Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
235/07.5TBRSD.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: BALDIOS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE DO CONTRATO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
JUNTA DE FREGUESIA
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÕES LEGAIS
FACTO IMPEDITIVO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
QUESTÃO NOVA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / NULIDADES / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DAS OBRIGAÇÕES – CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA / DOAÇÃO – DIREITO DAS COISAS / POSSE / USUCAPIÃO / DIREITO DE PROPRIEDADE / DEFESA DA PROPRIEDADE / AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE.
Doutrina:
-Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2007, 279.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, 7.º, N.º 1, 8.º, 581.º, N.º 4, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA B), 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), 662.º, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 286.º, 342.º, N.ºS 1 E 2, 350.º, N.ºS 1 E 2, 351.º, 408.º, N.º 1, 874.º, 940.º, N.º 1, 1287.º, 1311.º, N.º 1 E 1316.º.
DECRETO N.º 7.127, DE 17 DE NOVEMBRO DE 1920.
DECRETO N.º 7 933, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1921.
DECRETO N.º 16.284, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1928.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), APROVADO PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 46.º.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL /CRP), APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 224/84, DE 6 DE JULHO: - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 07-07-1999, IN CJ - STJ II, 16.
Sumário :
I - Não incorre em vício de omissão de pronúncia o acórdão da Relação que deixou de apreciar um dos argumentos aduzidos pela recorrente em benefício da pretendida modificação da matéria de facto.

II - Posto que os recorridos, nas contra-alegações, apenas sinalizaram que o acórdão recorrido abordara uma questão que não fora tratada na 1.ª instância sem, contudo, assacarem àquele o vício de excesso de pronúncia, é de considerar que o STJ, perante a reedição da sua suscitação em sede de revista, não pode deixar de dela conhecer com o argumento de que se trata de questão nova.

III - A acção de reivindicação é uma acção real, pelo que a causa de pedir corresponde ao facto jurídico de que deriva o direito real que constitui objecto dessa acção (art. 581.º, n.º 4, do CPC), cabendo, nesse contexto, aos autores alegar e provar os factos que se enquadram numa das formas típicas de aquisição do direito de propriedade – a aquisição originária ou derivada (arts. 342.º e 1316.º, ambos do CC) e a ocupação do imóvel pelos réus.

IV - Tendo os autores invocado que o imóvel reivindicado lhes foi transmitido por contrato de compra e venda e por contrato de doação e beneficiando aqueles de registo de aquisição da propriedade desse bem a seu favor, estão os mesmos, por força de presunção a que alude o art. 7.º do CRgP, dispensados de demonstrar a cadeia de transmitentes e transmissários anteriores, o que lhes seria imposto pelo efeito meramente translativo daqueles contratos.

V - Sendo ilidível a presunção mencionada em IV, incumbia à Junta de Freguesia recorrente (n.º 2 do art. 342.º e n.º 1 do art. 350.º, ambos do CC) alegar e demonstrar factos que modificassem, extinguissem ou impedissem o efeito translativo desses ajustes, mormente, a nulidade do contrato de compra e venda do imóvel em questão por o mesmo constituir um baldio paroquial, i.e. pertença de uma freguesia.

VI - Embora a legitimidade substantiva para alienar um baldio paroquial incumbisse unicamente à freguesia a quem pertencia (DL n.º 7127, de 17-11-1920), o simples facto de um baldio se situar numa freguesia não o transformava num baldio paroquial, pois os baldios existentes num concelho e pertença de Câmaras Municipais podiam ocupar geograficamente a circunscrição de uma ou várias freguesias.

VII - Assim, é irrelevante que a escritura pública que formalizou o contrato de compra e venda aludido em IV se reportasse aos “montes baldios existentes na freguesia de B.”, cabendo antes à recorrente junta de freguesa, no fito de lograr a sua qualificação como baldio paroquial, cumprir o ónus de demonstrar que os moradores dessa freguesia tinham, ininterrupta e exclusivamente, levado a cabo actos materiais de aproveitamento do baldio desde tempos imemoriais.

VIII - Tendo as partes tido ampla liberdade para, no momento oportuno, oferecerem os meios de prova relevantes a respeito da qualificação do imóvel, carece de sentido apelar ao princípio do inquisitório para solicitar à recorrente Junta de Freguesia que faça prova suficiente da caracterização do baldio como paroquial, tanto mais que o mencionado princípio não serve o propósito de colmatar falhas ou deficiências na actuação das partes.

Decisão Texto Integral:           
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. AA, BB e mulher, CC e marido, e DD propuseram acção declarativa contra EE - Produção de Electricidade, Soc. Unipessoal, Lda. e FF, S.A.

Alegaram, em suma, que, por escrituras públicas outorgadas em 1998 e 2006, os autores adquiriram o prédio inscrito na matriz predial artigo n.º 1…8, sito na freguesia de B…, concelho de Resende; que registaram as aquisições na Conservatória do Registo Predial, gozando da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial; e que a 1.ª ré e a 2.ª ré instalaram nesse prédio, respectivamente, um e três aerogeradores, prejudicando os autores na intenção de o arrendarem.

Pediram que, as rés fossem condenadas a (I) reconhecerem os autores comproprietários do prédio inscrito no artigo matricial 1…8.º, (II) a reconhecerem não terem título da posse exercida sobre algumas parcelas de terreno desse prédio, (III) a entregarem essas parcelas a favor dos autores, e (IV) a indemnizarem os autores pelos danos que lhes causaram com a ocupação, desde a citação, a liquidar posteriormente.

 

Citadas, as rés contestaram, impugnando a matéria alegada pelos autores e excepcionando a existência de acordos celebrados em 1996 (2.ª ré) e 1999 (1.ª ré) com a Junta de Freguesia de B… pelos quais esta lhes concedeu o uso e fruição dos terrenos, apresentados como baldios da freguesia, onde instalaram os aerogeradores. A não ter legitimidade para lhes conceder o uso e fruição de tais terrenos e autorizar aquelas instalações, a Freguesia de B… causou prejuízos às rés, tendo interesse na manutenção e validade de tais acordos e devendo por isso intervir como associada das rés na causa.

Pediram que, a acção fosse julgada improcedente.   


Deferida a intervenção acessória e citada, a Junta de Freguesia de B… contestou, impugnando a matéria alegada pelos autores e excepcionando a pertença do prédio reivindicado à comunidade de Barrô como baldio.  


Após vicissitudes processuais várias que irrelevam, foi realizado julgamento e, após, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou os autores comproprietários do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 1…8.º e condenou as rés na restituição deste prédio aos autores, absolvendo-as do mais pedido.


As rés EDP, Renováveis, S.A. (ex-FF), EE, Lda. e a interveniente Junta de Freguesia de B… interpuseram recursos de apelação e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.


Irresignadas, a interveniente Junta de Freguesia de B… e a ré EDP Renováveis Portugal, S.A. interpuseram recursos de revista e neles apresentaram as seguintes conclusões:


      Junta de Freguesia de B…:

«1.ª- Foi reconhecido na sentença proferida em primeira instância que os baldios da freguesia de B… apenas existiram até à data de 25 de Julho de 1929;

2:ª- Data aquela em que foram alienados a terceiros por aquele Município, através da venda feita pela sua Comissão Administrativa;

3ª- Sucede, porém que a escritura celebrada pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal de R…, junta a fls 9 a 11 dos autos, de 25/07/1929, não tem valor jurídico, sendo nulo o negócio jurídico nela relatado;

4.ª- Já que, de acordo com aquela escritura, foram vendidos "todos os montes baldios e maninhos existentes na freguesia de B…";

5.ª- Estando vedado à C. M. de R… vender baldios das freguesias da sua circunscrição, pois só poderia alienar os baldios municipais e não os baldios paroquiais;

6.ª- Já que os baldios das paróquias não se encontram sob a sua administração e tutela jurídica, pois o Decreto n° 14.284 de 18/12/1928, apenas autorizava às Câmaras a venda dos baldios municipais;

7.ª- Sendo, assim, tal alienação de efeitos nulos e cuja nulidade é invocável a todo o tempo, sendo também oficioso o seu conhecimento;

8.ª- Assim, a nulidade insanável daquela alienação faz cair por terra o registo da propriedade a favor dos Autores;

9.ª- Deixando, por isso, de se lhe aplicar a consequente presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, como erradamente lhe foi conferida pelo douto Acórdão proferido e também pela sentença de Ia instância;

10.ª- Não podendo, por isso, proceder a acção, pois os Autores, face ao exposto não conseguiram demonstrar a aquisição válida do seu direito de propriedade;

11.ª- O Acórdão recorrido violou as disposições legais que consagram os baldios e o direito das populações da sua área ao seu usufruto, nomeadamente, a Lei n° 68/93 de 04/09, diploma legal em vigor à data da propositura desta acção».


EDP Renováveis Portugal, S.A.:

«1 – Ao presente recurso deverá ser fixado efeito suspensivo pois só assim será acautelado o dano que a execução da sentença implicará, designadamente com a retirada/desmantelamento do prédio em causa dos aerogeradores ali implantados;

2 - A Recorrente prestou já caução, através da prestação de garantia bancária, e pelo valor de € 70.468,82, encontrando-se a mesma nos autos a fls. …;

3 - A decisão posta sob censura é, manifestamente, injusta e desconforme às regras do direito e da lei uma vez que o Tribunal a quo não procedeu a uma análise crítica e rigorosa da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente não tendo retirado ou extraído todos os efeitos da abundante prova testemunhal produzida pela Recorrente e pela Interveniente e no que tange ao facto de que o prédio em questão sempre foi terreno baldio;

4 – O Tribunal Recorrido desvaloriza os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrente e pela Interveniente, limitando-se a fazer uma transcrição parcial, superficial e descontextualizada daqueles depoimentos, fazendo menção de que tais depoimentos não merecem relevância uma vez que, a maior parte dos mesmos, foram prestados com ligeireza e comprometimento;

5 – Em contrapartida o Tribunal Recorrido valoriza indevidamente os meios de prova oferecidos pelos Recorridos, designadamente a prova documental e os dois depoimentos prestados por dois irmãos dos Autores que são com eles comproprietários do prédio em questão e cujos depoimentos são parciais não devendo merecer nenhuma credibilidade, não tecendo sobre os mesmos os juízos ou considerações que produziu acerca dos depoimentos oferecidos pelas demais testemunhas, revelando parcialidade injustificada na avaliação e valoração da prova;

6 - O Acórdão recorrido enferma de erro grosseiro e notório, fazendo uma errada interpretação do direito;

7 - A acção proposta pelos Autores é uma acção de reivindicação que tem por objecto uma parcela de terreno de um prédio inscrito a favor dos Autores no registo predial e que cumula com um pedido de indemnização civil;

8 – A procedência de uma qualquer acção de reivindicação fica dependente da comprovação da prova da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e bem assim a ocupação da coisa reivindicada pelos Réus;

9 - A comprovação da titularidade do direito de propriedade tem de assentar na prova do facto jurídico constitutivo de tal direito havendo que fazer a demonstração da aquisição originária ou, até, pela comprovação dos factos que a lei reconheça como adequados e suficientes para presumir a existência dessa titularidade, ou seja, a posse;

10 - O registo predial português não tem carácter constitutivo de direitos, com excepção da hipoteca, tendo o registo carácter meramente de publicidade ou anunciativo;

11 - Os Recorridos não lograram demonstrar a qualidade de proprietários da parcela de terreno reivindicada uma vez que não provaram ter praticado quaisquer actos de posse sobre tal parcela de terreno;

12 - Da decisão recorrida não consta terem os Autores/Recorridos o poder de facto sobre tal parcela de terreno, isto é, terem sobre aquela parcela o poder direto e imediato, terem, igualmente, praticado actos inequívocos de forma conhecida e reiterada e com intenção de com a sua actuação estarem a agir como verdadeiros donos da mesma, o que o mesmo é dizer-se, não é feita qualquer referência à posse dos Autores, ao "corpus" e ao "animus", existindo omissão quanto ao apossamento; 

13 - Em nenhum dos factos dados como provados pelo Tribunal Recorrido se faz referência aos factos constitutivos do direito de propriedade a que os Autores se arrogam e que estão na base da aquisição originária;

14 - Os Recorridos não lograram demonstrar terem exercido uma posse correspondente ao direito de propriedade, de forma pública, pacífica, de boa-fé, continuada, ininterrupta, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição;

15 - O Acórdão recorrido nunca poderia ter dado como provado que a parcela de terreno em questão é propriedade dos Autores, socorrendo-se, para tal efeito, apenas e tão só do argumento formal das escrituras de compra e venda, as quais são insuficientes para a comprovação da titularidade do direito de propriedade;

16 - O Acórdão Recorrido faz uma errada apreciação da prova bem como uma errada aplicação do direito, não podendo permanecer na ordem jurídica, tanto mais que omite os requisitos necessários e exigíveis por lei para que uma acção típica desta natureza pudesse ser julgada procedente;

17 - As apreciações que o Venerando Tribunal Recorrido produz quanto à prova testemunhal da Recorrente são manifestamente injustas e desadequadas na medida em que todos os juízos, considerações e opiniões ali tecidos são objectivamente parciais, não completos, descontextualizados:

18 - As testemunhas oferecidas pela Recorrente, pessoas todas elas humildes e simples, que constituem, necessariamente, o Povo, de forma absolutamente clara, firme e inequívoca, afirmaram, em uníssono, que a parcela de terreno em questão sempre foi, desde tempos imemoriais, considerado terreno baldio, por todos os habitantes do lugar onde o mesmo se situa e mesmo dos lugares vizinhos e assim foi usado e fruído, sem qualquer interrupção ou hiato, e sem qualquer oposição válida de quem quer que seja, concretamente dos Recorridos, pelo menos até à interposição da presente acção em juízo;

19 - O Acórdão Recorrido não concluiu que os Recorridos nunca usaram e/ou fruíram da parcela de terreno onde se encontram implantados os aerogeradores da aqui Recorrente;

20 - Todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o terreno dos Recorridos se situa abaixo do estradão (estrada da P…) sendo os terrenos situados acima daquela terrenos baldios;

21 - O Tribunal Recorrido, relativamente aos documentos de fls. 802 e segs. e 827 refere que “dos depoimentos não resulta a prova que tais avisos não tenham sido lidos publicamente nas missas de domingo da igreja local, pois as testemunhas limitaram-se a dizer que não tinham conhecimento, contrariamente às demais que confirmaram a sua publicitação.” Tal afirmação não é consentânea com os depoimentos das testemunhas GG, HH, II, cujos depoimentos não permitem concluir no sentido sufragado no Acórdão sob censura mas sim que tais avisos nunca foram lidos nas missas de domingo na igreja local;

22 - O Acórdão sob censura no que a esta matéria se refere é objectivamente deficiente e insuficiente pois do mesmo não se extrai quais foram as testemunhas que confirmaram a publicitação dos avisos em questão nas missas de domingo sempre teria de as identificar;

23 - Inexistindo fundamentação no que tange à questão dos avisos mencionados em antecedente, as ilações retiradas pelo Tribunal Recorrido são totalmente erróneas e padecem do vício de falta de fundamentação legal e, bem assim, de errada valoração de meio de prova, decidindo em violação dos princípios subjacentes ao direito probatório no que à valoração dos meios de prova concerne;

24 - Tal erro é notório e significativo influindo na decisão proferida, razão pela qual este Supremo Tribunal de Justiça deverá reapreciar tal meio de prova a valorá-lo de acordo com o sentido e o alcance aqui enunciado, não lhe atribuindo qualquer valor probatório;

25 - O Tribunal Recorrido também não analisou nem efectuou a devida valoração relativamente à situação alegada pela ora Recorrente e consubstanciada no facto de que, na parcela de terreno, baldio, onde se encontram implantados os aerogeradores, a Junta de Freguesia ter construído as infraestruturas necessárias à captação e distribuição de água potável (exploração) aos habitantes/compartes dos Lugares de C…, S… e V…, realidade que nunca foi posta em questão quer pelo pai dos Autores/Recorridos, quer pelos próprios Recorridos;

26 - Tal situação não mereceu qualquer oposição ou contestação, por parte dos aqui Recorridos, a quem nunca foi pedida qualquer autorização ou licença para o efeito, tendo tal obra sido realizada de forma pública, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, o que traduz mais um argumento forte no sentido da comprovação da qualidade jurídica da parcela de terreno em questão como terreno baldio;

27 - O Tribunal Recorrido deveria ter analisado e apreciado tal facto, o que não fez, razão pela qual o Acórdão enferma de omissão de pronúncia, no que a esta matéria se refere, vício este que influi, decisiva e negativamente, na decisão sob censura, devendo tal deficiência ser corrigida por este STJ;

28 - O direito ao uso e fruição pela Recorrente da parcela de terreno onde tem implantados os seus aerogeradores, foi-lhe cedido pela Junta de Freguesia de B… através do Acordo junto aos autos no pressuposto declarado por aquela Junta de Freguesia de que a mesma constituía, como constitui, terreno Baldio, cuja gestão e administração lhe competia;

29 - A Recorrente sempre utilizou e fruiu, lícita e legitimamente, desde 1996, de forma pública, pacífica, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, de quem quer que seja, a parcela de terreno em questão, nela praticando todos os actos materiais necessários à instalação e exploração do Parque Eólico para produção de energia eléctrica, por força do Acordo outorgado, nunca tendo representado ter a posse sobre a mesma, a qual sempre esteve convencida caber aos compartes do B…, atenta a natureza do terreno (Baldio);

30 - A actuação da aqui Recorrente sempre se pautou por rigorosos princípios de boa-fé, honestidade, lealdade e probidade, sempre confiando ter negociado a cessão do uso e fruição da parcela de terreno em causa com quem ao tempo detinha os necessários, suficientes e legais poderes para o fazer;

31 - Quer a negociação quer a própria conclusão daquele Acordo foram amplamente conhecidas da população local, e dos Autores/Recorridos, tendo mesmo a celebração de tal Acordo sido discutida em duas reuniões de Assembleia de Freguesia, ocorridas, respectivamente, em 03/04/1996 e 03/06/1996;

32 - Desde tempos imemoriais que os moradores da Freguesia de B…, sempre colocaram gado a pastar, cortaram lenha, roçaram mato e exploraram águas na parcela de terreno baldio que os Recorridos reclamam como sendo sua, o que fazem há mais de 30, 40, 50 ou 60 anos, razão pela qual a decisão ora posta sob censura teria de ter um sentido contrário;

33 - Os Recorrentes em momento algum, conseguiram definir e precisar, de forma rigorosa, quais os limites físicos dos seus prédios;

34 - A presunção consignada no artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a área e confrontações dos prédios descritos pelo que, para estes elementos se pudessem dar como assentes, tinham os Recorridos que fazer a prova dos mesmos realidade que não ocorreu, conforme se extrai de fls. 30 a 33, inclusive, da decisão recorrida, em virtude de ali não se encontrar fixada tal factualidade;

35 - Existindo conflito/oposição entre a presunção do registo predial e a prática de actos possessórios por quem atua como verdadeiro dono da coisa sempre terá a presunção do registo predial existente a beneficio dos Autores ora Recorridos de ceder, isto é, prevalecerá os atos de posse de tais habitantes, sendo que as testemunhas das Rés e da Interveniente assim o afirmaram e confirmaram em Audiência de Julgamento e este Ilustre Supremo Tribunal de Justiça, de molde a proferir justa decisão, assim o poderá sindicar;

36 - A decisão recorrida faz assentar a posse e propriedade dos Recorridos numa mera e insuficiente aquisição derivada, sendo certo que tal compra e venda não se mostra, à luz do ordenamento jurídico português, como causa suficiente para justificar o direito de propriedade;

37 - Jamais poderia o Tribunal Recorrido ter dado como provado que a parcela de terreno em causa é propriedade dos Recorridos socorrendo-se apenas e tão só do argumento formal das escrituras de compra e venda;

38 - O Tribunal Recorrido não considerou, como sempre deveria, saber se a parcela de terreno baldio onde se encontram instalados os aerogeradores era baldio paroquial ou municipal, não sendo suficiente para aferir da validade das escrituras o facto de a Câmara Municipal de R… declarar que os prédios ali vendidos eram terrenos baldios;

39 - Se a parcela de terreno em questão, baldia, revestir a qualidade de baldio paroquial, então, a Câmara Municipal de R… carecia, totalmente, de legitimidade para proceder à alienação de coisa que não estava na sua disponibilidade ou domínio, com todas as legais consequências daí decorrentes, razão pela qual sempre o Tribunal Recorrido deveria, ao abrigo dos poderes inquisitórios que a lei lhe outorga, ter ordenado à Junta de freguesia de B… que viesse juntar aos autos documento ou fazer prova, de que os terrenos vendidos pela Câmara Municipal de R… estavam fora da sua alçada ou jurisdição por serem baldios paroquiais, de molde a apurar-se da validade do negócio que poderá ter levado ao registo do prédio a favor dos aqui Recorridos;

40 - A decisão recorrida faz uma errada apreciação da prova e uma errada aplicação do direito não podendo permanecer na ordem jurídica, tendo, necessariamente, de ser revogada e substituída por outra de sentido contrário que julgue a acção interposta pelos ora Recorridos totalmente improcedente por não provada;

41 - A decisão recorrida não observou as seguintes normas jurídicas que se passam a evidenciar:

 - Arts. 413º, 414º, 607º nºs 3, 4 e 5 e 615º nº1 b) e d), todos do Código de Processo Civil;

 - Arts. 342º, 371º, 376º, 396º, 1311º, 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, 1268º, todos do Código Civil;

 - Arts. 7º do Código do Registo Predial».


Os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência dos recursos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

 1 – Encontra-se registado a favor dos autores e outros, na Conservatória do Registo Predial de R…, sob o nº 005…/01…5 da freguesia de B…, um prédio denominado “M…” ou “C…”, sito no lugar do mesmo, composto de:

a) terras de cultura de sequeiro, pinhal, eucaliptal, mato, pastagem incultivável, fruteiras, acácias e instalações agrícolas, área 3.402.610 m2, a que correspondem os artigos rústicos 1402, 1403, 1404, 1805, 1808, 1810, 1812, 1818, 1833, 1846, 1931 e 1935;

b) “c… do M….” – casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, área coberta 264 m2, a que corresponde o artigo urbano 362.

Confrontações: norte com herdeiros de JJ, de KK, de LL e de MM; sul com freguesia de A… e P…, nascente com freguesia de A… e P…, poente com freguesia de S… M… de M… e NN, tudo conforme teor de fls. 54/55 e verso, que aqui se dá por reproduzido;

2 – O prédio a que corresponde o artigo rústico 1…8, referido em 1, é composto por terra de cultura de sequeiro, pinhal, mato, pastagem, terra incultivável (artigo 1º da base instrutória);

3 – Confrontando a norte com OO, do sul com limite da freguesia de B…, do nascente com limite do concelho de R… e do poente com PP (artigo 2º da base instrutória);

4 – Sendo conhecido por F… da M…, R… dos B…, B… do C… do R…, P… do M… e M… dos T…. (artigo 3º da base instrutória);

5 – Neste prédio a ré “EE” instalou um aerogerador, e a ré “FF” instalou três aerogeradores (artigos 4º e 5º da base instrutória);

6 – Todos se situam no denominado Parque Eólico da F… da M…, na S… das M… (artigo 6º da base instrutória);

7 – As rés servem-se ainda do mesmo prédio para acederem aos aerogeradores (artigo 7º da base instrutória);

8 – A instalação e acesso aos aerogeradores são contra a vontade dos autores (artigo 8º da base instrutória);

9 – Os autores e demais titulares do prédio identificado em 5.1) pretendiam ceder o gozo temporário de tal prédio para nele serem instalados aerogeradores (artigo 9º da base instrutória);

10 – Moradores da freguesia de B… colocaram gado a pastar nos prédios rústicos identificados em 1, aí cortaram lenha e roçaram mato, o que ocorreu em datas e por períodos temporais que não foi possível apurar, agindo com autorização da família dos autores desde 17 de Julho de 1953 (artigos 14º e 15º da base instrutória);

11 – Após a celebração do acordo, a ré “EE” instalou um aerogerador no prédio que lhe foi cedido, com permissão da Junta de Freguesia de B… (artigo 18º da base instrutória);

12 – A instalação referida no artigo anterior ocorreu só em parte desse prédio (artigo 19º da base instrutória);

13 – Aquando da alteração do acordo inicial, a Junta de Freguesia de B… arrogou-se da qualidade de entidade administrante do prédio em questão (artigo 20º da base instrutória).

14 – Por escritura de compra e venda, celebrada em 25 de Julho de 1929, a aí interveniente na qualidade de “primeira outorgante”, Comissão Administrativa da Câmara Municipal de R…, declarou alienar aos segundos outorgantes, QQ e RR “todos os montes baldios e maninhos existentes na freguesia de B…” (certidão de fls. 9 a 11);

15 – Por escritura de compra e venda celebrada no dia 17 de Julho de 1953, os aí identificados como “primeiros outorgantes”, SS e esposa, TT, declararam, além do mais aí exarado, vender aos “terceiros outorgantes”, UU, VV, XX, ZZ, AAA, e BBB, todos menores, representados por seu pai, NN: “(…) um prédio constituído por terra de mato e alguma de semeadura e de vinha, com casa de habitação, denominado “M…” ou “C…. A…. da M…” (…) da dita freguesia de B…, que confronta de nascente com terras das freguesias de A… e P…, do poente com terras da freguesia de S… M… de M… e de diversos e com a Q… dos L…, do norte com os sucessores de JJ (…), do sul com terras da freguesia de A… e P… (…)” – certidão de fls. 14 e ss;

16 – Por escritura pública celebrada no dia 27 de Janeiro de 1998, a primeira outorgante, VV e o segundo outorgante, BBB, que aí teve intervenção como procurador de UU, XX, DD, BBB, AAA, declararam doar aos aí identificados como terceiros outorgantes, CCC, DDD, CC, EEE, AA, BB, FFF, GGG, que, por sua vez, declararam aceitar tal doação, oito catorze avos do prédio identificado em 1 (certidão de fls. 20 a 23);

17 – Por escritura pública celebrada no dia 13 de Abril de 2006, o primeiro outorgante, CCC, declarou doar à segunda outorgante, CC, que, por sua vez, declarou aceitar tal doação, um catorze avos do prédio identificado em 1 (certidão de fls. 27 a 29).



        De direito:

      As questões a resolver, colocadas nas conclusões dos recursos que, com ressalva das questões de conhecimento oficioso, delimitam prima facie o respectivo objecto (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil), são as seguintes:

 - Erro, falta de fundamentação e omissão de pronúncia na apreciação da prova (conclusões 3, 4, 5, 17 a 27 do recurso da EDP);

 - Falta de demonstração do direito de propriedade dos autores sobre o prédio reivindicado (conclusões 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 24, 25, 33 a 38 do recurso da EDP);

- Nulidade da alienação do prédio reivindicado ocorrida em 1929 (recurso da freguesia de B… e 39 do recurso da EDP).

           

Uma nota prévia para referir que apesar de ocorrer, no caso, dupla conforme, posto que o Tribunal da Relação confirmou, sem voto de vencido e com fundamentação idêntica o decido em 1ª instância, tal conformidade de decisões não é impeditiva do recurso de revista, uma vez que o processo foi instaurado antes de 01 de Janeiro de 2008 (artigos 5º n.º 1, 7º n.º 1 e 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

            Analisemos, então, cada uma das questões per se.


Do erro, falta de fundamentação e omissão de pronúncia na apreciação da prova.

1. A recorrente EDP entende que o tribunal recorrido não procedeu a uma análise crítica e rigorosa da prova produzida em audiência de julgamento, porque desvalorizou os depoimentos das testemunhas apresentadas pela recorrente e pela interveniente, e valorizou indevidamente os meios de prova produzidos pelos recorridos, designadamente a prova documental e os dois depoimentos prestados por dois irmãos dos autores.

Apreciando.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito – artigo 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a que se reconduzem as objeções da recorrente, não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – artigos 674.º n.º 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil.

A recorrente não imputa ao acórdão recorrido algum destes casos previstos na lei, de violação de prova tarifada ou vinculada, legitimadores do conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal e, desde já se diga, eles não se verificam.

Antes confina o erro à apreciação de prova livre, isto é, sujeita à livre apreciação do tribunal recorrido e, nessa medida, subtraída ao controlo deste Tribunal.

Pelo que improcede a pretensão de reapreciação da prova nesta instância de recurso, por alegado erro na apreciação da prova testemunhal e documental.


2. Entende também a recorrente EDP que o acórdão recorrido não fundamentou a matéria relativa aos documentos juntos a fls. 802 e sgs. e 827, mais especificamente não se extrai quais foram as testemunhas que confirmaram a publicitação dos avisos em questão nas missas de domingo e sempre teria de as identificar, pelo que padece de falta de fundamentação.

O acórdão sob censura começou por analisar, concreta e especificamente, cada um dos depoimentos testemunhais que, no entender da recorrente, conduziriam a decisão de facto diversa, concluindo que “Nenhuma das testemunhas em causa depôs de forma a convencer o Tribunal de que a utilização que era feita da propriedade em causa pelos habitantes da freguesia de B… não era dos Autores, nunca tendo por estes sido usada e fruída, contrariamente ao conteúdo dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos Autores”. Rematou, por fim, que “Acresce dizer que dos seus depoimentos não resulta a prova de que os avisos que constituem fls. 802 e 827, datado de 1958 e 1959, respectivamente, não tenham sido lidos publicamente nas missas de domingo na igreja paroquial, pois as testemunhas limitaram-se a dizer que não tinham conhecimento, contrariamente às demais que confirmaram a sua publicitação”.

O cotejo dos dois passos transcritos do acórdão permite afirmar, que os depoimentos que confirmaram a publicitação dos avisos nas missas foram as testemunhas oferecidas pelos recorridos que, por confronto com o rol oportunamente apresentado e com as actas de julgamento, se conseguem cabalmente identificar.

Inexiste, por conseguinte, qualquer falta de fundamentação geradora da nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 al. b) do Código de Processo Civil.


3. Por fim, entende a recorrente que o acórdão impugnado incorreu em omissão de pronúncia ao não ter valorado, na apreciação da prova, o facto de “na parcela de terreno, baldio, onde se encontram implantados os aerogeradores, a Junta de Freguesia ter construído as infraestruturas necessárias à captação e distribuição de água potável aos habitantes (…) realidade que nunca foi posta em questão quer pelo pai dos Autores/Recorridos, quer pelos próprios Recorridos”.

Apreciando.

Concede-se que a recorrente aludiu, nas conclusões da apelação (conclusão n.º 16), ao facto de a Junta de Freguesia ter construído infra-estruturas no terreno reivindicado sem oposição dos autores.

Todavia, deste facto pretendeu a recorrente extrair um argumento favorável à modificação da decisão da matéria de facto visada naquele recurso.

Ora, o vício fundado em omissão de pronúncia traduz-se na falta de resolução de questões colocadas no recurso e não também na falta de rebate de argumentos utilizados em prol da resolução defendida para essas mesmas questões – artigo, 615º nº 1 al. b) e 608º nº 2 do Código de Processo Civil.

     Quanto à questão da impugnação da decisão da matéria de facto esgrimida na apelação, cabia ao acórdão recorrido decidir da manutenção ou alteração da decisão de facto no segmento colocado em crise, valorando os meios de prova produzidos e, concretamente, os referidos pelo recorrente – artigos 640.º, n.º 1, als. a) e b) e 662.ºdo citado código. Não lhe cabia já rebater toda a argumentação aduzida pela recorrente para fundamentar a sua pretensão.

Numa segunda perspectiva, a cumular à primeira por desembocar em idêntica conclusão, a ignorância no acórdão recorrido de um facto que permitiria, na versão da recorrente, sedimentar outro ou outros factos com recurso a presunção judicial (artigo 351º do Código Civil), sempre traduziria um erro de julgamento (da matéria de facto) não sujeito à fiscalização deste Supremo Tribunal por via da restrição que lhe é imposta pelos já citados artigos 674.º n.º 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil.

Pelo que, também neste particular, não se verifica o apontado vício de omissão de pronúncia.


Da Falta de demonstração do direito de propriedade dos autores sobre o prédio reivindicado.

A recorrente EDP defende que os recorridos (autores) não demonstraram a qualidade de proprietários da parcela de terreno reivindicada, porque não provaram a sua aquisição originária, sendo insuficiente, para tanto, aquisição derivada alicerçada na escritura de compra e venda e no registo da aquisição.

Na presente acção, os autores alegaram serem comproprietários de um prédio, adquirido por escrituras públicas de compra e venda e doação e registado predialmente a seu favor, que os réus ocuparam com aerogeradores; e, pediram que o direito de propriedade em conjunto (compropriedade) dos autores fosse reconhecido e os réus fossem condenados a entregar o prédio devoluto (não interessando aqui cuidar do pedido de indemnização por danos decorrentes da referida ocupação, já julgado improcedente por decisão transitada em julgado).

A acção, atento o seu objecto (causa de pedir e pedido), configura-se como uma acção de reivindicação – artigo 1311.º do Código Civil –, a qual permite ao proprietário exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

A acção de reivindicação assume a feição de acção real, pelo que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real – artigo 581.º n.º 4 do Código de Processo Civil.

No amparo dessa tutela, aos autores competia alegar e provar (i) o facto jurídico de que deriva o direito real – artigo 342.º n.º 1 do Código Civil – e, ainda como facto constitutivo, (ii) a ocupação do imóvel pelos réus.

O facto jurídico de que deriva o direito real é a previsão factual de uma das formas típicas de aquisição do direito de propriedade – artigo 1316.º do Código Civil – originária ou derivada.

Aquisição originária dá-se com a usucapião, a ocupação e a acessão: o direito de propriedade nasce por verificação dos requisitos de uma destas formas de aquisição.

Aquisição derivada resulta de contrato e de sucessão por morte: o direito de propriedade existe antes de ocorrer uma destas formas de aquisição, que mais não são que formas de translação do direito.  

Revertendo ao presente caso: os autores não alegaram qualquer forma de aquisição originária do direito de propriedade invocado, designadamente a usucapião, caso em que teria sido necessário, e aí dar-se-ia razão aos recorrentes, terem alegado e demonstrado actos de posse sobre o imóvel – artigo 1287.º do Código Civil.

Ao invés, os autores alegaram que o imóvel lhes foi transmitido por compra e venda e doação, formas de aquisição derivada ou de translação do direito real.  

Precisamente porque os contratos de compra e venda e doação têm efeito meramente translativo, e não constitutivo, do direito de propriedade – artigos 408.º, n.º 1, 874.º e 940.º, n.º 1, todos do Código Civil, eles não garantem a legitimidade substantiva dos transmitentes do direito de propriedade aos autores, isto é, não garantem a existência do direito de propriedade na esfera patrimonial dos vendedores e dos doadores e, por via dos negócios translativos, agora, na esfera patrimonial dos autores.

Pelo que, os autores estavam onerados com a prova de toda a cadeia de transmitentes e transmissários anteriores, sem quebra de elos, até à aquisição originária de um deles.

O cumprimento deste ónus probatório, que em muitos casos – como o presente – constituiria uma probatio diabolica, está facilitado quando a aquisição do direito de propriedade a favor dos reivindicantes é levada ao registo predial, porque então funciona a regra de que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – artigo 7.º do CRPredial sendo entendimento comum doutrinário e jurisprudencial o de que basta alegar a presunção derivada do registo para o reivindicante cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação (v. Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2007, p. 279 e o AC. STJ 07-07-99, CJ/STJ II,164, onde assertivamente se refere “A articulação entre esta exigência de prova de uma aquisição originária a fundamentar a existência do direito de propriedade invocado, por um lado, e a força da presunção resultante da inscrição registral de aquisição, por outro, faz-se no sentido de que a dita inscrição registral dispensa o seu titular de provar a aquisição originária, bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever”).

Assim aconteceu no presente caso: os autores alegaram e provaram tanto a aquisição derivada do direito de propriedade, por via da outorga das escrituras de compra e venda e doação do imóvel – factos provados 16. e 17 –., como o registo de tais aquisições no registo predial – facto provado 1.–.  

À luz de quanto ficou exposto, os autores demonstraram os factos jurídicos (aquisição e registo) donde promana a aquisição do direito de propriedade, tendo, por isso, de considerar-se, presumidamente, proprietários do prédio reivindicado, direito que só será postergado se tal presunção for ilidida.


Da nulidade da alienação do prédio reivindicado ocorrida em 1929.

A recorrente Junta de Freguesia de B… entende que o imóvel em causa foi vendido em 1929 pela Câmara Municipal de R…, venda esta ferida de nulidade porque estavam em causa baldios pertencentes à Freguesia de B…, a única com legitimidade para os alienar. A nulidade contaminaria os negócios jurídicos posteriores, designadamente a compra e venda e doação em que baseiam os autores a aquisição derivada do direito de propriedade.

Vejamos.

Cumpre, primeiramente, atentar na objeção formulada pelos recorridos de que a questão da nulidade do negócio foi suscitada pela primeira vez no recurso de apelação e, como tal, “trata-se de questão nova que já estava fora do âmbito do recurso de apelação e sobre a qual o tribunal da Relação deveria ter-se abstido de conhecer”.

Os recorridos não dão, contudo, o passo seguinte, isto é, não suscitam a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia; pelo contrário, antes entendem que o mesmo “não merece qualquer censura”, o que denota complacência ou conformismo com o putativo vício de que pudesse padecer relacionado com o conhecimento daquela questão.

Sendo juridicamente inócua a sinalização do conhecimento de questão nova no acórdão recorrido, sempre se terá de entender que a reedição dessa questão na revista já não constitui questão nova, por antes ter sido tratada, e, como tal, não existe obstáculo ao seu conhecimento nesta instância.

Aliás, a nulidade de negócio jurídico é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e de conhecimento oficioso pelo tribunal, como determina o artigo 286º do Código Civil.

Posto isto e entrando no mérito da questão.

Os autores demonstraram que adquiriram a propriedade do imóvel em causa por contrato de compra e venda e doação, que registaram a seu favor tal ou tais aquisições, e que os réus ocuparam esse mesmo imóvel com três aerogeradores.

Os autores cumpriram o ónus de alegação e de prova necessário à tutela reivindicatória prevista no já citado artigo 1311.º n.º 1 do Código Civil, como antes se concluiu.

A presunção registral da propriedade de que os autores beneficiam, como se demonstrou, podia, no entanto, ser ilidida pelos réus conquanto demonstrassem a ocorrência de qualquer facto impeditivo, extintivo ou modificativo do direito dos primeiros – artigos 350.º n.º 2 e 342.º n.º 2 do Código Civil.

Nesse intuito, a interveniente excepcionou (apenas na apelação) a nulidade do contrato de compra e venda celebrado em 1929 pelo facto de o imóvel consistir num baldio paroquial, cuja administração competia apenas à Junta de freguesia e não à Câmara Municipal.

No quadro traçado de distribuição do ónus da prova, determinante para o desfecho do recurso, é seguro afirmar que sobre a recorrente Junta de Freguesia de B… recaía o ónus de demonstrar a natureza de baldio paroquial do imóvel alienado.

Não lhe bastava, apenas e tão só, demonstrar que se tratava de um baldio, porquanto, já o Decreto n.º 7.127, de 17.11.1920, havia autorizado “o Estado, câmaras municipais e juntas de paróquia, a dividir em glebas e a alienar, no todo ou em parte, os baldios que lhes pertencem, desde que não sejam destinados por utilidade pública a arborização (…) e sejam próprios para a cultura agrícola” – artigo 1.º – e, posteriormente, o Decreto n.º16.284, de 18.12.1928 “Tendo em consideração o que representou superiormente a comissão administrativa da Câmara Municipal do concelho de R…, no sentido de ser autorizada a alienar os seus baldios, para com o seu produto ocorrer às despesas com a construção dos novos Paços do Concelho” autorizou “a Câmara Municipal de R… a vender em hasta pública e independentemente do preceituado nas leis de desamortização os baldios existentes no concelho e que sejam pertença sua, aplicando o seu produto na construção dos novos Paços do Concelho”.

Os baldios podiam, assim, ser municipais ou paroquiais, consoante pertencessem ao município ou à freguesia (paróquia), com evidente relevância na aferição da legitimidade substantiva para alienar uns e outros.

Contudo, o simples facto de um baldio estar situado numa freguesia não fazia dele, sem mais, um baldio paroquial, pois os baldios existentes num concelho, indiscriminadamente referidos no último decreto como passíveis de pertencerem às Câmaras e de por elas serem alienados, podiam ocupar geograficamente a circunscrição de uma ou várias freguesias. Tanto assim é que já o Decreto n.º 7 933, de 10.12.1921 havia feito reverter a favor das Câmaras Municipais a propriedade dos terrenos baldios que tenham estado incultos, abandonados, desaproveitados ou que não tenham sido usufruídos em comum pelos moradores vizinhos dos lugares a cujo logradouro de direito fossem destinados, podendo os mesmo situar-se no perímetro de uma só freguesia ou de várias do mesmo concelho.  

Donde, a referência, feita na escritura de 1929 a montes baldios existentes na freguesia de B… seja, só por si, irrelevante na questão da determinação da sua natureza, se municipal se paroquial.

Tal irrelevância explica que a junta de Freguesia de B… tenha visto necessidade de alegar na sua contestação que os moradores da freguesia de B… tinham, ininterrupta e exclusivamente, levado a cabo actos materiais de aproveitamento do baldio desde tempos imemoriais, no fito de lograr a sua qualificação como baldio paroquial.

Factos estes que, dada a sua relevância no desfecho da lide, foram transpostos para a base instrutória (quesitos 14.º a 17.º), e que, após produção da prova livremente apresentada pelas partes, resultaram maioritariamente não provados.

Com efeito, apenas resultou provado, no que agora concerne, que “10. Os moradores da freguesia de B… colocaram gado a pastar nos prédios rústicos identificados em 1, aí cortaram lenha e roçaram mato, o que ocorreu em datas e por períodos temporais que não foi possível apurar, agindo com autorização da família dos autores desde 17 de Julho de 1953” (artigos 14º e 15º da base instrutória), facticidade insuficiente para qualificar o imóvel como baldio paroquial.

Aqui chegados, uma conclusão se impõe: a recorrente Junta de Freguesia de B… não logrou cumprir o ónus de provar os factos constitutivos da excepção de nulidade do contrato necessária à ilisão da presunção de propriedade a favor dos autores.

Pelo que, outro não poderia ser o desfecho da lide.

Nem mesmo, poderá obstaculizar à tutela pretendida pelos autores e já afirmada pelas instâncias, o apelo da recorrente EDP ao uso, pelo tribunal recorrido ou por este Tribunal, do princípio do inquisitório a fim de solicitar à recorrente Junta de Freguesia prova suficiente da caracterização do imóvel como baldio paroquial, pois que as partes tiveram ampla liberdade, ao longo do processo e no momento oportuno (já precludido), de oferecer os meios de prova relevantes a respeito desse tema, não servindo o mencionado princípio o propósito de colmatar falhas ou deficiências na actuação das partes ou de provocar a derradeira prova que até ao momento não conseguiram fazer.

Por tudo quanto fica exposto, e irrelevando as demais conclusões das partes, é de manter o acórdão da Relação.


III. Decisão:

     Nesta conformidade, acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

       Custas pelas recorrentes.


Lisboa, 12 de Outubro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado