Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5859/08.0YYLSB-A.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ATAS
CONDOMÍNIO
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS SOBRE EXECUÇÕES / LEGITIMIDADE DO EXEQUENTE E DO EXECUTADO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Curso de Processo de Execução, 10.ª edição, 2007, p. 70 e 71;
- Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Ed. 1977, p. 76 e 77;
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, AAFDL, 1997, p. 181 e ss.;
- José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2.ª edição –, p. 102 ; A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7.ª edição, 2018, p. 143 e ss.;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, I, 1956, p. 60;
- Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 135 e 136;
- Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2010, p. 110;
- Rui Pinto, Acção Executiva, AAFDL, 2018, p. 227, 278 e 279.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 53.º.
REGIME DA PROPRIEDADE HORIZONTAL. APROVADO PELO DL N.º 268/94, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 6.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 08A1057, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-10-2014, PROCESSO N.º 4852/08.


-*-


ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 08-11-2012, PROCESSO N.º 46628/04.0YYLSB-A.L1-6;
- DE 04-04-2017, PROCESSO N.º 5859/08.0YYLSB-E.L1.
Sumário :
I - A acta de condomínio vale como título executivo previsto no art. 6.º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25-10 desde que contenha (i) o nome do proprietário/condómino devedor e (ii) o montante em dívida – art. 53.º do CPC.

II - Na falta de tais elementos, não é admissível produzir prova complementar ao título.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Em acção executiva para pagamento de quantia certa (€54.124,70) oportunamente interposta pela exequente Condomínio da convergência AA, em Lisboa, contra a executada BB, SA, veio esta deduzir embargos.

2. A embargante invocou: i) a ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir; ii) a ilegitimidade passiva para a execução, por não constar como devedora no título; iii) a prescrição do direito do exequente quanto às contribuições alegadamente em dívida relativas a 2006 e 2007; iv) a insuficiência e inexequibilidade do título executivo; v) a invalidade das deliberações das actas de assembleia de condóminos por falta de quórum deliberativo.

3. O exequente deduziu contestação, pugnando pela improcedência dos embargos.

4. Na 1ª instância foi proferida decisão, em 26-10-2017, que concluiu como segue:
“(…) II -VALIDADE E REGULARIDADE DA INSTÂNCIA
O tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional. O processo é o próprio.
Ineptidão do Requerimento Executivo (…). Pelo exposto, é manifestamente improcedente a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo.
Inexistem outras excepções, nulidades parciais, ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito, e de que cumpra conhecer desde já.
III - QUESTÕES QUE IMPORTA SOLUCIONAR
Impõe o conhecimento do pedido formulado que se decidam as seguintes questões:
Tem a executada legitimidade passiva para ser demandada na acção executiva? Em caso afirmativo, mostra-se prescrito o direito do exequente quanto às contribuições peticionadas relativas a 2006 e 2007? Em caso negativo, as actas dadas à execução são insuficientes e inexequíveis? Em qualquer caso, as deliberações são inválidas por falta de quórum deliberativo?(…)

VI – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo procedentes os presentes Embargos de executado, e, em consequência, absolvo a Embargante da instância executiva, declarando extinta a execução, e ordenando que se proceda ao levantamento das penhoras ali realizadas.
Custas pela Exequente (art. 527º, n.º 1 e n.º 2 do N.C.P.C.).
Fixo aos presentes embargos o valor de €54.124,70.
Registe e Notifique.”

5. Não se conformando, a exequente apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa conhecido do recurso, julgando improcedente a apelação e mantendo a sentença recorrida, por acórdão datado de 11.12.2018.

6. Novamente inconformada dela apresentou recurso de revista – excepcional.

A revista veio a ser admitida pela formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC.

 

7. A exequente/embargada, formulou as seguintes conclusões (transcrição):

“A) Surgem as presentes alegações, no âmbito do recurso de revista, em execução, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.12.2018 que confirmou a sentença proferida no presente apenso A com a referência 370318469 datada de 26.10.2017, a qual absolveu a recorrida da instância executiva por falta de legitimidade da mesma por expressamente não constar do título executivo inicial e após prova no apenso de embargos da correspondente propriedade decisão com o que a recorrente se não pode conformar.

B) Conforme consta dos autos de execução, foi deduzido requerimento executivo, com vista à tramitação de execução para pagamento de quantia certa contra a recorrida por falta de pagamento de taxas condominiais à recorrente relativas à fracção “DA” correspondente à sub-cave, com entrada pelo número 71- C da Rua ..., no valor de €50.587,21, sendo €32.948,31 de divida de obras e €17.638,90 de dividas mensais e regulares de condomínio.

C) Apesar de tal requerimento inicial de execução ter sido admitido liminarmente com base em títulos executivos então juntos (actas de condomínio), cuja exequibilidade está definida no artigo 6º, número 1, do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, o acórdão recorrido que confirmou a sentença de primeira instância continuou a julgar a recorrida parte ilegítima porque entendeu que o referido artigo 6º obrigava que as actas, para valer como titulo executivo, teriam que conter o nome do devedor e também porque os documentos juntos posteriormente não poderiam constituir um meio de prova complementar da acta sob pena de se estar perante um titulo executivo complexo.

D) Todavia, segundo a posição do recorrente, este continua a sustentar que não sucede nem uma coisa nem outra, uma vez que do titulo executivo resulta directamente a fracção autónoma a que é imputada a dívida exequenda, o valor da própria divida exequenda, bem como da prova complementar feita no apenso declarativo de embargos, a propriedade da recorrida sobre a fracção a que é imputada a respectiva dívida, o que releva para os efeitos do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro  uma vez que a acta da reunião da assembleia de condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar. 

E) Nunca, nestes autos, a recorrida pôs em causa a sua efectiva propriedade da fracção “DA”, pelo período a que respeitava as dividas pedidas, sendo certo que quanto às actas que constituem efectivo título executivo, das mesmas não resultava qualquer dúvida da imputação da divida exequenda à fracção de que a recorrida era proprietária. 

F) Quanto às dívidas de obras, dispõe a acta número 2/07 do condomínio, pagina 8 da mesma acta, que foi colocada na Assembleia a questão de os pagamentos devidos a cada um dos condóminos fossem realizadas durante o decurso da obra em 3 prestações mensais, o que foi aprovado por unanimidade de acordo com o mapa definitivo de pagamentos, sua periodicidade e valor de cada prestação por fracção, constando já do referido mapa, era imputada à fracção “DA” o valor pedido na presente execução de €32.948,31, encontrando-se perfeitamente caracterizada a referida fracção, o valor e a periodicidade de tais pagamentos, sendo certo que a recorrida sempre confirmou a propriedade de tal fracção, constando no titulo executivo o nome da efectiva detentora sociedade detida pela mesma recorrida.

G) E verificado o que consta no actual art. 53º do CPC (ex 55º do mesmo código), a execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor, seja pessoa singular ou colectiva, proprietário da fracção a que respeita ou a que é imputada a divida, o que efectivamente aconteceu atenta a propriedade da mesma fracção.

H) Em relação às prestações periódicas e normais, e mantendo-se o critério explicitado anteriormente, a divida foi atribuída à fracção de que o seu proprietário é responsável e, em razão desse facto, pode ler-se, na acta 1/06 que, como é procedimento corrente no condomínio, as taxas periódicas devidas por cada condómino relativas ao ano de 2006 sejam calculadas em função do orçamento aprovado devido pela permilagem de cada fracção constante do titulo constitutivo ( pág.. 3), que é precisamente a permilagem atribuída à fracção “DA” no anexo da acta 2/07, o que igualmente acontece na acta 4/07.     

I) Face ao que dispõe o art. 1420º do CC que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e co-proprietário das partes comuns do edifício e determinando o art. 1424º do CC que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício são pagas pelos condóminos em proporção ao valor das suas fracções, resulta das actas a imputação da quantia exequenda à fracção “DA” e a propriedade da fracção “DA” atribuída à recorrida, o que nunca foi impugnado nos presentes autos, não podendo deixar de se entender que consta do titulo executivo a identidade efectiva da devedora e por isso não podendo o acórdão recorrido confirmar a interpretação da sentença recorrida sobre o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro e o art. 55º do CPC.    

J) Visam os embargos de executado confirmar, modificar ou infirmar o título executivo pelo que sendo os embargos um apenso declarativo, toda a prova documental neles produzida tem por fim instruir os factos necessitados de prova para apreciação pelo Tribunal não se tratando assim de documentos que visem, ao contrário do que as decisões recorridas dizem, tornar o titulo executivo complexo mas sim de, através do próprio apenso declarativo complementar o titulo inicial e confirmar a justeza do titulo executivo. 

L) Verificados os documentos juntos à petição de embargos, consta, certidão permanente da recorrida, em que surge como administrador único CC e por sua vez na contestação de embargos é junta escritura publica de compra e venda em que a recorrida Westhouse surge a vender a fracção “DA”, tal como vem definida na acta 2/07, representada pelo mesmo CC, sendo ainda mais significativo a junção pela ora recorrente de certidão do registo comercial da DD Lda., inquilina da recorrida, da qual resulta que a sociedade executada é sócia da sua inquilina Imogaragem e cuja gerência está atribuída ao mesmo CC. 

M) Igualmente sob doc. 3 junto com a contestação da recorrida surge um documento em que a inquilina da fracção “DA”, a tal DD, com gerência comum ao administrador único da recorrida e proprietária da mesma fracção, vem solicitar que as facturas e toda a documentação da fracção sejam enviadas para os escritórios comuns da recorrida e da inquilina em nome da DD, para além do que, foi o referido CC gerente da Imogaragem e administrador único da recorrida que subscreveu o mandato na presente acção, na qual se comprovou que a recorrida nada pagou, que explorou a indicada fracção através de sociedade sua, como estacionamento e lavagem de viaturas, que obteve os correspondentes proventos e vendeu a própria fracção com o correspondente lucro. 

N) Sendo neste enquadramento que a recorrida deduziu os embargos de executada nos quais, nunca negando substancialmente a existência da divida, acabou por se socorrer de uma série de argumentos formais, apesar da propriedade que deteve durante o período das prestações condominiais não pagas, vindo porém, os documentos atrás elencados e produzidos em sede de embargos só vêm adequar a certeza da designação do executado na presente execução e a correcção da propositura da presente execução. 

O) Limitando-se o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, a estipular o carácter de título executivo das actas deliberativas do montante de contribuições ao condomínio contra o proprietário, a junção das actas com a indicação da fracção, das verbas calculadas dos prazos de pagamento e a correspondente prova da propriedade são elementos bastantes para a prossecução da execução, porquanto, contendo as actas os necessários elementos, confirmados nestes autos, as mesmas são titulo executivo nos termos do art. 703º nº 1 d) do CPC, tanto mais que é ao comprovado proprietário que cabe a obrigação do pagamento dos encargos com o condomínio – arts. 1420º e 1424º do CC. 

P) Em consequência, na presente execução, ao ser cumprida a imputação, no titulo executivo da divida à fracção “DA” e ao ser produzida prova sobre a propriedade de tal fracção que cabe à recorrida,  foi cumprido o art. 53º do CPC quanto à legitimidade face à prova da propriedade do obrigado ao pagamento da quantia exequenda como executado na presente execução, até atento o conceito do art. 30º do CPC sobre o interesse em contradizer, e sendo os documentos juntos meramente instrutórios e probatórios da execução e dos elementos nela contidos. 

Q) Ao confirmar a declaração de extinção da execução com o levantamento das penhoras realizadas por força da declarada ilegitimidade da recorrida, manteve o acórdão recorrido a violação do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro, arts 1420º e 1424º do CC e arts. 53º, 410º, 413º 713º d) e 715º todos do CPC.   Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso de revista excepcional  ser admitido e julgado procedente e provado e, por via dele, ser revogada in toto o acórdão recorrido, sendo substituído por douto acórdão que julgue a recorrida como parte legitima atentos todos os elementos constantes nos autos e que ordene o prosseguimento destes mesmos autos com o consequente realização de audiência prévia e subsequente julgamento dos embargos. 

com o que se fará a costumada Justiça!”

 Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se contesta a admissibilidade do recurso, com as seguintes conclusões (expurgadas das relativas à admissibilidade do recurso):
“4ª. O art. 53º do NCPC dispõe que a execução “deve ser instaurada contra a pessoa que no título tinha a posição de devedor”, pelo que, conforme se decidiu no acórdão recorrido e contrariamente ao invocado pela ora recorrente, “a omissão n(a acta da assembleia de condóminos) do nome do executado que tenha sido demandado é motivo de ilegitimidade, sem possibilidade de recurso a elementos exteriores ao título” (v. Ac. RP de 2014.03.13, Proc. 363/13.8TBMAI-A.P1; cfr., exactamente neste sentido, Ac. RL de 2017.04.04, confirmado pelo Ac. STJ de 2018.02.27, ambos proferidos no apenso E ao presente processo; e Ac. STJ de 2008.07.10, Proc. 08A1057, in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 5 a 7;
5ª. Como se decidiu – e bem – no douto acórdão recorrido, das actas da Assembleia de Condóminos n.ºs 1/2006, 2/2007 e 4/2007, de fls. 9 a 39 dos autos de execução, que foram juntas pela ora recorrente como pretensos títulos executivos, não constam
(i) o nome da ora recorrida BB, S.A., como devedora,
(ii) a indicação da fracção “DA” em causa,
(iii) a imputação e quantificação das quantias peticionadas, nem
(iv) o prazo de pagamento da alegada dívida, sendo evidente que “as obrigações exequendas (apenas) são certas (quando) dos títulos executivos decorre a identificação do respectivo objecto e sujeitos” (v. Ac. STJ de 2014.10.14, Proc. 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1, in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 7 e 8;
6ª. É assim inquestionável a ilegitimidade processual da ora recorrida, que “só esta(ria) assegurada se na acta da assembleia do condomínio consta(sse) o seu nome” (v. Ac. STJ de 2008.07.10, Proc. 08A1057, in www.dgsi.pt), bem como a falta ou invalidade do título executivo, sendo para esse efeito irrelevantes quaisquer elementos exteriores ao título (c. Ac RP de 2014.03.13, Proc. 363/13.8TBMAI-A.P1).”

Colhidos os vistos, cumpre analisar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

8. O tribunal de primeira instância deu por assentes os seguintes factos:

1 – A exequente intentou uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra a Embargante, acção de que estes autos são um apenso, para haver a quantia de €54.124,70, apresentando como título executivo as actas de assembleia de condóminos n.º 2/07, 1/06 e 4/07, cujas cópias estão juntas a fls. 9 a 26, 27 a 34 e 35 a 39, respectivamente, daquela acção, e que aqui se dão por integralmente reproduzida.

2 – Na acção executiva referida no facto anterior, a exequente alegou que:
“1. As Executadas são proprietárias da fracção sita na Rua ..., Lisboa, inserida no Condomínio da Convergência da ... e Ruas ... e ..., abreviadamente designado por Condomínio do ....
2. No âmbito da Assembleia de Condóminos do referido condomínio, ocorrida em 15.05.2007, foi deliberada e votada por unanimidade a execução de obras nas fachadas dos edifícios do referido condomínio, conforme se pode confirmar da análise da Acta n.º 2/07, cuja cópia certificada se junta sob documento n.º 1.
3. Mais, foi atribuída força executiva à referida Acta, constituindo a mesma título executivo, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro e d) do artigo 46º do CPC.
4. Não tendo a Executada procedido ao pagamento das obras nos prazos para tal estipulados (anexo à referida Acta), vem a Exequente intentar a presente execução para pagamento da quantia de € 32.948,31.
5. A este montante acrescem juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
6. Acresce ainda que, no âmbito de outras duas Assembleias de Condóminos ocorridas em 20.06.2006 e 24.10.2007, foi deliberado e aprovado que as taxas de condomínio referentes aos anos de 2006 e 2007, respectivamente, fossem calculadas de acordo com cada permilagem de cada fracção constante do título constitutivo, conforme cópias certificadas das Actas n.ºs 1/06 e 4/07 que se juntam sob documentos n.ºs 2 e 3.
7. Assim, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro e d) do artigo 46º do CPC, os documentos n.ºs 2 e 3 são também título executivo.
8. Não tendo as Executadas procedido ao pagamento do condomínio referente aos anos de 2006 e 2007, deve à Exequente a quantia de € 17.638,90, montante a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
9. As Executadas devem globalmente à Exequente, a título de capital, a quantia de €50.587,21”.

9.  Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações do recorrente, impõe-se conhecer dessas questões e das que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do C.P.C.

As questões colocadas são as seguintes:
a) Acta do condomínio – requisitos para ser considerada título executivo, no que respeita ao proprietário/condómino – com ou sem alusão a essa qualidade e identificação;
b) Possibilidade de serem juntos documentos complementares ao título executivo posteriormente e seu valor – título executivo complexo;
c) Como se dividem as despesas do condomínio e os investimentos pêlos distintos condóminos.

10. Sobre a questão da legitimidade da executada, termos em que a primeira questão veio colocada no acórdão recorrido, diz a recorrente o seguinte:
1. Foi deduzido requerimento executivo, com vista à tramitação de execução para pagamento de quantia certa contra a recorrida por falta de pagamento de taxas condominiais à recorrente relativas à fracção “DA” correspondente à sub-cave, com entrada pelo número ... em Lisboa;
2. Tal dívida, então computada em €50.587,21, estava subdividida em dois aspectos de divida de taxas de condomínio com fundamentos diversos mas interligados entre si:
 a) as dívidas de obras aprovadas em assembleia geral, no condomínio exequente, no valor atribuído à fracção de €32.948,31;
 b) as dívidas de taxas de condomínio, mensais, regulares e ordinárias, respeitantes aos anos de 2006 e 2007, no valor de €17.638,90;
3. Tal requerimento inicial de execução foi admitido liminarmente com base em títulos executivos então juntos (actas de condomínio);
4. O acórdão recorrido continuou a julgar a recorrida parte ilegítima porque entendeu que o referido artigo 6º obrigava que as actas, para valer como título executivo, teriam que conter o nome do devedor e também porque os documentos juntos posteriormente não poderiam constituir um meio de prova complementar da acta sob pena de se estar perante um titulo executivo complexo;
5. A existência de título executivo resulta directamente da fracção autónoma a que é imputada a dívida exequenda, do valor da própria divida exequenda, bem como da prova complementar feita no apenso declarativo de embargos, da propriedade da recorrida sobre a fracção a que é imputada a respectiva divida;
6. Nestes autos, nunca a recorrida pôs em causa a sua efectiva propriedade da fracção “DA”, pelo período a que respeitavam as dívidas pedidas;
7. Das actas, que constituem efectivo título executivo, não resultava qualquer dúvida da imputação da dívida exequenda à fracção de que a recorrida era proprietária;
8. Há que separar o que são as dívidas de obras e as dívidas regulares de condomínio;
9. Quanto às obras, foi imputada à fracção “DA” o valor pedido na presente execução de €32.948,31, encontrando-se perfeitamente caracterizada a referida fracção, o valor e a periodicidade de tais pagamentos, sendo certo que a recorrida sempre confirmou a propriedade de tal fracção, constando no título executivo o nome da efectiva detentora sociedade detida pela mesma recorrida;
10. A execução deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor;
11. Em relação às prestações periódicas e normais, e mantendo-se o critério explicitado anteriormente, a dívida foi atribuída à fracção de que o seu proprietário é responsável;
12. Sendo os embargos um apenso declarativo, toda a prova documental neles produzida tem por fim instruir os factos necessitados de prova para apreciação pelo Tribunal – arts. 410º e 413º do CPC – e os documentos apresentados nos embargos visam confirmar a justeza do titulo executivo, não sendo sequer documentos que se integrem especificamente no regime do actual art. 715º do CPC (ex 804º do mesmo código);
13. No doc. 1 (junto à petição de embargos), e que é uma certidão permanente da recorrida, surge como administrador (único) da recorrida CC.
14. Na contestação de embargos é junta escritura publica de compra e venda em que a recorrida BB surge a vender a fracção “DA”, representada pelo mesmo CC;
15. No doc. 2, junto com a contestação de embargos, e que é uma certidão do registo comercial da DD Lda., inquilina da recorrida, resulta que a sociedade executada é sócia da sua inquilina DD e a sua gerência está atribuída ao mesmo CC.
16. No doc. 3 junto com a contestação vem a enviar-se ao tribunal um documento em que a inquilina da fracção “DA” (a Imogaragem) vem solicitar que as facturas e toda a documentação da fracção sejam enviadas para os escritórios comuns da recorrida e da inquilina em nome seu nome;
17. O referido CC, gerente da DD e administrador único da recorrida, foi quem subscreveu o mandato na presente acção;
18. A recorrida deduziu os embargos de executada nos quais, nunca negando substancialmente a existência da divida, acabou por se socorrer de uma série de argumentos formais, apesar da propriedade que deteve durante o período das prestações condominiais não pagas;
19. Na presente execução, ao ser cumprida a imputação, no título executivo da dívida à fracção “DA” e ao ser produzida prova sobre a propriedade de tal fracção, que cabe à recorrida, foi cumprido o art. 53º do CPC quanto à legitimidade face à prova da propriedade do obrigado ao pagamento da quantia exequenda.

6.1. No Acórdão da Relação disse-se, com relevo para a decisão de saber se estava assegurada a legitimidade passiva da executada, e apoiando-se na decisão da 1ª instância:
“ (…) o que resulta da sentença, ponderando o seu conteúdo e contexto em que surge a parte dispositiva, é que o tribunal julgou extinta a execução por não se mostrar assegurado um pressuposto processual de natureza subjectiva, isto é, a legitimidade da executada, por não figurar a sua identidade nos documento apresentados como títulos executivos.
Não podendo, pois, a apelada extrair da decisão proferida qualquer outro sentido interpretativo que não o apontado e que cumpre realçar, a saber, o tribunal de primeira instância absolveu a embargante da instância executiva, por ilegitimidade passiva da executada W… ..., SA, assim extinguindo a execução.”

O TR salientou, assim, apoiando-se na decisão da 1ª instância, os aspectos essenciais da causa e da sua decisão:
(a Executada invocou) “que é parte ilegítima para ser demandada na acção executiva, por não constar dos títulos executivos como devedora, considerando que a omissão na acta da assembleia de condóminos do nome do executado que tenha sido demandado é motivo de ilegitimidade, sem possibilidade de elementos exteriores ao título; Como título executivo a Exequente apresentou nos autos principais três actas de assembleia de condóminos; (…); De acordo com o disposto no art. 703º, al. d) do N.C.P.C. «à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».
 E o art.º 6º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, confere força executiva à «acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio», contra o condómino que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Logo, nas execuções por contribuições devidas ao condomínio é o proprietário da fracção, desde que esteja identificado na acta na acta da assembleia de condóminos.
Na verdade, à luz do art.º6º do já citado Dec. Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, a acta para valer como título executivo terá de conter … o nome do devedor...: assim ficará satisfeita a exigência contida no art.º 45.º, n.1 do CPC – “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” (Ac. do STJ de 10 de Junho de 2008, ….”
Ou seja, «a legitimidade do executado, demandado por alegadamente ser o responsável pelo pagamento das despesas comuns, só está assegurada se na acta da assembleia do condomínio constar o seu nome».
Compreende-se que assim seja pois que, reportando-nos à acção executiva, a base legal do conceito de legitimidade reside no art. 53º, n.º 1 do N.C.P.C., segundo o qual «a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor».
Estamos, aqui, perante um critério formal; na verdade, “não se diz no preceito em causa que são partes legítimas, como exequente e executado, o credor e o devedor, respectivamente, mas aqueles que no título figurem nessas qualidades.” (F. A. Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12ª edição, Almedina, p.75).
Ou seja, a aferição da legitimidade é inequivocamente feita em função da posição que as partes ocupam no título dado à execução.
Logo, a legitimidade do executado só está assegurada se no título constar o seu nome, na qualidade de devedor.”

Feita a apresentação do problema, com distinção entre legitimidade no título e legitimidade na dívida, o Tribunal apreciou os factos do processo (apoiando-se na decisão da 1ª instância), e disse:
“Concretizando, compulsada a acta n.º 2/07, da assembleia de condomínio realizada em 12/05/2007, junta ao requerimento executivo a fls. 9 a 26 e apresentada como título executivo, a embargante não figura como devedora, dela não constando o seu nome no mapa anexo que faz parte integrante da mesma (por expressa remissão do ponto n.º 3 da ordem de trabalhos), mas sim o nome “Imogaragem”.
Por outro lado, nas actas n.º 1/2006, da assembleia de condóminos realizada em 20/06/2006 e nº 4/2007, da assembleia de condóminos realizada em 24/10/2007, juntas ao requerimento executivo a fls. 27 a 34 e 35 a 39 e apresentadas como títulos executivos quanto às peticionadas taxas de condomínio respeitantes aos anos de 2006 e 2007, a embargante também não figura nelas como devedora, não constando delas o seu nome (nem qualquer outro, diga-se).
Em face desta circunstância concreta, como se decidiu no citado acórdão do STJ de 10/07/2008, «não figurando, nas actas que foram “dadas” como títulos, como devedora, nunca poderia a executada ser demandada como devedora da exequente. O mesmo é dizer que, em respeito absoluto pelo preceituado no artigo 55º, nº 1, do Código de Processo Civil, aquela nunca poderia ser julgada como parte legítima».
Ou seja, sendo a aferição da legitimidade inequivocamente feita em função da posição que as partes ocupam no título dado à execução, o certo é que a embargante não figura como devedora nas actas apresentadas como títulos executivos.”

O tribunal também tomou em consideração a documentação apresentada em sede de embargos (apoiando-se na decisão da 1ª instância) – importava analisar a sua relevância para aferição da legitimidade em função do título executivo.

Sobre isso disse:
“«Poder-se-á, no entanto, perguntar se os outros documentos juntos pelo Exequente podem constituir meio de prova complementar da acta, nos termos do art. 804º do CPC, cujo regime, tratando directamente da prova da verificação de condição suspensiva, ou da realização de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, se entende dever estender-se a todos os casos em que a certeza e exigibilidade não resultem do título executivo, mas já se verificam antes da execução.
Estaríamos então perante um título executivo complexo, corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos assegurarem eficácia a todo o complexo documental como título executivo.
Acontece que esta possibilidade não se estende à legitimidade do executado, a qual há-de ser assegurada necessariamente no título executivo, através da menção expressa da sua identidade, sem possibilidade de recurso a elementos exteriores, conforme decorre com segurança do art. 55.º/1 do CPC» (Ac. do TRP de 13/07/2014, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado meu).
Assim, conclui-se que o Exequente não apresentou nos autos de execução título que lhe permitia demandar a executada, cuja legitimidade não está assegurada nas actas das assembleias de condóminos dadas à execução, nas quais não consta o seu nome”.

O tribunal concluiu, agora sem se apoiar na decisão da 1ª instância, mas mantendo a posição de com ela concordar:
“A posição expressa pela primeira instância foi também a orientação seguida nos acórdãos do STJ de 10-07-2008, processo: 08A1057 (Relator: Urbano Dias) e do TRP de 13-03-2014, processo: 363/13.8TBMAI-A.P1 (Relator: Teles de Menezes) [ [5] ].
No caso em apreço, salienta-se que a exequente apelante não questiona que dos documentos apresentados como título executivo não consta a identidade da executada/embargante.
A apelante parece sustentar outra interpretação, quando, invocando o art. 6º, nº1 do Dec. Lei 268/04 [ [6] ], refere que “[d]eterminando o art. 6º nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar nunca, nestes autos, a embargante pôs em causa a sua efectiva propriedade da fracção “DA”, pelo período a que respeitava as dividas pedidas, sendo certo que quanto às actas que constituem efectivo titulo executivo, das mesmas não resultava qualquer dúvida da imputação da divida exequenda à fracção de que a embargante era proprietária” (conclusão D) [ [7] ].
Ora, não importa aqui tomar posição, em face do teor do título executivo apresentado, as aludidas actas de condomínio.
É que, compulsando tais documentos, constata-se que:
- Em nenhum deles é referida a identificação da executada embargante ( BB, S.A.) – cfr. quanto ao nome ou denominação, os arts. 72º e 167º do Cód. Civil;
- Em nenhum deles é identificada a fracção em causa, isto é, a fracção “DA” correspondente à sub-cave com entrada pela Rua ... do prédio [ [8] ].
Efectivamente, a referência que consta e alusiva, apenas, à acta nº 2/07 de 15 de maio de 2007 é a seguinte: “Imogaragem Lda” (“nome”) e “71C” (“Edif”).
Com referência ao título executivo em causa (actas de condomínio), coloque-se o acento tónico no primeiro elemento de ponderação – identificação da pessoa devedora –, ou no segundo – identificação da fracção devedora – temos que, no caso em apreço, nem um nem outro constam, com precisão, das actas em causa.
É quanto basta para, sem necessidade de outras considerações, se concluir que a executada BB SA deve ser absolvida da instância executiva, por ilegitimidade passiva, com a consequente extinção da execução (arts. 576º, nº1 e 2 e 577º, alínea e) do CPC).”

Da decisão recorrida resulta também que o tribunal, quanto ao ponto ora em análise, reportou-se às actas apresentadas como títulos executivos, analisou-as e concluiu que eram distintas: i) quanto às actas de assembleia de condóminos n.º 1/06 e 4/07 (alusivas às despesas de condomínio nos anos de 2006 e 2007) – não têm qualquer referência ao devedor, qualquer que ele seja; ii) quanto à acta nº 2/07 (alusiva à quota-parte das obras, no valor de 32.948,31€) – quem figura como devedor é a “DD”.

O tribunal separou a questão da aferição da legitimidade para a acção executiva da questão de saber se, em face do título e da dívida invocada, a parte executada era devedora, que é uma questão relativa à legitimidade substantiva, a resolver apenas se a primeira for positiva.

6.2. Expostas as posições do recorrente e do Tribunal recorrido, é altura de tomar posição, que desde já se indica é no mesmo sentido das decisões já proferidas nestes autos, e seguindo-se aqui, muito em especial, a solução do Ac. STJ de 2008.07.10, Proc. 08A1057[1]: a legitimidade para a execução tem de ser aferida pela análise dos títulos executivos apresentados.

Esta jurisprudência teve eco também na posição que tem sido seguida pelas Relações, sendo conhecida da recorrente, pois foi parte no processo em que se veio a proferiu o Ac. do TR de 4/4/2017, na Apelação nº 5859/08.0YYLSB-E.L1, que também adoptou posição igual (dizendo: “Acresce que em nenhuma das atas apresentadas como título executivo figuram como devedoras as executadas, nem por referência à fracção a que respeitam as contribuições que teriam sido aprovadas.”), ainda que aí se tratasse sobretudo de outras questões.

6.3. Na doutrina, o tema pode encontrar-se analisado em várias obras, a propósito do antigo artigo 55.º, n.º 1 (actual art.º 53.º) do Código de Processo Civil, autores que têm sido destacados nos arestos e a cuja posição tem aderido a jurisprudência deste STJ:
a) Lebre de Freitas – defendendo que “a legitimidade das partes determina-se, na acção executiva, com muito maior simplicidade do que na acção declarativa”. Enquanto nesta há que indagar da posição das partes em face da pretensão, o que implica averiguar a titularidade, real ou meramente afirmada pelo autor, da relação ou outra situação jurídica material em que ela se funda, …, na acção executiva a indagação a fazer resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor ou devedor” [2].
b) Anselmo de Castro –  na mesma linha de pensamento – defendendo  que a lei dá uma “noção de parte que se aproxima do conceito de parte verdadeira ou legítima na acção declarativa, e dela se vê que não vale em processo executivo um conceito de legitimidade que se reconduza à simples afirmação da titularidade do direito da obrigação, na medida em que esta terá de se apresentar fundada no próprio título”[3], do que resulta  que  no processo executivo “contudo, não deixa a noção de parte de continuar a revestir carácter formal, posto que não interessa a efectiva titularidade do direito mas apenas aquela que se encontre no título”.
c) Miguel Teixeira de Sousa – na mesma linha de pensamento – defendendo que “as partes legítimas para a execução determinam-se, em regra, em função do próprio título executivo”[4], sem prejuízo de defender que em certas situações isso não acontece (exemplos: casos de contrato para pessoa nomear ou a favor de terceiro, em que “a legitimidade executiva pertence então à pessoa que venha a ser nomeada como titular dos direitos provenientes do contrato (…) ou ao terceiro que venha a ser indicado como beneficiário”, para além dos casos de chamada legitimidade indirecta dos sucessores.
d) Amâncio Ferreira – defendendo  que a legitimidade, na acção executiva, se afere através de um critério formal, diversamente do que ocorre na acção declarativa, onde se faz apelo a um critério substancial, identificando-se aqui a legitimidade com o interesse que o autor e o réu têm, respectivamente, em demandar e contradizer”.

e) Esta posição doutrinária já era defendida por Alberto dos Reis, que realçava a ideia de que “figurar no título como credor não é o mesmo que ser credor” e “ter no título a posição de devedor é coisa diversa de ser realmente devedor” [5].
f) No mesmo sentido, Remédio Marques, dizendo: “precisamente porque na acção executiva se visa obter a tutela efectiva do direito – ínsito no título executivo – a uma prestação que se encontra violado, o interesse directo em demandar e o interesse directo em contradizer (por cujo respeito se afirma a ideia de legitimidade processual) não radica nas pessoas que são titulares da relação material controvertida, tal-qualmente esta é configurada pelo autor. Antes são partes legítimas quem no título executivo figura como credor e como devedor” [6].
Todas as posições indicadas – ainda que reportadas ao antigo art.º 55.º do CPC - defendem inequivocamente que o título desempenha, na acção executiva, uma função legitimadora que serve para delimitar subjectivamente a execução.

Impõe-se ainda analisar como a questão é hoje disciplinada e vista pela doutrina, considerando que a matéria indicada passou a estar inserida no art.º 53.º do actual CPC, que dispõe:

Artigo 53.º

Legitimidade do exequente e do executado

1 — A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.

2 — Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título.

Como primeiro elemento, note-se que a redacção actual não é diversa da anterior, o que permite deduzir que o legislador não sentiu necessidade de modificar a solução jurídica e o entendimento que vinha sendo defendido, ou teria alterado a norma.

Como segundo elemento, relevará o facto de o art.º 54.º tratar dos desvios à regra geral da determinação da legitimidade do art.º 53.º, criando soluções específicas para: i) sucessão no direito ou na obrigação, em que no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão (n.º1); ii) execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este (n.º2).

Esta norma do art.º 53.º existia antes e manteve-se inalterada já depois do legislador ter introduzido o artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, admitindo que a acta do condomínio fosse título executivo – “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

Sabendo que, à luz do artigo 6.º do já citado Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, a acta para valer como título executivo teria de conter não só o nome do devedor, mas também o montante em dívida, forçoso seria concluir que, só com esses dois elementos, ficaria satisfeita a exigência contida no n.º5 do art.º 10.º (anterior artigo 45.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

Com os argumentos apresentados pelo recorrente, nomeadamente na conclusão D)( … este continua a sustentar que não sucede nem uma coisa nem outra, uma vez que do titulo executivo resulta directamente a fracção autónoma a que é imputada a dívida exequenda, o valor da própria divida exequenda, bem como da prova complementar feita no apenso declarativo de embargos, a propriedade da recorrida sobre a fracção a que é imputada a respectiva dívida, o que releva para os efeitos do art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro  uma vez que a acta da reunião da assembleia de condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessária à conservação das partes comuns constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar) procura-se tornar irrelevante a questão da legitimidade perante o título, ou admitir que sobre o alegado devedor se faça prova complementar (para além do título), tratando o problema versado no acórdão recorrido como se de uma acção declarativa se tratasse.

Não há, no entanto, nenhuma razão justificativa para tratar esta acção executiva como se de uma acção declarativa se tratasse – é que a existência de acção executiva apresenta uma finalidade própria, desde logo o permitir avançar para a fase executiva, de cobrança forçada de uma dívida que tem na sua base um título suficientemente garantístico da existência da dívida e da pessoa do devedor (a acção executiva é aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida - cfr. n.º 4 do art.º 10.º do Código de Processo Civil, vigente; E toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva - cfr. n.º 5 do citado artigo). E não havia nenhum motivo para que o condomínio, se pretendiam utilizar a acta como título executivo, não tivesse cuidado de a elaborar em conformidade com a lei, indicando quem se afigurava como sendo o proprietário, indicando o devedor das quantias exequendas. Pretender que a questão da identificação do devedor possa ser feita por referência e com prova complementar não é solução defensável, ainda que o legislador tenha dito que a acta “constitui titulo executivo contra o proprietário”; daqui não se deve inferir que a demonstração de quem é o proprietário é questão de pouca importância e sem influência na decisão sobre existência do título executivo; o facto de existirem actas do condomínio que são título executivo também não equivale a afirmar que toda a acta é considerada título executivo. A existência de título executivo quando se trate de acta de condomínio não pode deixar de respeitar o espírito da lei, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 268/94 -  visou-se conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia dos condóminos; pretendia-se evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias, liquidadas ou de fácil liquidação, segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos (e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia).

O título executivo apresenta-se, assim, como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento susceptível de, por si próprio, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito e do seu devedor em que assenta a formulação da pretensão exequenda. Será, na definição de Castro Mendes[7] “o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução”.

Vale também aqui a ideia já defendida por Manuel de Andrade, ao indicar que o fundamento da exequibilidade dos títulos executivos reside “...na relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (prestação), e portanto da inutilidade do processo declaratório, enquanto se torna presumível que ele levaria ao mesmo resultado que já se pode coligir da simples inspecção do título”[8].

Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre exequente e executado, o título executivo avulta como condição necessária, desde que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê. Para que exista direito de acção executiva é necessário, ainda que não suficiente, a apresentação de título executivo em conformidade com o que a lei prescreve para o título utilizado. É por ele que se define o objecto da execução e que se aferem os titulares da obrigação exequenda. Por isso não se pode esquecer que existem limites à acção executiva, definidos pelo título, quer de natureza objectiva, subjectiva e formal, sendo que os relativos à aferição das partes activa e passiva da obrigação, para efeitos de legitimidade, são limites subjectivos.

In casu trata-se de analisar o valor executivo das actas – que caiem na alçada da alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, artigo que prevê, genericamente, a existência de títulos executivos criados por disposição especial da lei - nos termos dos artigos 1.º, n.º 1 e 2, e 6.º do Decreto-Lei nº 268/94.

6.4. Na obra intitulada A acção Executiva[9], Rui Pinto, diz a propósito deste tema:

“São condições dessa exequibilidade a ata: (…) ii) e a quota-parte de cada condómino iii) devidamente identificado”, não se duvidando que a identificação do condómino é essencial.

6.5. Por outro lado, a falta de título executivo não compromete em nada a posição subjacente da exequente, que pode, em acção declarativa, obter uma decisão judicial contra o ora executado, com base na invocação nas deliberações adoptadas.

6.6. A posição defendida neste aresto, tal como se indicou no acórdão da formação (fls, 485 e 486), pode até suscitar algumas dúvidas, no sentido de se pensar na necessidade de aligeirar as exigências formais.

Mas o aligeiramento destas exigências deve resultar em primeiro lugar da iniciativa do legislador. O facto de existir um “Grupo de Trabalho” junto do MJ (Despacho da Ministra da Justiça de 25-5-2018), sem que exista já um resultado do trabalho empreendido, é um elemento de valor, mas não decisivo e não devem ser os tribunais a exercer essa função legislativa.

6.7. A posição defendida no aresto não é colocada em causa pela posição defendida no Ac. da Relação de Lisboa, de 8/11/2012, proc. 46628/04.0YYLSB-A.L1-6 – é que aí se tratou de alargar a legitimidade para a acção executiva ao cônjuge do condómino. Como se sabe o regime civilista das dívidas dos cônjuges sempre permitiria, com facilidade, alargar a legitimidade do cônjuge.

Disse-se aí:
“2.2.4. Colocam os recorrentes a questão da ilegitimidade da recorrida com fundamento em que a mesma não figura nas actas das reuniões da assembleia de condóminos que constituem título executivo como devedora.
A regra geral no tocante à legitimidade das partes para a acção executiva está enunciada no artigo 55º do Código de Processo Civil, segundo o qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Como refere Lebre de Freitas, esta regra geral comporta, porém, desvios e excepções (artigos 56º nºs 2 a 4 e 57º), casos em que é atribuída legitimidade para intervir na execução como parte a pessoa que não figura no título executivo.
[8]
É o que sucede em relação às dívidas por contribuições ao condomínio ou decorrentes de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Com efeito, o artigo 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro ao estabelecer que
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns (…), constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Neste caso a lei atribui, expressamente, legitimidade passiva para ser demandado como executado ao proprietário de fracção autónoma que deixe de pagar pontualmente a sua quota-parte nos encargos com contribuições e despesas devidos ao condomínio, afastando-se também aqui da regra geral inserta no citado artigo 55º do Código de Processo Civil.
Ora, a propriedade da fracção “H” acha-se inscrita no registo predial a favor do recorrente no estado de casado, sob o regime da comunhão geral de bens, com a recorrente ....
Tal significa que também a recorrente é proprietária da aludida fracção autónoma, a qual integra o património comum do casal por força do disposto no artigo 1732º do Código Civil.
Logo, tem a recorrente legitimidade passiva para ser demandada como executada na acção executiva.”

6.8. O que se disse no ponto anterior é aplicável, com as necessárias adaptações ao disposto no Ac. do STJ de 14-10-2014, proc. 4852/08 – a questão tratada não era exactamente a mesma sobre que versa o presente recurso. A questão do Ac. de 14-10-2014 prende-se com a dívida –  saber quando ela se considera não cumprida e como se determina a parte de cada um dos condóminos.

Não se identifica semelhança que possa conduzir o STJ a alterar o sentido decisório defendido.

7. Finalmente, e como argumento fundamental: mesmo que a solução aventada não fosse a mais adequada, e se dispensasse a identificação do proprietário da fracção, pode ainda dizer-se que não faz sentido a tese do recorrente, ao defender a prova complementar, quando no caso submetido a este tribunal se verifica o seguinte:

- em nenhuma das actas apresentadas figura a executada como devedora nomeada;

- em nenhuma das actas apresentadas é identificada a fracção “DA” como pertencente à executada.

A admitir-se que a prova da propriedade pudesse ser feita como documentação complementar, a mesma teria de ser analisada pelo tribunal, para apurar a titularidade da fracção, com a correspondência entre pessoas presentes na assembleia e fracções correspondentes – o que não tem qualquer lógica – já que seria passar o dever do exequente para o tribunal, a quem cabe verificar a regularidade do título, em face do pedido; in casu, a prova da propriedade nem vem efectuada no requerimento executivo, mas apenas alegada, tendo a questão controvertida surgido através de embargos.

8. Quanto ao argumento da recorrente no sentido de que o nome da efectiva detentora sociedade constava do título executivo e isso bastava, não lhe assiste razão, chegando mesmo a ser contraditório com as afirmações e interpretações que advogou antes sobre o melhor sentido interpretativo do art.º 6.º do Decreto-Lei nº 268/94. Como a recorrente bem sabe, detentor e proprietário não são a mesma coisa e o facto de uma mesma pessoa física ser representante de distintas pessoas colectivas – sociedades – não conduz a que estejamos perante a mesma entidade jurídica[10]. Mas esta questão não veio a ser tratada especificamente no acórdão recorrido pelo que, no rigor dos princípios, não é um mero argumento que se coloca ao tribunal de recurso – mas antes uma nova questão jurídica. Ora, em sede de recurso o tribunal deve apreciar decisões anteriores – e não emitir pronuncia sobre novas questões.

9. A questão identificada em 9., c), fica prejudicada pela solução dada às demais questões suscitadas no recurso.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, improcede a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente

Lisboa, 19 de Junho de 2019

Fátima Gomes

Acácio Neves

Fernando Samões

-------------------
[1] Disponível em www.dgsi.pt.
[2] A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2ª edição –, p. 102. A posição actualizada do autor pode ser encontrada na obra A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7ª ed., 2018, p. 143 e ss – que mantém as mesma afirmações remetendo para o art.º 53.º
[3] A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Ed. 1977,  pp. 76 e 77.
[4] Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 135 e 136.
[5] Curso de Processo de Execução, 10ª edição, 2007, pp. 70 e 71.
[6] Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2010, p. 110.
[7] Direito Processual Civil, I, AAFDL, 1997, p. 181 e ss.
[8] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, I, 1956, p. 60.

[9] AAFDL, 2018, p. 227. A mesma ideia vem reafirmada na p. 278, sobre a legitimidade do devedor, com alusão ao princípio da literalidade do título executivo, com as excepções permitidas por lei (cf. p. 279, com opinião de Teixeira de Sousa).
[10] Rui Pinto, obra citada, p. 278 – cf. exemplo sobre firma credora que figura no título ser diferente da que vem no requerimento inicial.