Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9197/13.9YYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
RELAÇÕES IMEDIATAS
AVAL
AVALISTA
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO / LIVRANÇAS - GARANTIA DA OBRIGAÇÃO CARTULAR / AVAL.
Doutrina:
- Abel Pereira Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças” Anotada, 6.ª edição, 177.
- Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças - Noções Gerais -Aval - Subscrição em Branco - Subscrição de Favor - Desconto Bancário, 165/166, 179.
“Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças-Anotada” – 6ª edição, 177.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 2, 406.º, N.º 1, 762.º, N.º 2, 782.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 610.º, N.º 2, AL. B).
LULL: - ARTIGOS 10.º, 30.º, 32.º, 32.º II, 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 6/10/2015, PROC. N.º 990/12.0TBLSA-A.C1, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/04/2004, PROC. N.º 04B3453, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 03/05/2005, PROC. N.º 05A1086, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 14/12/2006, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 06/03/2007, PROC. N.º 07A205, DE 14/12/2006, PROC. N.º 06A2589, E DE 22/02/2011, PROC. N.º 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 23/09/2010, PROC. N.º 4688-B/2000.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 26/02/2013, PROC. N.º 597/11.0TBSSB-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 22/10/2013. PROC. N.º 4720/10.3T2AGD-A.C1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária.
II - O regular preenchimento, em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.
III - O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.
IV - Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento.
V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte.
VI - A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou.
VII - A certeza, a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10.º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva.
Decisão Texto Integral:

Proc.9197/13.9YYLSB-A.L1.L1

R-600[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, executado na acção executiva para pagamento de quantia certa, que lhe foi movida pelo exequente BANCO BB, S.A., veio deduzir oposição.

 Invocou a insuficiência da alegação da exequente no requerimento executivo;

- o desconhecimento do incumprimento por parte da subscritora da livrança dada à execução, do montante devido e da data de vencimento indicada no título executivo, não tendo chegado ao poder do executado/embargante qualquer interpelação com esses elementos, situação que inviabilizou eventual pagamento da sua parte em tempo oportuno;

- a comunicação feita pela subscritora da livrança dada à execução à exequente da desvinculação de qualquer garantia prestada pelo executado/embargante;

- a falta de apresentação da livrança dada à execução a pagamento;

- a nulidade formal do contrato subjacente à livrança dada à execução;

-  a prescrição da obrigação cambiária;

- o preenchimento abusivo da livrança dada à execução, porquanto o valor preenchido não é exacto, a data de vencimento da livrança não foi preenchida nos termos acordados, a obrigação subjacente ao título não era do executado/embargante e à data do preenchimento da livrança a responsabilidade pelo cumprimento de obrigações associadas à conta dinâmica tinha sido assumida pelos sócios da sociedade subscritora que não o executado/embargante.

Concluiu pela procedência da oposição à execução, com a consequente extinção da execução.

Notificada a exequente, apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pelo embargante e reiterando os fundamentos da execução, pugnando pela improcedência da oposição.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da prescrição e constituídos os temas da prova.

***

Foi proferida sentença com o seguinte teor na sua parte decisória:

“Em face da argumentação expendida e das disposições legais citadas, decide o Tribunal julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes e, em consequência, ordena-se o prosseguimento da instância executiva para pagamento apenas da quantia inscrita na livrança dada à execução acrescida dos juros moratórios contados a partir da data da citação do executado/embargante, declarando-se extinta a execução quanto ao demais peticionado”.

***

Inconformado, recorreu o executado para o Tribunal da Relação de … que, por Acórdão de 16.11.2016 – fls. 159 a 170 -, julgou improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

***

De novo inconformado, o Executado recorreu de revista excepcional – que foi admitida por Acórdão da Formação – e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1) O Recorrente vem interpor recurso de revista excepcional do acórdão da Relação de … proferido nos presentes autos por considerar estarem verificados os requisitos do n.°3 do art.º 671 Código de Processo Civil, encontrando-se a questão em causa prevista nos casos indicados na alínea a) e c),  n.°1 do art.º 672 do Código de Processo Civil;

2) Entende o recorrente que está em causa uma questão cuja apreciação, pela relevância jurídica, merece intervenção do Supremo Tribunal de Justiça de modo a consolidar dissonâncias interpretativas;

3) A questão jurídica tem por objecto a exigibilidade ou não de interpelação prévia do avalista que entregou ao portador uma livrança em branco e assinou o pacto de preenchimento como condição essencial para a cobrança do valor mutuado;

4) A questão jurídica em análise é uma situação de lacuna legis, nos termos do art. 10º do Código Civil, porquanto existe vazio legal quanto ao regime legal aplicável no caso do avalista, co-obrigado do subscritor do título, ser surpreendido pelo preenchimento da livrança entregue em branco, tendo este, ainda assim, assinado o pacto de preenchimento:

5) A questão é controversa na doutrina e jurisprudência devido à complexidade da subsunção jurídica, o que é notório nas diversas recentes decisões contraditórias das instancias inferiores que vêm comprovar que existe dificuldade na definição duma corrente jurisprudencial uniforme que permita orientar todo o cidadão, na sua actividade, assumiu a qualidade de avalista e que se vê confrontado com interpretações por vezes inovadoras das instâncias inferiores sobre a mesma que na questão de direito aplicável;

6) Sem a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, atendendo às sucessivas interpretações dissonantes nas Relações, a expectativa do interesse geral na boa aplicação do direito fica assente na dúvida por não existir orientação consolidada para os tribunais hierarquicamente inferiores;

7) Actualmente, a jurisprudência das instâncias inferiores tem seguido entendimentos distintos, sendo que certas instâncias recorrem ao regime estabelecido no art.º 782º do Código Civil e no n.°2 do art.º 792º do Código Civil para justificar a necessidade de interpelação prévia do avalista pelo portador da livrança entregue em branco, e outras instâncias, como foi o caso nestes autos, recorrerem ao regime disposto na alínea b), n.°2 do art. 610º do Código de Processo Civil, estando em confronto a lei substantiva e a lei processual;

8) O recorrente considera que o regime disposto na alínea b), n.°2 do art.º 610º do Código de Processo Civil não se lhe aplicava tendo em conta que, deduziu oposição e invocou a inexigibilidade por não ter perdido o benefício do prazo, situação que traduziu haver litígio relativamente à existência da obrigação;

9) Além disso, face à matéria de facto considerada provada, o recorrente alegou e logrou provar que não chegou ao seu poder interpelação prévia com os elementos relativos ao incumprimento do contrato e ao preenchimento da livrança, tudo por facto que não lhe fora imputável;

10) Estavam assim verificados os pressupostos para que as instâncias aplicassem um enquadramento jurídico, distinto do acórdão, designadamente o disposto nos art.º 342º do Código Civil, n.°2 do art.º 762º e art. ° 782º do Código Civil;

11) Em suma, face ao enquadramento legal distinto das instâncias inferiores e a relevância jurídica que está evidenciada na complexidade da subsunção jurídica encontrada que exige uma uniformização, entende o Recorrente estarem preenchidos os pressupostos para que seja admitido um terceiro grau de jurisdição em face do interesse geral e do seu benefício como linha condutora num vazio legal que o legislador ainda não decidiu preencher;

12) Subsidiariamente, o Recorrente considera ter-se verificado contradição entre o acórdão da Relação de … nos autos e o acórdão da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, da 7ª secção proferido no âmbito do Proc. n.°4233/10.3TBVFX-A.L1, cuja certidão com indicação do trânsito se anexa;

13) Com efeito, relativamente à mesma questão fundamental de direito evidenciada em ambos acórdãos na essencialidade da interpelação prévia antes do preenchimento da livrança entregue em branco com vista a dar origem ao vencimento da obrigação perante o avalista, foi seguido um entendimento distinto;

14) No acórdão recorrido, o previsto no art.º 610º, n.°2, alínea b) do Código de Processo Civil assegurou o vencimento da obrigação e sua exigibilidade por a citação para a execução substituir a interpelação prévia;

15) No acórdão fundamento, o acto de interpelação prévia antes de preencher a livrança entregue em branco era imprescindível para que se possam considerar vencidas as obrigações vencidas, atento o disposto no art.º 342º, no art.º 782º do Código Civil e no n.°2 do art.º 762º do Código Civil;

16) Fora este último entendimento que o Recorrente tentou demonstrar à Relação de …, sem sucesso;

17) Não houve acórdão de uniformização e o acórdão fundamento já transitou;

18) O Recorrente considera que houve violação da lei substantiva e erro na aplicação do direito no acórdão recorrido por a questão fundamental de direito se enquadrar no disposto no art.º 342º do Código Civil, no art.º 782º, n.°2, do art.º 762º do Código Civil e não no previsto na alínea b), n ° 2 do art.º 610º do Código de Processo Civil por ainda estar em causa a existência da obrigação exigível perante o avalista, ora recorrente;

19) Em suma, encontrando-se num quadro fáctico semelhante, a essencialidade da questão controversa levou a que, em ambos os acórdãos, o resultado fosse distinto e oposto em cada caso;

20) Pelo exposto, afigura-se necessária a revista excepcional do acórdão recorrido com o fim de estabelecer jurisprudência uniforme e uma orientação no interesse geral sobre a exigibilidade ou não de interpelação prévia do avalista antes do preenchimento da livrança entregue em branco ao portador, verificando-se o vencimento e exigibilidade da obrigação perante o avalista apenas com a interpelação prévia e já não no âmbito da execução mediante a citação, conforme sustentado no acórdão recorrido, cumprindo-se o art. 342 e, bem assim, o art.º 762º e art.º 782º do Código Civil.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros, deve o presente recurso de revista excepcional ser concedido e ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, sendo o Recorrido absolvido nos termos expostos, fazendo V. Exas Justiça.

Não houve contra-alegações.

***

           

Colhidos os vistos legais cumpre decidir tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A exequente BANCO BB, S.A. intentou a acção executiva a que coube o n.º 9197/13.9YYLSB contra os executados CC, Lda., DD e AA, ora embargante, apresentando como título executivo uma livrança onde se inscreve a frase “no seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao BANCO BB, S.A. ou à sua ordem a quantia de noventa e quatro mil setecentos e dezasseis euros e catorze cêntimos”, com a “importância” de € 94.716,14, com data de “emissão” de 2007-02-16 e de “vencimento” a 2013-04-01.

2. A livrança referida em 1. encontra-se subscrita pela executada CC, Lda., no lugar destinado à assinatura dos subscritores.

3. O executado/embargante AA apôs a sua assinatura no verso da livrança referida em 1., encimada pela expressão escrita “Bom por aval”.

4. A livrança referida em 1. foi entregue em branco à exequente, com excepção das assinaturas nela apostas, para garantia do pontual cumprimento e pagamento do contrato denominado de “contrato de abertura de conta super dinâmica” ao qual foi atribuído o n.º 00000000282, celebrado entre as partes em 16.02.2007 e alterado em 30.03.2009.

5. Na sequência do incumprimento do contrato referido em 4., a livrança referida em 1. foi preenchida pela exequente pelos valores em dívida e no estrito cumprimento do acordo de preenchimento da livrança celebrado entre as partes, no qual o executado/embargante foi parte interveniente.

6. Na cláusula 11. sob a epígrafe “Caução” a sociedade subscritora e os avalistas, executados nos autos de execução declararam:

V. Exa(s) entrega(m) ao Banco na celebração do presente contrato:

11.1 Uma Livrança subscrita por V. Exa (s) e avalizada por AA e DD, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidos por V. Exa. (s) perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa (s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas.”.

7. Por falta de pagamento das prestações de juros nos termos acordados a exequente comunicou à sociedade mutuária CC Lda. e aos avalistas AA e DD a resolução do contrato e o vencimento imediato da dívida bem como o preenchimento da livrança pelos valores em dívida tudo nos estritos termos do pacto de preenchimento, a saber:

Capital € 80.000

Juros € 12.769,67

Imposto de selo € 510,79

Comissões de Despesas € 962,11

Selagem da Livrança € 473,57.

8. E fê-lo por cartas datadas de 3 de Abril de 2013 remetidas para CC Lda. e AA e DD.

9. Para além do envio das cartas a exequente encetou diversos contactos telefónicos com os responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda no sentido de regularizarem a situação de incumprimento, evitando a instauração da presente acção executiva, sem sucesso, pelo que não restou alternativa senão a via judicial.

10. Foi transmitido informalmente, em uma das várias reuniões havidas para regularização do incumprimento, que o executado/embargante já não seria sócio gerente da sociedade subscritora.

11. Não chegou ao poder do executado/embargante qualquer interpelação com os elementos relativos ao incumprimento do contrato subjacente à livrança dada à execução e ao preenchimento desta.

12. Em 2013, o executado/embargante não era sócio gerente da sociedade subscritora da livrança dada à execução.

 

Factualidade não provada:

1. Houve desvinculação por parte do executado/embargante da responsabilidade assumida na livrança dada à execução.

2. À data do preenchimento da livrança, a responsabilidade pelo cumprimento de obrigações associadas ao contrato de abertura de conta super dinâmica tinha sido assumida pelos sócios da sociedade executada que não o embargante.

Os restantes “factos” aqui não consagrados não têm interesse para a decisão da causa, não se provaram ou constituem factos conclusivos e/ou matéria de direito.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o avalista do subscritor de uma livrança em branco, tendo intervindo no pacto de preenchimento, tem, previamente, à instauração da execução, de ser informado pelo exequente/tomador, acerca dos termos em que vai ser completado o preenchimento do título cambiário, ante o incumprimento do contrato que constitui a relação fundamental.

O Recorrente deu o seu aval à sociedade co-executada que contraíra um empréstimo com o Banco exequente. A livrança foi subscrita em branco, tendo ficado acordado, com a devedora mutuária e com os garantes avalistas, os termos em que seria completado o preenchimento, em caso de incumprimento pela subscritora.

 “Livrança em branco é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais mencionados no art. 75° da LULL, destinando-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado “acordo ou pacto de preenchimento.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.4.2004, 04B3453 – Relator Ferreira de Almeida, in www.dgsi.pt.

O recorrente interveio no pacto de preenchimento, e, por isso, sustenta que deveria ter sido informado do incumprimento do contrato de financiamento bancário (relação extracartular) pela responsável pelo pagamento, a mutuária “CC, Lda.”, o que inviabilizou “eventual pagamento em tempo oportuno pelo oponente” – cfr. art. 23º da petição de embargos.

Não se discute que a livrança, que constitui o título executivo exequendo, foi preenchida em branco, tendo sido acordado entre o banco exequente, a ora executada e o avalista, que seria preenchida nos termos que constam na cláusula 11. sob a epígrafe “Caução”, pactuada entre o banco, a sociedade subscritora e os avalistas:

“V. Exa(s) entrega(m) ao Banco na celebração do presente contrato:

11.1 Uma Livrança subscrita por V. Exa (s) e avalizada por AA e DD, ficando o Banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidos por V. Exa. (s) perante o Banco, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exa (s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas.”.

Importa analisar o essencial do regime do título cambiário em branco, do pacto de preenchimento e a responsabilidade do avalista para saber da bondade da pretensão do recorrente.

O art. 10º da LULL – Violação do pacto de preenchimento – aplicável às livranças por força do art. 77º, estatui: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”. 

O contrato ou pacto de preenchimento é, na definição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Maio de 2005 – 05A1086, in www.dgsi.pt: "O acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc."

Este acordo, que pode ser expresso ou de induzir perante certos factos provados (tácito), reporta-se à obrigação cartular em si mesma, que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante (obrigação extracartular), e que daquela é causal ou subjacente.

Mas ali valem, tão-somente, as características da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção e não a “causa debendi”, bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento que pode, em certos casos, ser invocado no domínio das relações imediatas.

Princípio que também é válido quanto aos avalistas, que subscreveram – como é o caso – o pacto de preenchimento.

O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, daí que esse preenchimento tenha atinência não só com o acordo de preenchimento (no fundo o contrato que, como todos, deve ser pontualmente cumprido, art. 406º, nº1, do Código Civil); esse regular preenchimento em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.

Para que o credor possa executar o seu crédito deve ele ser certo, líquido e exigível, requisito este que se liga ao vencimento.

Tendo o embargante, ora recorrente, intervindo no pacto de preenchimento e estando o título do domínio das relações imediatas, pode opor ao ora exequente a violação do pacto de preenchimento, como se sentenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.12.2006, Relator Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt:

 “No domínio das relações imediatas – isto é, enquanto a livrança não é detida por alguém estranho às relações extracartulares – o executado pode opor ao exequente a excepção de incumprimento do pacto de preenchimento, geradora de preenchimento abusivo. Como excepção de direito material, o preenchimento abusivo deve ser alegado e provado pelo embargante em processo de embargos de executado, cumprindo ao embargante demonstrar que a aposição de data e montante foram feitas de forma arbitrária e ao arrepio do acordado. O contrato de preenchimento pode ser expresso ou estar implícito no negócio subjacente à emissão do título, podendo ser contemporâneo ou posterior à aquisição pelo exequente. Se o avalista subscreveu o acordo de preenchimento, pode opor ao portador a excepção de preenchimento abusivo, estando o título no âmbito das relações imediatas.”

O recorrente, aduz, que, mesmo antes do preenchimento do título, ao abrigo do pacto de preenchimento, deveria ter sido informado pelo credor – o ora exequente – de que a sociedade devedora não tinha cumprido o contrato que constitui a relação extracartular, ou seja, o recorrente considera que, ao omitir essa informação, o credor exequente não lhe deu, enquanto garante, a oportunidade de “eventualmente” cumprir.

Se bem interpretamos, o que verdadeiramente coloca em causa é a exigibilidade do título, que não considera dispor de exequibilidade intrínseca, por não lhe ser exigível a obrigação de pagar enquanto garante, porquanto não lhe foi comunicada a resolução do contrato-base por incumprimento da avalizada, e, assim sendo, tudo o que ocorreu posteriormente, mormente, quanto ao preenchimento da livrança, não confere título executivo para lhe ser exigido que pague na veste de avalista.

Entende, nesta perspectiva, que importaria acautelar a sua qualidade de garante, o que passaria, se tivesse havido actuação de boa fé – art. 762º, nº2, do Código Civil – pela informação acerca do incumprimento do contrato pela avalizada, pelo que, não tendo havido interpelação para cumprir como garante, antes do preenchimento do título, a exigência para que cumpra, enquanto avalista, não tem fundamento legal.

Teria, no seu entender, de ter havido interpelação prévia para o cumprimento pelo que a exigência do pagamento imediato não pode ter lugar: invoca o estatuído no art. 782º do Código Civil – “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.

Importa, sobretudo, atentar no regime especial das relações cambiárias e ao contexto da utilização dos títulos em branco para saber se a pretensão do recorrente é sustentável.

Como refere a Professora Carolina Cunha, in “Manual de Letras e Livranças - Noções Gerais -Aval - Subscrição em Branco - Subscrição de Favor - Desconto Bancário”, págs. 165/166:

“…A utilização do título em branco compreende-se como uma prestação de garantia num contexto de relativa incerteza. Supõe, normalmente, uma relação fundamental que comporta um direito de crédito ainda não inteiramente definido (porque falta determinar o respectivo montante, ou porque se aguarda o seu vencimento), ou no seio da qual se prevê como apenas eventual a constituição de um direito de crédito. Ocorre, sobretudo, no âmbito de relações duradouras com prestações pecuniárias como expediente para fazer face ao espectro do incumprimento. Ou seja, determinante do recurso à letra em branco é tanto o carácter ilíquido da dívida como o seu carácter futuro e incerto”.

A subscrição de livrança em branco implica para o subscritor, como para o sacador tratando-se de uma letra, a assunção de uma responsabilidade a que se obriga, nos termos pacto de preenchimento – art. 10º da LULL –, qual seja a de ver completado o preenchimento dos elementos em branco, no comum dos casos, o valor em dívida e a data do vencimento, nos termos em que, previamente, aquiesceu. Caso o título tenha sido preenchido abusivamente poderá socorrer-se do regime do art. 10º.

Como refere a Autora, na obra citada, pág. 179, “A solução do art. 10º LU pode, portanto, resumir-se deste modo: quem voluntariamente emite uma letra incompleta suporta o risco inerente a essa sua actuação – o risco da inserção de um conteúdo não coincidente com a sua vontade – a menos que se verifique um particular desmerecimento na posição do portador-adquirente por a sua actuação ser passível de um juízo de censura ético-jurídica.”

O facto de, no pacto de preenchimento da livrança, ter intervindo o avalista do subscritor, a quem prestou garantia pela via do aval, implica uma relação triangular privativa da relação cambiária que assim coenvolve o credor, o devedor cambiário e, como garante, o avalista.

É indiscutível, por corresponder até a actuação de boa fé, que os sujeitos cambiários que concedem ao portador que complete o título, em caso de incumprimento do subscritor, esperam que esse preenchimento, a fazer sob invocação de violação das obrigações nele assumidas, e do consentimento dado ex ante, se faça de harmonia com a causa que emerge da relação fundamental: no caso em apreço, o avalista tem a expectativa, porque foi essa a sua vontade, que o preenchimento se reporte ao incumprimento do contrato de financiamento: a relação extra-cambiária onde não interveio.

Todavia, o acordo visando o preenchimento do título não tem em si implícita a obrigação de prévia comunicação ao avalista das circunstâncias que o credor considera que legitimam o preenchimento reportadas à relação extracartular.

O avalista em branco de uma letra ou livrança incompleta, mas cujo preenchimento se fará com recurso ao que foi convencionado no pacto de preenchimento, pode não ser parte na relação extracartular, como no caso não foi.

Será que, como sustenta o recorrente, que se acha nessa situação, deveria, previamente ao preenchimento do título, ser informado da situação de incumprimento, a montante, imputável à subscritora da livrança, mutuária no contrato de financiamento bancário?

A nosso ver a resposta é negativa por não se poder desconsiderar o regime do aval e a responsabilidade do avalista no contexto da sua intervenção no pacto de preenchimento.

O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário – art. 30º da LULL –, garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é, pois, uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.

“O aval pode ser prestado a favor de qualquer signatário da letra. Porém, se o dador do aval não indicou a pessoa por conta de quem prestou o aval, considera-se como dado ao sacador, sem que seja admissível a prova de que foi dado a outro obrigado” – “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças-Anotada” – 6ª edição, pág. 177, do Conselheiro Dr. Abel Pereira Delgado.

 Nas livranças “se o aval não indicar a pessoa por quem é dado entender-se-á que ser pelo subscritor da livrança” – art. 77º da LULL.

O aval é uma garantia autónoma (não é uma fiança): a obrigação do avalista é, por um lado, subsidiária ou acessória de outra obrigação cambiária ou da obrigação de outro signatário; no entanto, o aval é também um verdadeiro negócio cambiário, origem de uma obrigação autónoma; o dador de aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, mas assume a responsabilidade do pagamento da letra.

O avalista não detém uma posição acessória em relação à obrigação garantida, tanto assim é que a sua vinculação como garante se mantém ainda que seja nula a obrigação garantida – art. 32º II da LULL – por qualquer motivo que não seja um vício de forma.

Tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento pode ele opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio das relações imediatas – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.12.2006, in www.dgsi.pt.

“A qualidade de mero avalista não legitima a oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo, se não subscreveu o pacto de preenchimento. Isto porque a prestação do aval estará então condicionada ao conhecimento e aceitação pelo avalista do montante a avalizar e data de vencimento.

Não pode, em consequência, excepcionar o preenchimento abusivo, cujo “onus probandi” cabe ao obrigado cambiário (artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil) já que integra um facto modificativo ou extintivo do direito emergente do título de crédito. (cfr., “inter alia”, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 – 07 A205 – e, desta Conferência – de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589), salvo se também tiver subscrito o pacto de preenchimento.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.2.2011, Proc. 31/05-4TBVVD-B.G1.S1, in www.dgsi.pt.

Também neste sentido, que corresponde à jurisprudência prevalente neste Tribunal, decidiu o Acórdão de 23.9.2010 – Proc. 4688-B/2000.L1.S1 – acessível na referida base de dados: “1. Em execução fundada em título de crédito, invocado pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui verdadeira causa de pedir da acção executiva – e mostrando-se respeitados os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo, – não carece o exequente de alegar complementarmente, no requerimento executivo, os factos atinentes à relação causal ou subjacente à emissão daquele título cambiário, sendo, porém, lícito ao executado/embargante opor ao exequente/embargado excepções fundadas nesta relação, desde que nos situemos no plano das relações imediatas.

2. Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de letra subscrita e avalizada em branco, e tendo a avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o sacador, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção”.

Pode, pois, no caso, o avalista opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, não é condição de exequibilidade do título, que antes de o portador do título o completar, informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, onde não foi parte.

Ademais, no caso em apreço, esta pretensão colide, até, com o paradigma da actuação de boa fé, do ponto em que, não constando do pacto de preenchimento que o tomador teria de informar o garante cambiário da situação de incumprimento do avalizado, o banco credor informou o ora recorrente avalista da falta de pagamento das prestações de juros, nos termos acordados com a exequente, comunicou à sociedade mutuária “CC Lda.” e aos avalistas AA e DD a resolução do contrato e o vencimento imediato da dívida bem como o preenchimento da livrança pelos valores em dívida tudo nos estritos termos do pacto de preenchimento, a saber: capital € 80.000; juros € 12.769,67; imposto de selo € 510,79; comissões de despesas € 962,11 e selagem da livrança € 473,57.

 Fê-lo por cartas datadas de 3 de Abril de 2013 remetidas para “CC Lda.” e AA e DD.

 Para além do envio das cartas, provou-se, que a exequente encetou diversos contactos telefónicos com os responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda no sentido de regularizarem a situação de incumprimento, evitando a instauração da presente acção executiva, sem sucesso, pelo que não restou alternativa senão a via judicial.

O banco recorrido diligenciou no sentido de contactar o ora recorrente para o informar do incumprimento, mas não para com ele discutir o incumprimento da relação fundamental: foram vãs essas tentativas.

Não almejando tal comunicação, preencheu o título e deu-o à execução contra o avalista que, tendo dado o seu aval e autorizado que fosse preenchida a livrança em branco em caso de incumprimento, não pode alegar violação das regras da boa fé, por parte do portador exequente, nem efeito surpresa por só tomar conhecimento da sua responsabilidade aquando da citação para a execução: a sua qualidade de avalista de um título cambiário em branco, pré anunciava a eventualidade, ou o risco, de poder ser demandado como garante, em caso de incumprimento da subscritora avalizada.

Como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22.10.2013. Proc. 4720/10.3T2AGD-A.C1 –, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Alves Velho:

“Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada! - arts. 10º e 32º-2 cit. (P. Sendim, “Letra de Câmbio”, II, 149). Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que “co-aceitantes” e, com ele, responsáveis solidários (cfr. Ferrer Correia, ob. cit., 526).”.

O regime é idêntico para o avalista do subscritor, no caso da livrança: a lei cambiária não impõe ao portador que, antes de accionar, dê informação ao avalista acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que ele avalista autorizou. 

Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 6.10.2015 – Proc. 990/12.0TBLSA-A.C1 – in www.dgsi.pt – relatado pelo Desembargador Henrique Antunes:

“Com a entrega da letra assinada em branco o subscritor – v.g., o avalista - confere, necessariamente, à pessoa a quem faz a entrega o poder de a preencher e, portanto, o acto de preenchimento tem o mesmo valor que teria se fosse praticado pelo subscritor ou se já tivesse sido praticado no momento da subscrição, e portanto, que aquilo que se escreve na letra em branco considera-se escrito pelo subscritor, sendo, assim, de presumir que o conteúdo da letra representa a vontade daquele, embora esta presunção possa ser ilidida pelo subscritor através da demonstração de que houve abuso no preenchimento. A lei cambiária não impõe, como condição de exigibilidade da obrigação de garantia do avalista de letra emitida em branco, a prévia interpelação deste.”

Salvo o devido respeito, não se aplica, in casu, o regime do art. 610º, nº2, b) do Código de Processo Civil, “Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação”, porquanto o avalista, sendo responsável da mesma maneira que o avalizado, não é alvo de quaisquer procedimentos que, em relação àquele não sejam de observar: só assim não seria se, porventura, no pacto de preenchimento, o credor tomador do título, se tivesse obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, mormente do incumprimento, ou se o avalista fosse parte nessa relação contratual; de outro modo, não existiria a igualdade jurídica afirmada no art. 32º da LULL, quanto à solidariedade entre o avalista e o avalizado. A responsabilidade do avalista, em regra, afere-se pela do avalizado.

“A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade provier de um vício de forma.Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.2.2013 – Proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1-, in www.dgsi.pt, de que foi Relator Azevedo Ramos.

A certeza a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva. O regime daquele normativo do Código de Processo Civil é aplicável aos casos de inexigibilidade da obrigação a postular prévia interpelação, que aqui se não exige: são distintos os conceitos de exigibilidade e vencimento.

Situação diversa seria, como se disse, se o pacto de preenchimento, estando a relação cambiária no domínio das relações imediatas, impusesse ao credor a obrigação de comunicar ao avalista do subscritor ou do sacador, antes do preenchimento do título, que tinha resolvido o contrato; nessa hipótese, que era a que estava sob julgamento no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2011, de que foi relator o aqui relator, existia uma cláusula nesse sentido, que não foi observada, e, por isso, se considerou que o avalista poderia opor ao credor essa excepção que, afinal, violava uma cláusula contratual que, se cumprida, só após legitimaria o preenchimento do título, hipótese que aqui não ocorre.

Por quanto se disse o Acórdão recorrido não merece censura.

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelo Recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Maio de 2017

Fonseca Ramos – Relator

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1] Relator - Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida