Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9283/17.6T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO URBANO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
BOA -FÉ
COMUNICAÇÃO AO SENHORIO
OBRAS
AUTORIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO / MORA DO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO DE PRÉDIOS URBANOS / CESSAÇÃO / RESOLUÇÃO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, p. 1054-1055;
- Ana Perestrelo de Oliveira e Madalena Perestrelo de Oliveira, Incumprimento Resolutório: Uma Introdução, Almedina, 2019, p. 67 e ss.;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Edição, Almedina, p. 124-126 ; Anotação ao Ac. do STJ de 02-11-1989, in RLJ Ano 128º, p. 137-138;
- Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Boletim da Faculdade de Direito – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, Vol. II – Iuridica, p. 343 e ss.;
- Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, Separata do Vol. XXII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, p. 128;
- Castro Mendes, Direito Civil (Teoria Geral), Vol. III, AAFDL, 1973, p. 406/407;
- Pinto Furtado, in Manual de Arrendamento Urbano, Vo. II, Almedina, 4.ª Edição, 2008, p. 1000-1001.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 802.º, N.º 2, 808.º, N.ºS 1 E 2 E 1083.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-05-2015, PROCESSO N.º 1311/11.5TVLSB.L1.S1;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 567/11.8TVLSB.L1.S2.
Sumário :
I. A resolução do contrato de arrendamento urbano, nos termos gerais para que remete o artigo 1083.º, n.º 1, do CC, depende da verificação de incumprimento definitivo imputável à parte contra quem se pretende efetivar a resolução.

II. Porém, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, não basta qualquer incumprimento definitivo, impondo-se ainda que este incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

III. Esta é uma particularidade da resolução legal do contrato de arrendamento urbano, mais exigente do que o previsto para a generalidade dos contratos, em que, em princípio, só o incumprimento definitivo de escassa importância é impeditivo da resolução, à luz do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do CC.      

IV. Em caso de mora imputável à parte contra quem se pretenda resolver o contrato, incumbe à contraparte converter a mora em incumprimento definitivo mediante interpelação admonitória, salvo se esta interpelação for dispensável em virtude da recusa antecipada inequívoca de cumprir pela parte faltosa ou da perda objetiva do interesse no cumprimento a obrigação, nos termos, respetivamente, dos n.º 1 e 2 do artigo 808.º do CC.

V. Tem ainda sido admitido que a resolução se possa estribar em situações de justa causa consistentes na quebra da relação de confiança entre as partes de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, com apelo ao princípio da boa fé, sem passar pela conversão da mora em incumprimento definitivo.

VI. Num caso, como o dos autos, em que, no âmbito de um contrato de arrendamento de armazém destinado à organização e promoção de eventos, à promoção de marcas de bebidas, alimentos e artesanato e ainda para escola de artes plásticas e ginástica, restauração e bar, implicando a realização de obras de adaptação do locado pelo arrendatário, sujeita, porém, a autorização do senhorio, o comportamento deste, ao ser surpreendido pelo início dessas obras, de não aceitar que o arrendatário explorasse ali a atividade de restauração e bar com caráter de permanência, por considerar não ser este o alcance da cláusula de destinação, não constitui, sem mais, incumprimento definitivo da obrigação de assegurar o gozo da coisa nem se traduz numa situação de justa causa por quebra de confiança, fundada em violação do princípio da boa fé, que justifique o exercício do direito de resolução do contrato por parte do arrendatário.

VII. Nessas circunstâncias, independentemente do alcance que deva ser dado à referida cláusula de destinação no tocante às atividades de restauração e bar, era exigível que o arrendatário tivesse, previamente, proporcionado ao senhorio a adequada informação sobre o tipo de obras que pretendia levar a cabo e sobre a sua amplitude, de modo a que este pudesse aferir os contornos do uso que aquele visava dar ao locado no âmbito de tais atividades e a obter a respetiva autorização conforme o estipulado no contrato.

Decisão Texto Integral:         
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou, em 01/05/2017, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

   - BB (1.ª R.);   

   - CC (2.º R.), cônjuge da 1.ª R.;

   - DD (3.ª R.);  

   - EE (4.ª R.);   

   - FF (5.º R.), cônjuge da 4.ª R.;

   - GG, S.A. (6.ª R.).  


Alegou a A., no essencial, que:

. Em 21/11/2014, mediante o escrito de fls. 36-43, os R.R. deram de arrendamento à A. o armazém n.º 5 inserido no rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, …, pelo prazo de dez anos, com início em 01/11/2014 e termo em 31/10/2024, pela renda anual de € 15.000,00 a pagar em duodécimos de € 1.250,00 por mês, tendo por destino a organização e promoção de eventos, a promoção de marcas de bebidas, alimentos e de artesanato e ainda para escola de artes plásticas e ginástica;

. No âmbito desse contrato, foi dada autorização à A. para ceder a sua posição contratual a favor de sociedade comercial na qual viesse a deter a maioria do capital social;

. Na data da assinatura do contrato a A. pagou aos R.R. a quantia de € 2.500,00 correspondente às rendas dos meses de janeiro e fevereiro de 2015;

. Já após a assinatura do contrato, a A. tomou conhecimento de que só existia um único quadro para abastecer energia elétrica ao locado e a outros dois armazéns ali existentes e de que esse quadro se encontrava no armazém defronte daquele locado, o que não lhe fora comunicado pelos locadores, tendo então apresentado reclamação junto destes;

.  Em face disso, a A. e R.R. entraram em negociações, acabando por acordar, a título de compensação, em alterar algumas cláusulas contratuais por via da realização de um aditamento ao referido contrato mediante o escrito reproduzido a fls. 24-25, de 01/05/2015, nos termos do qual foi reduzido o montante mensal da renda para € 1.100,00, foi estabelecido um período de carência das rendas correspondentes aos meses de março, abril e maio de 2015, sendo ainda aditada, ao destino do locado, a exploração das atividades de restauração e bar;

 . Após a assinatura desse aditamento, a A. continuou com as obras, exteriores e interiores, de reparação, restauro e limpeza do locado, começando a solicitar novos orçamentos com vista à montagem do negócio agora centrado na exploração das atividades de restauração e bar;

 . Quando, em meados de janeiro de 2016, a A. levava a cabo as obras para instalação de casas de banho e da cozinha, o encarregado da obra foi interpelado pelo 2.º R. sobre a finalidade das mesmas;

 . Na sequência de tal episódio, a A., à cautela, comunicou ao 2.º R., mediante e.mail remetido em 19/01/2016, que iria começar a explorar no locado as atividades de restauração e bar e que, por isso, tinha realizado as obras de adaptação do respetivo espaço;

 . O 2.º R. respondeu a essa comunicação, através de e.mail remetido em 30/01/2016, que não aceitavam aquela exploração em virtude de lhes ter sido afirmado pela A. que tais atividades se destinavam a funcionar temporariamente, aquando da realização de eventos ou promoções, sem carácter permanente e em regime de catering, sem confeção no locado;

  .  Perante essa oposição dos R.R. à referida exploração, a A. comunicou-lhes, por e.mail remetido a 31/01/2016, a resolução do contrato com fundamento em justa causa e entregou-lhes as chaves do locado em 05/02/2016;

  . Em consequência da resolução do contrato por incumprimento dos R.R., a A. tem direito à restituição das rendas que lhes pagou de janeiro de 2015 a fevereriro de 2016, na expetativa de vir a explorar o locado, no valor total de € 12.400,00, bem como ao valor das benfeitorias ali realizadas na cifra de € 4.750,00 e às despesas já iniciadas para constituir a sociedade cessionária, no valor de € 75,00;

  . A título de lucros cessantes pela frustração da exploração da atividade de restauração projetada até ao termo do contrato, tem a A. direito a ser indemnizada no montante € 173.250,00 e pelos danos não patrimoniais sofridos com o fracasso na sua afirmação profissional e pessoal e pelos incómodos e transtornos, deve ser compensada no valor de € 7.500,00.

       Concluiu a A. a pedir a condenação solidária dos R.R. a pagar-lhe o seguinte:

a) - A quantia global de € 197.975,00, correspondente à soma das verbas acima indicadas;  

b) – A quantia que viesse a ser liquidada ulteriormente a título de lucros cessantes quanto à frustrada exploração da atividade de bar no locado;

c) – Os respetivos juros de mora.    

2. Os R.R. deduziram contestação-reconvenção, sustentando, em síntese, que:

. O problema suscitado pela A. sobre o quadro elétrico nunca condicionou as potencialidades do locado, não tendo o aditamento ao contrato surgido como compensação da A., mas a pedido desta;

. Os R.R. nunca aceitaram a exploração das atividades de restauração e bar com caráter permanente no locado, mas apenas o que lhes foi transmitido pela A. de que os eventos, a terem lugar naquele espaço, seriam servidos por catering;  

. Não foram realizados, no locado, trabalhos de beneficiação e adaptação, à exceção de trabalhos de repintura, no interior de algumas dependências, e limpeza, tendo a A. iniciado obras não autorizadas cuja realização só comunicou depois do seu começo, ao contrário do que se previa no contrato, o que fez sem projetos nem licenças;

. Se o contrato não tivesse sido resolvido pela A., perduraria até junho de 2018, tendo assim a resolução infundada antecipado em 25 meses o fim do mesmo em relação ao termo convencionado.

Concluíram os R.R. no sentido da improcedência da ação e pediram a condenação da A. a pagar-lhes a quantia de € 27.500,00, correspondentes às rendas dos indicados meses de antecipação do fim do contrato, bem como uma compensação de € 2.500,00 para cada um dos R.R. singulares, a título de danos não patrimoniais.

3. A A. apresentou réplica a pugnar pela improcedência da reconvenção.

4. Findos os articulados, foi fixado à causa o valor de € 239.441,00 e, após saneador tabelar, foram proferidos os despachos de identificação do objeto de litígio e de enunciação dos temas da prova.     

5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 241 a 254, datada de 30/10/2018, a julgar:

a) – A ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. do pedido;

b) – A reconvenção parcialmente procedente, condenando-se a A. a pagar aos R.R. a quantia de € 27.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01/02/2016, absolvendo-a no mais por estes peticionado.   

6. Inconformada com essa decisão, a A. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo sido proferido o acórdão de fls. 300-314/v.º, datado de 17/06/2019, aprovado por unanimidade, a julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a sentença recorrida apenas no segmento respeitante à condenação em juros de mora, no sentido de estes juros serem contabilizados sobre cada quantia mensal de € 1.100,00, desde 02/02/2016 e, a partir daí, desde cada segundo dia útil dos meses seguintes até fevereiro de 2018, mantendo o mais decidido ainda que com base em fundamentação diversa da consignada na 1.ª instância.

 7. Novamente inconformada, vem a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.a – A A. resolveu o contrato de arrendamento com fundamento no facto de os R.R. se terem oposto a que ela explorasse no locado as atividades de restauração e bar que a haviam autorizado no aditamento ao contrato de arrendamento celebrado uns meses antes;

2.a - Contudo, as decisões quer a da 1.ª instância quer a da Relação, se bem com fundamentação essencialmente diferente, julgaram a ação improcedente por considerarem que a A. resolveu o contrato de arrendamento sem justa causa bastante, segundo a sentença da 1.ª Instância, sem justa causa, segundo o acórdão recorrido;

3.ª - Entendeu-se na 1.ª Instância que, pese embora o incumprimento dos R.R. consubstancie justa causa para a A. resolver o contrato, também entendeu que esta justa causa não era bastante para tal, por se considerar que a A. não demonstrou que pretendia explorar no locado, em exclusivo, as atividades de restauração e bar.

4.a - Por sua vez, no acórdão recorrido, manteve-se a condenação da A., mas com fundamentação essencialmente diferente, entendendo-se que o fundamento invocado para resolver o contrato de arrendamento foi a circunstância de os R.R. não a terem autorizado a edificar a cozinha e instalações sanitárias no locado, e não o fundamento que a 1.ª Instância entendeu: a oposição dos R.R. a que a A. explorasse as atividades de restauração e bar no locado;

5.a - Contudo, nesse acórdão, foram tidas como pertinentes duas das pretensões recursivas apresentadas pela A.: uma, respeitante à alteração da matéria de facto, tendo aditado o ponto 24 aos factos provados, cuja matéria factual deste ponto demonstra, de uma forma clara e inequívoca, que a A. pretendia explorar no locado, em exclusivo, as atividades de restauração e bar, ficando desta forma preenchido o requisito exigido pela 1.ª Instância para julgar o fundamento invocado pela A. na resolução do contrato de arrendamento por justa causa bastante;

6.a - De igual modo, no acórdão recorrido, entendeu-se pertinente a pretensão recursiva apresentada pela A. relativa ao facto de ter sido impedida pela 1.ª instância de produzir prova na audiência de discussão e julgamento, sendo que só não ordenou a baixa dos presentes autos à 1.ª Instancia para produção de prova, por se entender que esta diligência se afigurava inútil, considerando que já existia nos autos prova suficiente para a decisão;

7.ª – Todavia, a confirmar-se a existência de erro por parte da Relação na identificação do fundamento invocado pela A. na resolução do contrato de arrendamento, em conjugação com a matéria constante do ponto 24 aditado aos factos provados, impõem-se alterações parciais às decisões de ambas as instâncias, no sentido da procedência da ação, passando-se, agora, a afigurar útil a produção de prova por parte da A., relativa apenas aos pedidos indemnizatórios que deduziu contra os R.R.;


Do Fundamento da Resolução pela A.

8.ª – Não fosse o erro do Tribunal da Relação, na identificação do fundamento invocado pela A. na resolução do contrato de arrendamento, a ação poderia ser julgada procedente, tendo em conta que foi julgada parcialmente procedente a pretensão recursiva da A., relativamente à alteração da matéria de facto e aditado o ponto 24 aos factos provados, entendendo-se ainda que o despacho da 1.ª Instância que impediu a A. de produzir prova na audiência de julgamento está eivado de irregularidades;

9.ª – No acórdão recorrido, todo o raciocínio desenvolvido foi assente no pressuposto de que a A. invocou como fundamento para a resolução do contrato a circunstância de os senhorios não autorizarem a edificação de cozinha e instalações sanitárias no locado, quando o único fundamento invocado pela A. foi o constante da 1.ª parte do ponto 18 dos factos provados, consubstanciado na oposição dos R.R. a que a A. explorasse no locado as atividades de restauração e bar;

10.a – Foi, precisamente, com base na comunicação dos R.R. (ponto 18 dos factos provados) que a A. logo lhes comunicou a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento, única e exclusivamente, na oposição deles a que a A. explorasse no locado as actividades de restauração e bar, conforme consta do documento que ela remeteu àqueles, em 02-05-2017;

11a – Assim, não se consegue vislumbrar como é que a Relação pode ter concluído que o fundamento invocado pela A. na resolução do contrato de arrendamento foi a suposta não autorização dos R.R. à edificação de cozinha e instalações sanitárias no locado, quando dos factos julgados provados nada consta acerca desta suposta não autorização;

12.a - Mesmo a admitir a tese defendida pela Relação, não se compreende porque é que, depois de o encarregado ter informado os R.R. que estava a levar a cabo as obras de instalação das casas de banho e cozinha (ponto 16 dos factos provados), na sequência de ter sido interpelado por um dos R.R. (ponto 15), o  R. não se insurgiu logo contra a continuação da realização de tais obras;

13.a – E mesmo a entender que a comunicação que a A. fez aos R.R., constante do ponto 17 dos factos provados, era um pedido de autorização da A. àqueles para a edificação das casas de banho e cozinha que já estava a levar a cabo, também não se compreende porque é que a resposta deles não foi no sentido de "não autorizamos a edificação de cozinha e instalações sanitárias" ou então "não autorizamos a continuação das obras que estão a levar a cabo", não se podendo olvidar que um dos R.R. é advogado;

14.ª - Acresce que, no pressuposto de que “a oposição dos R.R. a que A. explorasse no locado as atividades de restauração e bar”, é matéria / questão distinta da “suposta falta de autorização dos R.R. para a edificação de cozinha e instalação de sanitários”, unicamente o que ficou provado foi que os R.R. responderam à A. apenas que não aceitavam a exploração das atividades de restauração e bar no locado, como consta da 1.ª parte do ponto 18 dos factos provados;

15.a - Na 2.ª parte do referido ponto 18 dos factos provados, os R.R. dizem, mas não provaram que se opuseram à exploração destas atividades de restauração e bar, em virtude de lhes ter sido afirmado pela A. que tais atividades se destinavam a funcionar temporariamente, aquando da realização de eventos ou de promoções, sem carácter permanente, e em regime de "catering" e, em momento algum, referem ou invocam que a A. está a edificar a cozinha e instalações sanitárias sem autorização deles;

16.a - Em momento algum ficou provado que os R.R. não autorizaram ou se opuseram à edificação ou continuação das obras de edificação da cozinha e das instalações sanitárias, antes, a única factualidade que resultou demonstrada e provada foi a constante do ponto 18 dos factos provados, no sentido de que os R.R. a única coisa a que se opuseram foi a que a A. explorasse as atividades de restauração e bar no locado;

17a - Resultando, desta forma, que os R.R. autorizaram a A. a edificar a cozinha e instalações sanitárias, como acima ficou bem demonstrado, razão pela qual, nunca se insurgiram contra a sua edificação, nem tão pouco se insurgiram contra a continuação de tais obras;

18.a - A A. não acedeu a esta pretensão dos R.R., razão pela qual logo resolveu o contrato de arrendamento, porquanto no contrato de arrendamento e no seu aditamento não ficou prevista / acordada qualquer limitação à exploração das atividades de restauração e bar no locado e porque estas duas atividades eram as únicas que, naquele momento, a A. pretendia explorar no locado, em exclusivo, como resulta, de uma forma clara e inequívoca, do ponto 24 dos factos provados, que o tribunal recorrido decidiu aditar;

19.a - Face a todo o exposto, mormente aos factos julgados provados, ao homem médio, às regras da experiência comum e à lógica, cai por terra todo o raciocínio expandido no acórdão recorrido, no sentido de que o fundamento invocado/utilizado pela A. na resolução do contrato de arrendamento foi a não autorização dos R.R. à edificação de cozinha e instalações sanitárias no locado;

20.ª - Em consequência, deve ser julgada procedente esta pretensão recursiva da A., considerando-se que ela resolveu o contrato de arrendamento com fundamento na oposição dos R.R. a que explorasse as atividades de restauração e bar no locado, considerando-se, ainda, esta oposição como incumprimento dos R.R. suficientemente grave e, por isso, consubstanciar justa causa para a A. ter levado a cabo a resolução do contrato de arrendamento, devendo, nesta matéria, do fundamento da resolução, manter-se a decisão do Tribunal da 1.a instância.


Da Suficiência da Justa Causa

21.ª – Na sentença da 1.a instância, foi entendido que, pese embora a A. ter justa causa para resolver o contrato de arrendamento, em consequência de os R.R. se terem oposto a que ela explorasse, no locado, as atividades de restauração e bar, o certo é que ali foi também entendido que a justa causa não era bastante para permitir a resolução do contrato, porquanto a A. não havia demonstrado que pretendia explorar naquele locado, em exclusivo, as atividades de restauração e bar, e que, assim sendo, a A. sempre poderia explorar uma ou várias das outras atividades previstas no contrato (organização e promoção de eventos, promoção de marcas de bebidas e alimentos, de artesanato, escola de artes plásticas e ginástica, cfr. consta do ponto 14 dos factos provados) ou ainda a atividade de restauração em regime de catering, porquanto os R.R. até estavam dispostos a autorizá-la a explorar a atividade de restauração, desde que não cozinhasse os alimentos no locado (apesar de não ter sido julgado qualquer facto provado acerca desta matéria) ou ainda a explorar esta atividade de restauração limitada, em conjugação com alguma ou algumas das outras atividades acima referidas e previstas no contrato de arrendamento;

22.ª - Contudo, com o aditamento pela Relação do ponto 24, dele resulta, de uma forma clara e inequívoca, a demonstração de que a A., de entre todas as atividades que ficaram previstas no contrato de arrendamento e do seu aditamento, as únicas que pretendia explorar no locado, em exclusivo, eram as atividades de restauração e bar, tendo em conta que restaurante e snack-bar ambos se incluem na atividade generalista de restauração, ficou preenchido / verificado o requisito / condição exigida pela 1a instância, para que pudesse considerar a justa causa bastante para a A. resolver o contrato de arrendamento;

23a – Em face disso, mormente à matéria constante do ponto 24 dos factos julgados provados, ao homem médio, às regras da experiência comum e à lógica, deve agora ser julgado que a A. tem justa causa bastante para resolver o contrato de arrendamento.

24.º - Em consequência, deve ser julgada procedente esta pretensão recursiva da A., considerando-se que ela resolveu o contrato de arrendamento com justa causa bastante para a resolução do contrato de arrendamento, devendo, nesta matéria, alterar-se a decisão do Tribunal da 1a instância.


Da Violação do Principio da Boa-Fé pelos Réus

25.ª- Dos factos julgados provados no ponto 14, segundo os quais os R.R. autorizaram a A. a explorar no locado as atividades de restauração e bar sem qualquer limitação, e depois no ponto 18,nos termos do qual os R.R. se opõem a que a A. explore ali estas mesmas atividades, ressalta à saciedade de uma forma, clara e inequívoca, que os R.R. com esta oposição violaram, manifesta e frontalmente, o principio da boa-fé, não sendo razoável exigir à parte não faltosa que mantenha o contrato, depois de a parte faltosa ter violado o contrato, mormente quando esta violação incide sobre o destino do locado, razão pela qual, esta violação do princípio da boa fé por parte dos R.R., por si só configura justa causa bastante para a A. ter resolvido o contrato de arrendamento;

26.ª - Em consequência, deve ser julgada procedente esta pretensão recursiva da A., considerando-se que ela resolveu o contrato de arrendamento com justa causa bastante;


Da Irregularidade do Impedimento da Produção de Prova pela A.

27.ª - Por fim, na convicção de que as anteriores pretensões recursivas vão ser julgadas procedentes pelo STJ, o acórdão recorrido veio tornar admissível que também esta pretensão recursiva seja julgada procedente, por considerar que o despacho proferido em 1.ª Instância, ao entender que o pagamento da taxa de justiça e / ou multa em falta que a A. pretendia efetuar, em momento anterior ao dia designado para a realização da audiência de discussão e julgamento, era extemporâneo, está eivado de irregularidades;

28a – No acórdão recorrido, foi entendido que a A. não podia ter sido impedida de produzir prova na audiência de discussão de julgamento, desde que efetuasse o pagamento da taxa de justiça e / ou multa em falta, até ao início da audiência de discussão e julgamento, sendo que a A. não efetuou tal pagamento, em virtude de, em data anterior à da realização da audiência de julgamento, ter sido notificada do referido despacho, que entendia que tal pagamento era extemporâneo e que, por isso, estava impedida de produzir prova na audiência de discussão e julgamento, razão pela qual, não fazia qualquer sentido que a A., mesmo assim, naquele momento, efetuasse o pagamento em falta;

29.ª - Não tendo a Relação ordenado a baixa do processo à 1.ª Instância para que a audiência de julgamento fosse reaberta e a A. pudesse agora produzir prova, apenas, por ter considerado que tal diligência era inútil, por se considerar que já existia nos autos prova suficiente para julgar a ação;

30.ª - Contudo, na convicção de que as anteriores pretensões recursivas da A. vão ser julgadas procedentes pelo STJ, afigura-se, agora, útil e essencial para a A. produzir prova tendente ao apuramento e cálculo de todos os danos e lucros cessantes que o incumprimento dos R.R. lhe causou, na sequência dos pedidos de indemnização deduzidos;

31.a – Do exposto resulta que os R.R., ao impedirem a A. de explorar as atividades de restauração e bar no locado, quando uns meses antes a haviam autorizado a explorar tais actividades, violaram uma série de princípios basilares do direito e do Estado de Direito, designadamente os da boa fé, ínsitos nos artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do CC, e do Estado de Direito, expressamente consagrado no art.º 2.º da CRP, e os deste decorrentes, mormente, o da Segurança Jurídica e o da Proteção da Confiança dos Cidadãos, violação esta que, por si só, deve ser julgada suficiente para a procedência da ação;

32a - Deve, ainda, ser julgada procedente a pretensão recursiva da A. de produzir prova, sob pena de violação do princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, contido no art.º 20.º da CRP e o art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e os artigos 14.º, n.º 4, e 28.º, n.º 3, do RCP.

33.ª - Por fim, foram violadas as regras da experiência comum, que devem estar sempre presentes em todas as decisões, por não terem sido tidas em conta na apreciação do “bastante” da justa causa invocada pela A. na resolução do contrato de arrendamento, porquanto que o destino do locado é o elemento, senão o mais importante, um dos mais importantes do contrato de arrendamento para que possa ficar ao livre arbítrio do senhorio, qualquer decisão que limite, contra a vontade da inquilina o destino do locado. Pelo que, a referida oposição dos Réus, que é uma clara limitação ao destino do locado, por si só, deve ser julgada fundamento para a procedência da ação.


Nesta base, pede a Recorrente que:

a) – Seja mantida a decisão da 1a instância, na parte em que considerou que o fundamento invocado pela A. na resolução do contrato de arrendamento foi a oposição dos R.R. a que ela explorasse no locado as atividades de restauração e bar, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida;

b) – Seja revogada a decisão da 1.ª Instância e substituída por outra que julgue a ação procedente e improcedente a reconvenção;

c) – Seja ordenada a baixa dos autos à 1.a instância para produção de prova relativamente aos pedidos indemnizatórios que formulou contra os R.R.

8. Os R.R. apresentaram contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado.   


     Cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Atento o teor das conclusões da Recorrente, em função do qual se delimita o objeto da revista, as questões a resolver são as seguintes:

i) – Em primeira linha, a questão do invocado erro de direito sobre a alegada licitude da resolução do contrato de arrendamento por parte da arrendatária, ora Recorrente, envolvendo a apreciação das sub-questões do invocado incumprimento contratual imputado pela A. aos R.R. e da justa causa;

ii) - Consoante a solução que for dada à questão precedente, ajuizar sobre a pretendida procedência da ação e improcedência da reconvenção;   

iii) – Caso não fique prejudicada pela solução que fora dada às questões antecedentes, a apreciação da pretendida produção de prova para efeitos de determinação dos pedidos indemnizatórios deduzidos pela A. contra os R.R..

 

 III – Fundamentação   


1. Factualidade dada por provada pelas instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. A A., em 21 de novembro de 2014, celebrou com os R.R. um contrato de arrendamento para fim não habitacional, por prazo certo.

1.2. No âmbito desse contrato, os R.R. deram de arrendamento à A. o prédio designado por armazém n.º 5, no rés-do-chão, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano sito na Rua …, n.º…, na União de Freguesias de …, …, …, …, …, concelho …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 007…2.

1.3. No referido contrato, foi logo dada autorização à A. para ceder a sua posição contratual a favor de sociedade comercial na qual detivesse a maioria do capital social.

1.4. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de dez anos, tendo ficado estipulado que o seu início era o dia 1 de novembro de 2014 e o seu termo o dia 31 de outubro de 2024, como consta da respetiva cláusula terceira.

1.4-A. Da referida cláusula terceira consta ainda o seguinte:

«(…) nos termos do Art. 1108.º e seguintes do Código Civil, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, se nenhuma das partes se opuser à sua renovação nos termos previstos na lei, com a antecedência mínima de cento e vinte dias.»

- facto aditado pela Relação

1.14-B. Da cláusula sexta do mesmo contrato consta o seguinte:   

«2 – (…) a ARRENDATÁRIA fica autorizada a fazer apenas as obras necessárias à sua instalação no locado, considerados os fins do objecto do presente contrato, observando todas as disposições e regulamentos legais, dependendo da prévia comunicação e consentimento dos primeiros contraentes.

(…)

   5 – A realização de todas e quaisquer outras obras que alterem a estrutura do locado, edifício ou fachada, bem como alterações de pavimentos ou divisões fica dependente de prévia autorização escrita dos PRIMEIROS CONTRAENTES»

- facto aditado pela Relação.

1.5. Ficou ainda acordado que a renda anual no primeiro ano de vigência do contrato era de € 15.000,00 (quinze mil euros), que seria paga em duodécimos de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.

1.6. E nos números seguintes desta cláusula quarta ficaram previstos os valores das rendas até ao quarto ano de vigência do contrato.

1.7. Em 1 de maio de 2015, foi celebrado um aditamento ao contrato de arrendamento que alterou as cláusulas quarta e quinta, correspondentes, respetivamente, ao valor das rendas e ao destino do locado.

1.8. Foi concedida à A. a carência das rendas correspondentes aos meses de novembro e dezembro de 2014.

1.9. Até à data da assinatura do contrato de arrendamento, a A. pagou aos R.R. o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), correspondente às rendas dos meses de janeiro e fevereiro de 2015.

1.10. Tendo efetuado tal pagamento através de duas transferências bancárias de € 1.250,00 cada uma;

1.11. Para a conta bancária de um dos R.R. com o NIB que indicaram no n.º 9 da cláusula quarta do contrato de arrendamento.

1.12. No aditamento referido em 1.7 ficou estipulado que o montante da renda mensal era reduzido para € 1.100,00, tendo ficado estipulado que o montante da renda passava a ser atualizado nos termos da lei, mais concretamente nos termos do art.º 1077.º do Código Civil.

1.13. No mesmo aditamento, os R.R. concederam à A. a carência das rendas correspondentes aos meses de março, abril e maio de 2015.

1.14. Na cláusula quinta do contrato de arrendamento, ficou disposto o destino do locado nos seguintes termos:

«O local arrendado destina-se à organização e promoção de eventos, à promoção de marcas de bebidas e alimentos, de artesanato e ainda para escola de artes plásticas e ginástica, restauração e bar.»

1.15. Em meados do mês de janeiro de 2016, quando a A. levava a cabo as obras para a instalação de casas de banho e cozinha no interior do locado, o encarregado da obra, o senhor HH, foi interpelado pelo Sr. Eng.º II, ora 2.º R., para indagar da finalidade daquelas obras.

1.16. Tendo o encarregado respondido que as mesmas se destinavam à instalação das casas de banho e da cozinha.

1.17. Na sequência deste episódio, a A. logo comunicou, por escrito, ao Sr. Eng.º II que iria começar a explorar a atividade de restauração e bar no locado e que, por isso, tinha que levar a cabo as obras de adaptação do espaço.

1.18. A esta comunicação respondeu o Sr. Eng.º II, através de mail remetido a 30-01-2016, que não aceitam a exploração das atividades de restauração e bar no locado em virtude de lhes ter sido afirmado pela A. que tais atividades se destinavam a funcionar temporariamente, aquando da realização de eventos ou de promoções, sem caráter permanente e em regime de catering.

1.19. A A. comunicou aos R.R. a resolução do contrato, através de mail remetido em 31-01-2016 ao Sr. Eng.º II.

1.20. Em 05-02-2016, a A. entregou as chaves do locado aos R.R.;

1.21. O locado está inserido num espaço com mais dois armazéns, um por cima e o outro de fronte.

1.22. A cidade … está na moda e, por isso, tem vindo a aumentar de dia para dia o número de visitantes, quer a nível de turistas quer a nível dos portugueses.

1.23. O 5.º R., FF, é um experiente e Ilustre Advogado.

1.24. A A. pagou ao RNPC a quantia de €75,00, com o pedido de firma e certificado de admissibilidade para constituição da sociedade comercial JJ, Lda, com objeto de “Restaurante, Bar e Snack-Bar, com espaço de dança”, tendo este sido emitido a ….1.2016.

Ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável por remissão sucessiva dos artigos 653.º, n.º 2, e 679.º do CPC, adita-se ainda como factos provados pelos documento de fls. 36-43 e de fls. 45 e acordo das partes o seguinte:

1.25. Na cláusula quinta do contrato de arrendamento em referência celebrado em 21/11/2014, foi estipulado que:

«O local arrendado destina-se à organização e promoção de eventos, à promoção de marcas de bebidas e alimentos, de artesanato, e ainda para escola de artes plásticas e ginástica.»   

1.26. A comunicação a que se refere o ponto 1.19, de 31/01/2016, constante do documento de fls. 45, no que aqui releva, tem o seguinte teor:

«Na sequência do S/ penúltimo mail, de 30 de Janeiro de 2016, no qual, em suma, V. Ex.ªs, contrariamente ao que ficou acordado por escrito, se opõem à exploração das actividades de restauração e bar no locado, quando as mesmas ficaram, expressamente, previstas e autorizadas, de uma forma clara e inequívoca, no aditamento ao contrato de arrendamento, vimos pelo presente resolver o contrato de arrendamento, com justa causa, com efeitos a partir da presente data.»


2. Factos dados como não provados


Vêm dados como factos não provados pela 1.ª instância e não alterados pela Relação os seguintes:

2.1. Após a assinatura do aditamento ao contrato de arrendamento, a A. continuou com as obras, exteriores e interiores, de reparação, restauro e limpeza do locado; 

2.2. E começou a solicitar novos orçamentos para a decoração e montagem do negócio no locado, agora centrado na exploração das atividades de restauração e bar;

2.3. (…) nomeadamente a título de exemplo: “KK”; “LL”, “MM”, etc., no contexto do estipulado na cláusula quinta do contrato de arrendamento referido em 1.1 celebrado a 01/11/2014 e que, nesta parte, se encontra assente por documento e por acordo das partes;   

2.4. A matéria constante do aditamento referido em 1.7 não foi aceite pelos R.R. de uma forma impulsiva, precipitada;

2.5. Antes, em momento anterior, foram levadas a cabo duas reuniões, uma na residência dos primeiros e segundos R.R. e outra no escritório do mandatário da A.;

2.6. (…) trocadas propostas e contrapropostas por escrito entre A. e R.R., através de e.mail;

2.7. O valor das benfeitorias realizadas no locado ascendeu ao montante de € 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta euros) pagas a HH;

2.8. A A. tinha projetado conseguir só na exploração da atividade de restauração como lucro mensal o montante de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros);

2.9. A A. depositou neste projeto todas as esperanças do seu futuro profissional e afirmação pessoal.

1.10. E a criação daquele que iria ser o seu primeiro emprego;

1.11. A A. era uma pessoa alegre, divertida e feliz,

1.12. Com o desfecho e fracasso do seu primeiro projeto ficou mergulhada numa enorme tristeza, infelicidade e mau estar;

1.13. Situação que, ainda hoje, lhe provoca choro e dor, chorando, às vezes, por tudo e por nada;

1.14. Não conseguindo, muitas vezes, adormecer, tendo, inclusive, insónias variadas vezes,

1.15. Desde finais de 2014, data da celebração do contrato de arrendamento, que andou sobre uma enorme ansiedade, queria ver o seu primeiro projeto a funcionar;

1.16. Perante a presente ação os R.R. sentiram grande sobressalto e aflição.

1.17. A A. pagou ao RNPC relativos à sociedade que ia constituir, nomeadamente com o pedido de nome de firma e certificado de admissibilidade, no montante de € 75,00 (setenta e cinco euros).

 

3. Do mérito do recurso


3.1. Enquadramento preliminar sobre os termos do litígio


Antes de mais, importa ter presente que, por via da presente ação, pretende a A., com base na resolução do contrato de arrendamento em referência por ela desencadeada, na qualidade de arrendatária, fundada em pretenso incumprimento dos senhorios, ora R.R., obter a condenação destes a pagar-lhes a quantia global líquida de € 197.975,00, acrescida de juros de mora, e outra a liquidar ulteriormente, correspondentes:

A – Na parte líquida, à soma das seguintes quantias:

  a) – € 12.400,00, respeitantes ao valor das rendas já pagas;

  b) – € 4.750,00, relativa ao valor das benfeitorias realizadas no locado;

  c) - € 75,00, por outras despesas já efetuadas;

  d) - € 173.250,00, a título de lucros cessantes pela frustração da exploração da atividade de restauração projetada para o locado, até ao termo do contrato;

  e) - € 7.500,00, por danos não patrimoniais;

B – Na parte ilíquida, a título de lucros cessantes pela frustração da exploração da atividade de bar no mesmo locado.


   Por sua vez, os R.R., em sede de reconvenção, pretendem a condenação da A. reconvinte a pagar-lhes as seguintes importâncias:   

a) – € 27.500,00, acrescida de juros moratórios, equivalente à soma das rendas relativas aos 25 meses que, atenta à data da resolução por eles tida por ilícita, ainda faltavam para completar o termo contratual do contrato;

b) – A quantia de € 2.500,00, para cada um dos R.R. singulares, a título de compensação por danos não patrimoniais.


   Na 1.ª instância, a ação foi julgada totalmente improcedente por se considerar que, apesar de os R.R. terem incorrido em incumprimento do contrato de arrendamento, ao não aceitarem que a A. explorasse, no locado, as atividades de restauração e bar, conforme o estipulado, tal incumprimento não constituía ainda assim justa causa bastante para a resolução do contrato pela arrendatária. Além disso, a reconvenção foi ali julgada parcialmente procedente, condenando-se a A. a pagar aos R.R. a quantia de € 27.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01/02/2016.


    Por seu turno, no âmbito da apelação interposta pela A., a Relação confirmou a sentença recorrida na parte em que julgou a ação improcedente e a reconvenção procedente, relativamente à condenação daquela A. a pagar aos R.R. a quantia de € 27.500,00, alterando apenas o período da contabilização dos juros moratórios.

Todavia, o assim julgado pela Relação foi alicerçado em fundamentação que se revela essencialmente diferente da expendida pela 1.ª instância, tendo-se considerado que os R.R. não se encontravam em incumprimento, pelo facto de a A. não ter demonstrado que convencionara com aqueles a realização das obras por ela iniciadas no locado para o exercício de restauração e bar, nem que tivesse obtido deles autorização prévia para tal realização.


Em face disso, vem agora a A. pedir revista, invocando erro de direito por parte da Relação, por ter ajuizado sobre a ilicitude da resolução com base na realização das obras iniciadas por ela, mas não convencionada nem previamente autorizada, quando a resolução se fundou antes no facto de os R.R. não terem aceite que a A. explorasse o locado com as atividades de restauração e bar, nos termos contratualmente estipulado, como fora entendido na 1.ª instância.

Nessa base, sustenta a Recorrente que, diversamente do decidido pela 1.ª instância, tal incumprimento contratual dos R.R. constitui justa causa suficiente para a resolução do contrato de arrendamento que aquela comunicou a estes em 31-01-2016, o que determinaria, desde logo, a procedência da ação e a improcedência da reconvenção.

Nessa linha, complementarmente, pugna a Recorrente pela necessidade de produção da prova que lhe fora recusada na 1.ª instância, entretanto julgada admissível pela Relação, embora tida por inútil dada a solução ali adotada, mas que será pertinente em caso de provimento da revista sobre a procedência da ação, com vista a determinar os montantes indemnizatórios por ela peticionados.


Neste quadro litigioso, a questão fulcral consiste em saber se a resolução do contrato por parte da A., na qualidade de arrendatária, se estriba em fundamento legalmente sustentado ou, mais precisamente, se o incumprimento contratual por ela imputado aos R.R. para resolver o contrato reúne os parâmetros legais para desencadear tal efeito resolutivo e, consequentemente, para determinar a procedência da ação e a improcedência da reconvenção conforme o pretendido.

 

3.2. Quanto à questão do invocado erro de direito sobre a pretendida licitude da resolução do contrato por parte da arrendatária


   A questão enunciada em epígrafe inscreve-se no quadro da resolução do contrato de arrendamento urbano, regendo-se pelo disposto no artigo 1083.º do CC, introduzido pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, com as alterações resultantes da Lei n.º 31/2012, de 14-08, em vigor à data dos factos pertinentes em presença, ocorridos em janeiro de 2016.

  No que aqui releva, em especial quanto à resolução por parte do arrendatário, o citado normativo prescreve o seguinte:

1 – Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2 – É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (…)

   (…)

5 – É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.

  Para tanto, importa ter presente, nos termos do artigo 1031.º, alínea b), do CC, é obrigação típica do senhorio assegurar ao arrendatário o gozo do arrendado para os fins a que a este se destina.

   O incumprimento dessa obrigação constituirá fundamento de resolução do contrato, por parte do arrendatário, nos termos gerais ou, porventura, nas condições especialmente estipuladas pelas partes.

   Do contrato de arrendamento em causa consta a cláusula 10.ª, na qual, para além dos motivos genericamente previstos no artigo 1083.º do CC, se enunciam várias hipóteses, imputáveis ao arrendatário, determinativas da resolução do contrato por banda do senhorio, mas que não relevam para o presente caso.

   Ora, como é sabido, a resolução do contrato traduz-se num negócio jurídico unilateral dirigido à cessação imediata da relação contratual com base vinculada em fundamento legal ou em estipulação negocial, de que derive, para qualquer das partes, o direito potestativo de pôr termo ao contrato por essa via, em face de um comportamento da contraparte concretizador desse fundamento.

    Assim, a resolução do contrato tanto pode decorrer de disposição geral ou especial da própria lei (resolução legal) como pode ser ancorada em convenção das partes (resolução convencional), através de cláusula resolutiva, nos termos previstos e regulados, genericamente, nos artigos 432.º e seguintes do CC.

     No caso vertente, não existindo no contrato de arrendamento ajuizado qualquer estipulação de cláusula resolutiva a favor da arrendatária, resta-nos saber se a resolução em causa operada pela A. obedeceu aos parâmetros da resolução legal por incumprimento do senhorio à luz do quadro normativo acima convocado.

     Como é sabido, nos termos gerais para que remete o disposto no artigo 1083.º, n.º 1, do CC supra transcrito, a resolução do contrato de arrendamento depende da verificação de incumprimento definitivo imputável à parte contra quem se pretende efetivar essa resolução.              

    Mas, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, não basta qualquer incumprimento definitivo, impondo-se ainda que este incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento[1]. Esta é uma particularidade da resolução legal do contrato de arrendamento urbano, mais exigente do que o previsto para a generalidade dos contratos, em que, em princípio, só o incumprimento definitivo de escassa importância é impeditivo da resolução, à luz do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do CC.       


    Ora, segundo o n.º 1 do artigo 808.º do CC, quando o devedor não realize a prestação dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. Um destes efeitos é precisamente, no caso de contrato bilateral, o direito que assiste ao credor de resolver o contrato, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 801.º daquele Código, atenta a equiparação que no n.º 1 deste artigo é feita entre a impossibilidade da prestação imputável ao devedor e a falta de cumprimento culposa da obrigação. Trata-se pois de um direito de resolução legal, que, segundo alguma doutrina, se fundaria numa espécie de cláusula resolutiva tácita[2].

   De acordo com este quadro normativo, na esteira dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, para que surja na esfera jurídica do credor o direito potestativo de resolução legal do contrato não basta, salvo nos casos especialmente previsto na lei, a ocorrência da simples mora do devedor, traduzida na falta de cumprimento da obrigação dentro do prazo que tiver sido inicialmente fixado.

Em face do prescrito no indicado n.º 1 do artigo 808.º, importa que o credor, face à mora do devedor, interpele este para cumprir a obrigação, fixando-lhe um prazo suplementar razoável, com a advertência de que a inobservância deste prazo implicará para todos os efeitos o não cumprimento da obrigação, o mesmo é dizer, o incumprimento definitivo do contrato; essa interpelação é designada por interpelação admonitória[3].

    Assim, uma vez feita a interpelação admonitória do devedor, se este mantiver o incumprimento, o credor poderá optar pela alternativa de resolver o contrato, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 801.º.

   Em suma, só em casos especialmente previsto na lei ou estipulados pelas partes, nomeadamente por via de cláusula resolutiva, é que o direito de resolução poderá ser exercido ante a simples mora do devedor.

Tem, no entanto, sido admitido que, para os mesmos efeitos, é dispensável a interpelação admonitória, desde que se verifique uma recusa antecipada inequívoca de cumprir pela parte faltosa[4].

Outra hipótese em que se pode fundar a resolução do contrato é a da perda objetiva do interesse do credor no cumprimento da obrigação, prevista no artigo 808.º, n.º 2, do CC, portanto, sem necessidade de prévia interpelação admonitória do devedor. 

De igual modo, tem ainda sido admitido que a resolução se possa estribar em situações de justa causa consistentes na quebra da relação de confiança entre as partes de modo a tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual, com apelo ao princípio da boa fé, sem passar pela conversão da mora em incumprimento definitivo[5].

A tal propósito, Ana Perestrelo de Oliveira e Madalena Perestrelo de Oliveira[6] consideram que:

«Os casos de justa causa de resolução (…) reconduzem-se, em última análise, ao princípio da boa fé, do qual resulta que é desrazoável manter o sujeito vinculado ao contrato quando a outra parte violou gravemente as suas obrigações, quebrando a confiança depositada na contraparte.»

        

   No caso dos autos, dos factos provados colhe-se o seguinte:

i) - O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de dez anos, com início em 01/11/2014 e termo em 31/10/2024 – ponto 1.4 da factualidade provada;

ii) – Inicialmente foi estipulado que o locado se destinava à organização e promoção de eventos, à promoção de marcas de bebidas, alimentos e artesanato, e ainda para escola de artes plásticas e ginástica, tendo sido, em sede do posterior aditamento ao contrato celebrado em 01/05/2015, aditado como destino “restauração e bar” - – pontos 1.14 e 1.25 da factualidade provada;

iii) - Na cláusula sexta do contrato celebrado em 01/11/2014 (conforme ponto 1.14-B da factualidade provada), foi estipulado que:

2 - a arrendatária ficava autorizada a fazer apenas as obras necessárias à sua instalação no locado, considerados os fins do objeto do contrato, observando todas as disposições e regulamentos legais, dependendo da prévia comunicação e consentimento dos primeiros contraentes.

5 - A realização de todas e quaisquer outras obras que alterassem a estrutura do locado, edifício ou fachada, bem como alterações de pavimentos ou divisões ficava dependente de prévia autorização escrita dos senhorios

iv) - Em meados de janeiro de 2016, quando a A. levava a cabo as obras para a instalação de casas de banho e cozinha no interior do locado, o encarregado da obra foi interpelado por II, ora 2.º R., para indagar da finalidade daquelas obras, tendo aquele encarregado respondido que as mesmas se destinavam à instalação das casas de banho e da cozinha – pontos 1.15 e 1.16 da factualidade provada;

v) - Na sequência desse episódio, a A. logo comunicou, por escrito, a II que iria começar a explorar a atividade de restauração e bar no locado e que, por isso, tinha que levar a cabo as obras de adaptação do espaço – ponto 1.17 da factualidade provada;

vi) - A esta comunicação II respondeu, através de mail remetido a 30-01-2016, que não aceitavam a exploração das atividades de restauração e bar no locado, em virtude de lhes ter sido afirmado pela A. que tais atividades se destinavam a funcionar temporariamente, aquando da realização de eventos ou de promoções, sem caráter permanente e em regime de cateringponto 1.18 da factualidade provada;

vii) - A A. comunicou aos R.R. a resolução do contrato, através de mail remetido em 31-01-2016 a II e, em 05-02-2016, entregou as chaves do locado aos R.R. – pontos 1.19 e 1.20 da factualidade provada.

viii) – A comunicação a que se refere o ponto 1.19, de 31/01/2016 (conforme ponto 1.26) tem o seguinte teor:

«Na sequência do S/ penúltimo mail, de 30 de Janeiro de 2016, no qual, em suma, V. Ex.ªs, contrariamente ao que ficou acordado por escrito, se opõem à exploração das actividades de restauração e bar no locado, quando as mesmas ficaram, expressamente, previstas e autorizadas, de uma forma clara e inequívoca, no aditamento ao contrato de arrendamento, vimos pelo presente resolver o contrato de arrendamento, com justa causa, com efeitos a partir da presente data.»


Deste universo factual resulta que, pelo menos, em meados de janeiro de 2016, a A. realizava, no armazém locado, obras para a instalação de casas de banho e cozinha, com vista a ali explorar as atividades de restauração e bar, segundo o entendimento que fazia da cláusula contratual de destinação do locado.

Da factualidade provada não decorre de forma explícita se, para além da autorização genérica dada pelos senhorios à arrendatária na cláusula 6.ª, n.º 2, do contrato, para realizar as obras necessárias à sua instalação no locado, considerados os fins contratuais, a A. efetuou a prévia comunicação aos R.R. e se obteve deles a necessária autorização, como também ali se estipulara.

Contudo a interpelação feita pelo 2.º R. II ao encarregado das obras e a subsequente comunicação da A. àquele réu apontam no sentido de tal comunicação não ter sido feita anteriormente nem de ter sido dado o consentimento para a realização dessas obras. A própria Recorrente parece admiti-lo ao argumentar que, perante as obras em curso, os R.R. apenas se opuseram a que ela explorasse as atividades de restauração e bar, não se insurgindo propriamente contra a realização dessas obras, o que não deixa de ser um argumento formal de pendor retórico.    

De qualquer modo, o certo é que a resolução transmitida pela A. aos senhorios teve como fundamento expresso o facto de estes, em face da precedente comunicação da mesma A., terem respondido que não aceitavam “a exploração das atividades de restauração e bar no locado, em virtude de lhes ter sido afirmado pela A. que tais atividades se destinavam a funcionar temporariamente, aquando da realização de eventos ou de promoções, sem caráter permanente e em regime de catering”.

   Apesar de nenhuma referência às obras realizadas pela A. no locado constar da resposta a ela dada pelo 2.º R., conforme o descrito no ponto 1.18 dos factos provados, parece estar implícita a oposição dos senhorios pelos menos em relação às obras que visariam a exploração do locado nas atividades de restauração e bar de caráter permanente.

    Seja como for, perante o teor da comunicação da resolução do contrato feita pela A., o que importa aqui saber é se a declaração dos senhorios de não aceitarem que ela explorasse as atividades de restauração e bar no locado com caráter de permanência, mas apenas em regime de catering, com apelo ao que teria sido afirmado pela mesma em sede de estipulação do destino do arrendamento, constitui fundamento suficiente para, sem mais, resolver o contrato.

Neste conspecto, tem de se reconhecer que, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação, diversamente do apreciado na 1.ª instância, desviou-se dessa questão fulcral, ao concluir pela não verificação do incumprimento dos R.R. devido ao facto de a A. não ter demonstrado que convencionara com aqueles a realização das obras por ela iniciadas no locado para o exercício de restauração e bar, nem que tivesse obtido deles autorização prévia para tal realização, quando o que interessava era afrontar a questão essencial consistente em caracterizar, em sede de incumprimento, a posição que os senhorios assumiram de não aceitar a sobredita exploração das atividades de restauração e bar e que serviu de fundamento à declaração de resolução pela A..  


Vejamos então se assiste razão à A. para, sem mais, resolver o contrato com tal fundamento.

Como já foi referido, na 1.ª instância, foi entendido que com aquela posição os R.R. incorreram em incumprimento, violando a cláusula de destinação do contrato. Tal entendimento radicou no pressuposto de que o sentido dessa cláusula, segundo um declaratário normal, é o de que o locado se destina, além do mais, ao exercício da atividade de restauração e bar sem qualquer limitação ou sem estar confinada a um exercício meramente esporádico e complementar das restantes atividades ali previstas.   

Não obstante isso, foi considerado que esse incumprimento não justificava a resolução, porquanto a A. poderia ainda desenvolver no locado as demais atividades previstas no contrato, inclusivamente as de restauração e bar com o caráter temporário e complementar consentido pelos R.R.,

Porém, a A. opõe-se a este entendimento pelas razões acima incluídas nas respetivas conclusões recursórias.


Trata-se, pois, de saber se a sobredita posição dos R.R. de manifestar à A. que não aceitavam que ela explorasse as atividades de restauração e bar no locado com caráter de permanência constitui, por si só, um comportamento qualificável como de não cumprimento da obrigação de assegurar o gozo da coisa à arrendatária, nos termos do artigo 1031.º, alínea b), do CC.

Tal manifestação traduz, antes de mais, uma divergência dos R.R. quanto à interpretação da cláusula contratual de destinação do arrendado com o alcance que lhe era dado pela A..

Sobre este ponto, na 1.ª instância, entendeu-se que, não tendo sido apuradas as circunstâncias que envolveram as negociações do aditamento ao contrato celebrado em 01/05/2015, restava interpretar a cláusula em foco, como já foi referido, no sentido de um declaratário normal, à luz do disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, e que esse sentido era o de que o locado seria destinado à atividade de restauração e bar sem qualquer limitação ou sem caráter meramente esporádico e complementar das outras atividades a desenvolver no mesmo espaço.       

Com efeito, mal se compreende que, se o alcance daquelas atividades tivesse sido objeto de negociação e consenso na linha mais restritiva sustentada pelos R.R., tal não tivesse sido consignado na respetiva cláusula contratual, muito embora os senhorios se achassem, de certo modo, salvaguardados pelo facto de a A. necessitar da sua autorização para realizar as obras necessárias à consecução do fim contratual.

Porém, clausulada a destinação do locado como consta dos factos provados, poderá ainda assim ser discutível se e em que medida é que a resistência intelectual dos R.R. a que a A. explore, no locado, as atividades de restauração e bar com caráter de permanência e não meramente complementar das demais atividades contratualmente previstas consubstanciará já um incumprimento efetivo da obrigação de assegurar o gozo da coisa pela incerteza que possa gerar na arrendatária quanto à execução do programa contratual.

Mais clara seria a situação se a A. tivesse, desde logo, optado por comunicar previamente aos senhorios o projeto de obras que pretendia realizar no locado e lhes solicitasse a respetiva autorização, nos termos estipulados na cláusula 6.ª do contrato. Se o tivesse feito, poderia então obter uma posição inequívoca por parte dos senhorios centrada na articulação do destino contratual a dar ao locado e no tipo e amplitude das obras que esse destino implicava e que dependiam da autorização daqueles. 

Em tais circunstâncias, então a recusa dos senhorios poderia, por certo, ser concretamente equacionada em sede de incumprimento definitivo, na medida em que se traduzisse em obstáculo à realização do fim contratualmente estipulado.


Todavia, estamos perante um quadro circunstancial em que a destinação do locado visa múltiplos e diversos tipos de atividade comercial, implicando a realização de obras pela arrendatária para adaptação a tais fins, para mais sujeitas a prévia autorização dos senhorios, e em que estes, surpreendidos pelo início dessas obras sem uma prévia definição da sua amplitude por parte da A., reagiram contra o alcance dado pela A. à cláusula de destinação contrapondo-lhe uma interpretação restritiva.

Em tais circunstâncias, afigura-se que essa reação com os contornos descritos no ponto 1.18 da factualidade provada, circunscrita como foi ao seu desacordo sobre a dimensão das atividades de restauração e bar, não é de molde a consubstanciar um incumprimento consolidado da obrigação dos R.R. de assegurar o gozo da coisa, ainda que possa indiciar uma ameaça desse incumprimento e gerar alguma incerteza no espírito da arrendatária sobre a execução do contrato.

Nesse contexto, era exigível, no mínimo, que a A. procedesse à interpelação admonitória dos R.R. de modo a confrontá-los com o exato alcance que dava à cláusula de destinação, com os contornos precisos da atividade de restauração e bar que projetava desenvolver no locado, em conjugação com as demais atividades previstas e com o tipo e amplitude de obras que entendia para tal necessárias, solicitando para o efeito a respetiva autorização em prazo razoável, sob pena de resolver o contrato, se tal fosse recusado.

Ao ter a A. procedido como procedeu, começando por comunicar, já depois do início das obras, que pretendia explorar a atividade de restauração e bar no locado e que, por isso, tinha que levar a cabo as obras de adaptação do espaço, para depois, em face da primeira reação dos R.R., despoletar abruptamente a resolução do contrato, não pode um tal procedimento ser tido como interpelação admonitória nos termos e para os efeitos do artigo 808.º, n.º 1, do CC.

De resto, a ser aceite pelos senhorios aquela primeira comunicação da A., poderia, desse modo, dar azo a que aqueles ficassem colocados perante uma situação de “facto consumado” no sentido, por exemplo, de o uso do locado ser convertido pela A., exclusivamente, em exploração de restauração e bar, com desvirtuamento das demais atividades previstas, o que seria, aqui sim, violador do princípio da boa fé que deve nortear as partes na execução do contrato, como decorre do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC.

De igual modo, a reação dos R.R. de oposição ao pretendido pela A., nas sobreditas circunstâncias, não traduz uma inequívoca recusa antecipada de cumprir o contrato de arrendamento, para mais quando a intenção manifestada pela A. de pretender usar o locado para explorar a atividade de restauração e bar, sem contornos definidos, potenciava o risco de extravasar o alcance do fim contratual, podendo até implicar a realização de obras que os próprios senhorios não estariam em condições de assegurar.


Por outro lado, muito embora a questão da pretendida licitude da resolução tenha sido equacionada pelas instancias em redor do estrito incumprimento imputado pela A. aos R.R., também, face ao referido quadro circunstancial e pelas mesmas razões, não se afigura que a posição manifestada por estes revista, por si só, um grau de gravidade tal que fosse de molde a provocar na A. uma imediata quebra de confiança suscetível de tornar inexigível a subsistência do vínculo contratual.

Com efeito, antes de mais, como já foi referido, competia à A., nos termos da cláusula 6.ª, n.º 2, do contrato, comunicar aos senhorios as obras que, em concreto, pretendia levar a cabo e obter deles a respetiva autorização, o que permitiria definir os contornos do uso que projetava fazer do locado na exploração das atividades de restauração e bar contempladas, segundo o seu entendimento, na cláusula de destinação.

Assim, a A., ao ter colocado os senhorios perante a realização do início das referidas obras, sem tal procedimento prévio, para logo de seguida lhes comunicar simplesmente que as levava a cabo para adaptar o espaço à exploração da atividade de restauração e bar, agiu não só com desrespeito por aquela cláusula como também de forma desleal.

Nessas circunstâncias, perante uma tal indefinição da amplitude das obras que a A. pretendia realizar não é de estanhar que os R.R. tenham reagido como reagiram, questionando o alcance que a A. dava à referida cláusula de destinação, contrapondo-lhe uma interpretação mais restrita.

Seja como for, independentemente do alcance que deva ser dado a essa cláusula no tocante às atividades de restauração e bar, não se mostra exigível que os R.R. aceitassem, desde logo, o entendimento generalista manifestado pela A. sem que esta lhes tivessem proporcionado a adequada informação sobre o tipo de obras que pretendia levar a cabo e sobre a sua amplitude, de modo a poderem aferir os contornos do uso que ela visava dar ao locado no âmbito daquelas atividades.

Nessa medida, não se pode considerar que seja imputável ao sobredito comportamento dos R.R. a quebra de confiança na subsistência da relação contratual, por violação do princípio da boa fé, nem que, por isso, tal comportamento constitua justa causa para a resolução do contrato operada pela A.. 

  

Em suma, o comportamento dos R.R. de não aceitar a pretensão da A., manifestada por via da comunicação dada como provada no ponto 1.18, não consubstancia, por sí só, uma situação de incumprimento definitivo do contrato de arrendamento que sirva de causa lícita para a sua resolução imediata nos termos conjugados dos artigos 802.º, n.º 1, 808.º, n.º 1, e 1083.º, n.º 1, do CC, nem se configura sequer com situação de justa causa para aquela resolução.


Ademais, ainda que se pudesse ter por discutível a apreciação da 1.ª instância quanto ao relevo do ali tido como incumprimento dos R.R. na economia do contrato, o certo é que a A. nem sequer alegou nem tão pouco provou factos tendentes a demonstrar em que medida é que a atividade de restauração e bar por ela pretendida e recusada pelos R.R. é de molde a comprometer o conjunto de atividades contempladas pela cláusula contratual de destinação, sem o que se torna inviável ajuizar sobre a gravidade e consequência do incumprimento que ela imputa aos R.R., nos termos e para os efeitos do preceituado no proémio do n.º 2 do artigo 1083.º do CC.


Tanto basta para concluir pela invalidade da resolução efetivada pela A., em 31/01/2016, nos termos descritos nos pontos 1.19 e 1.26 da factualidade provada e, por consequência, pela improcedência da ação e procedência parcial da reconvenção, como acabou por ser decidido pelas instâncias, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

        

Posto isto, impondo-se negar a revista quanto às questões acima apreciadas, prejudicada fica a derradeira questão suscitada sobre a necessidade complementar de produção de prova para determinação dos pedidos de indemnização deduzidos pela A..              


IV – Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente, tendo-se por prejudicada a questão suscitada sobre a produção de prova.

As custas recurso são a cargo da A./Recorrente.  


Lisboa, 5 de dezembro de 2019

       

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching 

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[1] Neste sentido, vide Pinto Furtado, in Manual de Arrendamento Urbano, Vo. II, Almedina, 4.ª Edição, 2008, pp. 1000-1001.
[2] Vide, Castro Mendes, Direito Civil (Teoria Geral), Vol. III, AAFDL, 1973, pp.. 406/407.
[3] Sobre a conversão da mora em não cumprimento definitivo por via da interpelação admonitória, vide, entre outros, Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Boletim da Faculdade de Direito – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, Vol. II – Iuridica, pags. 343 e segs.; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Edição, Almedina, pp. 124-126, e Anotação ao Ac. do STJ. De 2/11/1989, in RLJ Ano 128º, pags. 137-138; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, Almedina, pags. 1054-1055.
[4] Vide, Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, Separata do Vol. XXII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1982, pag. 128.
[5] Vide, a este propósito, os acórdãos do STJ de 20/05/2015, relatado pelo Juiz Cons. João Bernardo, proferido no processo n.º 1311/11.5TVLSB.L1.S1, e de 17/05/2018, relatado pela Juíza Cons. Maria da Graça Trigo, ora 1.ª adjunta, proferido no processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2.
[6] In Incumprimento Resolutório: Uma Introdução, Almedina, 2019. pp. 67 e segs.