manifesta ausência de defesa do recorrente, não foram ponderados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, as suas condições pessoais, económica-social, o seu processo de desenvolvimento, conforme o deveriam e mereciam ter sido (conclusão 30)

Tão pouco, a seu favor terá para determinação da medida da pena, militado o facto de não ter antecedentes criminais (conclusão 31), antes militou o facto tido por assente, que o arguido se encontrava em fuga quando, na verdade se encontrava a trabalhar, devidamente inserido e integrado na sociedade (conclusão 32), não tendo sido tidos em consideração todas as circunstâncias que podiam depor a seu favor nomeadamente as suas condições pessoais (conclusão 33) e o facto de não ter antecedentes criminais, não referindo o Acórdão expressamente os fundamentos da medida da pena, violando assim, o disposto nos arts°. 70, 71 nºs 1 e 2, al. d) e) f) e nº 3 e 72 nº 1 todos do C. Penal (conclusão 34), pelo que a pena a aplicada é manifestamente desadequada, por desajustada quer à culpa, quer as exigências de prevenção. (conclusão 35).

Mas, o Ministério Público na Instância contrapôs que a escolha da pena depende fundamentalmente da culpa do agente (conclusões 4 e 5) em cujo juízo deve predominar a culpa pelo facto, no sentido de que o objecto de valoração da culpa é, também, quando não prevalentemente, o facto ilícito típico perpetrado (conclusões 6 e 7), tendo em conta também considerações de prevenção (geral e especial) (conclusão 8), a gravidade dos danos exteriores provocados no âmbito dos bens jurídicos, sem esquecer, obviamente, o desvalor do próprio comportamento delituoso (conclusão 10), concordando-se com a medida da pena aplicada (conclusão 11), cuja decisão se encontra fundamentada (conclusão 12). No que foi acompanhado detalhadamente pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça

Escreve-se, a propósito desta questão, na decisão recorrida:

«Das consequências jurídicas do crime

Refere o art. 40.º do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial). O n.º 2 do artigo citado enuncia o princípio geral e estruturante do direito penal, o princípio da culpa, através do qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Reafirma o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente.

Da sanção abstractamente aplicável.

Quanto ao crime de violação de domicílio é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (até 360 dias).

Quanto ao crime de coacção sexual é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Das penas em concreto.

Determinadas as molduras penais abstractas, cabe agora a este tribunal, numa segunda etapa, determinar qual a pena que, em concreto, deve ser aplicada ao arguido, sendo certo que como directrizes têm de ser considerados os arts. 40.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal.

À culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicado, sendo em função de considerações de prevenção, quer geral de integração, quer especial de socialização, que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena, de modo a que, através deste processo de determinação da medida da pena, se acentue a integração e o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança em face da violação da norma (numa função de protecção do ordenamento jurídico - reacção contrafáctica das normas).

Considerando as circunstâncias relativas à prática do facto criminoso, como sejam, o grau de ilicitude, que é muitíssimo elevado (agiu sobre uma pessoa idosa, em circunstâncias muito penosas para esta, desde logo, por estar abrigada no seu lar, tendo portanto violado, de modo muito consistente, o seu sentimento de segurança), o dolo do arguido, que foi muito intenso, a intensidade colocada na prática dos factos (quanto a ambos os crimes, sendo de destacar, quanto ao crime de violação de domicílio que, com a sua conduta, preencheu três elementos qualificadores de tal crime, pois agiu de noite, escalando a casa e arrombando o telhado, numa persistência delituosa muitíssimo intensa), as consequências dos factos (que se repercutem, desde logo, nas lesões sofridas pela assistente, além das consequências psicológicas que resultam provadas), sendo que somente a seu favor pesa a ausência de antecedentes criminais; tudo ponderado, temos por adequada e proporcional aplicar ao arguido a pena de um ano e oito meses de prisão pela prática do crime de violação de domicílio e a pena de quatro anos e oito meses pela prática do crime de coacção sexual.

Cumpre ter em consideração que, no contexto em que o arguido praticou os factos, e dada a gravidade destes, não obstante o crime de violação de domicílio prever, em alternativa, a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, entendemos que as exigências de prevenção exigem a aplicação de uma pena de prisão.

Do Concurso de Crimes.

Pena do concurso

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única” (cf. art. 77.º, n.º 1 do Código Penal), pelo que cumpre realizar o cúmulo jurídico das penas concretamente aplicadas.

Dispõe o art. 77.º, n.º 2 do Código Penal: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Moldura do concurso

O limite máximo resulta, de acordo com a directriz acabada de enunciar, da soma das penas concretamente aplicadas ao arguido, o que dá 6 anos e 4 meses.

O limite mínimo é dado pela pena concretamente mais elevada, isto é, quatro anos e oito meses de prisão.

Medida da pena do concurso

“Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”, é o que dispõe a parte final do n.º 1 do art. 77.º do Código Penal, consistindo este num critério especial, além dos critérios gerais fornecidos pelo art. 71.º do Código Penal.

E aqui, ao ter por critério primeiro aquele acabado de enunciar, não há o risco de se cair numa dupla valoração, pois, como afirma o Figueiredo Dias: “...deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não há haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração.”, in ob. cit., p. 292.

Há então que fazer uma análise sobre a "gravidade do ilícito global” (F. Dias) de modo a fazer a conexão correspondente entre os ilícitos praticados.

De acordo com os factos provados e analisados a propósito da determinação da medida da pena de cada um dos crimes cometidos, conclui-se que a prática dos factos se revela de muita gravidade, tendo o arguido atingido diversos bens jurídicos, revelando uma intensidade criminosa muitíssimo relevante.

Deste jeito, é de prever que a condenação em que vai incorrer o arguido servirá para o consciencializar para a gravidade dos crimes por si praticados, de modo a que não volte a perpetrar outros semelhantes.

Neste contexto, deve a pena de prisão a aplicar ser fixada em cinco anos e quatro meses de prisão.»

Em síntese, pretende o recorrente que, devendo o julgador que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a seu favor, tal não se verificou, uma vez que o Tribunal recorrido entendeu não determinar a realização de relatório social, dada a ausência daquele e às informações constantes dos autos relativos a sua mudança para outro local, pelo que não foram ponderados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, as suas condições pessoais, económica-social, o seu processo de desenvolvimento, conforme o deveriam e mereciam ter sido.

E aqui já alguma razão lhe assiste.

No sistema de césure ténue de que é tributário o nosso sistema processual penal, a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 369.º do CPP, se resultar da deliberação tomada, na sequência da audiência de julgamento, dever ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente do tribunal lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social (n.º 1).

De seguida o mesmo presidente pergunta se o tribunal considera necessária produção de prova suplementar para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar, deliberando e votando o tribunal sobre a espécie e a medida da sanção a aplicar imediatamente, se não for entendida necessária aquela prova, ou após a produção da prova nos termos do art. 371.º, se entendida necessária (n.º 2).

Importa, neste contexto, recordar que o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo (art. 370.º)

E que, para produção da prova complementar considerada necessária à aplicação de pena ou medida de segurança, tem lugar em audiência para o efeito reaberta (art. 371.º, n.º 1), ouvindo-se sempre que possível o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.

Por outro lado, o n.º 2 do art. 71.º do C. Penal manda atender também, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e a sua situação económica [d)], à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [e)] e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [f)].

No caso sujeito, recorde-se que só vem apurado que o arguido não tem antecedentes criminais, o que releva no âmbito da mencionada al. e).

Nada mais se sabe, designadamente quanto às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à sua conduta posterior ao facto (a qual não pode ser deduzido da sua não comunicação de mudança de residência e falta de cumprimento ou incumprimento inadequado do dever de apresentação) e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

A circunstância de o recorrente não ter comunicado regularmente a mudança de residência não inviabilizaria a realização do relatório social fundamental uma vez que se trata de arguido julgado na ausência e com tão parca matéria recolhida dos elementos relevantes para a determinação da sanção, quando acabou por ser aplicada uma pena de prisão, necessariamente pela sua medida, efectiva.

Entende, assim, este Supremo Tribunal que se impõe a reabertura da audiência para determinação da sanção, solicitando-se antes o devido relatório social, com a produção de outras provas que venham a ser consideradas necessárias para a determinação da sanção.

Consigna-se que, improcedendo o recurso quanto à questão da realização da audiência na ausência, se considera definitiva a determinação da culpabilidade efectuada pelo Tribunal recorrido.

3.

Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso do arguido, ordenando a reabertura da audiência para determinação da sanção, nos termos do art. 371.º do CPP, necessariamente com realização de relatório social, mas confirmando a decisão recorrida quanto à determinação da culpabilidade do mesmo arguido.

Custas, no decaimento, pelo recorrente, com a taxa de justiça de 4 Ucs.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2008

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho