Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
137/08.8SWLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
EXERCÍCIO ILEGAL DE SEGURANÇA PRIVADA
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
EXTORSÃO
RAPTO
COACÇÃO
ROUBO
HOMICÍDIO
TENTATIVA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA DE PRISÃO
PENA PARCELAR
TRÂNSITO EM JULGADO
NULIDADE INSANÁVEL
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL
PERÍCIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
CO-AUTORIA
ACTOS DE EXECUÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
HOMICÍDIO QUALIFICADO
ARMA DE FOGO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
MEIO INSIDIOSO
CASO JULGADO PARCIAL
QUESTÃO NOVA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
COMPRESSÃO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - TRIBUNAIS.
DIREITO PENAL - FACTO - FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS / FORMA E SUA DOCUMENTAÇÃO / NULIDADES - PROVA / MEIOS DE PROVA / MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA / SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Artur Vargues, Comentário das Leis Penais Extravagantes, I, pp. 243 e 244.
- Figueiredo Dias, Direito Processual Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 214, 291, 776, §2.º, 791, 799.
- Franz Matsher, citado no estudo de Lopes Rocha, in Documentação e Direito Comparado, BMJ n.ºs 75/76, pp. 99 e ss..
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 197.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, I, p.493, II, pp. 519, 527 e 528.
- Hans-Henrich Jescheck e ThoMas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. espanhola, 2002, p. 732.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, I, pp.729 a 730, III, p. 70.
- Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pp. 384 a 397, II, p.891, em anotação ao art. 285.º.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pp. 281, 434.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 97.º, N.º5, 118.°, N.ºS 1 E 2, 123.°, N.º S 1 E 2, 127.º, 163.º, 188.º, N.º10, 340.º, N.º1, 374.°, N.º 2, 379.°, N.º 1, ALS. A) E C), 400.º, N.º1, AL. F), 403.º, N.ºS 1 E 2, 410.º, N.º2, 412.º, N.ºS 3 E 4, 417.º, N.º3, 425.°, N.º 4.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 14.º, N.º3, 15.º, N.ºS 1 E 2, 16.º, N.º1, 22.°, 23.°, 26.º, 71.º, N.º2, 73.°, 77.º, N.ºS 1 E 2, 131.° E 132.°, N.ºS 1 E 2 , ALS. E), H) E I), 133.º, AL. D), 143.º, 144.º, AL. D), 145.º, N.º 1, AL. A), 147.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 29.º, N.ºS 1 E 3, 32.º, N.ºS1 E 5, 205.º, N.º1.
LEI N.º 5/2006, DE 23-02, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI CONFERIDA PELA LEI 17/2009, DE 06-05: - ARTIGO 86.°, N.º 1, AL. C), N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 137/2002, PROC. N.º 363/01 (WWW.DGSI.PT).
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 02-07-1997 – PROC. 203/97
-DE 12-07-2005 - PROC. 2315/05
-DE 28-06-2006 - PROC. 2041/06, DE 04-05-2011 - PROC. 1702/09.1JSAPRT.P1.S1, DE 06-07-2011 - PROC. 432/09.9JALRA
-DE 14-12-2006 - PROC. N.º 4356/06 - 5.ª SECÇÃO
-DE 21-02-2007, PROC. 3932/06
-DE 04-12-2008 - PROC. 2507/08
-DE 09-07-2008, PROC. N.º 1491/07, DE 21-01-2009, PROC. N.º 4026/08, DE 23-09-2009, PROC. N.º 259/06.0JAIAR, DE 25-03-2010, PROC. N.º 76/10.2YRLSB, DE 15-09-2010, PROC. N.º 322/05.4TDEVR, DE 24-05-2011, PROC. N.º 6/09.4TRGMR, DE 05-07-2012, PROC. N.º 911/10.5TBOLH, DE 18-10-2012, PROC. N.º 492/09.2JALRA E DE 19-12-2012, PROC. N.º 1140/09.6JACBR
-DE 27-01-2009, PROC. N.º 3978/08 - 3.ª SECÇÃO, IN WWW.DGSI.PT
-DE 17-09-2009 - PROC. 169/07.3GCSNU – 5ª SECÇÃO
-DE 19-05-2010, PROC. N.º 696/05.7TACVD.S1 - 5.ª SECÇÃO
-DE 06-10-2010 - PROC. N.º 936/08.JAPRT - 3.ª S, IN WWW.DGSI.PT
-DE 26-10-2011 - PROC. 112/09.5SFLSB.L2.S1, DE 21-03-2013 - PROC. 2014/08.0 PAPTM.E1.S1, DE 12-09-2013 - PROC. 680/11.1GDALM.L1.S1
-DE 05-12-2012 - PROC. 704/10.0PVLSB - 3.ª SEC., IN WWW.DGSI.PT
-DE 07-02-2013 - PROC. N.º 727/10.9GGSNT - 5.ª SECÇÃO

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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 11/2009, DE 18-06-2009, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE, DE 21-07-2009.
Sumário :

I - Para efeito de recurso a interpor do acórdão da Relação, mandando a lei atender à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o STJ só tem competência para apreciar a decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou da condenação, ou quando, apesar de a decisão ser confirmatória, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão, tudo se passando relativamente aos crimes em concurso como se, para cada um deles, tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada determinada pena.
II - Os recursos interpostos pelos arguidos são por isso rejeitados com fundamento em inadmissibilidade legal no tocante aos crimes de associação criminosa, de rapto, de exercício ilegal de segurança privada, de detenção de arma proibida, de ofensas à integridade física, de extorsão, de rapto, de coacção, e de roubo, por, relativamente a esses crimes, terem sido aplicadas, em concreto, penas parcelares de duração igual ou inferior a 8 anos de prisão, considerando-se transitada em julgado a decisão nessa parte, não podendo ser invocadas ou oficiosamente apreciadas quanto a eles quaisquer nulidades, mesmo as denominadas “insanáveis”.
III -Da conjugação do art. 97.º, n.º 5, do CPP, com os demais dispositivos legais atinentes aos actos decisórios dos juízes, muito em particular com os arts. 118.°, n.ºs 1 e 2, 123.°, n.ºs 1 e 2, 374.°, n.º 2, 379.°, n.º 1, al. a), e 425.°, n.º 4, todos do CPP, resulta inequívoco que o dever de fundamentação da decisão não assume exactamente a mesma extensão consoante o acto decisório seja um simples despacho interlocutório, uma sentença ou um acórdão de um tribunal de 1.ª instância ou um acórdão de um tribunal de superior grau hierárquico, proferido em sede de recurso, não sendo estes elaborados nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, o que bem se compreende dado o seu objecto ser a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo.
IV - Sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, apenas lhe compete apreciar se a Relação deixou de conhecer questão essencial suscitada pelos recorrentes quanto à matéria de facto ou se omitiu o dever de fundamentação, estando fora da sua competência apreciar o concreto uso que a Relação fez dos seus poderes no recurso que teve por objecto a matéria de facto.
V - Visando o recurso a detecção de vícios em que possa ter incorrido o tribunal de 1.ª instância ao fazer a apreciação crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e não se destinando a proceder a um novo julgamento da matéria de facto, o dever de fundamentação é cabalmente cumprido pelo Tribunal da Relação através da adesão aos fundamentos da decisão impugnada, se os teve por irrepreensíveis e inatacáveis, segundo critérios lógicos e objectivos e de acordo com as regras da experiência comum com que foi avaliada a prova produzida na audiência de julgamento, não constituindo tal remissão para a decisão recorrida, ou para uma outra peça processual quando a decisão pretenda fazer seus argumentos anteriormente utilizados a eles aderindo, vício que invalide a decisão proferida pelo tribunal de recurso.
VI - Segundo o entendimento perfilhado pelo STJ, o art. 417.º, n.º 3, do CPP, destina-se somente a que sejam oferecidas as conclusões do recurso ainda não apresentadas ou a que dele passem a constar as especificações de facto e de direito que já se encontravam vertidas na motivação, não podendo visar a alteração material do recurso interposto através da concessão ao sujeito processual de um novo prazo para reduzir, ampliar ou, de algum modo, modificar, o âmbito do recurso.
VII - Como é entendimento pacífico, no recurso interposto para o STJ não está à disponibilidade do recorrente a invocação dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, sem prejuízo do dever de o STJ oficiosamente conhecer dos referidos vícios nos circunscritos casos em que “constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis”, (ac. STJ de 17-09-2009 - Proc. 169/07.3GCSNU - 5ª).
VIII - O princípio constitucional do acusatório destina-se essencialmente a assegurar que o processo criminal decorra com inteira equidade ou com justo equilíbrio entre os vários sujeitos processuais, que os poderes concedidos à acusação não suplantem aqueles que são reconhecidos à defesa, que haja um equilíbrio entre as prerrogativas atribuídas ao arguido para demonstrar a sua inocência e as prerrogativas reconhecidas à acusação para comprovar a culpabilidade do acusado, o que somente é possível de conseguir com a diferenciação entre os órgãos jurisdicionais de acusação (ou de pronúncia) e de julgamento e com a total independência e a imparcialidade do juiz de julgamento.
IX - Este entendimento permite a compatibilização com o princípio da descoberta da verdade material, sendo lícito ao juiz de julgamento determinar a produção oficiosa de meios de prova, investigando por sua própria iniciativa os factos em apreciação, o que não colide com o princípio da estrutura acusatória do processo criminal se o julgamento decorrer com total independência e imparcialidade, não se transformando a fase processual da audiência de julgamento numa fase de inquérito ou de instrução.
X - A faculdade concedida ao juiz do processo para, na fase da audiência de discussão e julgamento, ordenar, oficiosamente, a produção dos meios de prova necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, conforme previsão do n.º 1 do art. 340.º do CPP, não abala o princípio da estrutura acusatória do processo criminal se for apenas utilizada para suprir pontuais deficiências, originais ou supervenientes, dos meios de prova oferecidos pela acusação ou pela defesa.
XI - Determinada pelo tribunal a realização de uma perícia, a circunstância de a mesma não poder ser levada a efeito não impede o tribunal de formar a sua convicção em face da prova produzida em audiência, conforme lhe permite o disposto no art. 127.º do CPP.
XII - Tendo o julgador formado tal convicção, não há que falar em violação do princípio in dubio pro reo, na medida em que o tribunal não se encontrava perante uma dúvida insanável que tenha sido decidida em desfavor do arguido, resultando, pelo contrário, do texto do acórdão, que o tribunal adquiriu certezas a tal respeito.
XIII - Aos arguidos SL, ES, WSe MB, praticantes de artes marciais,que desempenhavam funções operacionais de vigilante de segurança privada na sociedade OV embora não sendo titulares da habilitação para exercer tal actividade, competia: ao SL a angariação e supervisão de um grupo constituído por um número indeterminado de indivíduos, no qual estavam integrados os arguidos WS e MB, que, além de realizar tarefas de segurança ou vigilante, se comportavam como operacionais de terreno para todas as circunstâncias, designadamente quando fosse necessário ameaçar, coagir ou agredir alguém, e ao ES, braço direito do SL, dele receber ordens que transmitia aos elementos do grupo de indivíduos por este angariados e, na sua ausência, assumir directamente o comando desse grupo e ordenar as concretas acções a desenvolver.
XIV - Na execução de um pactum sceleris por aqueles arguidos celebrado, o arguido ES foi avisado por MB de que o ofendido FS fora avistado num bar e de que ia buscar o WS como fora acordado entre todos; o recorrente ES respondeu que não podia comparecer porque estava a trabalhar, tendo expressamente determinado a MB que seguisse o ofendido, bem sabendo que desse modo este arguido iria, conjuntamente com WS, cumprir o que fora previamente acordado no sentido de tirar a vida à vitima, pois cabia aos arguidos ES, WS e MB o papel de executores do crime.
XV - Sendo considerado autor, segundo a al. c) do n.º 1 do art. 26.° do CP, aquele que toma parte directa na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, verifica-se uma situação de co-autoria entre os arguidos ES, WS e MB.
XVI - Segundo a teoria do domínio do facto, todos os co-autores devem concorrer para a prática do crime, bastando para responsabilizar todos os agentes que qualquer deles realize um elemento do tipo, não sendo necessária a prática de todos os elementos do tipo por cada um dos diversos co-autores, o que significa que, de harmonia com o acordo, os contributos dos outros agentes são imputados a cada autor, como se de facto próprio se tratasse.
XVII - Sendo de considerar-se essencial para a prática do crime o contributo do recorrente ES, este torna-se responsável pela prática do crime de homicídio, na forma tentada, tal-qualmente os demais co-autores materiais, sendo a sua responsabilidade idêntica à dos demais executores, que, fazendo uso de armas de fogo, praticaram todos os actos necessários a produzir a morte do ofendido FS, provocando-lhe múltiplas lesões e só não tendo sobrevindo a morte por a vítima ter sido socorrida e submetida a intervenção cirúrgica.
XVIII - O arguido MB foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86.°, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 17/2009, de 06-05, na pena de 2 anos de prisão, e pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos arts. 22.°, 23.°, 73.°, 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2 , als. h) e i), do CP, na pena de 12 anos de prisão.
XIX - O modo como o arguido MB utilizou a arma de fogo permitiu a qualificação do crime de homicídio pelas als. h) e i) do n.º 2 do art. 132.º do CP, por essa utilização se revestir de especial censurabilidade e perversidade, a qual nada tem a ver com o facto de este arguido não ser titular de licença de uso e porte de arma, pois a sua conduta revelou-se particularmente perigosa e insidiosa pela forma como utilizou a espingarda caçadeira para atacar o ofendido, independentemente da existência ou não dessa licença, sendo certo que, se o arguido fosse titular de licença de uso e porte de arma, o homicídio não deixaria de ser qualificado se tivesse sido praticado de igual modo.
XX - A circunstância de o arguido utilizar uma espingarda caçadeira sem para tal estar legalmente habilitado extravasa e ultrapassa a questão da qualificação do crime de homicídio e existindo um tipo legal de crime que pune semelhante conduta não há razão para que os factos praticados pelo arguido não sejam nele enquadrados.
XXI - Perante tipos de crimes que tutelam bens jurídicos distintos e perante factos concretos que demonstram que a tutela do crime de detenção de arma proibida não se esgotou com o preenchimento das qualificativas do crime de homicídio (sendo certo que não foi operado in casu o agravamento da pena por força do disposto no n.º 3 do referido art. 86.° da Lei das Armas), verifica-se uma situação de concurso real entre os dois tipos de crime, conforme vem sendo reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina.
XXII - O tribunal ad quem deve limitar a sua apreciação às questões concretamente suscitadas pelo recorrente, formando-se caso julgado parcial quanto às questões não arguidas pela via do recurso, desde que não estejam por algum motivo interligadas com as que constituem o objecto da impugnação.
XXIII - Enquanto meios de impugnação das decisões judiciais com vista à detecção e correcção de vícios, de erros, de omissões ou à escolha da melhor solução jurídica para o caso, os recursos destinam-se à reanálise, à reapreciação de questões que já foram conhecidas pelo tribunal recorrido ou que podiam e deviam ter sido conhecidas. O STJ tem, por isso, afirmado, de modo unânime, que os recursos se destinam a reexaminar decisões já proferidas, e não a pronunciar-se sobre questões novas, que não foram colocadas à análise das jurisdições inferiores, estando, no caso, vedado ao STJ, no recurso de revista, pronunciar-se sobre a adequação da medida da pena única à culpa do agente ou acerca da sua proporcionalidade face às exigências de prevenção, questão que não foi suscitada no recurso para a Relação.
XXIV - Se, ao fixarem a medida da pena, as instâncias tiveram na devida conta os factores relevantes para esse efeito e aplicaram os princípios que regem a determinação da medida da pena, atentando nas exigências da prevenção geral e valorando as necessidades de prevenção especial que em concreto se verificam, não tendo sido postergada a medida da culpa que é sempre inultrapassável, não pode, o STJ no recurso de revista modificar o quantum exacto de pena que se encontre dentro dos limites de discricionariedade do tribunal recorrido.
XXV - Sempre que haja que proceder a um cúmulo jurídico de uma pena resultante de criminalidade grave com penas correspondentes a crimes de gravidade bastante menor, as penas destes crimes devem sofrer uma especial compressão.
XXVI - No cúmulo de penas resultantes da condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado e de três crimes de ofensas à integridade física qualificadas, estes crimes, não obstante terem sido praticados em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, devem ser considerados como de pequena gravidade, dada a pena abstracta que lhes corresponde ser a de prisão até 4 anos de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 137/08.8SWLSB.L1.S1, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Seixal, foram submetidos a julgamento e, a final, condenados, entre outros, os seguintes arguidos:

- AA, nascido a ---, com os demais elementos de identificação constantes dos autos:

            a) pela prática de um crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 299.º, n.º 2, do CP, na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 137/08.8SWLSB);

            b) pela prática de um crime de exercício ilegal de segurança privada p. e p. pelo art. 32.º-A, n.º 1, da  Lei n.º 35/2004, de 23-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 38/2008, de 08-08, na pena de 3 meses de prisão (factos do NUIPC 137/08.8SWLSB);

            c) pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 17/2009, de 06-05, na pena de 18 meses de prisão (factos do NUIPC 137/08.8SWLSB);

            d) pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 17/2009, de 06-05, na pena de 2 anos de prisão (factos do NUIPC 1329/09.8GEALM);

            e) pela prática, em co-autoria, de três crimes de ofensas à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 145.º, al. a), e 143.º, do CP, na pena de 2 anos de prisão para cada um dos crimes (factos do NUIPC 125/08.4SWLSB);

            f) pela prática, em co-autoria, de um crime de extorsão p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão (factos de fls. 6088 e ss.);

            g) pela prática, em co-autoria, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 161.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a) e 158.º, n.º 2, al. b), ambos do CP, na pena de 5 anos de prisão (factos de fls. 6088 e ss.);

            h) pela prática, em co-autoria, de um crime de coacção agravada, na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 2/10.9GHLSB);

            i) pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h) e i), do CP, na pena de 12 anos de prisão (factos do NUIPC 1329/09.8GEALM);

            j) pela prática, em co-autoria, de um crime de rapto p. e p. pelo art. 161.º, n.º 1, al. a), na  pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 194/10.7GCALM);

            k) pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 194/10.7GCALM);

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de vinte (20) anos de prisão.

- BB, nascido a ---, com os demais elementos de identificação constantes dos autos:

            a) pela prática de um crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 299.º, n.º 2, do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (factos do NUIPC 137/08.8SWLSB);

            b) pela prática, em co-autoria, de um crime de extorsão p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 anos de prisão (factos de fls. 6088 e ss.);

            c) pela prática, em co-autoria, de um crime de rapto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 161.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), e 158.º, n.º 2, al. b), ambos do CP, na pena de 5 anos de prisão (factos de fls. 6088 e ss.);

            d) pela prática, em co-autoria, de um crime de coacção agravada p. e p. pelo arts. 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 2/10.9GHLSB);

            e) pela prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.º 2, als. h) e i), do CP, na pena de 12 anos de prisão (factos do NUIPC 1329/09.8GEALM);

           f) pela prática, em co-autoria, de um crime de rapto p. e p. pelo art. 161.º, n.º 1, al. a), na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 194/10.7GCALM);

-g) pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo artigo 210º, nº 2, al. b), por  referência ao art.  204.º, n.º 2, al. f), do CP, na pena de 3 anos de prisão (factos do NUIPC 194/10.7GCALM);

            Em cúmulo jurídico, o arguido BB foi condenado na pena única de dezassete (17) anos de prisão.

- CC, nascido a ..., com os demais elementos de identificação constantes dos autos:

            a) pela prática, em co-autoria, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.º, 145.º, n.º 1, al. a) e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), todos do CP, na pena de 2 anos de prisão para cada um destes crimes (factos dos NUIPC 96/10.7TASXL e 1592/09.4PBSXL);

            b) pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), ambos do CP, na pena de 14 anos de prisão (factos do NUIPC 1629/09.7PBSXL);

            c) pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (factos do NUIPC 611/09.9JDLSB).

            Em cúmulo jurídico, o arguido CC foi condenado na pena única de dezassete (17) anos de prisão.

                                                          

            Da decisão de 1ª instância, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de 15-11-2012 (cf. fls. 16.227 a 17.083), a Relação  concedeu parcial provimento ao recurso e,  em consequência, alterou a matéria de facto provada e não provada nos termos indicados em II ─ 14.2 do referido acórdão e condenou o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 2º, n.º 1, als. p) e q), da Lei nº 5/2006, de 23-02, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 06-05, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; procedendo a novo cúmulo jurídico para nele englobar esta pena parcelar, fixou a pena única respeitante a este arguido em 17 anos e 1 mês de prisão.

            Também os arguidos AA, BB e CC recorreram, de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido negado provimento a todos os recursos.

           

            Mantendo-se irresignados, os arguidos AA,  BB e CC recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça 

Da motivação que apresentou (fls. 17.306 a 17.404), extraiu o arguido AA as seguintes conclusões:

 “1. O arguido AA interpôs recurso do acórdão do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal que o condenou numa pena única de 20 anos de prisão pela prática dos seguintes crimes:

Co-autor material de um crime de Associação Criminosa, na forma consumada p.p., pelo art.º 299, n.º 1 do Código Penal (NUIPC 137/08.8SWLSB)

Co-autor material de um crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada na forma consumada p.p. no art.º 32 -A, da Lei 35/2004 de 21 de Fevereiro, na redacção da lei 38/2008 de 8 de Agosto (NUIPC 137/08.8SWLSB);

Co-autor material de três crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, pp. nos art.ºs 143.º n.º 1 e 145.º nºs 1 al. a) e 2, por referência ao art.º 132.º n.º 2 al. h) todos do CP, em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida, p.p. no art.º 86, n.º 1, al. d) da Lei  5/2006 de 23 de Fevereiro (NUIPC 125/08.4SWLSB)

Como co-autor material de um crime de extorsão qualificada, na forma consumada, p.p. no art.º 223  n.º 1 e 3 al. a), por referência ao art.º 204.º n.º 2 al. g) todos do CP (fls 6088 e s)

Como co-autor material de um crime de rapto qualificado, na forma consumada, p.p., pelas disposições conjugadas dos art.ºs 161.º n.º 1, alínea a) e 3, Alínea a), por referência ao art.º 158.º n.º 2 al. b, todos do CP (factos de fls 6088 e ss)

Como co-autor de um crime de coacção agravada na forma consumada, p.p. nos art.ºs 154 n.º 1 e 155.º n.º 1 al. a) do CP (NUIPC 2/10.9GHLSB)

Como co-autor material de um homicídio qualificado na forma tentada, p.p. nos art.ºs 22º, 23.º, 73.º, 131.º, e 132 nºs 1 e 2 al. h, em concurso real com um crime de detenção de arma proibida, p. p. no art.º 86 n.º 1 al. c) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro (NUIPC 1329/09.8GEALM)

Como co-autor material de um crime de rapto na forma consumada, p.p. no art.º 161.º n.º 1 al. a) do CP (NUIPC 194/10.7GCALM)

Como co-autor material de um crime de roubo qualificado, na forma consumada, p.p. no art.º 210.º nºs 1 e 2 al. b), por referência ao art.º 204 nºs 1 al. f) e g) todos do CP NUIPC 194/10.7GCALM)

2. Por acórdão notificado ao mandatário do recorrente em 16 de Novembro de 2012, a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso apresentado.

3. Não se conformando com o douto acórdão o recorrente vem, desta feita, interpor recurso para o STJ.

4. O objecto deste recurso será vasto e complexo, visando a apreciação pelo Venerando STJ de questões que implicam a nulidade do acórdão recorrido, questões que o TRL deveria ter apreciado e não apreciou bem como matérias sobre matéria de direito que não obstante terem sido apreciadas o recorrent0e com elas não se conforma.

5. Constitui princípio geral do direito processual que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 4 do CPP.

6. Omitindo o tribunal este dever de julgamento, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula - artigos 668.º/1/d, do CPC, e 379/1/c do CPP.

7. Como se desenvolverá, relativamente à vasta factualidade impugnada, o Tribunal a quo deveria “reavaliar” da forma possível as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impunham ou não uma decisão diversa da recorrida.

8. Como tentaremos ilustrar, o acórdão recorrido não se debruçou, como é legalmente exigível sobre as questões dadas à sua apreciação e portanto padece de nulidade (cfr. artigos 379/1 e 425/4 todos do CPP).

9. Na verdade, o recorrente entende que o acórdão recorrido é injusto e insuficiente à luz dos princípios básicos que regem o processo penal, de lógica e bom senso e, sobretudo, à luz de critérios elementares de justiça material.

10. Ora, com tal decisão e com a sua fundamentação não pode o recorrente conformar-se porquanto a mesma não revelou, nem da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo do Estado.

11. Embora a lei não determine o grau ou a extensão da fundamentação, não basta dizer que sim ou que não; é preciso o tribunal debater-se perante cada questão especificamente colocada pelo recorrente e apresentar uma solução, especificando o porquê, em que se funda o seu sentido.

12. A fundamentação deve ser um desenvolvimento das premissas previamente enunciadas, para que, mais do que vencer, a decisão precisa de convencer e demonstrar-se perante os seus destinatários como plena, racional e motivada.

13. Conforme defende Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, pág. 293: “ É hoje entendimento generalizado de um sistema que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão  da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso que todos os Códigos modernos exigem a fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito” (...) “ A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias: permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça(..)”

14. Ora, a decisão recorrida não apresenta resposta a questões fulcrais, limitando-se a resolver, de forma redutora, por remissão para a fundamentação do acórdão recorrido, ou para a douta resposta do MP ao recurso do Recorrente.

15. Sobre as várias questões a apreciar, especialmente em relação à matéria de facto, o acórdão recorrido apesar da sua extensão limita-se a enunciar os factos provados, as alegações dos recorrentes, do MP, respondendo à impugnação dos vários recorrentes de 2 formas: Ou os recorrentes não deram cumprimento ao formalismo do artigo 412/2/3 do CPP ou, apesar de o terem feito o que na realidade pretendem é fazer valer a sua própria apreciação da matéria de facto por oposição à do Tribunal de 1.ªInstância que, e uma vez que beneficiou da imediação, nada há a apontar à decisão condenatória porque decidiu, fundamentadamente ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência.

16. Com efeito, a técnica consagrada no acórdão recorrido consiste em remeter os concretos problemas levantados pelo recorrente e confrontá-los com a fundamentação do acórdão proferido, num tipo de discurso que se traduz em generalizar, para evitar apreciar o caso concreto.

17. Com o devido respeito, a fundamentação utilizada representa a forma mas simples de evitar a reapreciação da matéria de facto e proceder à análise das questões levadas à consideração do Tribunal da Relação, sustentadas em provas, devidamente identificadas que levariam inexoravelmente a uma decisão diferente da tomada.

18. A verdade é que o recorrente atacou a factualidade provada, colocando em causa a formação da convicção do julgador com base no princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência, invocou prova testemunhal, prova por reconhecimento, prova documental entre outras provas que impunham decisões diversas das tomadas e sobre as quais o Tribunal recorrido simplesmente não se pronunciou.

19. Todas as questões colocadas não se resumem ao que o Tribunal a quo enquadrou como uma mera contradição entre depoimentos que não permitem sindicar a decisão do tribunal por causa da imediação.

20. Trata-se sim, de colocar à apreciação do Tribunal recorrido exactamente a matéria que o próprio diz poder apreciar, ou seja: Controlar a convicção do julgador de 1.ª Instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos!

21. Foi exactamente o que o recorrente pôs em causa: a convicção do julgador por a considerar totalmente contrária às mais elementares regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.

22. O que o Tribunal a quo  fez  foi demitir-se da sua função axial - reapreciação da matéria de facto - optando por decidir, repete-se, por remissão para a fundamentação do acórdão de 1.ª Instância.

23. Deste modo, a não pronúncia sobre as questões elencadas além de geradora de nulidade, nos termos gerais do artigo 379.º/1/c do CPP, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32./1, 203.º e 205 todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade e nulidade que desde já se argúem relativamente à omissão de pronúncia e violação do dever de fundamentação em relação à matéria de facto impugnada no âmbito do processo com o NUIPC 137/08.8SWLSB, NUIPC 125/08.4SWLSB, fls 6088 e ss, NUIPC 2/10.9GHLSB e NUIPC 1329/09.8GEALM, nos termos que abundantemente se explanaram nas motivações e para os quais se remetem e se dão aqui por integralmente reproduzidos, devendo o acórdão recorrido ser substituído por outro que se pronuncie sobre as questões colocadas.

24. Ainda que assim não se entenda, sem conceder, sempre se dirá que o acórdão recorrido na parte em que se debruça sobre a factualidade impugnada padece do vício previsto no artigo 410.º n.º 2/c do CPP, correspondente ao erro notório na apreciação da prova.

25. O erro notório na apreciação da prova constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica que traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.

26. Ora, foi e é justamente o que o recorrente pretende fazer valer perante o Tribunal ad quem. Ou seja, pretende demonstrar que a decisão sobre a matéria de facto é ilógica, assenta num raciocínio errado que levou a conclusões factuais violadoras do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127 do CPP e das regras da experiência e da lógica.

27. Atente-se que tal não se deve confundir com convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência. Trata-se sim, de por em causa o raciocínio lógico do Tribunal a quo por ilógico, arbitrário e com conclusões sobre a matéria de facto, inaceitáveis à luz das regras da experiência.

28. Pelo exposto, deverá o vício invocado ser conhecido e consequentemente reapreciadas as questões colocadas em sede de impugnação da matéria de facto por referência ao processo com o NUIPC 137/08.8SWLSB, NUIPC 125/08.4SWLSB, fls 6088 e ss, NUIPC 2/10.9GHLSB e NUIPC 1329/09.8GEALM, nos termos que abundantemente se explanaram nas motivações e para os quais se remetem e se dá aqui por integralmente reproduzidos

DO DIREITO

Relativamente à apreciação da matéria de direito seguiremos a ordem utilizada pelo Tribunal a quo. Uma vez que o Tribunal a quo se limitou a aderir à posição do Tribunal de 1ª Instância, mantêm-se na integra os fundamentos inicialmente utilizados e que se pretendem ver apreciados pelo Venerando STJ, a saber:

29. O escopo da associação criminosa pela qual os arguidos vêm pronunciados consistia na imposição de serviços de segurança a estabelecimentos de diversão nocturna, recorrendo a actos de violência e extorsão junto dos mesmos (cfr. art.ºs 1 a 63 do despacho de pronúncia na parte referente ao processo principal (137/08.8SWLSB)

30. Como resulta da matéria de facto NÃO PROVADA no acórdão nos pontos 1 a 30 dos Factos não provados inerentes ao NUIPC 137/08.8SWLSB (Imputada associação criminosa e segurança privada), o escopo da associação criminosa pela qual os arguidos vinham acusados caiu por terra.

31. Mas o Tribunal a quo decidiu condenar ainda assim o arguido AA por factos diferentes, apesar de constantes da pronúncia, mas que não integravam o escopo do crime de associação criminosa.

Ou seja,

32. O Tribunal alterou os factos que consubstanciavam o escopo do ilícito passando a integrá-lo:

33. A Contratação de seguranças ilegais para serviços de segurança;

34. A Mobilização de vários indivíduos para acorrerem aos vários estabelecimentos quando existiam problemas, valorizando a sua capacidade de mobilização, fazendo apelo nomeadamente aos episódios existentes no Bar ..., discoteca ... e ....

35. Esta alteração do escopo tinha obrigatoriamente que ser comunicada aos arguidos nos termos do art.º 358 do CPP, porque podia alterar radicalmente a sua defesa.

36. A consequência só pode ser uma: A DA NULIDADE RELATIVAMENTE À CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 358 DO CPP QUE DESDE JÁ SE INVOCA

TRANSCRIÇÃO DE ESCUTAS TELEFÓNICAS

37. O recorrente suscitou a inconstitucionalidade da utilização das escutas transcritas na audiência de 13/7/2011 (cfr. identificação das escutas constantes da acta da audiência de 13/07/2011 – fls. 12210 a 12218 – 42º volume e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) para prova dos factos 4, 5, 6, 7, 9,10,11,14,15,16,17,18,20,21,23,25,26,27, 33  e 34, constantes do Apenso com o NUIPC 1329/09.8GEAL, por entender que existia uma violação do princípio do acusatório (cfr. 32.º n.º 5 da CRP) nos moldes que se explanaram na motivação supra e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

38. O Tribunal recorrido entendeu que não, escudando-se no artigo 188.º n.º 10 do CPP, sustentando que os ora recorrentes puderam fazer uso de todos os seus direitos de defesa para contrapor quer a validade probatória do ponto de vista do seu conteúdo, quer do seu aporte para a descoberta de factos relevantes e sob decisão.

39. Tal argumentação contorna o alegado pelo recorrente por um lado e carece de razão por outro. Vejamos:

40. Em primeiro lugar, é verdade que ao abrigo do artigo 188/10 do CPP  o tribunal poderia ordenar a junção aos autos de novas transcrições quando entenda necessário à descoberta da verdade. Sucede que, o Tribunal só o fez  depois do depoimento da testemunha de defesa DD em 24/06/2011.

E porquê?

41. Se se atentar no depoimento da testemunha de defesa -Sessão dia 24/06/2011 – Tarde – 15:00 – 1:10:08 – vídeo - o mesmo deitava por terra todos factos da Acusação/Pronúncia. Então, o Tribunal de 1.ª Instância interrompeu as sessões de audiência de discussão e julgamento e foi - perdoe-se a expressão - “vasculhar”, o teor de escutas consideradas sem relevância, não para descobrir a verdade mas sim, para contra argumentar, pôr em causa e descredibilizar o depoimento da testemunha da defesa identificada.

42. Por isso o Tribunal ordenou a sua transcrição, quase três semanas após o depoimento da testemunha DD, para depois o voltar a chamar e tentar pôr em causa o seu depoimento.

43. É precisamente esta actuação processual ao abrigo do artigo 188/10 do CPP que se revela inconstitucional, por violação do princípio do acusatório.

44. O Tribunal de 1.ª Instância não foi leal.

45. Esperou que a defesa produzisse a sua prova para depois a descredibilizar com a montagem das novas escutas transcritas.

46. Nem se diga que a defesa teve conhecimento atempado das mesmas e poderia ter apresentado a sua defesa.

47. Já o tinha feito!

48. O que poderia fazer?

49. Nada, e o Tribunal de julgamento sabia-o e por isso esperou e lançou o “trunfo escondido” que mais não foi do que a utilização do princípio do inquisitório, para além daquilo que a Constituição permite e, portanto, violador do artigo 32.º n.º 5 da CRP.

50. Inconstitucionalidade que desde já se invoca com as consequências elencadas.

VALOR DA PROVA PERICIAL- ESCUTA EM VOZ OFF – VIOLAÇÃO DO ARTIGO 163.º, N.º 1 DO CPP

51. Em relação à escuta em voz off – sessão 13583 do Alvo 39099 EE - defendeu-se que:

52. Como o próprio Tribunal a quo refere foi feita uma perícia à voz do recorrente e de EE para determinar quem eram os autores da conversação transcrita ou seja, quem dizia o quê.

53. A perícia foi inconclusiva conforme o próprio tribunal atesta, o que quer dizer que na escuta em voz off, na qual se encontram várias pessoas a falar não é possível determinar quem são os seus autores. No entanto o Tribunal, apesar do princípio da livre apreciação da prova imperar, este também tem os seus limites. Limites que existem, efectivamente, quando são realizadas perícias. Mas o Tribunal ultrapassa o que uma perícia não consegue ultrapassar da seguinte forma, no mínimo leviana:

“ Ainda, assim, ouvida pelo Tribunal a respectiva gravação, e na sequência de tantas outras audições de conversas interceptadas ao arguido AA, cujo timbre de voz e sotaque, se mostra até particular, ficou o Tribunal convicto que efectivamente a voz ali reportada como sendo a do arguido AA é a deste, que a transcrição da referida conversa se mostra exarada no respectivo apenso, corresponde ao que pelo arguido AA foi efectivamente dito, bem como corresponde ao arguido EE nos termos ali descritos e quanto à imputada voz de EE, também ficou o Tribunal convicto que se tratava efectivamente de FF, a única voz para além da do arguido AA, com sotaque brasileiro.

54. Uma primeira nota para o facto de a testemunha HH (cfr. depoimento da sessão de 1 de Setembro de 2011) ser de nacionalidade e ter sotaque brasileiro a estar no momento da chamada, acompanhado pelo arguido AA e FF, conforme o Tribunal a quo atesta na sua fundamentação. Portanto, ao contrário do que o Tribunal a quo afirma, existia mais um indivíduo com sotaque brasileiro. É mais um indivíduo dentro de um leque de possibilidades para ter proferido as expressões constantes da escuta em voz off que o Tribunal não considerou, focando toda a sua fundamentação naqueles dois arguidos de forma quase “cega”.

Mais, a apreciação que o Tribunal faz para afastar a perícia presume-se subtraída à livre apreciação do julgador, presunção que de forma alguma poderia ser afastada com a fundamentação ligeira por referência a um timbre de voz e sotaque particular, sem especificar o que quer significar tal alusão que permita afastar uma perícia à voz dos arguidos, munida de meios técnicos que não lograram apurar, já que parece ser fácil, o timbre e sotaque particular, in casu, do recorrente.

55. Conforme ensina o Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 263: “ Na vigência do CPP/ 29 era entendimento quase uniforme da doutrina e jurisprudência que o tribunal apreciava livremente a prova pericial. É esse também o seu valor dentro do âmbito do direito civil (art.º 389.º do CC). Diversa era., porém, a opinião do Prof. Figueiredo Dias que restringia a liberdade de apreciação aos dados de facto que servem de base ao juízo científico, entendendo-se que “ já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é susceptível de uma crítica igualmente material e científica”.

56. “O art.º 163.º n.º 1, do CPP/87 consagrou a orientação que o Prof. Figueiredo Dias já defendia para o Código anterior, dispondo que “ o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” e no n.º 2 do mesmo artigo que “ sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a sua divergência”

A presunção que o art.º 163.º, n.º 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador.”

57. Ora, tal não sucedeu na fundamentação do Tribunal a quo para valorar a perícia uma vez que para afastá-la se bastou com as conclusões de que o recorrente tem um timbre e sotaque particulares e que para além dele só existia mais uma pessoa com sotaque brasileiro, por isso dúvidas não restam ao Tribunal de quem são as vozes e quem diz o quê.

58. Ora, a perícia, ordenada pelo tribunal e não requerida pela defesa, não foi contrariada por uma crítica científica material da mesma natureza. Aliás, atente-se que, se era pouco credível que a mera audição por parte de um ser humano não era apta a determinar com toda a certeza a autoria das vozes e expressões constantes da escuta em voz off e por isso se ordenou a perícia que recorreu a meios técnicos aptos a dissipar a dúvida resultante da apreciação do ser humano, negá-la porque a mesma é inconclusiva e valorar novamente a audição humana como suficiente para chegar à conclusão que uma perícia não consegue, viola o art.º 163 n.º 1, sendo de concluir que: NÃO É POSSÍVEL DETERMINAR  DE QUEM SÃO AS VOZES CONSTANTES DAS ESCUTAS EM VOZ OFF NEM TÃO POUCO A AUTORIA QUE É DADA NAS SUAS TRANSCRIÇÕES.

59. O Tribunal recorrido entendeu que não com a fundamentação que se transcreveu nas motivações e para a qual se remete e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido

60. Em primeiro lugar o Tribunal a quo defende que na realidade não se fez qualquer perícia para depois expressamente referir que (...) não tendo a perícia solicitada alcançado o resultado pretendido e pressuposto(...)

61. São realidades diferentes, numa não há perícia na outra, existe uma perícia mas o resultado é que não é conclusivo.

62. Foi esta última realidade que, efectivamente sucedeu, a perícia foi realizada mas o seu resultado foi inconclusivo. Esta realidade factual é inabalável por mais que se tente defender o indefensável entendendo-se que, em boa medida, uma vez que o resultado não foi conclusivo, então na realidade não há perícia e portanto o resultando inconclusivo não está sujeito ao regime da prova vinculada.

63. Houve perícia, o seu resultado foi inconclusivo, e portanto, não é possível lançar mão do artigo 127 do CPP para alcançar o que uma perícia não logrou alcançar.

Mas mais, como resulta da fundamentação, foi o próprio tribunal de 1.ª Instância que entendeu ser necessária a realização de uma perícia à voz dos arguidos.

64. O próprio Tribunal ao ordenar, oficiosamente, a perícia fê-lo porque não tinha condições para, ao abrigo de uma livre apreciação da prova, determinar de quem eram as vozes – caso contrário não havia necessidade de determinar a prática de um acto processualmente inútil.

65. Independentemente da discussão sobre se efectivamente foi, ou não, realizada qualquer perícia, uma coisa é certa: O Tribunal ordenou-a porque não tinha capacidade nem conhecimentos técnicos ou científicos para determinar de quem eram as várias vozes constantes da escuta em voz off e seus autores. Não sendo possível a sua realização, ou sendo-o, o seu resultado ter sido inconclusivo, não pode o Tribunal de julgamento, nem o recorrido, entender que afinal, podem suprir uma incapacidade que tinham e entender como boa a autoria das expressões constantes daquela escuta quando, o próprio tribunal delas não estava convencido e por isso requereu a perícia.

66. Como ab initio o tribunal tinha dúvidas sobre a autoria das conversas ínsitas na escuta em voz off, não pode a posteriori, dissipá-las fingindo que afinal tem condições para concluir aquilo que previamente entendeu que só uma perícia lograria concluir.

67. Há dúvidas, as mesmas não foram dissipadas e portanto seria de aplicar, in casu, o princípio do in dubio pro reo, concluindo-se pela impossibilidade de determinar a quem correspondem as expressões constantes da escuta em voz off e, em consequência, serem considerados não provados os factos impugnados no Apenso 1329/09.8GEALM

NUIPC 125/08.4SWLSB

68. Atenta a impugnação da matéria de facto supra apresentada  pelo recorrente no apenso em causa, é evidente que não existe a especial censurabilidade do comportamento do arguido, atendendo ao contexto de provocações anteriores e ao facto de os ofendidos estarem em superioridade numérica.

69. O recorrente reagiu às inúmeras provocações e ameaças praticadas pelos ofendidos.

70. Andou mal o Tribunal a quo ao aplicar o art.146 do CP

71. Faltando o elemento da especial censurabilidade, deverá o recorrente ser condenado apenas por 3 crimes de ofensa à integridade física simples p.p. art.º 143 do CP

NUIPC 1329/09.8GEALM

72. Do concurso real entre o homicídio na forma tentada e a detenção ilegal de arma constante do apenso NUIPC 1329/08GEALM cumpre dizer: Estes crimes, conforme ensina Figueiredo Dias encontram-se numa situação de concurso aparente, conforme se pode ler no acórdão do STJ de   31/03/2011 :“Mas, apesar de o comportamento global do arguido ser subsumível a dois tipos legais – homicídio e uso de arma proibida –, não deve concluir-se por um concurso efectivo de crimes, mas antes aparente.

Vão nesse sentido os ensinamentos de Figueiredo Dias, que, depois de ter como assente que «é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica» existente no comportamento global do agente «que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de (…) de crimes», considera:

«A ideia central que preside à categoria do concurso aparente deve pois ser, repete-se, a de que situações da vida existem em que, preenchendo o comportamento global mais que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica entre os sentidos de ilícito coexistentes uma conexão objectiva e/ou objectiva tal que deixa aparecer um daqueles sentidos de ilícito como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, e hoc sensu autónomo, enquanto o restante ou os restantes surgem, também a uma consideração jurídico-social segundo o sentido, como dominados, subsidiários ou dependentes; a um ponto tal que a submissão do caso à incidência das regras de punição do concurso de crimes (…) seria desproporcionada, político-criminalmente desajustada e, ao menos em grande parte das hipóteses, inconstitucional. A referida dominância de um dos sentidos dos ilícitos singulares pode ocorrer em função de diversos pontos de vista: seja, em primeiro lugar e decisivamente, em função da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global; seja em função da unidade de desígnio criminoso; seja em função da estreita conexão situacional, nomeadamente espácio-temporal, intercedente entre diversas realizações típicas singulares homogéneas; seja porque certos ilícitos singulares se apresentam como meros estádios de evolução ou de intensidade da realização típica global» (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, páginas 989 e 1015).

Como se viu, o arguido foi ao interior do anexo que lhe servia de habitação, pegou na espingarda, que ali se encontrava, não possuindo a necessária licença de uso e porte, trouxe-a para o exterior, apontou-a à vítima e disparou sobre ela, matando-a. A conexão existente entre a conduta do arguido em relação à arma e o homicídio, esgotando-se aquela na prática deste, faz aparecer, no comportamento global, o sentido de ilícito do homicídio absolutamente dominante e subsidiário o sentido de ilícito da utilização da arma proibida, havendo desde logo «unidade de sentido social do acontecimento ilícito global», pois o que o recorrente pretendeu foi matar o irmão, não sendo o uso de arma proibida mais que o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado.

O autor citado aponta mesmo como exemplo de concurso aparente um caso como este: «Circunstâncias como, p. ex., a de se utilizar arma proibida (…) constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio, sob a forma de concurso aparente» (ob. cit., página1017).”Não é, pois, correcta a decisão recorrida, no ponto em que autonomizou como crime do artº 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, o uso da arma, devendo o arguido ser absolvido da acusação nessa parte.

A utilização de arma proibida relevará apenas na determinação da pena concreta do homicídio.

Pelo exposto, deverá o recorrente ser absolvido do crime de detenção de arma proibida p.p. nos art.º 86 n.º1 al. c) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, por o mesmo se encontrar em relação de concurso aparente com o crime de homicídio qualificado na forma tentada sob pena de violação do art.º 77 do CP.

NUIPC. 194/10.7GCALM

73. Aproveitando a estatuição do art.º 70. do Código Penal ao delimitar que: “ a determinação da medida da pena, dentro dos limites legais definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40 n.º 2 do Código Penal) crê-se que ,in casu, tal normativo foi violado porquanto:

74. O recorrente não utilizou qualquer arma de fogo. Forçoso é concluir que não obstante a sua comparticipação em autoria, ao nível da sua culpa a mesma foi a mais diminuta de todos os arguidos, ante o seu comportamento altamente passivo.

75. Ora se atentarmos, o Tribunal a quo atribuiu a mesma pena pelo crime de rapto e de roubo tanto ao arguido BB como ao arguido AA, quando resulta da matéria provada e da sua própria fundamentação que o arguido AA no contexto da factualidade em crise teve digamos a culpa mais diminuta e é um arguido sem antecedentes criminais.

76. Ora a ser assim, como dissemos, os art.º s 71 e 40.º do CP, são violados uma vez que pelo menos em relação ao crime de rapto, sendo o grau de culpa menor do que os demais arguidos a sua pena devia ser menor e não igual, in casu, reduzida para o mínimo que são dois anos. A não ser assim além da violação do princípio da culpa é violado também o princípio da igualdade.

 DA PENA ÚNICA

77. A medida da pena representa matéria de direito e portanto  é de conhecimento pelo STJ.

78. Entende o recorrente que a pena de prisão que lhe foi aplicada é excessiva.

79. O artigo 71 do CP diz-nos que a medida da pena é determinada em função da culpa do agente, sendo de excluir qualquer entendimento que veja, na expressão, a cobertura para a retribuição da culpa do agente, através da pena.

80. Uma vez considerado culpado, a pena aplicável ao recorrente não poderá esquecer a sua personalidade bem como a análise do efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, os seus antecedentes criminais e a sua situação familiar.

81. Daí que a pena de 20 anos de prisão para o comportamento global do recorrente seja desproporcional.

82. Ao fixar-se um juízo de censura jurídico legal haverá que ponderar o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo.

83. Atentos os factos supra expostos, o recorrente considera que a ser condenado, lhe deveria ter sido aplicada uma pena de prisão no limite mínimo legalmente considerado nos termos do art.º 77.º n.º 2 do CP.”


Por sua vez, o arguido BB rematou a sua motivação (fls. 17.609 a 17.677), com a apresentação das seguintes conclusões:
“1. O arguido foi condenado em 1ª Instância e viu confirmada essa mesma decisão pelo venerando Tribunal da Relação de Lisboa pela prática dos seguintes crimes:

a) Pela prática de crime de associação criminosa, p. e p., pelo artº 299º, nº 2 do Cód.Penal na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão (factos do nuipc 137/08.8SWLSB);

b) Pela prática em co-autoria, de um crime de extorsão, p. e p., pelo artigo 223º, nº 1 do Cód. Penal na pena de dois (2) anos de prisão (factos de fls. 6088 e segs);

c) Pela prática em co-autoria de um crime de rapto qualificado, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos, 161º, nº 1, alínea a) e 2, alínea a) e 158º, nº 2, alínea b), ambos do Cód. Penal na pena de cinco (5) anos de prisão (factos de fls. 6088 e segs.);

d) Pela prática em co-autoria de um crime coacção agravada, p. e p., pelo artº 154º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal na pena de três (3) anos de prisão (factos do nuipc 2/10.9GHLSB);

e)  Pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i) do Cód. Penal, na pena de doze (12) anos de prisão (factos do nuipc 1329/09.8GEALM);

f) Pela prática em co-autoria da prática de um crime de rapto, p. e p., pelo artigo 161º, nº 1, alínea a) na pena de três (3) anos de prisão (factos do nuipc 194/10.7GCALM);

g) Pela prática em co-autoria de [roubo] crime de roubo qualificado, p. e p., pelo artigo 210º, nº 2, alínea a) por referência ao artigo 210º, nº 2, alínea g) do Cód. Penal, na pena de três (3) anos de prisão (factos do nuipc 194/10.7GCALM);

2. Por Douto Acórdão, a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso apresentado.

3. Não se conformando com o douto acórdão o recorrente vem, desta feita, interpor recurso para o STJ.

4. O objecto deste recurso será vasto, visando a apreciação pelo Venerando STJ de questões que implicam a nulidade do acórdão recorrido, questões que o TRL deveria ter apreciado e não apreciou bem como matérias sobre matéria de direito que não obstante terem sido apreciadas o recorrente com elas não se conforma.

5. Constitui princípio geral do direito processual que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 4 do CPP.

6. Omitindo o tribunal este dever de julgamento, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula - artigos 668.º/1/d, do CPC, e 379/1/c do CPP.

7. Como se desenvolverá, relativamente à vasta factualidade impugnada, o Tribunal a quo deveria “reavaliar” da forma possível as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impunham ou não uma decisão diversa da recorrida.

8. Como tentaremos ilustrar, o acórdão recorrido não se debruçou, como é legalmente exigível sobre as questões dadas à sua apreciação e portanto padece de nulidade (cfr. artigos 379/1 e 425/4 todos do CPP).

9.Na verdade, o recorrente entende que o acórdão recorrido é injusto e insuficiente à luz dos princípios básicos que regem o processo penal, de lógica e bom senso e, sobretudo, à luz de critérios elementares de justiça material.

10. Ora, com tal decisão e com a sua fundamentação não pode o recorrente conformar-se porquanto a mesma não revelou, nem da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo do Estado.

11. Embora a lei não determine o grau ou a extensão da fundamentação, não basta dizer que sim ou que não; é preciso o tribunal debater-se perante cada questão especificamente colocada pelo recorrente e apresentar uma solução, especificando o porquê, em que se funda o seu sentido.

12. A fundamentação deve ser um desenvolvimento das premissas previamente enunciadas, para que, mais do que vencer, a decisão precisa de convencer e demonstrar-se perante os seus destinatários como plena, racional e motivada.

13. Conforme defende Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, pág. 293: “ É hoje entendimento generalizado [de um sistema] que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso que todos os Códigos modernos exigem a fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito” (...) “ A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias: permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça(..)”

14. Ora, a decisão recorrida não apresenta resposta a questões fulcrais, limitando-se a resolver, de forma redutora, por remissão para a fundamentação do acórdão recorrido, ou para a douta resposta do MP ao recurso do Recorrente.

15. Sobre as várias questões a apreciar, especialmente em relação à matéria de facto, o acórdão recorrido apesar da sua extensão limita-se a enunciar os factos provados, as alegações dos recorrentes, do MP, respondendo à impugnação dos vários recorrentes de 2 formas: Ou os recorrentes não deram cumprimento ao formalismo do artigo 412/2/3 do CPP ou, apesar de o terem feito o que na realidade pretendem é fazer valer a sua própria apreciação da matéria de facto por oposição à do Tribunal de 1.ª Instância que, e uma vez que beneficiou da imediação, nada há a apontar à decisão condenatória porque decidiu, fundamentadamente ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência.

16. Com efeito, a técnica consagrada no acórdão recorrido consiste em remeter os concretos problemas levantados pelo recorrente e confrontá-los com a fundamentação do acórdão proferido, num tipo de discurso que se traduz em generalizar, para evitar apreciar o caso concreto.

17. Com o devido respeito, a fundamentação utilizada representa a forma mas simples de evitar a reapreciação da matéria de facto e proceder à análise das questões levadas à consideração do Tribunal da Relação, sustentadas em provas, devidamente identificadas que levariam inexoravelmente a uma decisão diferente da tomada.

18. A verdade é que o recorrente atacou a factualidade provada, colocando em causa a formação da convicção do julgador com base no princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência, invocou prova testemunhal, prova por reconhecimento, prova documental entre outras provas que impunham decisões diversas das tomadas e sobre as quais o Tribunal recorrido simplesmente não se pronunciou.

19. Todas as questões colocadas não se resumem ao que o Tribunal a quo enquadrou como uma mera contradição entre depoimentos que não permitem sindicar a decisão do tribunal por causa da imediação.

20. Trata-se sim, de colocar à apreciação do Tribunal recorrido exactamente a matéria que o próprio diz poder apreciar, ou seja: Controlar a convicção do julgador de 1.ª Instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos!

21. Foi exactamente o que o recorrente pôs em causa: a convicção do julgador por a considerar totalmente contrária às mais elementares regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.

22. O que o Tribunal a quo fez  foi demitir-se da sua função axial - reapreciação da matéria de facto - optando por decidir, repete-se, por remissão para a fundamentação do acórdão de 1.ª Instância.

23. Deste modo, a não pronúncia sobre as questões elencadas além de geradora de nulidade, nos termos gerais do artigo 379.º/1/c do CPP, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32./1, 203.º e 205 todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade e nulidade que desde já se arguem relativamente à omissão de pronúncia e violação do dever de fundamentação em relação à matéria de facto impugnada no âmbito do processo com o NUIPC 137/08.8SWLSB, fls 6088 e ss, NUIPC 2/10.9GHLSB e NUIPC 1329/09.8GEALM, nos termos que abundantemente se explanaram nas motivações e para as quais se remetem e se dão aqui por integralmente reproduzidas, devendo o acórdão recorrido ser substituído por outro que se pronuncie sobre as questões colocadas.

24. O arguido recorre dando escrupuloso cumprimento ao disposto no art.º 412º, n.º 3 do CPP e vê a questão decidida mediante a utilização de formas tabelares e expressões sem qualquer sustentação e desprovidas de conteúdo para sustentar o entendimento perfilhado.

25. Conforme tem sido, com frequência, decidido pelo Egrégio Supremo Tribunal: «a utilização de fórmulas tabelares não constituem "uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão", mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. Deste modo, a decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares como "fundamentação jurídica" viola o disposto no n.º 1 do art.º 77.º do C. Penal e no n.º 2 do art.º 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art.º 379º, al. a), deste último Código.»

26. E, utilizando ainda fundamentação já expendida pelos Colendos Conselheiros, refere-se também o entendimento de Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Universidade Católica do Porto, 2002, ps. 547/551, que sustenta que «um recurso fundamentado numa discordância em relação à decisão sobre um ponto de facto, reputado como incorrectamente decidido, (...) trata-se de um juízo de censura crítica sobre um concreto "ponto": (...) o recorrente, sendo obrigado a especificar quais as provas [ou ausência de provas] que imporiam decisão diversa, o que pretende é, exactamente, que o tribunal de recurso proceda, ele próprio, a um exercício crítico substitutivo do «exame crítico» realizado pelo tribunal de primeira instância. Por outras palavras, o recorrente [não só] tem o «direito» a que o tribunal de primeira instância, na sua decisão, proceda a um exame crítico das provas [como] tem o direito a solicitar o reexame crítico em segunda instância».

27. É certo que o citado normativo permite uma exposição, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a Decisão.

28. E ainda que se considerasse que a Motivação ora transcrita se mostrava “completa”, o que se não admite, o Douto Acórdão ora recorrido, com o devido respeito, dá uma nova dimensão à expressão “concisa”.

29. Aliás, tal “concisão” é tão impressionante que não se alcança de que forma o Douto Tribunal concluiu como o fez, ou sequer se analisou as provas que o recorrente levou ao seu conhecimento!

30. A fundamentação no Douto Acórdão é manifestamente insuficiente, vaga e imprecisa, limitando-se o Venerando Tribunal ora recorrido a transcrever a Decisão da 1ª Instância, não sindicando as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo, sem que tenha expressado o respectivo exame crítico das mesmas, isto é, o processo lógico e racional que foi seguido na conclusão de que o recorrente não tinha razão!

31. Aliás, o douto Acórdão em crise mais não é do que uma enumeração ou indicação dos meios de prova feita pelo Tribunal “a quo” na motivação da decisão proferida, isto é, sem qualquer outra referência de facto ou de direito, o que não só não satisfaz o dever de exame crítico das provas, como suscita dúvidas sobre o acerto da valoração e apreciação da prova. Pode mesmo dizer-se que dar como provado factos sem qualquer raciocínio lógico-jurídico deixando a questão entregue ao entendimento e à incerteza do modo de ver de outrem, é o mesmo que nada dizer…

32. A fundamentação não é arbitrária e, embora discricionária, é vinculada, explicitada ou demonstrada por um raciocínio analítico objectivo. Deveria, assim, ter sido apreciado o processo de formação da convicção do julgador. O que não aconteceu!

33. É, pois, nosso entendimento que o "reexame" levado a cabo por este tribunal ad quem, (sem prescindir o entendimento por nós subscrito de que o recurso em matéria de facto não se destina a provocar um novo julgamento), o certo é que este não foi claramente um verdadeiro "reexame crítico", já que o Recurso, neste segmento, não foi analisado com o sentido critico que se exigia, o que não pode ser confundido com a concordância ou discordância do entendimento do recorrente em detrimento do entendimento professado pelo Tribunal a quo.

34. De facto, que não se entenda que esta arguição de nulidade por ausência de fundamentação da Decisão mais não é do que o espelho da discordância com o sentido dessa mesma Decisão!

35. Basta em breve relance pela fundamentação de facto e de direito do acórdão recorrido, neste segmento, para logo se concluir que o tribunal ad quem não deu cabal cumprimento ao disposto no n.°2 do artigo 374° do CPP, por não ter procedido ao exame crítico das provas da douta fundamentação do acórdão recorrido, expondo claramente as razões da opção efectuada, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão e fundamentação do tribunal a quo e permitindo aos sujeitos processuais proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador.

36. O art. 205.º da Constituição dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (n.º 1).

37. E deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.

38. A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, "uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso.

39. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão" (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9)

40. As sentenças penais condenatórias são decisões judiciais que requerem maiores exigências de fundamentação. Por força da regra constitucional do art. 205º, n.º 1 a liberdade do legislador ordinário é, a esse nível, mais estreita que noutros tipos de decisões. A falta do processo lógico que conduziu à Decisão constitui interpretação materialmente inconstitucional do art. 374º, n.º 2 do CPP por infringir o art. 205º, n.º 1 da CRP conjugado com o art. 32º, n.º 1 da Constituição (garantia do direito ao recurso).

41. A ausência de fundamentação, nos precisos termos demonstrados, viola o disposto no n.º 1 do art.º 77 do C. Penal e no n.º 2 do art.º 374.º do CPP pelo que o douto Acórdão em crise padece da nulidade prevista no art.º 379º, al. a), do CPP, mostrando-se, ainda, violado o direito ao recurso previsto no art.º 32.° n.º 1, conjugado com a 2ª parte do art.º 205 da C.R.P., relativa ao dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, o que é inconstitucional por violação dos referidos dispositivos legais.

42. O que até agora se disse é válido, inteiramente, para os NUIPC que se foram elencando na motivação de recurso e que, por uma questão de desnecessidade, agora não se enunciam.

43. No que tange, ainda, ao NUIPC 137/08.8SWLSB (ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E EXERCÍCIO ILÍCITO DE SEGURANÇA PRIVADA dedicou atenção aquele Venerando Tribunal da Relação tão somente à questão, também ela suscitada, da nulidade arguido por violação do artigo 379º n.º 1 al. b) do C.P.P., não tecendo qualquer considerando sobre a NULIDADE/ INCONSTITUCIONALIDADE pela não comunicação dos fa[c]tos que vieram a constar do Acórdão Condenatório para fundamentar e justificar a condenação pelo crime de associação criminosa quando, da pronúncia não eram esses os fa[c]tos que consubstanciavam a prática de tal crime.

44. Não se ignora que tais fa[c]tos já constariam da Decisão de Pronúncia contudo, tais fa[c]tos não consubstanciavam a pronúncia pela prática de tal crime e, como tal, jamais poderiam, sem prévia comunicação nos termos do artigo 358º ou 359º do C.P.P., fundamentar e motivar a condenação por aquele tipo legal.

45. E não percute no espírito do signatário como válida a comunicação de uma alteração da qualificação jurídica quanto aos fa[c]tos constantes da pronúncia, sobre a qual, de fa[c]to, nada se requereu em tempo (…e que foram dados como não provados) para se ter por eficaz a comunicação dos de fa[c]tos (… novos para aquele tipo legal) que vieram a permitir tal condenação.

46.  Aliás, esta posição não é criação ou interpretação do signatário, como resulta de todo o supra transcrito, e é antes de mais e superiormente assumida pelo Tribunal Constitucional  no douto acórdão n.º 674/99, DR II Série 25/02/2000, cuja leitura integral do dito Acórdão poderá ser realizada no seguinte endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19990674.html em que se decidiu: “Julgar inconstitucional as normas contidas nos artigos 358º e 359º do C.P.P, quando interpretadas no sentido de se não entender como alteração dos factos substancial ou não substancial a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime que embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto ai se não encontravam especificamente enunciados, descritos ou descriminados por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório assegurados no artigo 32, n.ºs 1 e 5, da C.R.P.””

47. Olvidou, entretanto, esse Venerando Tribunal a circunstância de que os factos que sustentaram a condenação pelo crime de Associação Criminosa, na pronúncia, alicerçavam a prova do cometimento de outro crime – Segurança Privada Ilegal. E acabaram por servir para condenar por dois crimes diferentes! Enquanto que os factos que sustentavam o crime de Associação Criminosa foram dados por não provados!

48. Daí o Recurso ter defendido que, em cumprimento do disposto no art.º 358º, n.º 1 do CPP, esses factos, como integradores do crime de Associação Criminosa, teriam de ser comunicados!

49. O que não foi assim entendido pelo Tribunal a quo.

50. Ora, foi exactamente a interpretação dos normativos insertos nos art.ºs 358º e 359º do CPP no entendimento de que não se mostrava necessária a comunicação da alteração não substancial dos factos a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime que embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, constitui violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da C.R.P.

51. Donde, ao omitir a necessária avaliação sobre esta matéria, o Tribunal da Relação omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determina a nulidade da respectiva decisão. Nulidade essa constante do art. 379.º, n.º 2, al. c) do CPP, uma vez que esse Venerando Tribunal não conheceu de questão específica – inconstitucionalidade - de que era obrigado a conhecer e decidir.

52. Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas; as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art.º 660.°, n.º 2, do CPC), quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

53. O acórdão recorrido, também aqui é nulo, nulidade que ora expressamente se argui, nos termos do art.° 379.° n.° 1 al. c) do CPP, por não se ter pronunciado expressamente sobre a questão de conformidade constitucional suscitada pelo recorrente, referindo como deve ser interpretado o dever genérico de fundamentação de todas as decisões judiciais, consagrado no art.° 205.° n.° 1 da CRP. Inconstitucionalidade que, também, expressamente se argui

54. No que tange ao NUIPC 1239/09.8GEALM  e no que à questão de Direito importa, o Tribunal “a quo” andou mal, no nosso modesto entender. Vejamos, a condenação do arguido como co-autor do tipo legal pelo qual foi condenado, sabendo-se, como resulta prova que o mesmo não tem qualquer domínio do facto, viola manifestamente o preceito constitucional. O resultado obtido é um resultado proibido pelo princípio da legalidade, aliás, pelo princípio “nullum crimen sine lege stricta” ínsito no artigo 29º n.º 1 e 3 da C.R.P. e artigo 1º n.º 3 do C.P.

55. Não tendo o arguido qualquer domínio do facto, aderindo por hipótese à tese expendida no Acórdão, acaba-se por concluir facilmente que a decisão sob recurso pune, da forma a que se assiste, um mera intenção do arguido. Um agente que apenas tenha intervindo na fase de planeamento do crime e que não pratica qualquer acto de execução, jamais poderá vir a ser punido como co-autor desse mesmo crime.

56. No Direito Penal Português a celebração do acordo sobre a realização de certo delito por várias pessoas foi tida pelo legislador como não punível por apenas se traduzir num acto preparatório, incapaz de fundamentar a punição como co-autor de um delito tentado. Quanto muito, acaso existisse algum auxílio prestado pelo arguido, seja moral ou material poderia o mesmo ver a sua conduta ser punida como cúmplice no delito em causa.

57. Como, de forma eloquente nos ensina a Mestre que se irá referir, o Acórdão “…antecipa o início da tentativa do co-autor para aquém do momento em que ele inicia a prestação do seu contributo executivo, faz, inevitavelmente, remontar a aplicação do regime do artigo 25º a um momento em que ainda não tem sentido a sua aplicação. Quem ainda nada fez, para além da celebração do acordo, em que se comprometeu a desempenhar na execução do delito um papel de co-autor, deverá poder evitar a punição, como co-auto[r] da tentativa, desde que, na altura prevista no plano comum para a prestação do seu contributo executivo, omita pura e simplesmente tal contributo.” In Início da Tentativa do Co-Autor, Contributo para a Teoria da Imputação do facto na Co-Autoria, Maria da Conceição S. Valdágua, Lex, 2ª edição, págs. 171 e 172.

58. Tal solução jurídica alcançada no Acórdão, “viola o princípio da legalidade; Atribui ao concerto criminoso uma relevância jurídico-penal que lhe não cabe; leva ao resultado absurdo de que é punível coo co-autor de uma tentativa quem não seria punido como co-autor se o delito se tivesse consumado, provoca uma desigualdade injustificada de tratamento entre os comparticipantes na tentativa, no que respeita à sua sujeição ao regime da desistência voluntária”.

59. Mesmo da matéria que foi assente provada, o arguido não pratica qualquer acto de execução, impondo-se, por tal fato, a sua absolvição.

60. No que tange, por fim ao NUIPC 2/10.9GHLSB,  não abdicando da supra invocada falta de fundamentação dever-se-á dizer que a condenação do arguido advém da valoração para a decisão condenatória de umas declarações prestadas para memória futura, ao abrigo do disposto no artigo 271º do C.P.P.

61. Diga-se, como intróito, estas declarações não foram lidas em audiência de discussão e julgamento, por isso, não examinadas e logo impossíveis de valorar.

62. No direito português como, de resto, nos demais regimes processuais estrangeiros que conhecemos, a prova antecipada tem o mesmo valor que a prova produzida ou realizada em audiência de julgamento, desde que aí produzida ou reproduzida.

63. Assim, uma vez lidas e submetidas a debate contraditório, as declarações para memória futura são livremente valoradas pelo juiz (artigo 127.º), podendo fundamentar uma condenação.

64. Acontece que, tais declarações não foram lidas, examinadas ou sequer apreciadas em audiência de julgamento pelo que não poderão ser valoradas livremente pelo Juiz, nem tão pouco poderão fundamentar uma decisão condenatória, sublinhando este aspeto, cfr. Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, cit., pág. 161

65. Não tendo, pois, sido lidas as declarações para memória futura prestadas pelo ofendido, não poderiam as mesmas ser valoradas para efeitos de condenação, impondo-se, logo, a absolvição do arguido por tais fa[c]tos que, aliás, não os praticou, pelo simples fa[c]to que nem no local onde alegadamente ocorreram estava presente.”

                                              

De igual modo, também o arguido CC apresentou a sua motivação (fls. 17.438 a 17.536) de que extraiu as seguintes conclusões:

“1. O recorrente considera que cumpriu o formalismo legal exigido para impugnar a matéria de facto, previsto no artigo 412ºn.s 3 e 4 do CPP.

2. Se assim não aconteceu, deveria o recorrente ter sido convidado a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso.

3. Não o fazendo o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 417º n.3 do CPP, e o artigo 32º n. 1 da CRP por manifesta violação das garantias de defesa do recorrente, nomeadamente o direito ao recurso em matéria de facto.

4. A decisão do tribunal recorrido deveria ser fundamentada, ao contrário do sucedido, conforme impõem os artigos 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

5. No caso concreto, entendemos que o acórdão recorrido não cumpre, em substância, o dever de fundamentação pois não relaciona factos entre si, limita-se a copiar os argumentos da primeira instância, sem os relacionar inclusive com a personalidade do arguido, nem avalia o impacto que nova condenação terá sobre as finalidades da punição, e a possibilidade ou impossibilidade de aplicação de cumprimento da sanção fora do meio prisional.

6. A leitura do douto acórdão, face à matéria que resulta como provada e como não provada a expor convicção do tribunal quanto aos factos relativos ao recorrente (referida na motivação e para a qual se remete), permite-nos concluir no sentido de não ser possível ao tribunal recorrido formar um juízo de certeza sobre a culpabilidade do recorrente.

7. Não resultou suficientemente seguro, da prova produzida em audiência de julgamento, que o recorrente é o autor dos factos que resultaram na morte do ofendido GG.

8. Nem que o recorrente tem a alcunha de bomba ou é conhecido como bomba.

9. Do depoimento das testemunhas ASTM, CD, CR, SA, MG em momento algum ressalta que o recorrente é o autor da agressão ao ofendido GG.

10. Mais, a única testemunha presencial MG esclarece que não reconhece o recorrente desde o inquérito como o autor da agressão, que nunca mais viu a pessoa que terá agredido o ofendido, e que não reconhece o recorrente, não por medo mas por não ter a certeza de quem agrediu o ofendido.

11. O tribunal criou a sua convicção em medos não concretizados e depoimentos indirectos, que não podia valorar, para atribuir a autoria dos factos ao recorrente.

12. No presente caso houve gravação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, sendo, por isso, amplos os poderes de cognição do tribunal de recurso, que possui as condições necessárias ao conhecimento alargado das questões concernes ao julgamento da matéria de facto, para além do direito, nos termos do artigo 428.º do CPP

13. O recorrente por economia processual e colaboração processual, bem como atenta a extensão das gravações audio e vídeo, procedeu à transcrição dos depoimentos das testemunhas que considera relevantes para a matéria de facto e direito a considerar em matéria de recurso, pelo que remete para a motivação de recurso no que a este ponto diz respeito, dando para todos os efeitos legais reproduzido o conteúdo desses depoimentos.

14. No uso do seu poder-dever o tribunal de recurso tem a faculdade de apreciar as questões de conhecimento oficioso, maxime as que respeitam aos vícios previstos no artigo 410º nº. 2 do CPP.

15. Não foi possível ao douto tribunal recorrido formar um juízo de certeza sobre quem efectivamente foi o autor do suposto crime de homicídio qualificado e quais as circunstâncias em que o mesmo ocorreu.

16. Impugna o recorrente a decisão proferida sobre a matéria de facto, dimensão factual da autoria dos factos entendendo o recorrente que não se fez prova de ter o mesmo praticado, ou ter sequer a intenção de praticar sobre o ofendido GG os factos descritos na factualidade provada.

17. A tese do recorrente encontra sustento na matéria apurada no douto acórdão, no qual expressamente deveria constar que não foi possível apurar em concreto como os factos ocorreram e as circunstâncias que os rodearam.

18. Não resulta qualquer fundamentação sobre a participação do arguido, o apuramento de como os factos ocorreram, o que consequentemente, culmina na impossibilidade da imputação ilícita do crime de homicídio qualificado, ou de qualquer outro, ao ora recorrente.

19. Contribui única e exclusivamente para a condenação do recorrente, os factos dados como provados sob fls. .. e seguintes do douto acórdão, os quais se dão por para os devidos efeitos legais integralmente reproduzidos, e mal interpretados.

20. Tendo o douto acórdão identificado de forma perceptível os meios de prova em que baseou a sua convicção, no depoimento das testemunhas referidas e os demais elementos probatórios juntos aos autos, deveria ter concluído que se nenhum destes factos só por si foi suficiente para demonstrar o que efectivamente se passou naquela noite, a conjugação de todos os factos provados à luz das regras da experiência da vida, de acordo com juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica permitiu ao Tribunal concluir, sem margem para dúvidas, pela ocorrência dos factos como se descreveu na factualidade provada e pela não autoria pelo recorrente dos mesmos, pelo que deve ser absolvido.

21. Fundamenta o tribunal recorrido a condenação do recorrente com manifesta carência de prova, ultrapassando-a com recurso às regras da experiência da vida, juízos de moralidade e lógica do homem médio, pelo que nunca lhe seria possível definir e individualizar, por impossibilidade material, a participação do arguido nos factos, necessária também para a graduação da culpa e determinação da pena.

22. Atribui a autoria do crime de homicídio qualificado ao ora recorrente, afirmando ser manifesta a falta de prova para o apuramento da verdade material dos factos, sempre concluindo que pese embora seja real esta sua dificuldade, a mesma é ultrapassável pela convicção do tribunal sobre a autoria do arguido com alcunha bomba.

23. A convicção do tribunal não é prova nem pode substituir a sua falta ou mesmo suprir qualquer dúvida por muito ínfima que esta seja.

24. O recorrente foi condenado com convicções, e não com certezas em prova.

25. Não sendo possível ao tribunal recorrido sustentar e concluir a sua decisão em prova, não lhe é igualmente possível definir e graduar o grau de culpa do recorrente, uma vez que não alcança os actos por si praticados na execução do suposto crime de homicídio qualificado, elementos esses essenciais para a imputação da ilicitude, enquanto elemento subjectivo, e determinação da medida da pena.

26. O tribunal deveria ter decidido precisamente no sentido inverso; isto é; atentos e conjugados os depoimentos das testemunhas e os demais elementos probatórios juntos aos autos, o tribunal recorrido deveria sim ter concluído, que embora nenhum destes factos só por si foi suficiente para demonstrar o que efectivamente se passou naquela noite, a conjugação de todos os factos provados à luz das regras da experiência da vida, de acordo com juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica não permitiu ao Tribunal concluir, sem margem para dúvidas, pela ocorrência dos factos como se descreveu na factualidade provada e da sua autoria pelo arguido.

27. Não alcançou o tribunal a quo concretizar a actuação do recorrente, e bem assim a determinação do grau de culpa que efectivamente teve na suposta ocorrência dos factos, condição essencial para a determinação da pena a aplicar-lhe.

28. Sem a quantificação do grau e nível da culpa, não é possível ao decisor, sob pena de desvirtuar os princípios subjacentes aos fins e medida da pena, a aplicação de uma sanção.

29. Deveria ter sido absolvido, em virtude do tribunal não conseguir ultrapassar com convicções a sua dúvida razoável, dúvida essa manifestada de forma repetida e incisiva no texto da sua decisão.

30. Os depoimentos prestado em audiência de julgamento pelas testemunhas e os demais meios de prova juntos aos autos, não permitem garantir ou considerar com razoável segurança que foi o ora recorrente o autor do crime em causa, e qual a medida da sua culpa.

31. Mais, não alcança identificar o agressor ou agressores (autos 96/10.7, 1592/09.4) individualizar a conduta de participação de cada um dos arguidos, quem se fez deslocar, onde efectivamente estava cada um dos arguidos e qual, existindo, o seu grau de culpa atenta a sua participação, elemento fundamental para a determinação da medida da pena.

32. O tribunal recorrido não responde a questões fundamentais como sejam quem agrediu, onde agrediu quem, quantas vezes agrediu, quem.

33. A decisão do tribunal em matéria de facto, deve revelar-se objectiva e racionalmente alicerçada nos meios de prova validamente produzidos, o que não sucedeu.

34. No douto acórdão recorrido, ficam perceptíveis que a decisão do tribunal recorrido é sustentada em diversas dúvidas, desde a hora de chegada do arguido ao local dos factos, se estando nesse local para onde se ausentou e se utilizou alguma viatura para o efeito, onde estava o arguido e qual o seu grau de participação nos factos, visto o arguido ser um total desinteressado na acção apreciada; qual o interesse do arguido em praticar os factos ou auxiliar na sua prática.

35. A convicção do tribunal a quo sobre a autoria dos factos não se estriba na prova produzida ou nas regras da experiência comum que permitissem concluir no sentido que consta da sua decisão, com o grau de certeza exigível, face aos princípios da culpa e da presunção de inocência, ou seja, para além de toda a dúvida razoável enquanto parâmetro positivo de decisão contido no princípio da livre apreciação da prova.

36. Verificada a errada apreciação e valoração da prova, deve a decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 431º, a) do CPP, ser modificada no sentido da absolvição do recorrente, ou seja, julgando-se não provado que foi o arguido quem praticou os factos descritos na matéria de facto que consta do douto acórdão recorrido.

37. Impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, e para efeitos do artigo 412º, nº. 3 conjugados com o artigo 431,º a) ambos do CPP o recorrente considera que foram incorrectamente julgados, que impõem decisão diversa da recorrida, e que devem ser renovadas as provas de onde constam, os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas anteriormente referidas, e incorrectamente considerados pelo tribunal recorrido no douto acórdão pelas razões anteriormente referidas e constam da motivação e para qual se remete, pelo que a sua apreciação deve ser renovada, e constam do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base.

38. Depoimentos esses que considerados na sua extensão e conjugados com os demais meios de prova, criam a convicção da dúvida razoável e aplicação do principio do in dubio pro reo ao recorrente.

39. Deveria o tribunal recorrido ter indicado os fundamentos da sua decisão quanto à matéria de facto que lhe permitiram inferir o raciocínio e avaliar a sua consistência e razoabilidade - e por isso a exigência legal da motivação de facto circunstanciada, com indicação e exame crítico das provas atendidas em ordem a analisar os fundamentos indicados na motivação de facto da decisão e, ponderando-os de acordo com as regras da ciência, da lógica e da experiência comum, aferir da razoabilidade do julgamento do facto como provado ou não provado feita pelo tribunal no exercício da sua livre convicção, devendo a reapreciação ser feita em tais termos em relação aos pontos postos em causa, isto sem prejuízo de alterações que se impuserem v. g. por, de eventuais correcções, decorrerem contradições a sanar, em abstracto possíveis.

40. O recorrente ciente que o douto tribunal recorrido tem ao seu alcance mecanismos legais para efectuar a ponderação da prova, mas nunca investido de qualquer poder discricionário, considera que deveria ter sido absolvido do crime de homicídio que lhe é imputado por manifesta falta de prova e/ou atento o principio do in dubio pro reo.

41.Princípio que impõe ao tribunal, caso ainda subsistam, após produzidos todos os meios de prova, incluindo a utilização dos seus poderes de produzir provas oficiosamente, uma dúvida ínfima que seja, a absolvição do recorrente.

42. O tribunal tem dúvida razoável pelo que não tem convicção de culpabilidade.

43. Analisando racionalmente a prova indicada pelo tribunal recorrido para fundamentar a sua decisão, e na falta de qualquer explicação na análise crítica da prova que permita acompanhar o iter decisório do tribunal recorrido que levou à conclusão de que, mesmo assim, foi o arguido o autor dos factos e em que medida de participação, impõe-se concluir que o fez sem ancorar a sua decisão na prova produzida e nas regras da experiência comum.

44. Por se não encontrarem preenchidas as circunstâncias qualificativas previstas no artigo 132º do C P, mas sim os elementos objectivos e subjectivos previstos e punidos no artigo 131º do CP, o recorrente foi condenado pelo crime de homicídio simples.

45. Por outro lado, em face da factualidade alegada no douto acórdão e para a qual se remete, afigurasse-nos que os factos como estão narrados, tipificariam a prática de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, com dolo de perigo, artigo 147º, nº. 1 conjugado com o artigo 144º, al. d), ambos do CP.

46. A qualificação do crime de ofensa à integridade física "deriva da verificação de um tipo de culpa agravado" o que supõe que os elementos apurados revelem "uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta" (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 1, p. 26).

47. As circunstâncias exemplificativas descritas no douto acórdão a este respeito e para as quais se remete e consideram integralmente reproduzidas, levam a considerar a possibilidade objectiva de pelo recorrente ter sido criado com dolo eventual um perigo concreto para a vida de outra pessoa sem conformação com o resultado de morte, “uma negligência inconsciente de perigo atento a natureza e intensidade dos deveres de cuidado violados”, devendo aqui ser considerada a culpa do agente.

48. Por outro lado, a pena justifica-se, dentro do limite imposto pela culpa do agente, considerando as necessidades de reinserção social reveladas por este, mas também, no que respeita às exigências de prevenção geral positiva, auscultando as expectativas comunitárias de reacção a certo crime.

49. No que toca ao papel de culpa, ele é o pressuposto e o limite da medida da pena. É o pressuposto da aplicação de uma pena porque uma punição sem culpa significaria uma coisificação do indivíduo, e, portanto, uma ofensa à dignidade da sua pessoa. E a dignidade da pessoa humana é o valor primeiro do Estado de Direito consagrado na nossa Constituição (cf. art.ºs 1º, 9º b), 25 nº1 ou 26 nº 2 da C. R. P.). Mas também é o limite da punição, porque punir para além da culpa significa punir sem culpa, pelo menos na medida do excesso.

50. O art.º 71º do C.P. nos diz que a medida da pena é determinada “em função da culpa do agente”, será de excluir qualquer entendimento que veja, na expressão, a cobertura para a retribuição da culpa do agente, através da pena.

51. A decisão judicial deve ser fundamentada - artigos 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

52. No caso concreto, entendemos que o acórdão recorrido não cumpre, em substância, o dever de fundamentação para a determinação da medida da pena, isto é, não relaciona factos entre si e com a personalidade do arguido, não especificou a culpa do recorrente, nem especificou em concreto todas as circunstâncias comuns, as quais devem ser aferidas pelo tribunal em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

53. Deveria ter efectuado uma reflexão e conclusão na determinação da pena, com base nas “circunstâncias comuns” previstas no artigo 71º, nº. 2 do CP alicerçado na matéria de facto apurada e que atribui culpa, e seria essa reflexão e conclusão que iriam demonstrar e fazer entender ao leitor, o limite imposto pela culpa. Ora o tribunal recorrido não fundamenta a sua decisão a este respeito, limita-se a generalizar a culpa pelos arguidos, e a aplicar-lhes a mesma pena. A sua decisão carece de fundamentação, não só nos termos anteriormente referidos, mas também numa graduação da pena atentos os actos individuais merecedores de sanção e relevantes para a aferição da pena a aplicar ao recorrente.

54. A pena a justificar-se será sempre dentro do limite imposto pela culpa do agente, a qual uma vez apurada deve ser elencada na matéria de facto vertida para a decisão e que estará na base da condenação e da medida da pena aplicada. Todo este mecanismo deve basear-se nos critérios definidos no artigo 71º do CP, e fundamentado nos termos dos artigos 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. O que não aconteceu, o tribunal recorrido não determinou a culpa do recorrente.

55. Uma vez considerado culpado pelos factos descritos na pronúncia, a pena de prisão pelo cometimento dos crimes imputados ao recorrente não deverá esquecer a sua personalidade bem como a análise de efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro.

56. A ausência de antecedentes criminais, a forte presença e prova de inserção social e familiar, os de hábitos de trabalho devem também ser considerados.

57. E a ser imputada actividade ilícita a de menor gravidade.

58. Daí que a pena de 17 anos de prisão para o comportamento global do recorrente apareça desproporcionada e desconforme com a jurisprudência.

59. Ao fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspectiva de contribuição para a sua recuperação como individuo dentro dos cânones da sociedade.

60. A data dos factos deve relevar para a medida da pena.

61. O recorrente tem exemplarmente cumprido a sua medida de coacção, o que demonstra o respeito pela imposição de regras, e capacidade de as cumprir.

62. Atentos os factos supra expostos, o recorrente considera que a ser condenado, lhe devia ter sido aplicada uma pena de prisão no limite mínimo legalmente considerado, ou punido pelo crime de agressão agravada em pena de prisão suspensa na sua execução.

63. A escolha e determinação da pena no sentido referido, seriam suficientes para alcançar as finalidades da pena ao caso em apreço, bem como a prevenção geral e especial aqui exigida.

64. O recorrente espera que todas as decisões dos tribunais sejam justas e equitativas, e que tenham em conta o grau de culpa dos infractores, bem como que apurem todos os elementos necessários a uma boa decisão.

65. O arguido, e por mero exercício de raciocínio, considera e na eventualidade de não ser absolvido do crime de homicídio qualificado em que foi condenado, que a pena aplicada peca por exagerada pelas razões anteriormente referidas.

66. O recorrente considera ainda por um lado (ao contrário do douto tribunal recorrido) existir lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito tomada, ou seja, os factos dados como provados não permitem a decisão de direito a que o tribunal a quo chegou, por existir um hiato nessa matéria que é necessário preencher; e por outro falha na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, ou seja, as conclusões do tribunal recorrido são ilógicas, arbitrários, inaceitáveis e violadoras das regras da experiência comum, deu como provado o que não poderia ter acontecido.

67. Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto, violando-se a norma do CPP 410, n. 2 a), por esta se apresentar insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

68. A este respeito atentem-se os depoimentos transcritos. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, são as que constam das transcrições que fazem parte da motivação de recurso, onde se encontra documentada a prova produzida em julgamento, nomeadamente os depoimentos aí prestados, e que impõem diferente decisão, no sentido ora referido, remetendo a este respeito para a sua motivação de recurso.

69. Os depoimento e as partes destes que devem ser renovados em sede de recurso com vista a ser assegurado pelo tribunal de recurso o respectivo grau de jurisdição, e uma vez conhecedor destes elementos de facto, optar por solução diversa da do tribunal recorrido, são as que constam da sua motivação de recurso.

70. A matéria de facto dada como provada não permite uma decisão de direito, necessita de ser completada.

71. Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada, visto os factos dados como provados não permitirem a conclusão de que o recorrente praticou o cime de homicídio qualificado, nem a decisão contém os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

72. O tribunal ao extrair as suas conclusões após valoração da factualidade, extravasou o objecto do processo e pecou por excesso de pronúncia.

73. A conclusão tirada pelo tribunal relativa aos autos 1629/09.7 é errada, e os factos provados demonstram que o recorrente nada tem a ver com os mesmos, e errou assim o tribunal.

74. Existe contradição insanável pelo tribunal recorrido na sua decisão, atenta a matéria provada e não provada, nomeadamente que o recorrente tem a alcunha de bomba e é de grande porte físico.

75. O tribunal incorreu em erro na apreciação da prova, em violação do artigo 137. Do CPP, uma vez que em nosso entender resultam factos que não foram dados como provados no acórdão recorrido, como que a testemunha MG nunca viu o recorrente no local dos acontecimento nem o conhecia, que não o identifica como o autos da agressão ao ofendido, que nunca reconheceu o recorrente por receio de reconhecer a pessoa errada, que nunca teve medo,  que foi transportado para o tribunal pelos elementos da investigação, tal como outras testemunhas, que quem agrediu o ofendido nunca teve a intenção de lhe causar a morte, que o tribunal inquirindo a testemunha DD, não pode valor os outros depoimentos relativos aos factos que envolveram o ofendido GG por lhe estar vedada a possibilidade de valorar testemunhos indiretos.

76. O arguido deve ser absolvido do crime de homicídio qualificado, devendo para o efeito ser declarados provados factos que o não foram;

77. Se esse não for o entendimento atentos os fundamentos inscritos, nas motivações, conclusões e normas violadas, isto é, ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto provada, não se mostra correcta a correspondente qualificação jurídica, devendo o recorrente ser condenado em pena de prisão suspensa na sua execução por crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, com dolo de perigo, e não de homicídio qualificado;

78. Atentos os fundamentos inscritos nas motivações, conclusões e normas violadas, deve o arguido ser condenado em pena de prisão próxima dos limites legalmente previstos;

79. Deve o arguido ser absolvido dos crimes de ofensa à integridade física qualificada (autos 96/10.7, 1592/09.4 e 611/09.9), devendo para o efeito ser declarados provados factos que o não foram;

80. Não sendo esse o entendimento atentos os fundamentos inscritos nas motivações, conclusões e normas violadas, isto é, ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto provada, não se mostra correcta a correspondente qualificação jurídica, devendo o recorrente ser condenado em pena de multa ou de prisão suspensa na sua execução por crime de ofensa à integridade simples, conforme consta da pronúncia.

81. Deve o arguido ser condenado em pena de prisão próxima dos limites legalmente previstos;

82. As penas e o cúmulo jurídico pecam por exageradas.

83. O tribunal valorou violando a lei, os depoimentos indirectos das testemunhas CD, AV e SA, em violação do artigo 129. Do CPP.”
                                               *

O Ministério Público na Relação pronunciou-se pela rejeição dos recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e CC (cf. fls. 17.711 a 17.716).

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pugnou, em síntese, pela inadmissibilidade parcial dos recursos e pela respectiva improcedência na parte em que são de admitir de admitir, mantendo-se o acórdão recorrido.

Notificados deste parecer do Ministério Público, nos termos do art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, nenhum dos recorrentes usou do direito de resposta.                                                         

2. Questão prévia da admissibilidade dos recursos:
Na resposta aos recursos, suscitou o Ministério Público a questão da irrecorribilidade parcial da decisão, face ao disposto no art. 400º nº 1 al., e) do Código de Processo Penal, em virtude da confirmação pela Relação, em recurso, da condenação por crimes que foram punidos com penas de prisão não superiores a 8 anos.
No seu parecer de fls.18.001 a 18.006, o Ministério Público neste Supremo Tribunal igualmente defende a inadmissibilidade legal de recurso do referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2012, para este Supremo Tribunal de Justiça, com excepção das questões atinentes aos crimes de homicídio (tentado e consumado) imputados a todos eles e, quanto ao arguido CC, no respeitante à medida da pena única, matérias em que entende serem admissíveis os recursos em causa.
Como decorre das conclusões da motivação dos recursos dos arguidos AA, BB e CC, que acima se deixaram transcritas, os recorrentes insurgem-se, grosso modo, contra a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou o acórdão do tribunal de 1.ª instância e que, em consequência, manteve as penas aplicadas aos recorrentes (penas parcelares e penas únicas), umas inferiores e outras superiores a 8 anos de prisão.
Muito embora os recursos tenham sido admitidos sem quaisquer restrições por parte do tribunal a quo (cf. despacho de fls. 17.930), porque esta decisão não vincula este Supremo Tribunal, como decorre do disposto no n.º 3 do art. 414.º do Código de Processo Penal, haverá que conhecer desde já da questão prévia suscitada pelo Ministério Público. 
Por isso, importa, antes de mais, verificar, in casu, se ocorre alguma causa que impossibilite o Supremo Tribunal de Justiça de conhecer, ou de conhecer em toda a sua extensão, dos recursos interpostos por estes recorrentes ou, dito por outras palavras, se estão reunidos todos os pressupostos, legalmente definidos, no que respeita à susceptibilidade de impugnação da decisão confirmatória proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa ou se, ao invés, os recursos devem ser parcialmente rejeitados, conforme sustenta o Ministério Público.
Importa recordar que o arguido AA foi condenado pela prática de crimes de associação criminosa, de exercício ilegal de segurança privada, de detenção de arma proibida, de ofensas à integridade física qualificada, de extorsão, de rapto, de coacção agravada e de roubo qualificado, em penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, mas também pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pena de 12 anos e, em cúmulo jurídico, na pena única de 20 anos de prisão. Por seu turno, o arguido BB foi condenado pela prática de crimes de associação criminosa, de extorsão, de rapto, de coacção agravada e de roubo qualificado, em penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, mas também pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pena parcelar de 12 anos de prisão e, em cúmulo jurídico de todas estas infracções, na pena única de 17 anos de prisão. E, por último, o arguido CC foi condenado pela prática de 3 crimes de ofensa à integridade física qualificada em penas inferiores a 8 anos de prisão, além da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, na pena de catorze 14 anos de prisão; em cúmulo jurídico, este arguido foi condenado na pena única de 17 anos de prisão.
Da conjugação do disposto no art. 400.º do Código de Processo Penal com os demais preceitos referentes aos recursos de natureza ordinária, nomeadamente os arts. 432.º a 436.º do mesmo Código, segundo a redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Setembro, resulta que a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça está dependente de um conjunto alargado de pressupostos legais que devem ser conjugados entre si.
O regime de recursos em processo penal, incluindo a competência do Supremo Tribunal de Justiça nessa matéria, deve ser interpretado em conformidade com os imperativos constitucionais relacionados com os direitos, liberdades e garantias, muito em particular com o disposto no n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental, no qual se estabelece que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, o que significa que o cidadão condenado pela prática de um crime tem sempre, pelo menos, assegurado o duplo grau de jurisdição, ou seja, tem a garantia de que o seu caso possa vir a ser reapreciado por um tribunal de grau hierarquicamente superior. Deste modo se tem entendido que, enquanto tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da matéria de facto, cuja sindicância, em sede de recurso, é atribuída, em exclusividade, aos tribunais da relação. Por outro lado, como tribunal de última instância não conhece de todos os recursos, mesmo que restritos a matéria de direito, mas somente daqueles que apresentem maior valia, fundada na gravidade das penas privativas da liberdade que concretamente venham a ser aplicadas. Daí que a confirmação da sentença de 1.ª instância por parte do tribunal da relação, ou seja, a denominada dupla conforme, ao mesmo tempo em que faz pressupor o acerto da decisão, determina a restrição da intervenção do Supremo quanto ao reexame da causa.

No caso em apreço, tendo em consideração que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou in totum as penas privativas da liberdade aplicadas na 1.ª instância aos ora recorrentes AA, CC e BB, importa atentar no regime previsto na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP: “Não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
Este dispositivo não suscita grandes dúvidas de aplicação quando o processo tem como objecto um único crime e em que, portanto, existe uma única condenação. Todavia, a solução não parece tão óbvia quando, no âmbito do mesmo processo, são julgados, em concurso de infracções, vários crimes e o arguido acaba por ser condenado em diversas penas parcelares, umas superiores e outras inferiores ao limite legal de recorribilidade previsto para os casos de dupla conforme; ou quando são aplicadas penas parcelares inferiores ou iguais a 8 anos de prisão, mas em que a pena única vem concretamente a ser fixada, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 77.º do CP, em duração superior a 8 anos de prisão.
Nestas situações, pode defender-se que o Supremo Tribunal de Justiça colhe competência para, mesmo em caso de dupla conforme, conhecer também dos crimes cujas penas parcelares sejam iguais ou inferiores a 8 anos de prisão, desde que a pena única venha a superar esse limite. Ou que, ao invés, que o concurso de crimes julgados no âmbito do mesmo processo não permite esquecer a individualidade de cada um dos delitos para efeitos de recorribilidade para o Supremo ou, dito de um outro modo, que a aplicação de uma pena única superior a 8 anos de prisão não amplia a competência do Supremo Tribunal para a apreciação de crimes que não poderiam isoladamente ser julgados, em recurso, pelo Supremo Tribunal por a pena aplicada o não permitir.

Como a norma da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do Código de Processo Penal, na sua actual redacção passou a fazer referência à pena aplicada, chegou a defender-se a este respeito que, para se decidir da recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão da Relação, haveria que atender somente à pena única, a qual verdadeiramente constituía a pena aplicada. Deste modo, sempre que a pena única aplicada fosse superior a 8 anos de prisão, o recurso teria como objecto não apenas os critérios de determinação da pena única, mas o conhecimento de todos os crimes integradores do concurso, ainda que as penas parcelares estivessem confirmadas e não fossem superiores a 8 anos de prisão. Foi neste sentido que se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão nº 590/2012.

Não obstante, temos entendido como preferível a interpretação segundo a qual a questão da irrecorribilidade se coloca primeiro perante cada uma das penas parcelares e, seguidamente, perante a pena única. Com efeito, do disposto nos arts. 24.º e 29.º do Código de Processo Penal, o primeiro referente às situação de conexão de processos, o segundo que estabelece que se organize um só processo para todos os crimes determinantes de uma conexão, resulta que, estando em causa vários crimes cometidos pelo(s) mesmo(s) agente(s), a circunstância de se organizar um só processo não faz perder a individualidade de cada crime. Desde logo, porque a prova que há-de ser feita em julgamento incide sobre cada um dos crimes imputados ao(s) arguido(s) e, relativamente a cada um deles, sendo o agente absolvido ou condenado, neste caso com individualização da respectiva pena. Por outro lado, a pena aplicada a cada um dos crimes não perde os seus efeitos por via da sua integração num cúmulo e da aplicação de uma pena única. Basta pensar que é com base nas penas parcelares que é estabelecida a moldura abstracta da pena única, conforme determina o n.º 2 do art. 77.º do CP, e que, em caso de aplicação da amnistia ou perdão de pena posterior à condenação, se atenderá a cada um dos crimes e à respectiva pena.

Em suma, mandando a lei atender, para efeito de recurso a interpor do acórdão da Relação, à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o Supremo Tribunal de Justiça só tem competência para apreciar a decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou de condenação e a pena, segundo uma corrente jurisprudencial, seja superior a 5 anos de prisão, ou quando, apesar de a decisão ser confirmatória, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão. Tudo se passa, portanto, relativamente a cada um dos crimes em concurso como se para cada um deles tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada determinada pena.
Atendendo aos princípios orientadores do regime dos recursos em processo penal, seria incompreensível que a conexão ou a separação processual, o mesmo é dizer o julgamento dos vários crimes em concurso em conjunto ou em separado, viesse a constituir factor de delimitação da competência do Supremo Tribunal de Justiça e que, por esta via, a última instância judicial viesse a ser chamada a pronunciar-se, em sede de recurso, sobre as denominadas bagatelas penais, desde que tais crimes fossem julgados conjuntamente com outros a que fossem aplicadas penas privativas da liberdade superiores a 8 anos. Tal faria sentido no caso do sistema de pena unitária ─ em que não se exigisse a discriminação das penas parcelares e tudo se passando como se o conjunto dos factos praticados pelo agente constituísse um só crime a punir segundo a culpa e as exigências de prevenção geral e especial ─, situação em que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça deveria abranger toda a decisão, sendo definido o âmbito do recurso por referência a essa pena. Todavia, sendo a pena do cúmulo uma pena única conjunta, como é no sistema português, já não se justifica um conhecimento amplo do recurso de forma a abranger cada um dos crimes que entram no concurso, mesmo daqueles que são tidos por irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça.

O entendimento que vimos defendendo e que constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça não constitui restrição inadmissível das garantias de defesa, particularmente uma violação intolerável do direito ao recurso, porquanto o n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental assegura ao arguido, no caso de ser atingido ao nível dos seus direitos fundamentais pela decisão jurisdicional tomada, o direito de ver a sua situação criminal ou processual penal reapreciada por um outro tribunal hierarquicamente superior. O que não significa que o referido preceito faculte ao arguido um uso irrestrito do recurso penal, ou que pressuponha o amplo acesso aos tribunais hierarquicamente superiores, designadamente quando não sejam postos em causa os direitos fundamentais da defesa ou quando a decisão de 1.ª instância já tenha sido confirmada em sede de recurso por um tribunal de grau hierarquicamente superior.

Dentro deste enquadramento, pode, pois, dizer-se que não se mostra atentatório das garantias de defesa do arguido, a reserva da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça enquanto última instância de recurso, para a reapreciação dos crimes considerados mais graves, em que a pena aplicada ao arguido justifica uma última ponderação da situação jurídica-criminal do condenado, desde que tenha sido assegurado, nos outros casos, um grau de recurso, ou seja, a reavaliação por um outro tribunal da decisão de 1.ª instância.
            Deste modo, o Tribunal Constitucional, reunido em plenário, julgou no acórdão nº 186/2013 não inconstitucional a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça “de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”, tendo revogado o mencionado acórdão nº 590/2012.
            Reconheceu então o Tribunal Constitucional que o entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça vem sufragando “veda[…] a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.” E observou, por outro lado, que não colhe a crítica segundo a qual a referida interpretação  radica “num processo de «cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico»”  Tal cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo -  artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - (cfr., ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.”
Assente que as garantias de defesa do arguido não pressupõem um duplo grau de recurso, que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em caso de dupla conforme, deve ficar reservada para as situações consideradas mais graves e que a aludida interpretação normativa do art. 400.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal tem respaldo constitucional, haverá que concluir que está vedado a este Supremo Tribunal conhecer, em toda a sua extensão, dos recursos interpostos pelos arguidos AA, CC e BB.
Deste modo, os recursos interpostos por estes arguidos são rejeitados com fundamento em inadmissibilidade legal no tocante aos crimes de associação criminosa, de rapto, de exercício ilegal de segurança privada, de detenção de arma proibida, de ofensas à integridade física, de extorsão, de rapto, de coacção, de roubo, relativamente aos quais foram aplicadas, em concreto, penas parcelares iguais ou inferiores a 8 anos de prisão o que impede o conhecimento das questões que lhes estão conexas e que, merecendo reparo por parte dos recorrentes AA, CC e BB, serviram de fundamento aos seus recursos (maxime alteração da qualificação jurídica dos factos, omissão de pronúncia, nulidade do acórdão recorrido, violação do dever de fundamentação, violação do princípio da igualdade, falta de leitura em audiência de julgamento das declarações para memória futura). Dada a inadmissibilidade desses recursos, tais nulidades apenas poderiam ser arguidas perante o tribunal recorrido antes de se verificar o trânsito em julgado da decisão, com apelo às normas do processo civil (neste sentido, cfr. Robalo Cordeiro, «Audiência de Julgamento», Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, pág. 315-316).    

Quanto às partes em que a decisão transitou, deixam de poder ser invocáveis ou oficiosamente apreciadas quaisquer nulidades, mesmo as denominadas “insanáveis”. Como afirma Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III, pág. 373), “transitada um julgado uma decisão, atingida assim a sua imutabilidade relativa, sanaram-se – com o trânsito em julgado – os vícios processuais que porventura nele existissem. […] À face da ordem jurídica, dado o trânsito em julgado, tudo se passa como se os vícios não existissem; sanaram-se.”

Por todo o exposto, julga-se procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público quanto à irrecorribilidade da decisão na parte referente aos crimes que se mostram punidos com penas não superiores a 8 anos de prisão.

3. Pelas instâncias foram considerados provados os seguintes factos:

Factos provados inerentes ao Nuipc 137/08.8SWLSB (…)”:

“1. A sociedade arguida “II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª”, é uma sociedade comercial por quotas inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, com o NIPC. 504164490, com sede na Rua ..., tendo sido criada pelo arguido HH e tem como objecto social a prestação de serviços de segurança privada, sendo seu sócio gerente, até 02.03.2010, o referido arguido.

2. O arguido JJ, desde pelo menos 2005, que passou a exercer funções por conta e no interesse da ... o que fez de forma regular, até à data da sua detenção nos presentes autos.

3. O arguido LL pelo menos desde data anterior a 1 de Abril de 2008 que passou a exercer funções por conta e no interesse da ..., apenas tendo celebrado contrato de trabalho com essa sociedade e para as funções de escriturário de terceira categoria em 1 de Outubro de 2009, só passando a figurar no quadro de funcionários da empresa desde essa data (fls. 186 a 190 do Apenso AO anexo 1).

4. A coberto da II e no interesse desta e dos arguidos HH, JJ e LL, desde data não concretamente apurada mas anterior a Abril de 2008, acordaram os arguidos HH, JJ e LL, a prestação de serviços de segurança privada em estabelecimentos de diversão nocturna, em particular na zona de Lisboa e arredores e designadamente na margem sul do Rio Tejo, por indivíduos que não eram titulares de cartão de vigilante, bem sabendo que tal conduta constitua crime. Assim sucedeu nomeadamente:

a. Com o arguido EE, no estabelecimento de diversão nocturna o R..., cujos serviços de segurança privada estavam contratados com a II e cujo estabelecimento era da responsabilidade do arguido JJ;

b. Com MM, no dia 18 de Outubro de 2009, no estabelecimento de diversão nocturna ... Bar Disc, cujos serviços de segurança privada estavam contratados com a II e que era da responsabilidade do arguido LL.

5. Mais acordaram em realizar a prestação remunerada de serviços de segurança privada, com indivíduos que possuíam cartões de vigilante, sem que estes estivessem formalmente contratados pela sociedade II, aquando da prestação dos serviços, nem declarados como vigilantes admitidos pela mesma ao Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública, celebrando os respectivos contratos e declarando a admissão de tais trabalhadores, em certas ocasiões, apenas após serem fiscalizados, não procedendo aos respectivos aos descontos para a Segurança Social, respeitantes ao período em que, apesar da efectiva prestação de serviços em estabelecimentos contratados pela II e a esta remunerados, enquanto os mesmos não se encontravam declarados como admitidos na empresa. Assim sucedeu, nomeadamente, com os arguidos GG e NN.

6. De igual modo, em algumas ocasiões, quando os serviços de segurança eram prestados por indivíduos que não eram titulares de cartões de vigilante, os  arguidos JJ e LL, colocavam um ou mais vigilantes titulares de cartão de vigilante e inscritos como funcionários da II, para em caso de fiscalização, não ser detectada pelas autoridades a prestação de serviços de segurança por indivíduos não titulares de cartão e para melhor alcançar os seus propósitos determinavam que os indivíduos não titulares de cartões, não envergassem a farda da II.

7. OO, também conhecido por “...” é praticante de artes marciais, concretamente de “Brazilian Jiu-Jitsu”, sendo por essa razão conhecido por “Mestre” e assim tratado pelo seu círculo de amigos e bem assim pelas pessoas a quem ministrava aulas de Jiu-Jitsu.

8. OO uma vez em território português passou a exercer a actividade de “monitor de actividade desportivas”, no ginásio Radical Gym, tendo obtido autorização de residência temporária em 15.03.2001, válida até 14.3.2006, com base no contrato de trabalho como monitor de actividade desportivas, com Radical Gym, NIF 5048115431.

9. Paralelamente OO passou  a  exercer a actividade  de

vigilante, sendo titular do cartão nº 45213, com frequência dos módulos 3, 4 e 6, emitido em 07.03.2003 e válido até 07.05.2005, tendo sido declarado perante a autoridade administrativa competente, como vigilante do estabelecimento “... – Bar Discoteca, Ldª”, admitido em 23.04.2003 e demitido em 07.05.2005 (fls. 130 e 131 do Apenso AO – Anexo 1).

10. Em data não concretamente OO aderiu ao grupo constituído pelos arguidos HH, JJ e LL, para conjuntamente com eles prosseguir o propósito por estes acordado e supra descrito, no âmbito e a coberto da II.

11. E nestes termos, datado de 1 de Abril de 2008, OO celebrou um contrato com a sociedade arguida “II - Segurança Privada Unipessoal, Ldª, com a categoria profissional de vigilante, apesar de nesta data já não poder exercer tais funções por não ser titular de cartão de vigilante, facto que o arguido HH, bem sabia.

12. Na prossecução deste propósito comum, OO e os arguidos HH, LL e JJ repartiam entre si tarefas.

13. Os arguidos HH, JJ e LL, tinham por função a angariação de clientes para a prestação de serviços de segurança privada por conta da II, contratando diversos indivíduos que faziam a segurança aos estabelecimentos de diversão nocturna, determinando os locais onde os mesmos prestariam serviço, incluindo os que não eram titulares de cartão de vigilante e bem assim que aqueles que trabalhariam sem estarem declarados como funcionários da II.

14. Competia ainda aos arguidos HH, JJ e LL elaborar as escalas de serviço dos seguranças, fornecer-lhe os fardamentos e o material necessário ao exercício da sua actividade de segurança privada.

15. No âmbito das suas funções na sociedade II, os arguidos HH, JJ e LL, contactaram com diversos proprietários de estabelecimentos de diversão nocturna para a contratação de serviços de segurança privada para a II, na sequência dos quais celebraram os respectivos contratos para a prestação de tais serviços, entre os quais, os estabelecimentos “A...” em Lisboa, “S...” posteriormente denominado “R...”, na Costa da Caparica, o “R...” em Corroios, “O...”, “M... Bar” na Costa da Caparica, “D...” conhecido por “E... Klub”, “O...” e “R... Dreams”, ambos em Corroios e o restaurante “S...”.

16. O pagamento contratualizado de tais serviços variava entre uma prestação mensal devida à II ou entre o valor horário de prestação de serviços.

17. Nalgumas das situações em que era acordada um valor mensal pela prestação dos serviços de segurança, o pagamento dos vigilantes que exerciam funções no respectivo estabelecimento, era feito directamente pelo estabelecimento aos vigilantes, havendo casos em que os vencimentos dos vigilantes eram negociados pelos próprios e o estabelecimento. Foi o que sucedeu nomeadamente com o estabelecimento de diversão nocturna, “R...”.

18. Alguns dos estabelecimentos já tinham vigilantes ao seu serviço, mas como não possuíam alvará de auto-protecção, celebraram contratos com a II para a prestação de serviços de segurança, pagando a respectiva mensalidade, inscrevendo a II os vigilantes que já ali prestavam serviço, como seus funcionários, celebrando com os mesmos os respectivos contratos de trabalho. Foi o que se sucedeu nomeadamente com o estabelecimento “O...” e um dos seus vigilantes conhecido por “M...”.

19. Relativamente a muitos dos vigilantes que prestavam ou prestaram serviço na sociedade II, os processos de concessão de cartão de vigilante, emitido inicialmente pelo Ministério da Administração Interna e posteriormente desde 2007, pelo Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública, foram instruídos e requeridos pela Sociedade II, representada pelo arguido HH.

20. E na execução do propósito delineado por todos, nomeadamente, o descrito nos pontos 4. a 6. supra, concretamente, o exercício por vigilantes não titulares de cartão e o exercício de funções de vigilantes, por titulares de cartão não declarados como funcionários da II e para os fins ali descritos, os arguidos HH, JJ e LL, agiam directamente sobre os estabelecimentos que cada um deles angariava como cliente para a sociedade “II”, nomeadamente, nos termos descritos em 13. a 15. supra.

21. Ao OO competia a angariação e supervisão de indivíduos para a prestação de serviços de segurança privada, sem estarem formalmente vinculados à II e sem serem titulares de cartão, competindo-lhe também a ele próprio exercer tais serviços, o que sucedeu nomeadamente no estabelecimento “R...” sito na Costa da Caparica, estabelecimento que era da responsabilidade do arguido JJ.

22. No âmbito do acordo supra descrito OO passou a exercer serviços de vigilante, sendo sua função além do mais por cobro a algum desacato ou problema criado por clientes, o que fazia, regra geral, mantendo-se no exterior dos estabelecimentos, sem estar fardado e sem possuir cartão de vigilante, facto que os arguidos GG, JJ e LL bem sabiam.

23. Mais acordaram os arguidos GG e JJ e OO em alterar o contrato deste último, deixando de figurar como vigilante ao serviço da II, tendo sido celebrado novo contrato de trabalho com OO em 1 de Agosto de 2009, para ali exercer as funções de escriturário de 3ª categoria, bem sabendo que o mesmo não exercia, nem iria exercer tais funções, mas sim as funções de vigilante, o que fizeram com o propósito de OO poder surgir em qualquer local, aquando de uma fiscalização, como funcionário da empresa II e não como vigilante.

24. Por tais serviços OO recebeu quantias monetárias, provenientes da sociedade II, com o conhecimento e a mando do arguido HH até Janeiro de 2010, a título de vencimento inicialmente como vigilante e posteriormente como funcionário administrativo da II.

25. De igual modo OO recebeu quantias monetárias directamente do arguido JJ.

26. Na prossecução do propósito acordado por OO e pelos arguidos HH, JJ e LL, os arguidos BB, GG e NN, aderiram ao grupo, exercendo funções de vigilantes em estabelecimentos contratados pela II, durante período não concretamente apurado sem estarem formalmente contratados e sem como tal serem declarados perante a segurança social, apenas tendo formalizado os respectivos contratos, após terem sido alvo de acções de fiscalização pelas autoridades.

27. Para além de exercerem as funções de vigilantes, os arguidos BB, GG, NN integravam o grupo de operacionais que era chamado para intervir de imediato quando existissem problemas, com recurso a ameaça e ofensa à integridade física se necessário, em estabelecimentos cuja segurança estava contratada com a “II”, como sucedeu nomeadamente:

a. Com o arguido GG, sob as ordens do arguido LL, no dia 21 de Junho de 2009, no estabelecimento “F...”, sito em Almada, cuja segurança estava contratada com a II;

b. No dia 18 de Outubro de 2009, no estabelecimento de diversão nocturna ... Bar, sito em Corroios, cuja segurança estava contratualizada com a II, em que LL também foi chamado para intervir, bem como os arguidos NN, GG e BB que ali acorreram a pedido de MM que nesse dia prestava funções de vigilante neste estabelecimento sem ser titular de cartão de vigilante, ali também acorrendo de imediato os arguidos AA e EE.

28. Agiram os arguidos HH, LL, JJ e OO com o propósito concertado de auferirem quantias monetárias e aumentar os lucros da empresa II e bem assim de auferirem quantias em seu próprio beneficio, bem sabendo que o faziam para tanto recorrendo a prática de crimes de exercício ilegal de segurança privada e natureza fiscal, nomeadamente o inerente ao não pagamento das contribuições devidas à segurança social ao não celebrarem com os vigilantes os respectivos contratos de trabalho com a sociedade II, apesar de para esta e no interesse desta exercerem funções de vigilante, mais aceitando o recurso à prática de crimes ofensa à integridade física ou coacção, sempre que pudessem surgir situações de conflito em estabelecimentos cuja segurança estava contratada com a II.

29. Bem sabiam os arguidos BB, GG, NN que actuavam no âmbito da actividade desenvolvida pelos arguidos HH, LL, JJ e OO no âmbito da sociedade II, cientes que os auxiliavam na prossecução desse propósito e ainda assim aceitaram colaborar com o grupo nos termos supra descritos.

30. Paralelamente à actividade desenvolvida como vigilante por conta da II e na execução do propósito firmado conjuntamente com os arguidos HH, LL e JJ, OO exercia a actividade de vigilante sem titular de cartão de vigilante, em estabelecimentos de diversão nocturna ou em eventos, cujos serviços não se encontravam contratualizados com a II.

31. Assim desde data não concretamente apurada, mas anterior a 4 de Abril de 2009, OO exerceu funções de vigilante no estabelecimento B..., juntamente com outros indivíduos, o que executava no exterior do estabelecimento, sem estar uniformizado ou identificado como vigilante, à semelhança do que sucedia com os indivíduos que o acompanhavam.

32. Nessa altura a segurança do estabelecimento B... Bar estava contratualizada com a empresa ... – Grupo Operacional de Segurança, S.A., sendo vigilantes com o uniforme desta empresa, quem controlava a entrada de clientes à porta do referido estabelecimento.

33. De igual modo exerceu funções de vigilante no estabelecimento “B...” sito em Lisboa.

34. OO também exerceu as funções de vigilante no estabelecimento de diversão nocturna “S...” também conhecido por “W”, sito em Lisboa, a mando do arguido JJ, o qual era gerente deste estabelecimento, exercendo OO tais funções sem usar qualquer uniforme e mantendo-se no exterior do estabelecimento, o que fez após o encerramento do estabelecimento B....

35. O arguido BB era o braço direito de OO, recebendo ordens dele que transmitia aos elementos do grupo de indivíduos angariados pelo OO, sendo ele quem, na ausência de OO, assumia directamente o comando desse grupo e ordenava as concretas acções a desenvolver por estes, nomeadamente, determinando o exercício de funções de vigilante em estabelecimentos cuja segurança estava contratada com a II, sem serem titulares de cartão de cartão vigilante, como sucedeu nomeadamente com MM no estabelecimento de diversão nocturna M... Bar- Disc, e bem assim, com o arguido EE, no estabelecimento R..., já mencionado.

36. O arguido BB exercia as funções de vigilante, como vigilante da II, no estabelecimento R..., sito na Costa da Caparica.

37. O arguido BB, exerceu também funções de segurança privada em estabelecimento cuja segurança não estava contratada com a II, concretamente o estabelecimento de diversão nocturna “W” supra referido, sob as ordens de OO e do arguido JJ.

38. O arguido GG era também um dos homens da confiança de OO, procedendo ao recebimento de quantias monetárias a mando deste que depois as depositava em contas bancárias, bem como a transferências dessas quantias monetárias a mando do arguido OO. Assim sucedeu nomeadamente nos dias 15 de Junho de 2009 e no dia 13 de Julho de 2009.

39. No âmbito desta sua actividade, OO recorria na sua maioria a indivíduos de nacionalidade brasileira, regra geral praticantes de “Jiu-Jitsu”, os quais com o auxílio de OO entravam em território português a pretexto de participarem em torneios de Jiu-Jitsu organizados pelo OO, torneios esses que não existiam, mantendo-se os mesmos em território nacional em situação ilegal. Assim sucedeu, nomeadamente:

a. No dia 7 de Maio de 2009, com o cidadão de nacionalidade brasileira, MM, conhecido por “Rafinha”. Uma vez em território português, MM, exerceu as funções de vigilante, sem ser titular de cartão de vigilante, nomeadamente no dia 7 de Julho em que a mando do arguido JJ, exerceu funções de vigilante no estabelecimento “W” em Lisboa, juntamente com o arguido BB e no estabelecimento M... Bar Disc, nos termos descritos em 4. b..

b. No dia 12 de Agosto de 2009, com o cidadão de nacionalidade brasileira, PP entrou em território português a pretexto de participar num torneio de jiu-jitsu, que efectivamente não se realizou tendo declarado que vinha a convite de OO e do arguido BB. Foi OO quem assinou o respectivo termo de responsabilidade, nos termos do artigo 12º da Lei nº 23/07 de 4 de Julho.

c. No dia 28 de Novembro de 2009, com FF, irmão do arguido BB, o qual entrou em território português a pretexto de participar num torneio de jiu-jitsu, no Radical Gym, tendo apresentado um convite assinado por OO, torneio esse que não existia. Uma vez em território português FF, a mando de OO, exerceu as funções de vigilante, sem ser titular de cartão de vigilante, o que fez nomeadamente, no dia 8 de Dezembro de 2009, no estabelecimento “B...” em Lisboa.

            40. OO de igual modo tinha a seu mando, um grupo constituído por um número indeterminado de indivíduos, como operacionais de terreno para todas as circunstâncias, designadamente quando fosse necessário agredir alguém, ameaçar ou coagir alguém, bem como realizar a tarefa de segurança ou vigilante, mesmo sem ser titular de cartão vigilante.

41. Os arguidos BB, GG e NN, juntamente com os arguidos AA e EE e outros indivíduos cujas identidades se não apuraram, integravam este grupo de operacionais que sob as ordens de OO ou do arguido BB, na ausência de OO, agiam quando fosse necessário agredir alguém, ameaçar ou coagir alguém, sempre que existissem problemas com algum elemento do grupo ou com o próprio OO ou mando deste. Assim sucedeu, nomeadamente:

a. Na madrugada do dia 23 de Julho de 2009, os arguidos GG, AA , EE, QQ, conhecido por Paraíba e outros indivíduos cuja identidade se não apurou, os quais a mando do arguido BB, juntamente com este deslocaram-se ao estabelecimento de diversão nocturna denominado “B...”, sito em Lisboa, onde se envolveram em confrontos físicos com os seguranças que ali se encontravam a prestar serviço e outras pessoas que ali se encontravam.

b. No dia 12 de Novembro de 2009 em que  vários elementos do grupo se

deslocaram ao estabelecimento M..., com o propósito previamente delineado de atentarem contra a integridade física contra indivíduos cuja identidade se não apurou, os quais anteriormente, haviam atingido com arma branca, um irmão do arguido CC, para tanto fazendo uso de armas de características não concretamente apuradas, o que só não lograram concretizar, porque cientes da presença de elementos da autoridade policial, resolveram desistir dos seus propósitos.

42. O arguido RR, também conhecido por “Kikas”, guarda da GNR no Posto Territorial da Costa da Caparica, conhecedor das supra descritas actividades de OO, aceitou colaborar com o mesmo e com os elementos do grupo que directamente dependiam de OO, valendo-se da sua condição de guarda da Guarda Nacional Republicana e dos conhecimentos a que tinha acesso por força do exercício das suas funções, para auxiliar OO e os seus elementos do seu grupo, no âmbito da actividade exercida por estes.

43. Para o efeito, servindo de apoio logístico e da sua qualidade de agente policial, para em caso de necessidade, valendo-se da sua condição profissional, não serem sujeitos interceptados ou conhecidos pelas autoridades policiais como autores da prática de crimes ou outro tipo de ilícitos, assim permitindo aos elementos grupo usufruir de alguma protecção aquando das suas práticas ilícitas e que eram do conhecimento do arguido. Assim sucedeu nomeadamente, no dia 12 de Novembro de 2009, na sequência dos factos referidos em 41. b).

44. O arguido RR para além de auxiliar OO, nos termos supra descritos, valendo-se da sua condição de soldado da GNR, do facto de as estar a exercer em determinados locais e das informações que tinha acesso por força do acesso a essas funções, prestava informações a elementos do grupo, bem como a outras pessoas, bem sabendo que apenas tinha acesso a tais informações em virtude das funções que exercia e que no exercício delas estava vinculado ao dever de sigilo. Assim procedeu nomeadamente:

a. No dia 5 de Agosto de 2009 em que estando o arguido RR de serviço na Feira da Costa da Caparica, acorda em encontrar-se com OO no recinto da Feira, e perante o receio que OO manifesta de ir com o carro, porque tem medo de ser mandado parar, RR diz que caso haja qualquer problema para dizer que ia da parte do “kikas” porque tinha tudo controlado;

b. No dia 7 de Julho de 2009, pelas 18.12 horas o arguido LL enviou um sms para o arguido RR, dizendo-lhe que lhe tinham batido no seu veículo, pedindo-lhe ajuda, fornecendo-lhe a matrícula e a marca do veículo: “...-mx Mercedes”. Reencaminhando a mensagem para um colega seu e uma vez obtida a informação o arguido RR, no dia 8 de Julho pelas 15.44 horas, informa por sms o arguido LL a identidade e a morada do proprietário inscrito do veículo;

c. No dia 05.11.2009 novamente LL ligou para o arguido RR e pediu-lhe a identificação do proprietário de um veículo um Seat Leon que lhe havia batido no carro quando este estava estacionado em segunda fila e junto à sua residência, na Rua ..., pedido a que o arguido RR acedeu enviando-lhe a mensagem com a referida matricula e neste termos: “97.gt.96 sea”.

d. No dia 5 de Novembro de 2009, no dia 05.11.2009 o arguido RR telefonou para o arguido SS, confirmando a existência de duas queixas apresentadas contra seguranças do estabelecimento “Wakiki”, estabelecimento este cuja segurança se encontrava a cargo da II, identificando os respectivos Nuipc, lendo o conteúdo de ambas, nomeadamente, o facto de não ser indicado o nome de seguranças. Mais aconselhou o arguido RR e sabendo que o arguido Aldino iria ser submetido a reconhecimento pessoal pelos denunciantes que mudasse a cor de cabelo e que informasse o Tatu para cortar a barba. Bem sabia o arguido RR que tinha acesso aos referidos autos de denúncia por ser soldado da GNR e

ciente de que a sua conduta violava os seus  deveres  funcionais,  nomeadamente o

o dever de sigilo.

45. Mais procedeu o arguido RR ao depósito de quantias monetárias em contas do arguido OO, recebidas por este no âmbito da sua actividade. Assim sucedeu concretamente, no dia 11 de Junho de 2006, em que o arguido RR depositou por transferência bancária a quantia de dois mil euros que lhe foi entregue pelo arguido BB, a mando de OO, ciente de que este exercia a actividade de segurança ilícita privada e que por essa actividade auferia quantias monetárias.

46. Bem sabiam os arguidos, AA, EE, BB, GG e NN da actividade desenvolvida por OO e demais elementos do grupo a mando deste, aceitando integrar o grupo, nos termos supra descritos.

47. Bem sabia o arguido RR da actividade desenvolvida por OO e demais elementos do grupo a mando deste e ainda aceitou prestar-lhe auxílio e protecção nos termos supra descritos.

48. Bem sabia o arguido RR que não podia prestar as informações que prestou a LL e SS e que ao fornecer tais informações violava os mais elementares deveres de zelo, cumprimento da lei e sigilo inerentes à sua qualidade funcional de elemento da Guarda Nacional, aceitou colaborar e actuar com os mesmos nos termos supra descritos, ainda assim prestou tais informações.

49. Agiram os arguidos HH, LL, JJ BB, AA, EE, GG, NN e RR, livre, deliberada e conscientemente, cientes da punibilidade das suas condutas.

50. Os arguidos AA, EE, GG, CC, TT, NN, JJ, UU e RR, eram todos conhecidos entre si, praticando Jiu-Jitsu, conjuntamente com o OO, VV e BB, no ginásio ...Gim e noutros ginásios nomeadamente, no ginásio “T...” sito em Almada.

51. O arguido AA não é titular de cartão de vigilante, nem de contrato a qualquer título com a sociedade II.

52. Entre as 23.00 horas do dia 24 de Julho de 2009 e as 05.15 horas do dia seguinte o arguido AA esteve à porta do estabelecimento de diversão nocturna denominado Mastro Bar, sito na Costa da Caparica em Almada, exercendo as funções de vigilante, controlando a admissão e saída no estabelecimento.

53. O arguido XX, conhecido por “Mantorras”, não é titular, nem nunca foi, de cartão de vigilante, nem de contrato a qualquer título com a sociedade II.

54. Não obstante exerceu as funções de vigilante no estabelecimento de diversão nocturna, R..., sito na Costa da Caparica em Almada, para tanto usando o fardamento da II.

55. O arguido BB é titular de cartão de vigilante nº ... emitido em 25.07.2008 válido até 25.07.2013;

56. O arguido BB tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3, 4 e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 22.06.2006.

57. O arguido BB tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP a vinculação às seguintes empresas de segurança privada:

a. II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª de 08.08.2008 a 25.07.2009;

b. P... – Segurança Privada, S.A. de 31.07.2009 a 16.09.2009;

c. II – Segurança Privada Unipessoal de 01.10.2009 a 11.03.2011. (fls. 325 a 327 do Anexo 3 do Apenso AO.

58. O arguido BB assinou contrato com a sociedade arguida II para o exercício de funções de vigilante, no Bar/Discoteca R..., com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2009, outorgado nessa mesma data.

59. O arguido CC, conhecido por “Bomba”, é titular do cartão de vigilante nº... emitido em 19.02.2007 pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna.

60. O arguido CC tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3, 4 e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 27.09.2006.

61. O arguido CC tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP a vinculação às seguintes empresas de segurança privada:

a. II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª de 15.02.2007 a 24.08.2009;

b. Discoteca Ondeando, Ldª a partir de 06.10.2009.

62. À data da emissão do cartão de vigilante o arguido YY tinha sido condenado em 13.05.1996 pela prática de um crime de ofensas corporais simples em pena de multa, em 22.05.1998 pela prática de um crime de jogo ilegal em pena de multa e em 05.07.2005 pela prática de um crime de detenção ilegal de arma em pena de multa.

63. O arguido NN, conhecido por “Borras”, é titular do cartão de vigilante nº 76776 emitido pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública em 15.10.2007 e válido até 15.10.2012.

64. O arguido NN tem averbado no registo da base de

dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3 e 6

da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 25.06.2007.

65. O arguido NN tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP a vinculação às seguintes empresas de segurança privada:

a. S... – Serviços de Segurança e Vigilância Privada, Unipessoal de 12.10.2007 a 31.10.2007;

b. II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª de 15.12.2008 a 23.07.2009;

c. P... – Segurança Privada, S.A., de 31.07.2009 a 16.09.2009;

d. II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª a partir de 01.11.2009.

66. O arguido NN celebrou contrato com a II para o exercício das funções de vigilante a exercer no estabelecimento o Ritmo da Salsa, no dia 1 de Novembro de 2009.

67. Não obstante o arguido NN exerceu funções como vigilante por conta e em estabelecimentos cuja segurança estava contratualizada com a II em datas anteriores à celebração do respectivo contrato, ciente de que não tinha contrato com a empresa II.

68. À data da emissão do cartão de vigilante o arguido NN tinha sido condenado em 27.10.2006 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa.

69. O arguido ZZ é titular de cartão de vigilante nº ... emitido em 14.04.2008, o qual foi registado como inactivo com efeitos a partir de 31.12.2008.

70. O arguido ZZ tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3 e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 25.06.2007.

71. O arguido ZZ tem  averbado  no registo da  base de  dados do

Departamento de Segurança Privada da DN--PSP a vinculação às seguintes empresas

empresas de segurança privada:

a. S... – Serviços de Segurança e Vigilância Privada, Unipessoal de 12.10.2007 a 31.10.2007;

b. P... – Segurança Privada, S.A., de 07.06.2008 a 07.06.2008;

c. P... – Segurança Privada, S.A., de 08.06.2008 a 08.06.2008;II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª de 01.05.2008 a 01.07.2008;

d. P... – Segurança Privada, S.A., de 14.06.2008 a 31.12.2008.

65. O arguido ZZ exercia funções de vigilante no estabelecimento diversão nocturna, denominado “Lontra” sito em Lisboa.

72. O arguido JJ é titular do cartão de vigilante nº ... válido até 09.02.2011, sendo titular de cartão desde 10.04.2001 o qual veio a caducar em 10.07.2004.

73. O arguido JJ tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3,4,e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 01.06.2001.

74. O arguido JJ tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP a vinculação às seguintes empresas de segurança privada:

a. De 29.01.2001 a 2004.07.10 à empresa ... – Vigilância Privada Unipessoal, Ldª;

b. De 01.10.2005 a 01.11.2007 à empresa II Segurança Privada Unipessoal;

c. De 01.08.2009 a 11.03.2010 à empresa II Segurança Privada Unipessoal. (fls. 125 a 129 do Apenso AO – Anexo 1)

75. O arguido JJ outorgou com a sociedade II em 1 de Agosto de 2009, com efeitos a partir dessa data, contrato para o exercício das funções de vigilante por conta daquela.

76. O arguido JJ outorgou com a sociedade II em 1 de Novembro de 2009, com efeitos a partir dessa data, contrato para o exercício das funções de escriturário de terceira categoria por conta daquela. (fls. 168 a 172 do Apenso AO – Anexo 1.

77. O arguido UU não é titular de cartão de vigilante.

78. Não obstante o arguido UU exercia funções de vigilante no estabelecimento de diversão nocturna denominado “Mussulo” sito em Lisboa, ciente de que o não podia fazer por não ser titular de cartão de vigilante.

79. Agiu livre, deliberada e conscientemente.

80. O arguido LL não é titular de cartão de vigilante.

81. O arguido GG é titular do cartão de vigilante nº ... válido até 15.10.2012.

82. O arguido GG tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3 e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 25.06.2007.

83. O arguido GG tem declarado ao Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública os seguintes vínculos laborais como vigilante:

a. De 12.10.2007 a 31.10.2007 na empresa S...;

b. De 04.09.2008 a 04.09.2008 na II – Segurança Privada, Unipessoal, Ldª;

c. De 23.06.2008 a 03.04.2009 na II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª;

d. A partir de 10.12.2009 na II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª.

84. O arguido GG prestou serviços de vigilante segurança no estabelecimento ... Dreams, cuja segurança estava contratualizada com a II em datas anteriores à celebração do seu contrato com a II, bem sabendo que o fazia sem ser estar contratado pela sociedade II.

85. O arguido AAA é titular de cartão de vigilante nº ... válido até 14.08.2012, com aprovação para os módulos 3 e 6, tendo sido declarado ao Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública como vigilante admitido na empresa S... – Serviços de Segurança e Vigilância Privada, Unipessoal em 01.08.2007 e demitido da mesma em 15.12.2007 e como admitido para a “II” em 01.12.2007 e demitido em 30.06.2009 e readmitido a 1 de Agosto de 2009.

86. O arguido BBB é titular do cartão de vigilante nº ... válido até 05.03.2014, tendo o seu cartão sido emitido na sequência de pedido de atribuição feito pela sociedade arguida “II”.

87. O arguido BBB tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da DN-PSP formação nos módulos 3,4,e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 02.08.2004.

88. O arguido BBB tem averbado no registo da base de dados do Departamento de Segurança Privada da ..., o vínculo laboral às seguintes empresas:

a. De 15.02.2009 a 30.06.2009 à II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª;

b. Desde 10.12.2009 à II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª formação nos módulos 3,4,e 6 da Portaria nº 1325/2001 de 4 de Dezembro, com data de aprovação em 01.06.2001.

89. O arguido SS é titular do cartão de vigilante nº 68244 válido até 27.11.2007.

90. O arguido SS celebrou contrato com a sociedade II para o exercício de funções como vigilante em 1 de Janeiro de 2008.

91. A sociedade arguida II – Segurança Privada Unipessoal, Ldª não comunicou ao Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da Policia de Segurança Pública condenações de vigilantes inscritos no seu quadro de vigilantes, que implicavam a perda de capacidade de vigilantes.

92. Não mantinha organizados e actualizados, os ficheiros individuais dos seus vigilantes, faltando em muitos desses ficheiros, o certificado de registo criminal, os comprovativos da data de admissão ao serviço e respectivos contratos de trabalho, bem os documentos comprovativos dos módulos de formação em que tinham obtido aprovação.

93. Tais ficheiros individuais dos seus trabalhadores ou pessoal de vigilância encontravam-se dispersos e arquivados em pastas, que por sua vez obedeciam a um arquivo que tinha em consideração a zona de localização do estabelecimento e se eram clientes de dia ou de noite, bem como o responsável pelo serviço, este identificado por nome e código.

94. Assim como responsáveis dos serviços e respectivos códigos tinham:

a. HH, com o código CPF, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, sessenta e dois estabelecimentos e cento e cinco vigilantes;

b. CCC, com o código Bebé, o qual também era sócio-gerente da L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, Ldª, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, doze estabelecimentos e dezasseis vigilantes;

c. LL, com o código – Beto, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, quarenta e cinco estabelecimentos e sessenta e cinco vigilantes;

d. DDD, com o código HV, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, dois estabelecimentos e três vigilantes;

e. EEE, com o código SV, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, treze estabelecimentos e dezassete vigilantes;

f. JJ, com o código AF, onde foram registados, segundo a documentação apreendida, oito estabelecimentos e doze vigilantes.

95.FFF e DDD, tinham a seu cargo, na maioria dos casos, a responsabilidade pela contratação de serviços de prestação de segurança em eventos, como festivais, concertos, etc., por conta da II.

96. O arguido LL tinha sob a sua responsabilidade entre outros os estabelecimentos:

a. “Ritmo da Salsa”;

b. “Remédio Santo – R&S Dreams”;

c. “Waikiki”;

d. “Estado Chic”;

e. “Must Bar Disco”,

f. “Café da Palha”

g. “Vynil Café”

h. “Ondas Brasil”.

97. O arguido JJ tinha sob a sua responsabilidade, os seguintes estabelecimentos:

a. “Sushi”,

b. “Teacher’s”;

c. “Zheferinus”,

d. “Exótica Bar”;

e. “R...” anteriormente denominado “Swell”;

f. “Sétima Arte Expo”;

g. “Boite D. João”;

h. “Oceanos”

i. “Pianos”;

j. “Nova Alcântara -Mar”;

k. “Havana Expo”;

l. “Horta da Fonte” e

m. “Ondeando”.

98. O estabelecimento de diversão nocturna “Ondeando”, celebrou com a “II” contrato de prestação de serviços de segurança privada em 01.02.2007.

99. Mesmo após ter obtido a Licença de Auto Protecção nº 78ª, emitida em 06.10.2010, pela Direcção Nacional da PSP, o estabelecimento “Ondeando”continuou a pagar pelo menos até Fevereiro de 2010, quantias a título não apurado à II. Nomeadamente em:

a. Em 06-12-2009: € 439,00;

b. Em 31-12-2009: € 300,00;

c. Em 07-11-2009: € 508,50;

d. Em 08-02-2010: € 300,00.

100. Nem todos os vigilantes estavam vinculados por contrato de trabalho reduzido a escrito celebrado com a II, constantes das suas pastas.

101. Na documentação apreendida na sede da arguida “II” encontravam-se documentos respeitantes às sociedades “... – Advanced World Security, Ldª” e “... – Serviços de Vigilância e Segurança, Ldª”.

102. A sociedade “... – Advanced World Security, Ldª” NIF ..., titular do Alvará nº 149 A, emitido em 19.12.2007, pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, foi adquirida por EEE, após a cessação das funções deste no cargo de gerente da II. Posteriormente EEE foi substituído como gerente da “...” por GGG, o qual foi vigilante inscrito na “II”.

103. A sociedade “M... – Serviços de Vigilância e Segurança, Ldª”, NIF 506872505, titular do Alvará nº 132 A, emitido a 16.05.2006 pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna, após a renúncia em 15.06.2010 dos então gerentes HHH e III, passou a ter como gerente.FFF.

104. A sociedade “L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, Ldª”, NIF 508289580, titular do Alvará nº 155 A, emitido a 05.05.2008 pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, tem como sócio gerente CCC, colaborador da II.

105. Relativamente aos seguintes vigilantes inscritos na II, estes tinham averbadas nos seus certificados de registo criminal as seguintes condenações anteriores à emissão dos respectivos cartões de vigilante:

a. JJJ com cartão de vigilante nº JJJ emitido pela Direcção Nacional da PSP a 29.07.2007 a condenação em 08.03.2006 pela prática de um crime de detenção ilegal de arma em pena de multa;

b. LLL com cartão de vigilante nº 71514 emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna em 09.02.2007, admitido na II a 18.07.2008 e demitido em 31.07.2009, a condenação em 06.12.2005 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa, em 20.06.2007 pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de multa, em 17.07.07.2007, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa, em 30.08.2008 pela prática de um crime de ofensa à integridade física e um crime de coacção em pena de multa.

c. MMM com cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna em 01.02.2006 – não consta da lista dos admitidos, a condenação em 21.03.2006 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de um de prisão, suspensa na sua execução, em 10.10.2008 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa;

d. NNN com cartão de vigilante nº ... emitido pela Direcção Nacional da PSP a 23.07.2009 tem condenação em 19.05.2008 por crime por burla e crimes de falsificação de documento em pena de multa;

e. OOO com cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 05.05.2006, a condenação em 02.07.2004 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa e em 20.02.2009 pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de multa.

f. PPP com cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 22.12.2006, a condenação 04.04.2001 de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa e em 11.07.2002 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa.

106. Relativamente ao vigilante JJJ, o pedido de atribuição de cartão de vigilante foi instruído e apresentado pela sociedade II, para tanto assinando em nome desta o arguido HH.

107. Relativamente ao vigilante inscrito na II, QQQ com cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 08.06.2006, o mesmo registava a seguinte condenação posterior à emissão do cartão, aquando da emissão de novo cartão após perda de capacidade para o exercício de funções: a condenação em 12.03.2003 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa.

108. Relativamente aos seguintes vigilantes inscritos na II, tinham averbadas nos seus certificados de registo criminal as seguintes condenações posteriores à emissão dos respectivos cartões de vigilante:

a. RRR, com o cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 24.03.2005 a condenação em 21.05.2008 pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de multa, em 20.02.2009 pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de multa;

b. SSS, com o cartão nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 23.10.2006 não consta da lista a condenação em 12.04.2007 de um crime de ofensa à integridade física simples em pena de multa;

c. TTT, com o cartão de vigilante nº ... emitido pela Direcção Nacional da PSP a 15.06.2007 admitido pela II em 15.10.2008 e demitido em 30.06.2009, a condenação em 11.12.2007, transitado em julgado em 01.07.2008, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de dano, dois crimes de sequestro, um crime de denúncia caluniosa e um crime de detenção de arma proibida, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

d. UUU com o cartão de vigilante nº ... emitido pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna a 22.12.2006, admitido na II a 18.11.2008 e demitido a 30.06.2009 a condenação em 29.10.2008, transitada em julgado em 21.12.2009 pela prática de um crime de detenção de arma proibida.

109. Tais condenações posteriores à emissão do cartão não foram comunicadas pela sociedade II ao Departamento de Segurança Privada da Direcção Nacional da PSP.

110. Alguns dos vigilantes inscritos como funcionários da II são titulares de cartão de vigilante apesar de não possuírem o 6º ano de escolaridade. Concretamente os seguintes vigilantes:

a. VVV com o cartão de vigilante nº .... emitido pela Direcção Nacional da PSP em 16.10.2008, o qual possui o 4º ano de escolaridade;

b. XXX com o cartão de vigilante nº ... emitido em 11.03.2006 pela Secretaria – Geral do Ministério da Administração Interna, o qual possui o 4º ano de escolaridade.

111. Nalguns ficheiros individuais dos vigilantes, as declarações de honra que neles constam não se mostram assinadas, ou sem data, ou rasuradas, nomeadamente as dos seguintes vigilantes:

a. YYY com o cartão nº ... cuja declaração de honra não tem data;

b. ZZZ com o cartão nº ... cuja declaração se encontra rasurada quanto ao nome e assinatura;

c. AAAA com o cartão de vigilante nº ... cuja declaração de honra não está assinada;

d. BBB com o cartão de vigilante nº ... cuja declaração de honra não está assinada;

e. CCCC com o cartão de vigilante nº ... que não está assinado o requerimento;

f. DDDD, com o cartão nº ... cuja declaração de honra tem data posterior à emissão do cartão;

g. EEEE com o cartão de vigilante nº ... cuja declaração de honra não tem data;

h. FFFF com o cartão de vigilante nº ... cuja declaração de honra está sem data e rasurada;

i. GGGG com o cartão nº ..., em cuja declaração apenas consta a data;

j. HHHH com o cartão nº ... cuja declaração é datada de 8 de Outubro de 1997 e o cartão emitido em 2008;

112. Nalguns ficheiros individuais dos vigilantes da II, constavam atestados médicos com irregularidades, nomeadamente, nos dos seguintes vigilantes:

a. IIII, com o cartão de vigilante nº .... em que se encontra rasurada a data da sua emissão;

b. JJJJ com o cartão nº ... que não está assinado pelo médico;

c. LLLL com o cartão nº ..., cujo atestado se mostra para a categoria de “tectos falsos”;

d. MMMM com o cartão 80755 emitido em 2008, sendo o atestado médico emitido em 2006.

113. Por despacho de 16 de Junho de 2010 proferido pelo Sr. Director Nacional Adjunto da PSP, no uso da competência delegada, foi cancelado o Alvará nº 51C emitido em 16/04/2003 à sociedade II.

114. Durante o período em que a emissão do cartão de vigilante era da responsabilidade da Secretaria-Geral da Administração Interna era entendimento desta entidade administrativa que a condenação em penas de multa ou em penas não efectivas de prisão ainda que por crimes elencados no artigo 8º não constituíam facto inibidor para o exercício da actividade de segurança ilegal e para a consequente concessão do cartão de vigilante.

2.1.2. Factos provados inerentes às apreensões:

1. No dia 19 de Fevereiro de 2010, o arguido AA guardava no interior da sua residência, sita na Costa da Caparica, em Almada:

a. 1 (um) bilhete de avião, que se encontrava dentro ultima gaveta da cómoda;

b. 1 (um) Bilhete de avião com destino ao Brasil, datado de 02-07-2009, que se encontrava na primeira gaveta da cómoda;

c. 1 (um) Bilhete de avião com destino ao Brasil, datado de 05-03-2009, que se encontrava na primeira gaveta da cómoda;

d. 1 (um) Passaporte em nome do Arguido, que se encontrava na primeira gaveta da cómoda;

e. 260 (duzentos e sessenta) euros (2 notas de 50 euros, 7 notas de 20 euros e duas notas de 10 euros) que se encontravam numa pequena mala preta pendurada na porta do quarto, bem como 180 (cento e oitenta euros (2 notas de 50 euros e 4 notas de 20 euros), no bolso de um casaco camuflado.

f. 1 (um) documento respeitante a movimentos bancários do arguido BB, que se encontrava dentro de uma mochila, por baixo da cómoda.

2. O arguido AA na mesma data guardava no interior da viatura matrícula ...-VT (VW PASSAT) um revólver, de marca SMITH & WESSON, made in U.S.A, calibre 357, cromado, com o punho anatómico, em plástico de cor preta, s/número de origem (rasurado), o qual estava dissimulado no interior da consola do veículo, situada entre o banco do condutor e do passageiro, encontrando-se a tampa de acesso à consola, fixa por três parafusos, bem como cinco notas de dez euros.

3. Este revólver estava em bom estado de funcionamento e encontrava-se municiado, com 5 munições calibre .357, as quais estavam aptas a ser deflagradas.

4. O arguido AA não tinha licença de uso e porte para o revólver em causa, nem este se encontrava manifestado ou registado em seu nome, bem sabendo o arguido que para tanto não estava autorizado, quis e conseguiu deter e guardar o revólver e as munições referidas.

5. Agiu o arguido AA ao deter a arma em causa, livre, deliberada e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta (…)”

“9. No dia 19 de Fevereiro de 2010, o arguido BB, guardava no interior da sua residência, sita na Costa da Caparica, em Almada:

a. 1.000,00 (mil Euros), em notas do Banco Central Europeu e que o mesmo tinha recebido pelo exercício de segurança privada e no âmbito da actividade do “Grupo de OO”;

b. 02 (duas) argolas em ouro, 01 (um) anel em ouro, com o brasão da bandeira Nacional, 01 (um) anel em ouro com uma pedra de cor vermelha, 01 (um) anel em ouro, com três pedras transparentes, 01 (um) crucifixo em ouro, 04 (quatro) pulseiras em ouro e 01 (um) fio em ouro contendo uma medalha com a figura da sagrada”;

c. 02 (dois) cartuchos de calibre 12mm, de cor verde, marca “Rio 50”;

d. 01 (um) saco de transporte de arma de fogo, sem documentação, em camuflado, contendo no interior uma arma de fogo caçadeira, de dois canos sobrepostos, alma lisa, calibre 12, marca “Félix Sarasqueta, com o número de série 1651 e 04 (quatro) cartuchos, sendo três de calibre 12mm marca “Rio 50” de cor verde e outro de bagos de borracha de calibre 12mm e de cor laranja;

e. 01 (um) emblema com os dizeres “II Segurança Privada”, que se encontrava em cima da mesa-de-cabeceira;

f. 01 (um) casaco de cor preto, com o forro cor de laranja e com o logótipo no peito da firma “II Segurança Privada”;

g. 01 (uma) camisa, de cor preta, com o logótipo no peito da firma “II Segurança Privada”;

h. 01 (um) talão de transferência de dinheiro, através da “... Express – Agencia de câmbios Lda” no valor de 154,00 € remetido pelo visado para o Brasil;

i. 01 (um) registo de ordem de transferência, no valor de 978,00 €, em nome do visado;

j. 11 (onze) talões de ordens de transferência através da “... Express – Agencia de câmbios Lda”, em que o remetente é o visado;

k. 01 (uma) caixa contendo no seu interior 4 cartuchos de calibre 12mm, de cor preta, marca “mira – Bem”;

l. 02 (duas) caixas de cartão, contendo, cada uma, no seu interior um televisor Plasma, de marca Panasonic, modelo TC-P42C10E, com 106 Cm;

m. 01 (um) talão de ordem de transferência através da “...Express – Agencia de câmbios Lda” onde o visado envia a quantia de 1.000,00 €, para uma conta em seu nome na “Caixa Económica Federal”;

n. 03 (três) talões de ordem de transferência através da “...Express – Agencia de câmbios Lda” onde o visado envia as quantias de 575€, 190€ e 566€, para uma conta em seu nome na “Caixa Económica Federal”;

o. 01 (uma) caixa contendo no interior 25 cartuchos de calibre 12 mm, de marca “Rio 50”;

p. 01 (um) talão de ordem de transferência, através da agência “M... – Agência de Câmbios Lda.”, no valor de 205€, efectuada por NNN, para OOOO;

q. 01 (um) saco de plástico do continente, contendo no seu interior duas caixas de cartão, sendo que uma contém 10 cartuchos de bagos de borracha de 12 mm e dois cartuchos já usados e a segunda caixa com 12 cartuchos de calibre 12mm;

r. 04 (quatro) cartuchos de bagos de borracha de calibre 12 mm e um cartucho de calibre 12 mm.

10. O arguido BB não tinha licença de uso e porte para a arma em causa, nem esta se encontrava manifestada ou registada em seu nome (…)”

“2.1.5. Factos provados respeitantes ao Nuipc 125/08.4SWLSB:

1. No dia 23 de Outubro de 2009, cerca das 05.00 horas, os ofendidos PPP, QQQQ e RRRR e a testemunha SSS, todos Agentes da Polícia de Segurança Pública, deslocaram-se ao estabelecimento de diversão nocturna denominado “W”, sito na Rua ..., em Lisboa, local onde também se encontravam os arguidos AA e TTTT.

2. Cerca das 06.25 horas desse mesmo dia, quando PPPP, QQQQ, RRRR e SSSS saíam do estabelecimento, junto à porta do estabelecimento, por motivos não concretamente apurados ocorreu uma troca de palavras entre o arguido AA e um dos ofendidos.

3. Na sequência da referida troca de palavras e após os ofendidos abandonarem o local, o arguido AA acordou com o arguido TTTT, moverem perseguição a PPPP, QQQQ, RRRR e SSSS e agredi-los com um taco de basebol que o arguido AA guardava no interior do seu veículo.

4. Assim, os dois arguidos, utilizando o veículo de matrícula ...-DV, pertença do arguido AA e por ele conduzido, moveram perseguição ao veículo onde seguiam PPPP, QQQQ, RRRR e SSSS, de matrícula ...-FG-... e que era conduzida por QQQQ.

5. Os arguidos vieram a alcançá-los no cruzamento da Av. da Índia com a Rua de Cascais, nesta urbe, aquando da paragem da viatura de matrícula ...-FG-..., nos semáforos ali existentes.

6. Neste local houve troca de palavras entre o arguido e pelo menos um dos ofendidos, sendo que o arguido AA saiu da viatura e dirigiu-se na direcção do veículo onde seguiam os ofendidos, dissimulando por detrás do braço direito o taco de basebol que transportava no interior do veículo.

7. Ao se aperceber que o arguido AA ia sair do veículo, PPPP saiu do veículo indo na direcção do arguido AA, identificando-se de imediato como agente da Policia de Segurança Pública, utilizando para o efeito a carteira profissional que a mesma Instituição lhe distribuiu, sem se aperceber que o arguido AA trazia dissimulado por detrás do braço o taco de basebol.

8. No momento em que o ofendido se identificava, o arguido AA, de modo repentino, desferiu com o taco de basebol, uma forte pancada na cabeça do PPPP, mais precisamente na região parietal esquerda, ficando combalido.

9. Perante o presenciar desta agressão, quando RRRR se encontrava a sair da viatura ...-FG-..., de imediato, o arguido AA, utilizando o mesmo taco de basebol, desferiu-lhe uma forte pancada na cabeça, mais precisamente na região parental direita, o que provocou a queda ao solo e a inconsciência do ofendido.

10. Ao ver RRRR caído inanimado QQQQ foi em seu socorro e quando se encontrava de costas para o arguido AA, junto de RRRR, o arguido AA desferiu-lhe uma forte pancada na cabeça, na região temporo-supraciliar direita, provocando-lhe a queda e inconsciência parcial.

11. Entretanto, SSSS que saíra do veículo para ir em auxílio dos seus colegas, foi impedido de o fazer pelo arguido TTTT, o qual desferiu vários golpes na sua direcção para o atingir na sua integridade física, não tendo o arguido conseguido levar a cabo os seus intentos, em virtude do ofendido se ter conseguido desviar dos movimentos/golpes do arguido.

12. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, PPPP sofreu dores na cabeça, bem como traumatismo na cabeça e na hemiface esquerda, hematoma epicraniano parietal esquerda, ferida incisa na mesma região com 1,8 cm de comprimento, edema acentuado na região malar esquerda, parestesias e diminuição de força, que lhe determinaram um período de 60 dias de doença com 90 dias de incapacidade para o trabalho.

13. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, RRRR sofreu dores na cabeça, bem como traumatismo na cabeça, na região temporo-supraciliar direita, que lhe determinaram um período de 8 dias de doença com 10 dias de incapacidade para o trabalho. Tais lesões provocaram ainda uma cicatriz nacarada em S e vertical na região temporo-supraciliar direita.

14. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, RRRR eça na região temporo-supraciliar direita, que lhe determinaram dores e um período de doença desconhecido.

15. Os arguidos AA e TTTT representaram e quiseram, em conjunto, unindo os seus esforços e vontades, atingir a integridade física de PPPP, RRRR e QQQQ com a utilização de um taco de basebol e agiram com a intenção de concretizar tal desiderato, o que lograram alcançar, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas (…)”

“2.1.7. Factos provados de fls. 6088 e segs (ofendido UUUU):

1. Em data indeterminada, mas seguramente antes do dia 21 de Outubro de 2009, o arguidos AA e BB e pelo menos outros três indivíduos desconhecidos resolveram conjugar as suas vontades e esforços para privar o ofendido UUUU da sua liberdade e agredi-lo, para o obrigar a entregar-lhes as quantias monetárias existentes nas suas contas bancárias e bens existentes na sua habitação.

2. Uma vez que UUUU conhecia os arguidos AA e BB foi acordado entre todos que os arguidos AA e BB nunca se mostrassem a UUUU.

3. No dia 21 de Outubro de 2009, cerca das 21.30 horas, o ofendido UUUU estacionou o seu veículo automóvel junto da sua residência na ... e, de imediato e na execução do plano delineado pelos arguidos AA e BB e pelos seus três companheiros, foi de imediato abordado por estes três últimos indivíduos que o encostaram ao seu próprio veículo e o forçaram a entrar para o seu interior.

4. Em acto contínuo, os três indivíduos colocaram o ofendido no banco de trás de um veículo e, contra a sua vontade, transportaram-no para um local não apurado, onde o obrigaram a sair do veículo e a sentar-se no chão com as pernas encostadas ao queixo.

5. De seguida, os três indivíduos fizeram-lhe várias perguntas, nomeadamente se tinha dinheiro e onde guardava o dinheiro e perante as respostas negativas de UUUU, desferiam-lhe pontapés no corpo, provocando-lhe dores.

6. Passados cerca de cinco minutos, os três indivíduos voltaram a colocar o UUUU no interior do veículo e, contra a sua vontade, levaram-no para o interior de uma casa, local onde o informaram que só o libertariam se lhes pagasse o montante de € 4.000,00.

7. Durante todo o período em que exigiam ao ofendido o pagamento do dinheiro, os três indivíduos agrediram-no com diversos murros, pontapés e estaladas em todo o corpo, provocando-lhe dores.

8. A determinada altura ligaram um ferro eléctrico à corrente e, com o mesmo já quente, encostaram-lhe o ferro aos pés, assim lhos queimando.

9. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos e dos seus acompanhantes o ofendido sofreu dores generalizadas em todo o corpo, bem como traumatismo da cabeça, do tronco e dos membros superiores e inferiores, traumatismo da grelha costal esquerda e traumatismo torácico; no pé esquerdo, cicatriz de queimaduras superficiais, hiperpigmentadas, com forma de meia circunferência, distando uma da outra 0,5 cm, medindo a parte horizontal de cada uma delas 0,9 cm e 1 cm e a parte arredondada 1 e 1,3 cm, respectivamente; na metade anterior interna do dorso do pé direito queimadura ligeiramente hipopigmentada, modelada, de formato aproximadamente rectangular, de lados verticais, correspondentes ao maior eixo, ligeiramente arciformes e ambos de concavidade medial, mediando o lado interno 7,. cm e o lado externo 6,5 cm de comprimento, os restantes lados da referida área, proximal e distal, são respectivamente, o primeiro horizontal com 2 cm e o segundo, arciforme de concavidade superior com 1,5 cm; no cão proximal esquerdo da área hipopigmentada atrás descrita e, ainda, dentro dos limites desta três circunferências de alo hiperpigmentado com 0,5 cm de diâmetro cada, ligeiramente afastadas entre si, e ainda, no canto proximal direito da área hipopigmentada atrás descrita, mas agora fora dos limites desta, área triangular hiperpigmentada mediando cada um dos seus lados 1 cm, sendo um dos mesmos (encostado) ao lado interno da área hipopigmentada atrás descrita; sobreposta a esta área triangular, pequena área de formato também este triangular, hipopigmentada cujos lado variam entre os 0,3 e os 0,5 mm de comprimento; queimadura ligeiramente hipopigmentada, mas de alo hiperpigmentado sobre o dorso do quinto metatársico, a 1,5 cm distalmente da área (rectangular) atrás descrita, de formato aproximadamente triangular, de base distal, horizontal, medindo 0,5 cm e de lados verticalizados, mas ligeiramente arcifromes ambos de convexidades opostas (em forma de proa de barco), medindo 1 cm cada; queimadura ligeiramente hipopigmentada na base do leito ungueal do hallux direita, triangular, cujos lados medem 0,7 e 0,5 cada.

10. Com consequência da conduta dos três indivíduos, concretamente, as agressões de que foi vitima, UUUU acabou por dizer que tinha em casa mil euros.

11. Na sequência da sugestão dos referidos indivíduos para que ligasse a uma pessoa de sua confiança para que fosse a sua casa buscar os mil euros para lhes entregar, UUUU ligou para o arguido AA, para que o mesmo fosse a sua casa buscar a referida quantia e posteriormente a entregar no local a indicar pelos indivíduos que o retinham, tendo igualmente telefonado à sua companheira, EEEE, a quem disse para entregar o montante de € 1.000,00 e um saco contendo estupefaciente, que tinha guardado na sua residência, ao arguido AA, o qual ali se iria deslocar para o efeito.

12. O arguido AA acedeu ao pedido de UUUU, bem sabendo que o mesmo fazia tal pedido, na sequência do plano previamente delineado por ele, pelo arguido BB e pelos indivíduos que retinham UUUU contra a vontade deste, com o propósito de obter quantias monetárias e outros bens pertencentes a UUUU.

13. O arguido AA mostrou-se surpreendido com a sua situação e não aparentou conhecê-la.

14. O arguido AA, em execução do plano, traçado por todos, deslocou-se a casa de UUUU, onde recolheu mil euros em dinheiro e o saco contendo o estupefaciente.

15. Ainda mantendo UUUU retido no interior da casa, e em execução do plano previamente delineado com o arguido AA e BB, os três indivíduos solicitaram então a UUUU a entrega dos seus cartões de débito e informação sobre os respectivos códigos secretos, o que este, com receio de ser de novo agredido, acatou.

16. Na posse dos cartões e respectivos códigos secretos, um ou mais elementos do grupo deslocaram-se a um terminal ATM e digitando os códigos secretos e levantaram o montante global de € 1.600,00.

17. Porque os indivíduos continuavam a exigir-lhe dinheiro, UUUU pediu ao arguido AA que lhe emprestasse dinheiro, tendo o arguido AA lhe dito que lhe emprestaria € 800,00.

18. Cerca das 01.00 horas do dia 22 de Outubro de 2009, os três indivíduos libertaram UUUU, próximo do Fórum Almada, para tanto se deslocando no veículo automóvel de UUUU.

19. Do interior do veículo de UUUU retiraram o sistema de som, no valor de € 300,00.

20. Junto à residência de UUUU encontravam-se os arguidos AA e BB que ali o aguardavam. 

21. O arguido AA informou UUUU que tinha entregue aos três indivíduos o montante de € 800,00 para o libertarem, o que não correspondia à verdade.

22. UUUU esteve privado da sua liberdade cerca de três horas e meia.

23. Os arguidos AA e BB previram e quiseram, juntamente com outros três indivíduos, privar o ofendido da sua liberdade ambulatória, o que faziam para o forçar a entregar-lhes dinheiro pela sua restituição à liberdade, bem sabendo que este iria ser forçado a entrar e sair do seu veículo e entrar num edifício.

24. Os arguidos AA e BB admitiram como consequência necessária na execução do plano por todos delineado, que os outros três indivíduos, agredissem fisicamente UUUU para o obrigar a entregar-lhes as quantias e bens acima referidos, que sabiam não lhes serem devidos, tendo agido com a intenção de concretizar tal desiderato, o que lograram concretizar.

25. Agiram os arguidos AA e BB, deliberada e conscientemente cientes da punibilidade das suas condutas (…)”

2.1.11. Factos provados respeitantes ao Nuipc 2/10.9GHLSB:

1. O ofendido CCCC era instrutor e lutador da arte marcial denominada por “JIU-JITSU”, desde pelo menos o ano de 2007, ministrando-a no “GINÁSIO ...”, sito na Rua André de Gouveia – Laranjeiro, Almada.

2. Em dia não concretamente apurado, do mês de Fevereiro de 2009, no citado ginásio “GINÁSIO ...”, onde VVVV se encontrava a trabalhar, foi o mesmo abordado pelo arguido OO, o qual o informou que se encontrava a organizar um torneio de luta e queria que os alunos do ofendido, também entrassem em competição.

3. Após contactar os seus alunos e perante a recusa destes em participar no torneio, este informou OO que os seus alunos não participariam no torneio.

4. Em resposta, o arguido OO disse-lhe, zangado, que ele é que iria pagar as inscrições dos alunos.

5. Perante a conversa mantida e de forma a resolver a questão do evento desportivo, VVVV resolveu deslocar-se ao espaço de diversão nocturna denominado por “... BAR” sito em Lisboa, uma vez, que sabia que o arguido OO se encontrava ali a efectuar segurança privada àquele espaço, e transmitir pessoalmente, o que já havia anteriormente referido.

6. Ali chegado, VVVV foi muito mal recebido pelo arguido OO que lhe disse que “a partir de agora, tu és meu inimigo, vais ter que pagar”.

7. Alguns dias depois, numa terça-feira, por volta das 11.30 horas, os arguidos OO, BB e AA, QQ, mais conhecido por “Paraíba”, juntamente com outros indivíduos cujas identidades se não apuraram, sendo no total cerca de vinte pessoas, na execução do plano traçado por OO e por todos aceite, entraram no ginásio “...” e aproveitando o facto de VVVV se encontrar sozinho, obrigaram-no, por meio de vários empurrões e do anúncio de violência física, a descer ao piso inferior do ginásio, onde as aulas de “JIU-JITSU” eram ministradas.

8. Nesse local, fizeram-lhe uma roda e de seguida obrigaram-no a ir para o meio da mesma e ajoelhar-se.

9. Quando VVVV estava ajoelhado no solo rodeado pelos arguidos e pelos outros indivíduos, OO colocou-se à sua frente e disse-lhe: “quem manda na margem sul sou eu! e se tu deres mais aulas de jiu-jitsu aqui ou em outro lugar, eu vou-te matar”.

10. Como consequência da conduta supra descrita de OO, dos arguidos AA e BB e dos seus acompanhantes, VVVV receou pela sua integridade física e até pela própria vida, determinando-o a deixar de praticar, competir e leccionar aulas da arte marcial “JIU-JITSU”.

11. VVVV acabou abandonar o território nacional por recear sofrer que atentasse contra a sua integridade física ou contra a sua vida ou da sua família, praticadas por OO e pelos arguidos ou pessoas a mando destes.

12. OO e os arguidos BB, AA quiseram, em conjunto, por meio intimidação e do anúncio que o matariam, obrigarem o ofendido a descer umas escadas, ajoelhar-se no meio de um círculo de pessoas, bem como a deixar de leccionar uma modalidade de desporto de combate e agiram de forma a concretizar tal desiderato, o que lograram concretizar.

13. Agiram livre, deliberada e conscientemente cientes da punibilidade das suas condutas.

2.1.12. Factos provados respeitantes ao Nuipc 1329/09.8GEALM:

1. No dia 8 de Dezembro de 2009, pelas 21.00 horas, o ofendido XXXX, encontrava-se no estabelecimento comercial de hotelaria denominado “BAR do ...” onde foi abordado por militares da Guarda Nacional Republicana entre os quais se encontrava o Militar YYYY, sendo que o XXXX e outros cidadãos brasileiros foram conduzidos para o Posto da mesma força policial, sito na Costa da Caparica, a pretexto de ser verificada a regularidade da sua permanência em território nacional.

2. Já no Posto, XXXX foi propositadamente afastado dos demais cidadãos brasileiros, pelo Militar YYYY e conduzido para outra dependência daquele Posto, onde ficou sozinho com o referido YYYY, o qual lhe disse que sabia que ele era procurado no Brasil pela Polícia Federal e que estaria “lixado”, tendo em acto subsequente, efectuado um telefonema prolongado reafirmando que o XXXX estava “lixado”.

3. No desenrolar da conversa, XXXX disse a YYYY que lhe poderia dar informações acerca de situações de tráfico de droga e de armas na Costa da Caparica, que envolvia grandes quantidades de produto estupefaciente. O Militar YYYY perguntou-lhe de quem estavam a falar, tendo XXXX dito que era do “LLLL” e do seu grupo referindo-se a elementos que com ele treinavam “jiu-jitsu brasileiro”.

4. Ao ouvir tal afirmação, YYYY disse a XXXX não queria saber mais informações sobre o ZZZZ, dizendo ao ofendido que se podia ir embora e que seria melhor nunca mais aparecer na Costa da Caparica e que se repetisse tal afirmação o conduziria perante OO para o confrontar com tal afirmação.

5. Na sequência do sucedido XXXX receou que esta conversa viesse a ser conhecida por OO e elementos do grupo deste.

6. Posteriormente, o arguido OO, através do arguido RR soube da conversa através entre XXXX e YYYY, razão pela qual acordou com os arguidos FF, BB e AA tirarem a vida a XXXX.

7. No dia 12 de Dezembro de 2009, entre as 21h30 e as 22h00, quando o XXXX se encontrava no estabelecimento comercial de hotelaria denominado por “Bar Línea”, sito no Centro Comercial junto à praia, viu pela primeira vez o arguido OO a entrar no mesmo bar, a pedir uma bebida de laranja e a olhar ostensivamente para ele, facto que motivou receio em XXXX, pois o arguido OO nunca havia sido visto naquele estabelecimento.

8. Pelas 23.30 horas, XXXX deslocou-se para o estabelecimento comercial denominado por “PRAIA BAR”, sito na Avenida General Humberto Delgado – Costa da Caparica, onde permaneceu até cerca das 2.50 horas, saindo na companhia AAAAA, conhecido por “ANANIAS”, BBBBB, conhecido por “LEO” e mais três raparigas cujo nome desconhece.

9. Cerca das 00.00 horas, do dia 13 de Dezembro de 2009, quando se encontrava no interior do “Praia Bar”, XXXX voltou a ver OO a passar em frente ao referido estabelecimento e a olhar para o seu interior.

10. Pelas 02.23 horas, o arguido AA após se aperceber que XXXX se encontrava no “Praia Bar”, ligou para o arguido BB dando-lhe conta que tinha visto XXXX e que ia buscar FF, o que fez na sequência do previamente acordado por todos.

11. Pelas 2.26 horas o arguido BB enviou uma mensagem telefónica ao arguido AA dizendo-lhe que não podia ir determinando ao arguido AA que seguisse XXXX e posteriormente após saber o exacto local onde aquele se encontrava, na sequência da informação prestada por AA, por sms, determinou-lhe que fosse vendo onde aquele “ia ficando”, o que fez ciente de que o arguido AA ia buscar FF para desse modo executarem o previamente acordado propósito de tirarem a vida a XXXX, facto que previu e quis.

12. Pelas 02.50 horas, XXXX e os seus amigos saíram do bar e separaram-se junto à discoteca do Hotel da Costa.

13. O XXXX seguiu a pé sozinho pela rua da discoteca situada na cave do mesmo Hotel denominada por “DISCOTECA R...” até à esquina do hotel, apercebendo-se que, ao passar pela porta de entrada da discoteca, dali saíam, quatro mulheres.

14. Quando chegou à esquina, o ofendido, surpreso, apercebeu-se que o arguido FF ali se encontrava e empunhava uma arma de fogo, pistola de calibre 7.65 mm e demais características desconhecidas, a qual de imediato apontou na direcção da cabeça do ofendido.

15. Em acto contínuo, o arguido FF premiu o gatilho da arma por cinco vezes, assim deflagrando cinco munições, cujos projécteis foram direccionados ao corpo do ofendido, tendo atingido o braço direito com dois projécteis.

16. O arguido FF tentou atingir a cabeça e o tórax do ofendido, bem sabendo que naquelas zonas do corpo se alojam órgãos essenciais à vida, só não atingindo XXXX nestas zonas, como pretendia, por este ter corrido e ter-se desviado dos projécteis.

17. Em correria e tentando evitar os disparos contra si, o ofendido XXXX começou a correr em direcção à Avenida General Humberto Delgado, e ao passar junto aos prédios localizados em frente à entrada do Hotel, o ofendido foi surpreendido pelo arguido AA que, munido de uma arma de fogo, espingarda caçadeira de calibre 12 e demais características desconhecidas, de imediato, efectuou dois disparos na direcção do Fábio, quando este se encontrava de costas para si, tendo-o atingido no tórax e outro no braço esquerdo, derrubando-o e projectando-o para o solo.

18. Logo que o ofendido se levantou, o arguido AA , que entretanto tinha carregado a caçadeira, efectuou novo disparo na direcção do ofendido, não o tendo atingido.

19. Após ter sido atingido, o ofendido XXXX, conseguiu correr e fugir, apesar de sangrar abundantemente, encaminhando-se para uma zona iluminada até encontrar auxílio, chegando à porta do Hotel Real, sito na Rua Mestre Manuel n.º 18 – Costa da Caparica.

20. O arguido AA quis atingir o XXXX, como aconteceu, fazendo deflagrar contra aquele, dois cartuchos de caçadeira, tendo feito pontaria para a zona do dorso, bem sabendo que nesta zona do corpo, se alojam órgãos essenciais à vida.

21. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos AA e FF, XXXX sofreu as seguintes lesões: dores generalizadas em todo o corpo; traumatismo do tronco e dos membros superiores; isquémia aguda traumática do membro superior direito, pulso axilar palpável; marcado défice sensitivo-motor (anestesia e paralisia da mão); edema exuberante de todo o membro superior; fractura cominutiva do úmero direito; destruição dos tecidos moles da região escapular esquerda; dois orifícios de entrada de projécteis de alta velocidade (face interna antebraço e braço); cicatriz hipercromática com aspecto morfológico de um Z irregular, hipertrófica sobre a região do terço médio da face posterior do hemitoráx esquerdo, sendo de fora para dentro, 12 cm de cumprimento do ramo ascendente, 7 cm do ramo horizontal, 14 cm do ramo descendente, 8,5 cm do ramo horizontal, tendo de largura máxima 3 cm, que refere a lesão por cartucho de grãos de chumbo e reconstrução com retalho da mesma zona; cicatriz retráctil, hipercromática, arredondada, com 7X4 cm de maiores diâmetros, da região do terço médio da face posterior do braço esquerdo, que refere a lesão por cartucho de caçadeira e reconstrução com enxerto retirado da coxa direita; cicatriz retráctil, hipercromática, elíptica, com 10X4 cm de maiores diâmetros, com sinais de pontos de sutura, alongada, no sentido longitudinal do terço proximial e médio da face interna do braço direito, que refere a faciotomia por edema do membro superior e reconstrução com enxerto, sendo a zona da cor a coxa direita; da extremidade inferior da cicatriz imediatamente acima descrita, cicatriz linear macarada, oblíqua para baixo e para fora, de concavidade superior com sinais de pontos de sutura, medindo 3,5 cm de comprimento; cicatrizes planas, lineares, macaradas, em número de 10, rodeando a cicatriz imediatamente atrás descrita, com tamanho médio entre 1,5 e 0,5 de comprimento; cicatriz cirúrgica, macarada, com 8,5 cm de comprimento e 0,5 cm de largura, com sinais de pontos de sutura, oblíqua de dentro para fora, de cima para baixo e da esquerda para a direita, com início na região do sangradoro direito e termo no terço proximal da face anterior do antebraço direito; cicatrizes em número de 4, arredondadas, hipercromáticas, com 1 cm de maior diâmetro, situadas 2 na externa do terço proximal do braço direito e as outras duas na face posterior do terço médio do antebraço direito, que refere à colocação de fixador externo para imobilização do membro superior direito; formação nodular, subdérmica, dura, com 2 cm de maior diâmetro, da face posterior do terço médio do braço direito, que refere à permanência de projéctil de arma de fogo (chumbo); cicatrizes lineares, planas, macaradas, em número de 7, rodeando esta região imediatamente antes descrita; cicatriz plana, hipercromática, em banda, com 20 cm de comprimento e 12,5 cm de largura, ocupando a face posterior externa do terço médio da coxa direita, que refere a zona dadora de pele para ao vários excertos executados; cicatriz cirúrgica, vertical, hipercromática, retráctil, com 0,5 cm de comprimento, por 0,7 cm de largura, da face antero-interna do terço proximal da coxa direita, que refere a zona dadora do vaso sanguíneo para enxerto; anquilose do cotovelo direito, com dificuldade na extensão e na flexão.

22. Tais lesões determinaram o internamento imediato do ofendido no Hospital de Santa Maria e Hospital Garcia de Orta, onde foi submetido a várias cirurgias durante dois meses, resultando para o ofendido como consequências permanentes, já diagnosticadas, a perda da mobilidade e sensibilidade dos dois membros superiores, as cicatrizes fruto das inúmeras intervenções cirúrgicas dos serviços de ortopedia, cirurgia vascular e plástica reconstrutiva, que isoladamente e em multidisciplinaridade intervieram na recuperação clínica. Todas as lesões sofridas pelo ofendido determinaram-lhe um período de 192 dias de doença, com igual incapacidade para o trabalho.

23. Todos os disparos efectuados pelos dois arguidos foram efectuados a uma distância não superior a cinco metros.

24. Ao actuar conforme o descrito, efectuando disparos claramente direccionados para zonas do tórax e cabeça do ofendido XXXX, o que associado ao tipo e calibre das armas utilizadas (caçadeira de calibre 12 e pistola calibre 7.65 mm), os arguidos agiram com o propósito de causar a morte ao XXXX, o que só não aconteceu por o mesmo ter sido socorrido de imediato e submetido a intervenção cirúrgica.

25. Agiram o arguido AA e FF de acordo com o previamente planeado com o arguido BB e OO e com o auxílio de um terceiro indivíduo cuja identidade se não apurou.

26. O arguido BB, após saber que XXXX se encontrava no Praia Bar, por indicação do arguido AA, determinou expressamente ao AA que seguisse XXXX, bem sabendo que o mesmo ia, conjuntamente com FF, cumprir o previamente acordado propósito de tirarem a vida a XXXX, resultado que o arguido BB previu e quis.

27. Após atingirem XXXX, o arguido AA e FF, deslocaram-se para a Charneca da Caparica, onde ali estivera previamente FF a trabalhar numa festa que decorria no Clube Recreativo do Charnequense, onde se encontraram com o arguido EE que ali se encontrava a trabalhar.

28. Cerca das 4.00 horas os arguidos EE e AA, acompanhados pelo FF e de HH, deslocaram-se ao Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde ali receberam tratamento hospitalar.

29. Nessa altura, o arguido EE já tinha conhecimento de que o arguido AA e FF haviam desferido pelo menos cinco disparos com armas de fogo contra XXXX, tendo atingido o mesmo.

30. No dia 14 de Dezembro de 2009, pelas 07.00 horas, EE, deslocou-se ao balcão da TAP e comprou dois bilhetes com destino a Brasília, pagando em numerário, bilhetes que se destinavam ao arguido AA e ao FF, para se eximirem à acção da justiça pelos factos cometidos na pessoa de XXXX.

31. No dia 14 de Dezembro de 2009, pelas 22.42 horas, AA e FF, ausentaram-se do país no voo TP173, com destino a Brasília.

32. Até à presente data, o arguido FF não regressou a Portugal.

33. OO, FF e os arguidos BB e AA representaram e quiseram matar o ofendido XXXX e agiram com a intenção de concretizar tal desiderato, o que apenas não lograram alcançar por motivo alheio à sua vontade.

34. O arguido AA não é titular de licença de uso e porte, bem sabendo que a detenção e uso de uma caçadeira apenas é permitida a quem é titular de licença de uso e porte de arma, ciente que para as mesmas armas (…)”.

“2.1.14. Factos provados respeitantes aos Nuipc’s 96/10.7TASXL e 1592/09.4PBSXL:

1. No dia 29 de Novembro de 2009, pelas 02.00 horas, CCCCC e DDDDD, juntamente com mais três raparigas e um rapaz, todos seus amigos, chegaram ao espaço de diversão nocturna denominada por “ONDEANDO”, sito na Rua Manuel Ribeiro, n.º 20 – Santa Marta de Corroios, onde haviam efectuado reserva de mesa para um determinado grupo de pessoas, com o intuito de aí comemorar o aniversário de um dos acompanhantes.

2. No local, foram pelo arguido NN, que ostentava um cartão de segurança privada do M.A.I., com o nome de “Ricardo”, “de que não podiam entrar, porque àquela hora já tinham perdido a reserva, além de que não eram clientes da casa”.

3. Por isso, CD juntamente com os amigos esperaram à porta a chegada de mais dois amigos que deveriam vir juntar-se ao grupo, para depois, tomarem uma decisão sobre o novo destino.

4. Durante este hiato de tempo, o arguido NN perguntou ao ofendido qual era razão de estar a olhar para ele e de imediato afastou o grupo da porta e deslocou-o até à estrada após o que CCCCC dirigindo-se a NN lhe disse: “então aqui já posso olhar”.

5. Acto contínuo, o arguido NN desferiu uma cabeça no rosto do ofendido CCCCC, causando-lhe de forma imediata a perda de sentidos provocando-lhe a queda no solo.

6. Logo de imediato surgiram o arguido CC e outros indivíduos vindos do Ondeando e cuja identidade se não apurou, e conjuntamente com o arguido NN e sem prejuízo de CD se encontrar caído no solo e desmaiado, desferiram um número indeterminado de pontapés em todo o corpo do ofendido.

7. DDDDD, ao ver CD ser agredido, dirigiu-se-lhe, a fim de lhe prestar auxilio.

8. De imediato, os arguidos NN e CC e os outros indivíduos viraram-se na sua direcção e desferiram-lhe um número indeterminado de socos e pontapés, assim lhe provocando a queda no solo.

9. Quando se encontrava caído no solo, o ofendido DDDDD continuou a ser alvo de agressões (socos e pontapés) por parte dos arguidos CC e NN, os quais conjuntamente com os demais o atingiram como pontapés em diversas partes do corpo.

10. Quando readquiriu novamente os sentidos, o ofendido CD tinha dores por todo o corpo e apresentava inúmeras lesões no rosto, visivelmente inflamado e com a boca ensanguentada e insensível.

11. Foi chamada uma patrulha da PSP ao local.

12. CD foi transportado por um amigo ao Hospital Garcia de Orta – Almada, Episódio de urgência – 9147214 de 29/11/2009, pelas 04h00, apresentando hematoma a nível da face direita e feridas a nível da cavidade bocal e lábio inferior.

13. Posteriormente, face à gravidade das lesões, fora transferido para o Hospital de S. José – Lisboa, onde deu entrada com o episódio – 9048585, e após observação médica subsequente, foi submetido a intervenção cirúrgica maxilo facial, tendo-lhe sido colocado “barras de Eric mandibular e maxilar”, tendo ficado internado no serviço de internamento de CMF (cirurgia maxilo facial 1).

14. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos NN, CC e dos outros indivíduos, CD sofreu dores em todo o corpo, bem como traumatismo crânio-facial com perda de conhecimento, extenso hematoma a nível da face direita, alteração da oclusão mandibular com laceração gengival, edema dos tecidos moles da região malar direita, feridas a nível da cavidade bocal e lábio inferior, lesões estas que ainda não estão estáveis, nem curadas.

15. Em virtude da conduta dos arguidos NN, CC e dos outros indivíduos, DDDDD teve necessidade de receber tratamento médico/hospitalar no Hospital Garcia de Horta, em Almada, onde deu entrada nesse mesmo dia, com o episódio de urgência n.º 9147215 apresentando dores ao nível da face direita, lábio superior, membro superior direito e cefaleias.

16. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos NN, CC e dos outros indivíduos DDDDD sofreu dores em todo o corpo, bem como traumatismo da face, do ombro direito e do tronco ao nível da coluna dorsal e hematoma malar que lhe determinaram sete dias de doença com igual incapacidade para o trabalho.

17. Os arguidos NN e CC representaram e quiseram, em conjunto, unindo os seus esforços e vontades com os demais indivíduos, atingir a integridade física de CD e DDDDD e agiram com a intenção de concretizar tal desiderato, o que lograram alcançar.

18. Agiram livre, deliberada e conscientemente ciente da punibilidade das suas condutas.

2.1.15. Factos provados respeitantes ao Nuipc 1629/09.7PBSXL:

1. No dia 29 de Novembro de 2009, pelas 06.00 horas, quando FFFFF saía do interior da discoteca “ONDEANDO”, sita na Rua Manuel Ribeiro, Santa Marta de Corroios – Amora, acompanhado pelo seu amigo e testemunha MMSG, em direcção ao seu veículo, verificou que o mesmo tinha o espelho retrovisor do lado direito partido, facto que o deixou admirado.

2. Ambos constataram que o referido veículo havia sido estacionado por FFFFF, junto de um veículo de marca Mercedes, modelo CLK cinzento, que já não se encontrava no local.

3. Admirado com o estrago que o seu veículo apresentava, o FFFFF comentou com o MG, o facto de alguém lhe ter partido o espelho, motivo pelo qual se dirigiu junto dos seguranças que se encontravam à porta do estabelecimento questionando-os se tinham visto o que se tinha passado.

4. Nessa altura constatou que uma pessoa removera o veículo que se encontrava estacionado ao lado do seu, dirigindo-se de novo para o veículo.

5. A pessoa que removera o veículo, o arguido CC, dirigiu-se a FFFFF.

6. Em acto contínuo, o arguido CC, bem visualizando o local onde iria atingir o ofendido, desferiu-lhe dois socos que o atingiram na parte frontal da cabeça, sem que FFFFF tivesse tempo ou oportunidade de se defender ou mesmo de reagir.

7. Tais socos, pela violência e potência física imprimida, provocaram em FFFFF, a sua queda imediata no solo, ficando inanimado no solo, na posição de decúbito dorsal.

8. O arguido CC debruçou-se sobre FFFFF e colocou-o na posição lateral após o que afastou-se do local sem prestar qualquer auxílio ou chamar o INEM – 112.

9. Neste momento, a testemunha MG verificou que a vítima se encontrava inconsciente, não obtendo resultados na tentativa de o reanimar, motivo por que chamou o INEM, que o transportou para a urgência hospitalar do Hospital Garcia de Orta, em Almada. 

10. O ofendido FFFFF ficou internado no serviço de neurocirurgia, do Hospital Garcia de Orta, em Almada, tendo-lhe sido diagnosticados um “traumatismo craniano não especificado” e uma “hemorragia intracraniana”, sendo indicado num exame “TAC-CE”, que realizou: “TAC-CE com múltiplos focos de contusão: frontobasais e corticais bilateralmente (dtaesq), temporal direita, e núcleos da base bilateralmente. Fractura linear frontal direita, ao lado da linha média, sem envolvimento do seio frontal. Pequeno desvio da linha média foca na base frontal”. 

11. A vítima, em resultado das lesões graves que sofreu manteve-se internada, com períodos de grande agitação psicomotora, motivo pelo que esteve sempre sedado e retido na cama. A acompanhar esta agitação psicomotora, a vítima teve episódios permanentes de dores, confusão, desorientação psicológica e com um discurso imperceptível e quase nulo.

12. No dia 11 de Dezembro de 2009, pelas 04.50 horas, o FFFFF faleceu, na sequência das graves lesões traumáticas apresentando uma epistaxis incontrolável há vários dias (Epistaxis é a hemorragia nasal provocada pela ruptura de vasos sanguíneos da mucosa do nariz, com a saída de sangue pelo nariz e pela boca de forma abundante e persistente).   

13. A conduta do arguido causou de forma directa e necessária no ofendido traumatismo craniano, ferida occipital, paresia de IV para a direita, múltiplos focos de contusão fronto-basais e corticais bilateralmente, temporal direito e núcleos da base bilateralmente, fractura linear frontal direita ao lado da linha mediana, infiltração hemorrágica epicraniana na região mediana do osso frontal e região parietal direita, fractura do osso frontal na região mediana, continuando pela região interparietal até ao osso occipital, infiltração hemorrágica do esfenoide, hemorragia subaracnoideia envolvendo os lobos frontais, temporal direito e tronco cerebral, edema cerebral, focos de contusão hemorrágicos no tronco cerebral, edema pulmonar bilateral.

14. A morte do FFFFF foi directamente provocada pelas graves lesões traumáticas crânio-encefálicas que lhe foram originadas pelo violento impacto decorrente dos socos de que foi alvo pelo arguido CC, na zona fronto-parietal direita, zona superior do crânio e com conhecimento por parte do arguido de que aquela zona aloja o cérebro, elemento vital ao funcionamento do corpo e á sustentação da vida humana.

15. O arguido bem sabia ser previsível em face da zona afectada e da violência que imprimiu ao desferir os socos na zona frontal da cabeça de FFFFF, que podia causar a morte de FFFFF, resultado com o qual se conformou.

16. O que fez por aquele suspeitar que havia sido o arguido CC a partir o espelho do veículo.

17. Agiu o arguido CC livre e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta.

2.1.16. Factos provados respeitantes ao Nuipc 611/09.9JDLSB:

1. No dia 17 de Abril de 2009, cerca das 17.30 horas, na Rua Dr. Professor Egas Moniz, à saída do Metro de Odivelas, tf Inspector da Polícia Judiciária, dirigia-se para a sua residência acompanhado pela testemunha CC (também inspectora da Polícia Judiciária), sendo que o arguido CC conduzia na mesma artéria o veículo de marca AUDI, modelo A4, de cor preta com a matrícula 92-EE-95.

2. Após TF ter manifestado o seu desagrado pela manobra do arguido, o arguido CC imobilizou o seu veículo, saiu do seu interior e dirigiu-se a TF, dizendo-lhe “que é queres meu grande palhaço”.

3. De seguida e sem que o ofendido pudesse esboçar qualquer resistência, o arguido desferiu um soco na cabeça do ofendido, mais precisamente na zona direita da face, entre o queixo e o ouvido, assim provocando a perda de consciência do ofendido e sua subsequentemente queda no solo.

4. Em virtude da conduta do arguido CC, TF necessitou de receber tratamento médico - hospitalar, que resultou no seu internamento pelo período de um dia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

5. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido TF sofreu dores em todo o corpo, bem como náuseas, vómitos, traumatismo craniano com perda de conhecimento, concretamente, fractura de crânio (“escama do occipital esquerda”) e contusão hemorrágica encefálica bi-frontal-basal, traumatismo da hemiface direita com evolução para abcesso pós-traumático da mucosa jugal à direita, após traumatismo dentário por agressão da hemiface ispilateral, subsistindo de forma residual algumas perturbações cognitivas assimiláveis, do ponto de vista psiquiátrico, a uma síndrome frontal moderado.

6. Tais lesões determinaram para TF um período de cento e oitenta dias de doença, sessenta dos quais com incapacidade para o trabalho em geral e noventa dias de incapacidade para o trabalho profissional.

7. Na sequência das lesões supra descritas, foi atribuída a TF, pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, incapacidade permanente para o trabalho de 17,20%.

8. O arguido CC representou e quis atingir a integridade física do ofendido TF e agiu com a intenção de concretizar tal desiderato, o que logrou alcançar.

9. Agiu livre, deliberada e conscientemente da punibilidade da sua conduta (…)”

2.1.18. Factos provados respeitantes ao Nuipc 194/10.7GCALM:

1. AA, treinou no ginásio RADICAL GYM, sito na Costa da Caparica, tendo aulas de “JIU-JITSU”, com o arguido OO como professor desta arte marcial.

2. O arguido BB também leccionava nesse ginásio.

3. O ginásio era frequentado, entre outros, pelos arguidos AA, NN, o EE, o CD, o CC, também por treinarem no mesmo ginásio.

4. No dia 11 de Fevereiro de 2010, cerca das 01.00 horas, o ofendido AA recebeu uma chamada telefónica proveniente do telemóvel de um indivíduo conhecido por M..., também conhecido por “Babá”.

5. O referido M... perguntou ao ofendido AA se o podia ajudar a transportar uma televisão, tendo este acedido, embora questionasse a proveniência da televisão, tendo-lhe aquele dito que não havia problema com a referida televisão, insistindo para que o ofendido o ajudasse.

6. O ofendido saiu de casa e encontrou-se com o M... à porta da sua casa, o qual estava à sua espera numa carrinha AUDI A4, com vidros fumados e entrou no referido veículo, sentando-se a seu lado.

7. O M... pôs o veículo em marcha, na direcção do bairro do “Pica-Pau Amarelo” e uma vez ali chegados, numa zona sem iluminação e onde ninguém se encontrava, o Marcelo imobilizou o veículo e de imediato, atrás deste veículo parou um veículo VW Passat que já vinha atrás do mesmo a algum tempo.

8. Após imobilizar o veículo, o M.... disse a AA para sair do carro, o que o ofendido fez, sendo seguido pelo M....

9. Do veículo VW PASSAT, saíram os arguidos BB e AA e dirigiram-se a AA, surgindo também um indivíduo de nome Paulo, o qual também se dirigiu a AA.

10. De imediato, o arguido BB questionou AA sobre o facto de ter falado “deles”, referindo-se ao grupo de OO, a um agente da PSP, de nome Àdamo.

11. Após, começaram a dizer a AA que tinham sido pagos para lhe fazer uma maldade e deixarem-no numa valeta.

12. A dada altura, o arguido BB exigiu inicialmente a AA o pagamento de dez mil euros para não lhe baterem e posteriormente de dezasseis ou vinte mil euros.

13. Assustado e temendo que os denunciados o agredissem, o ofendido disse-lhes que de momento não tinha dinheiro mas que lhes entregaria tal quantia de manhã.

14. Nessa altura, os arguidos BB e AA, dirigiram-se ao veículo VW PASSAT e regressaram, trazendo o arguido BB um revólver, de características iguais ao revólver cujo foto se mostra junta a fls. 23 do apenso.

15. O arguido BB empunhou o revólver na direcção de AA, ao mesmo tempo que lhe continuava a exigir a entrega da quantia monetária.

16. Enquanto abordavam AA nos termos supra descritos, o Marcelo, o Paulo, o BB e o AA, rodearam AA, estando o arguido Miguel sempre colocado na retaguarda de AA, mesmo quando este mudava de posição.

17. De seguida, os arguidos e os seus companheiros exigiram a AA que entrasse no veículo do Paulo, onde também entrou o Marcelo e conduziram-no até à sua residência, sita na Sobreda, no que foram seguidos pelo veículo PASSAT, onde se faziam transportar os arguidos BB e AA.

18. Como era do conhecimento dos arguidos, o ofendido não pretendia entrar para o veículo, nem nele ser transportado para a sua residência, o que fez contra a sua vontade, apenas devido ao receio de, se desobedecesse, ser atingido a tiro e ficar ferido ou até de morrer. 

19. Uma vez na residência do ofendido, os arguidos e os seus companheiros deram ordens ao ofendido para sair do veículo e para abrir a garagem, o que o ofendido fez, por temer pela sua vida e segurança.

20. Já no interior da garagem, os arguidos e os seus companheiros ordenaram ao ofendido que abrisse o seu veículo VW GOLF após o que o revistaram, dali retirando uns produtos naturais, no valor aproximado de duzentos euros, objectos que fizeram seus apesar de saberem que não lhe pertenciam.

21. Em acto contínuo, os arguidos e os seus acompanhantes obrigaram o ofendido a abrir da porta a sua residência e o M... e o P... forçaram-no entrada na referida habitação, seguindo com ele para o seu interior, enquanto os arguidos BB e , permaneceram no exterior, no interior do veículo VW Passat.

22. Uma vez no interior da residência do ofendido, onde também se encontrava a sua companheira, o M... e o P... percorreram todas as divisões da sua habitação, à procura de dinheiro, ou de quaisquer outros objectos que pudessem levar e lhes interessassem.

23. Os companheiros dos arguidos ainda pegaram numa caçadeira e num revólver de calibre.22, que o depoente guardava em casa, mas acabaram por não os levar, após AA ter dito que iria comunicar tal facto à GNR, dando-lhe o prazo de, até às 10.00 horas desse dia, proceder ao pagamento da quantia exigida, após o que abandonaram todos o local, cerca das 2.00/3.00 horas.

24. Já durante o dia, o P... contactou telefonicamente M..., pelo menos por três vezes, a última das quais, quando AA se encontra no posto da GNR da Charneca a apresentar queixa contra os arguidos, perguntando-lhe pelo dinheiro, ao que o ofendido respondeu que não tinha o dinheiro. Perante tal resposta o P... disse: “Tu é que sabes...”.

25. Os arguidos AA e BB previram e quiseram, juntamente com outros dois indivíduos, privar o ofendido da sua liberdade ambulatória e anunciar que o iam agredir ou até matá-lo para o forçar a entregar-lhes o montante não inferior a € 16.000,00 pela sua restituição à liberdade, forçando-o a entrar no veículo e a permitir-lhe a entrada na sua residência, nos termos supra descritos, bem sabendo que agiam contra a vontade de AA, só não conseguindo obter tal montante por razões alheias às suas vontades.

26. Mais sabiam os arguidos que os produtos que retiraram do interior do veículo de AA, não lhes pertenciam, integrando-os no seu património, bem sabendo o que faziam contra daquele e que o mesmo não reagiu por temer que atentassem contra a sua integridade física ou contra a sua vida.

27. Agiram livre, deliberada e conscientemente, em comunhão de esforços, cientes da punibilidade das suas condutas (…)”.

2.1.20. Factos provados respeitantes às condições pessoais e antecedentes criminais dos arguidos:

- Relativamente ao arguido AA

1. O arguido AA concluiu o 9.º ano de escolaridade, tendo duas retenções por absentismo;

2. Interrompeu aos 18 anos o percurso escolar, para ingressar no serviço militar, onde esteve cerca de 1 ano e meio, tendo sido elemento integrante do corpo de tropas especiais Comandos.

3. Findo o serviço militar, reintegrou o agregado familiar materno, iniciando a vida laboral como ajudante de ladrilhador/pintor no ramo da construção civil, depois passou a trabalhar em Lisboa como assistente na montagem de aparelhos de ar condicionado com a empresa M..., Instalações Mecânicas, Lda., até aos 23 anos e também numa empresa de instalações de sistemas de segurança contra incêndios, até a mesma se extinguir.

4. Seguidamente, exerceu trabalhos de carácter pontual em armazéns de um hipermercado, que acumulava com outra actividade, das 21H30 às 2H00 como empregado no bar “Kingston”, na Costa da Caparica, descrito como sendo próximo da discoteca R....

5. Em 2006 iniciou a prática da modalidade de jiu-jitsu, no Radical Gym.

6. Viveu sempre integrado no agregado materno até à data da sua prisão, trabalhando no bar Kingston.

7. Aí conhecendo a sua actual namorada, que veio a integrar o seu agregado familiar;

8. É considerado no meio onde reside como um indivíduo calmo, respeitador e trabalhador.

9. Não tem antecedentes criminais (…)”.

- Relativamente ao arguido BB:

1. Ingressou no sistema educativo na idade normal, interrompendo os estudos com 17 anos de idade, tendo concluído o equivalente ao nosso 11.º ano de escolaridade, para se dedicar exclusivamente á prática desportiva, mormente em artes marciais e jiu-jitsu.

2. Veio para Portugal a convite de OO, prolongando a sua estadia, por perspectivar no nosso país melhores condições de trabalho, sendo que entre 2004 e 2006 trabalhou como assistente desportivo de OO em dois ginásios e auferindo um salário na ordem dos € 500/€ 600 mensais;

3. Antes da sua detenção, vivia com a mulher e o filho na zona de Benfica, este nascido em Portugal, sendo o relacionamento bom, bem como com a sogra, ainda que se revele uma postura de proteccionismo da parte desta em relação àquele;

4. Em meio prisional ocupa o tempo em actividades desportivas, beneficiando de visitas do cônjuge e do filho;

5. O arguido BB não tem antecedentes criminais.

- Relativamente ao arguido CC:

1. O arguido CC vive com a esposa e duas filhas menores, com oito e três anos de idade, respectivamente.

2. É considerado pai presente e responsável e reputado por ser pessoa trabalhadora.

3. O arguido CC tem antecedentes criminais, tendo sido alvo das seguintes condenações:

a. pela prática, em 19-10-1993, de um crime de ofensas corporais simples, p. e p. pelo artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, numa pena de 90 dias de multa, á taxa diária de 500$00, com aplicação do artigo 8.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º15/94, de 11/05, sob a condição resolutiva de não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes aos da entrada em vigor de tal lei, por sentença proferida no Proc. n.º 864/93.2GCALM do 2.º Juízo Criminal de Almada, em 13-05-1996. Quanto a esta pena, por despacho de 7-12-1998, o perdão foi revogado e determinado o cumprimento da pena de multa;

b. pela prática, em 05-11-1994, de um crime de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelo artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 422/89, numa pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 700$00, perfazendo o montante global de 42.000$00, por sentença proferida no Proc. n.º 3202/94.3 PAALM do 1.º Juízo Criminal de Almada, em 25-05-1998;

c. pela prática, em 13-02-2002, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6.º , n.º 1, alínea c) da lei n.º 22/97, de 27/06, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, no total de € 180,00, por sentença proferida no Proc. n.º 210/02.6 SGLSB da 1.ª secção do 3.º Juízo Criminal de Lisboa, transitada em julgado em 19-09-2005, pena essa declarada extinta pelo cumprimento por despacho de 20-10-2005 (…)”

5. As questões suscitadas pelos diversos recorrentes já expurgadas daquelas que respeitam aos crimes relativamente aos quais a decisão da Relação é irrecorrível e agrupadas segundo uma ordem lógica, são as seguintes:           

- omissão de pronúncia e violação do dever de fundamentação;

- omissão do convite para aperfeiçoamento da motivação;

- vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal:

- violação do princípio in dubio pro reo;

- transcrição de escutas telefónicas;

- valor da prova pericial (escuta em voz off);

- falta de domínio do facto;

- concurso do crime de homicídio c com o de detenção de arma proibida;

- qualificação jurídico-penal dos factos do NUIPC

- medida das penas [recursos dos arguidos AA e CC].


6. omissão de pronúncia e dever de fundamentação

O recorrente AA veio pugnar pela nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo, nas conclusões n.ºs 5 a 23 da sua motivação, que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questões de que devia ter conhecido, tendo-se limitado a remeter para a fundamentação constante do acórdão do tribunal de 1.ª instância ou para as alegações de recurso produzidas pelo Ministério Público, demitindo-se, por completo, das suas funções no que respeita à reapreciação da matéria de facto.
Também o arguido BB alegou em idêntico sentido, imputando à Relação a omissão do dever de julgamento, considerando que o acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre questões de que devia ter conhecido e que, muito embora a lei não determine a extensão da fundamentação, é sempre necessário especificar os motivos em que se funda a solução encontrada, o que não foi observado, já que a decisão recorrida se limitou simplesmente a remeter para a fundamentação constante do acórdão do tribunal de 1.ª instância (conclusões n.ºs 1 a 35).
E o mesmo fez o recorrente CC, ao  defender que o tribunal recorrido violou manifestamente as suas garantias de defesa, nomeadamente o direito ao recurso em matéria de facto ao não cumprir o dever de fundamentação previsto no art. 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, ao  não relacionar os factos entre si, limitando-se a reproduzir os argumentos do tribunal de 1.ª instância, sem os relacionar inclusive com a personalidade do arguido (conclusões n.ºs 1 a 5).

Importa, assim, averiguar se merece, ou não, procedência a suscitada questão da nulidade do acórdão recorrido, conforme defendem os três recorrentes, que para tanto alegam violação do dever de fundamentação a que, por princípio, todas as decisões judiciais devem obediência [art. 379.º, n.º 1, al. a), em conjugação com o disposto no art. 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal], ou imputado à Relação omissão de pronúncia quanto a questões que não podia deixar de ter apreciado e de ter conhecido [art. 379.º, n.º1, al. c), do mesmo Código].

O dever de fundamentação dos actos processuais está consagrado no art. 97º nº 5 do Código de Processo Penal, aí se estabelecendo, de modo singelo, que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”

Da leitura deste preceito ressaltam, de imediato, as seguintes ideias fundamentais:

Em primeiro lugar, o dever de fundamentação não se impõe irrestritamente a todos e a quaisquer actos judiciais (ou do Ministério Público), mas somente aos “actos decisórios”, nos quais se compreendem, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo, os acórdãos, as sentenças e bem assim os despachos judiciais que decidam questões interlocutórias ou que ponham termo ao processo mas sem conhecer do mérito da causa.

A fundamentação dos actos judiciais não deve, portanto, ser entendida como uma finalidade em si mesma, mas antes como um instrumento ou como uma exigência inscrita em nome dos direitos e das garantias de todos os sujeitos processuais, particularmente do arguido. Assim compreendida, a fundamentação justifica-se para que os sujeitos processuais percepcionem com facilidade o sentido da decisão, para que possam conscientemente optar pela sua aceitação ou, se necessário, pela sua impugnação através do recurso para um outro tribunal, mas também para que a autoridade judiciária avalie convenientemente, de modo ponderado, longe do puro arbítrio, as vantagens e as desvantagens de seguir por um determinado caminho. Como se afirmou a este propósito no Ac. do STJ de 27-01-2009, Proc. n.º 3978/08 - 3.ª Secção (in www.dgsi.pt):“a motivação das sentenças judiciais é um dos Direitos do Homem, constante do art. 6.º, § 1, da CEDH, reputada como o direito do acusado a um processo justo, consagrado no art. 20.º, n.º 4, da CRP, e é considerada como o remédio essencial contra o arbítrio, através dela prestando o juiz contas, aos sujeitos processuais e à colectividade, dos critérios adoptados e dos resultados adquiridos. Não tem que consistir na análise aprofundada de todas as deduções das partes nem num exame pormenorizado de todos os elementos do processo, não tem que apresentar uma extensão “épica” (observa o Juiz Franz Matsher, citado no estudo de Lopes Rocha, in Documentação e Direito Comparado, BMJ n.ºs 75/76, págs. 99 e ss.), convertendo a motivação num complexo processo escrito e por vezes contraditório, satisfazendo-se com um raciocínio justificativo mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em “bases racionais idóneas” para a tornarem aceitável, credível.”

Em segundo lugar, a parte final do citado n.º 5 do art. 97.º do Código de Processo Penal explicita que o dever de fundamentação se desdobra quer na fundamentação de facto quer na fundamentação de direito. A primeira prende-se com a prova, ou falta dela, sendo materializada através da exposição dos motivos que levaram o tribunal a considerar provados determinados factos em detrimento de outros que não ficaram demonstrados. A fundamentação de direito relaciona-se com a argumentação jurídica de que o tribunal se socorreu, ou se deve socorrer, para encontrar a solução concreta para o caso ou, dito por outras palavras, o enquadramento jurídico que foi encontrado pelo juiz para o quadro factual que foi objecto de julgamento no processo.

Da conjugação deste normativo, com os demais atinentes aos actos decisórios dos juízes, muito em particular com os arts. 118.º, n.ºs 1 e 2, 123.º, n.ºs 1 e 2, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, resulta  inequívoco que o dever de fundamentação não assume exactamente a mesma extensão consoante o acto decisório seja um simples despacho interlocutório, uma sentença ou um acórdão de um tribunal de 1.ª instância ou um acórdão de um tribunal de superior grau hierárquico, proferido em sede de recurso.

Como decorre expressamente da conjugação do disposto no n.º 2 do art. 374.º, com o art. 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, as sentenças e os acórdãos que conheçam do objecto da causa estarão feridos de nulidade no caso de não explicitarem os motivos de facto e de direito em que assenta a decisão.  

 Contudo, como é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, reafirmado no recente acórdão de 07-02-2013 - Proc. n.º 727/10.9GGSNT - 5.ª Secção com o mesmo relator, as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379.°, ex vi art. 425.°, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, o que bem se compreende dado o seu objecto ser a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo. A tal propósito afirmou-se no ac. de 05-12-2012 - Proc. 704/10.0PVLSB - 3.ª Sec. (in www.dgsi.pt):“O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430º, do Código de Processo Penal), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – artigo 412º, n.º 3, alíneas a) e b). (…) Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação das já proferidas, sendo certo que, no exercício dessa tarefa, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido (…)” (no mesmo sentido, vide Ac. do STJ de 21-02-2007, Proc. 3932/06).

No mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal 4, pág. 281), que entende que “Não são inconstitucionais as normas dos artigos 97.º, n.º 5, 379.º, n.º 1, alínea a), e 425.º, n.º 4, do CPP, interpretadas no sentido de que, havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, a fundamentação da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a decisão de pronúncia, se basta com a remissão para a prova indicada na decisão recorrida, não sendo exigível à decisão a proferir que explicite, especificadamente, os fundamentos dessa adesão – autonomizando, em texto próprio, a enumeração dessa prova, a especificação dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e a análise da mesma –  mas tão-só que se indiquem as razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço”.

Sem esquecer que, sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, apenas lhe compete apreciar se a Relação deixou de conhecer questão essencial suscitada pelos recorrentes quanto à matéria de facto ou se omitiu o dever de fundamentação, estando fora da sua competência apreciar o concreto uso que a Relação fez dos seus poderes no recurso que teve por objecto a matéria de facto. Conforme se afirmou no ac. de 14-12-2006 - proc. n.º 4356/06-5.ª Secção, relatado pelo saudoso Conselheiro Carmona da Mota, “tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do Tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido”.

6.1 Relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA, cujo conhecimento, tal como sucede com os demais, se encontra limitado ao crime de homicídio, dada a irrecorribilidade da decisão quanto aos demais crimes pelos motivos que ficaram expostos, haverá que reconhecer que o acórdão da Relação, ora recorrido, deu cabal cumprimento à exigência de fundamentação, ainda que através da adesão aos motivos que determinaram a condenação deste arguido pelo tribunal de 1.ª instância.

A decisão recorrida começa, de resto, por afirmar a este propósito que o recurso para o tribunal da relação não constitui um novo julgamento da matéria de facto. E apelando ao princípio da livre apreciação da prova, sustenta que o tribunal de 1.ª instância indicou de forma pormenorizada, lógica e sem reparos, as razões pelas quais considerou os factos como provados, entendendo que nada evidencia a ocorrência de erro de julgamento para o que cita a fundamentação de facto do tribunal de 1.ª instância, acabando por afirmar que o recorrente AA se limitou a impugnar o processo da livre formação da convicção do tribunal e a censurar a credibilidade atribuída a determinados meios de prova em detrimentos de outros.

A respeito do crime tentado de homicídio qualificado, objecto do NUIPC n.º 1329/09.8GEALM, o tribunal de recurso não deixa de explicitar, em termos gerais, mas com plena pertinência para o caso vertente, que os “recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento”, que “o juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado”, que “a credibilidade das provas (o seu mérito ou desmérito) e a convicção criada pelo julgador da 1.ª instância (…) assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores (…), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento” e que “o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) também se aplica ao tribunal de 2.ª instância” (fls. 16793 a 16795).

Efectuado o enquadramento do regime geral dos recursos em matéria de facto, com apoio em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a Relação, procedendo à reapreciação dos factos que determinaram a interposição de recurso por parte do arguido AA, afirma essencialmente que o recorrente se limitou a impugnar o processo de formação da convicção do tribunal, nenhum reparo merecendo a apreciação da prova feita pela decisão recorrida, vindo a concluir que “não existem razões para alterar os pontos da matéria de facto impugnada pelos recorrentes” (fls. 16810 a 16841).

Após transcrição integral da fundamentação exposta pelo tribunal de julgamento para dar como demonstrados os factos em apreciação, afirma-se na decisão a quo, de modo impressivo, que “(…) o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque credibilizou parte do depoimento da testemunha EEEEE e porque credibilizou igualmente parte dos depoimentos das testemunhas DD, SPCE, EJVa e HH. E nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo tribunal “a quo”, porquanto formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum (…)”.

No pressuposto de que o recurso visa a detecção de vícios em que possa ter incorrido o tribunal de 1.ª instância ao fazer a apreciação crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e não proceder a um novo julgamento da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal da Relação deu cabal cumprimento ao dever de fundamentação. Com efeito, não tendo detectado qualquer erro respeitante ao julgamento da matéria de facto, a Relação aderiu aos fundamentos que levaram o tribunal de julgamento a considerar provados os factos imputados ao recorrente AA no que respeita ao crime de homicídio qualificado na forma tentada. Fundamentos que o tribunal de recurso teve por irrepreensíveis, e por isso os fez seus, baseando-se no entendimento de que o juízo formulado pelo tribunal recorrido respeitava a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, observava critérios lógicos e objectivos e estava em conformidade com as regras da experiência comum.

Cumpriu, pois, o Tribunal da Relação o seu dever de fundamentação.

Simultaneamente, ao fazer apelo ao princípio da livre apreciação da prova, na decisão ora recorrida consideraram-se improcedentes as críticas que o recorrente teceu acerca do julgamento da matéria de facto, as quais a Relação tomou como leitura levada a efeito por um sujeito processual interessado no desfecho do processo, e, portanto, insusceptível de abalar a convicção do julgador, resultante de uma visão absolutamente objectiva, por contraposição à do arguido, naturalmente subjectiva.          Em suma: resulta do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação de Lisboa concordou integralmente com a apreciação crítica da prova efectuada pelo tribunal de julgamento quanto ao crime de que foi vítima o ofendido EEEEE e quanto ao envolvimento do arguido AA na respectiva execução, tendo aceite sem reparos, de acordo o princípio da livre apreciação da prova, a versão dos factos que consta da decisão de 1.ª instância, que o tribunal colectivo apurou após ter ponderado o depoimento do ofendido que conjugou com os demais meios de prova, particularmente com os depoimentos das testemunhas DD, SPCE, EJV e HH.

Dito por outras palavras: ainda que tendo aderido em grande parte aos fundamentos da decisão impugnada, o acórdão recorrido não deixou de reapreciar a matéria de facto, tendo efectuado uma leitura capaz das provas que vieram a determinar a condenação do arguido AA pela prática do crime tentado de homicídio qualificado, manifestando concordância com o modo irrepreensível e inatacável, segundo critérios lógicos e objectivos e de acordo com as regras da experiência comum, com que foi avaliada a prova produzida na audiência de julgamento.

Deste modo, a afirmação do recorrente AA no sentido de que a decisão recorrida utilizou um “tipo de discurso que se traduz em generalizar, para evitar a apreciação do caso concreto” não tem cabimento. E se há que aceitar que a fundamentação de tal decisão se apresenta feita em grande parte por remissão, a verdade é que tal não constitui vício, muito menos vício fatal, que deva invalidar a decisão proferida pelo tribunal de recurso. O acórdão recorrido satisfaz as exigências mínimas de fundamentação, tendo explicitado os motivos que determinaram o tribunal superior a confirmar a decisão condenatória, pelo que não padece do indicado vício da nulidade previsto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.

E muito menos ainda se verifica o vício previsto na al. c) do citado n.º 1 do art. 379.º do referido Código. Com efeito, a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal da causa deixa em absoluto de apreciar e de decidir uma questão que seja suscitada pelos sujeitos processuais ou que não possa deixar de ser oficiosamente tratada, o que manifestamente não ocorreu quanto à reapreciação da matéria de facto, independentemente do maior ou menor grau de desenvolvimento da fundamentação utilizada no acórdão recorrido.

Improcede pois, nesta parte, o recurso do arguido AA.

6.2  Também o arguido BB refere que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação.

Ocioso seria repetir aqui que, na parte em que o acórdão se deve considerar transitado, está vedada ao Supremo Tribunal de Justiça qualquer decisão acerca da alegada questão da nulidade do acórdão da Relação por falta de fundamentação. Por conseguinte o recurso do arguido BB apenas pode ser apreciado no que respeita a questões que o recorrente suscite relativamente ao NUIPC 1329/09.8GEALM.

 Refere na conclusão 14ª que “a decisão recorrida não apresenta resposta a questões fulcrais, limitando-se a resolver, de forma redutora, por remissão para a fundamentação do acórdão recorrido ou para a douta resposta do M.P ao recurso do Recorrente” e procede nas conclusões seguintes a uma crítica à decisão recorrida, crítica esta tem características genéricas não se centrando no objecto do NUIPC 1329/09.GEALM.

O recorrente estrutura, aliás, o seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sem concretizar os pontos em que a Relação deixou de dar resposta às concretas questões suscitadas em sede de matéria de facto, limitando-se a imputar nulidades à decisão recorrida resultantes, segundo afirma, por a Relação não se ter debruçado sobre as questões que o recorrente colocara à sua apreciação, questões que, em sua opinião, foram resolvidas de forma redutora por remissão para a              
fundamentação do acórdão de primeira instância ou para a resposta do Ministério Público.

Agindo deste modo, o recorrente incorreu em falta de motivação,  inviabilizando a apreciação do seu recurso.

E a afirmação de “ausência de audição ou leitura do depoimento ou menor cuidado empregue nessa mesma leitura” constante da motivação não é mais do que uma declaração de discordância relativa à fixação da matéria de facto dada como provada, não constituindo uma imputação de falta de fundamentação ao acórdão recorrido. De resto, e como se disse já, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o eventual mau uso pela Relação dos poderes que a lei lhe confere no recurso sobre matéria de facto, ressalvada a ocorrência de algum dos vícios do art. 410º de que deva conhecer oficiosamente.

Percorrendo a motivação, verifica-se que o que verdadeiramente o arguido suscita quanto ao crime de homicídio é a questão de “saber se um indivíduo poderá ser punido como co-autor de um delito tentado logo que um ou mais co-autores iniciam a execução do delito planeado em comum, sem que pratique qualquer tarefa do aludido plano”, questão de que, oportunamente, se irá tomar conhecimento. No mais, são generalidades, como a de que “o tribunal da Relação não deu cabal cumprimento ao disposto no nº 2 do art. 374º do CPP, por não ter procedido ao exame crítico das provas da douta fundamentação do acórdão recorrido, expondo claramente [s]as razões da opção efectuada, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão e fundamentação do tribunal a quo e permitindo aos sujeitos processuais proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador”.

Considerando lícito partir de factos conhecidos para se adquirir a prova de factos não directamente demonstrados, a Relação, apoiando-se nos ensinamentos da doutrina, entendeu ser admissível a utilização de presunções judiciais pelo tribunal de julgamento, aspecto que, ao nível da fundamentação da matéria de facto, considerou não ser merecedor de qualquer reparo.

Por outro lado, e segundo a decisão recorrida, nenhuma censura merece, a decisão de 1ª instância, que soube interpretar correctamente o depoimento do ofendido EEEEE, em conjugação com intercepções telefónicas e os SMS, para vir a considerar como demonstrado o quadro factual atinente a esse crime tentado de homicídio (cfr. fls. 17026 a 17029).

O acórdão recorrido rebate, de resto, a argumentação aduzida pelo arguido BB no sentido de que nada tinha a ver com a prática desse crime, chegando precisamente a conclusão oposta, designadamente através de uma diferente interpretação de uma conversação telefónica ocorrida no dia 13-12-2009 entre o recorrente e a testemunha EA, para tanto tendo aderido à argumentação apresentada pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso, que integralmente reproduziu. Ora, se no entendimento do tribunal ad quem, a argumentação vertida na referida resposta se mostra correcta e objectiva, nada impede que a decisão a ela adira, utilizando-a para explicitar a falta de razão do recorrente.

Todo esse circunstancialismo serviu de fundamento para o Tribunal da Relação na reapreciação da matéria de facto chegar a resultado coincidente com o alcançado pelo tribunal de julgamento, permitindo-lhe afirmar em jeito de conclusão que “não se vislumbra a mínima afronta às regras da experiência comum e que se mostra perfeitamente lógico e razoável o raciocínio que levou o tribunal a quo tenha dado como provada a factualidade questionada pelo recorrente (…)” (cfr. fls. 17030  17034). Com efeito, perante a impugnação da decisão condenatória apresentada pelo recorrente BB, o tribunal de recurso, mesmo tendo-se dispensado de proceder a um exame crítico de cada uma das provas produzidas em sede de audiência, o que na prática iria consubstanciar um novo julgamento da matéria de facto, pôde fundadamente afirmar não ter encontrado qualquer erro de julgamento no que respeita à matéria de facto.

Por isso não se pode afirmar que o acórdão recorrido tenha deixado de reapreciar a matéria de facto, que não tenha efectuado uma leitura atenta de tudo quanto determinou a condenação do arguido BB pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, que não tenha apresentado respostas a questões fulcrais ou que lhes tenha concedido respostas meramente formais, ou, finalmente, que tenha deixado sem fundamento a confirmação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de 1.ª instância.      

Destinando-se os recursos à apreciação não de todos os factos e de todas as provas do processo, mas somente daqueles que tenham sido incorrectamente julgados ou daquelas provas que tenham sido incorrectamente apreciadas na perspectiva do recorrente (art. 412º nº 3 als. a) e b) CPP), não está o tribunal de recurso impedido de remeter para a decisão recorrida ou para uma outra peça processual, quando pretenda fazer seus, a eles aderindo, argumentos anteriormente utilizados, que desse modo passam também a fazer parte integrante da decisão proferida.

Como inúmeras vezes tem sido afirmado, o dever de fundamentação dos acórdãos tirados em recurso não requer uma longa explanação redigida pelo relator, com extensas citações de jurisprudência e de doutrina relacionadas com a matéria em causa, nem que seja feito uso de argumentos inovadores ou que, pelo menos, se apresente uma nova configuração para velhos argumentos já vertidos no processo. Na verdade, a exigência de fundamentação não constitui uma finalidade em si mesma, conforme já se referiu, justificando-se essencialmente para permitir aos sujeitos processuais a percepção fácil do sentido da decisão e para que, em caso de recurso, o tribunal superior avalie convenientemente a razão do sentido da decisão.

No caso vertente, afigura-se incontestável que o recorrente BB apreendeu o sentido do acórdão recorrido, em toda a sua plenitude, tendo o tribunal de recurso decidido ponderadamente, após avaliação de modo atento e pensado de todas as questões controvertidas, quer as relacionadas com matéria de facto, quer as relativas à matéria de direito.

Por isso, se desatende a alegação de que as questões foram decididas com “(...) a utilização de formas tabelares e expressões sem qualquer sustentação e desprovidas de conteúdo (…)”. Da leitura do acórdão recorrido resulta, antes, que o Tribunal da Relação de Lisboa levou a cabo uma efectiva reapreciação da matéria de facto e da matéria de direito, não se tendo escudado em generalidades e abstracções para não apreciar a causa ou demitindo-se das suas funções de tribunal de recurso, mesmo que para tal, tenha, em larga medida, aproveitado, remetido ou aderido aos fundamentos constantes do acórdão proferido pelo tribunal de 1.ª instância, os quais passaram a fazer parte integrante da decisão recorrida, que assim cumpriu as exigências mínimas de fundamentação.

E o mesmo se diga das comunicações telefónicas entre Edmir Amador e e o recorrente, que a Relação interpretou no sentido proposto pelo Ministério Público na sua resposta, que o acórdão recorrido ao proceder à respectiva transcrição fez seu.

Em suma: como não se impunha à Relação a realização de novo julgamento sobre a matéria de facto, mas simplesmente a análise daqueles aspectos de facto ou de prova que mereceram específico reparo crítico por parte do recorrente, e como não foi constatada a ocorrência nem de erro nem de vício no processo de formação da convicção do tribunal, a fórmula encontrada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para confirmar a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância cumpre as exigências mínimas de fundamentação, pelo que o acórdão recorrido não está ferida do apontado vício da nulidade. Assim como não lhe pode ser assacado o vício da omissão de pronúncia, previsto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, conforme pretende o recorrente, na medida em que aflorou as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente.

Improcede, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido BB.

6.3  De igual modo, o recorrente CC veio defender que o tribunal recorrido não cumpriu o dever de fundamentação previsto no art. 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, tendo por isso violado as suas garantias de defesa, nomeadamente o direito ao recurso em matéria de facto, na medida em que, mesmo a entender-se que o recorrente não cumpriu o formalismo previsto no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, deveria sido convidado a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso.

A este propósito, importa recordar o que afirmou o Tribunal da Relação no acórdão recorrido: “Como se constata da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso, o recorrente [YY] não observou integralmente o regime prescrito no nº 3, al. b) do citado preceito legal (…)”, “limitou-se a transcrever (…) a totalidade dos depoimentos das testemunhas ASTM (…), CCCCC (…), CRC (…), SA (…) e MG (…) e não, como teria que fazer, especificar as passagens relevantes deles (…)“ e apenas indicou “(…)as provas que, na sua opinião, impunham decisão diversa da recorrida, sem apresentar argumentos, minimamente persuasivos, que permitissem contrariar a fundamentação da decisão de facto cuidadosamente elaborada pelo tribunal de 1ª instância (…)”(fls. 16985).

Da análise crítica do recurso interposto da decisão condenatória resulta inequívoco, conforme se expôs na decisão em recurso, que este arguido não observou o disposto na al. b) do n.º 3 do art. 412.º do CPP ou, por outras palavras, não cumpriu o ónus de especificar as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente aos factos respeitantes ao NUIPC 1629/09.7 PBSXL, o qual é ainda passível de recurso.

Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente sustenta, de modo paradigmático, que as concretas provas “(…) são as que constam dos CDs e cassetes vídeo, onde se encontra documentada a prova produzida em julgamento, nomeadamente os depoimentos aí prestados (...)”, seguindo-se, dezenas de páginas em que são transcritos os depoimentos das mencionadas testemunhas, para depois, em jeito de conclusão, defender, muito em síntese, que “(…) o recorrente não é o autor da agressão”, que “(…) é totalmente alheio aos factos que envolvem o ofendido (…)” e que “(…) não se conforma com a sua condenação com base em suposições, convicções e interpretações do tribunal recorrido (…)” (fls. 15322 a 15398).

Contudo, para fazer uma correcta impugnação da matéria de facto atinente ao crime de homicídio qualificado, o recorrente deveria ter indicado, como lhe impõe a lei, as concretas provas que, na sua perspectiva, determinariam a sua absolvição da prática deste crime, maxime referindo com precisão os segmentos dos depoimentos das testemunhas inquiridas a este respeito em sede de audiência de julgamento, em vez de se ter socorrido, por atacado, de extensas transcrições de todos esses depoimentos, sem especificar os segmentos que impunham decisão diversa ou que tinham a virtualidade de contrariar o dito julgamento da matéria de facto. Assim, o recorrente para sufragar a sua posição não individualizou um único trecho ou um único segmento do depoimento das testemunhas, não fez uma única referência às concretas passagens que imponham decisão diversa da assumida, tendo-se limitado a afirmar de modo genérico que as provas impeliam a outra decisão quanto à matéria de facto, para tanto indicando os depoimentos das testemunhas ASTM, CCCCC , CRCR, SA e MMSG, que fez acompanhar de extensas transcrições do que foi narrado em tribunal nas respectivas sessões da audiência de julgamento.

Como já se afirmou, não compete aos tribunais da relação, enquanto instâncias de recurso, proceder a um novo julgamento da matéria de facto ou reapreciar todas as provas produzidas em sede de audiência de julgamento, como parece ter querido o ora recorrente CC dado o modo como delimitou qualquer um dos recursos que interpôs, mas somente avaliar concretos erros do julgamento da matéria de facto, que sejam destacados com precisão pelo impugnante, mediante escrupuloso cumprimento do regime de impugnação especificada previsto nas mencionadas als. a) e b) do n.º 3 do art. 412.º,  ou seja, com indicação precisa dos concretos pontos da matéria de facto que alegadamente foram mal julgados e e das provas que foram mal valoradas pelo tribunal a quo e que justifiquem nova ponderação por parte do tribunal ad quem.

Não tendo cumprido o formalismo previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, não subsistem dúvidas que o recurso interposto da decisão condenatória de 1.ª instância não era susceptível de ser corrigido mediante a  formulação pelo tribunal ad quem de um convite ao aperfeiçoamento nos termos do n.º 3 do art. 417.º do mesmo Código, na medida em que não estavam simplesmente em causa deficiências na apresentação das conclusões desse recurso, mas intrínsecos vícios que respeitam à impugnação especificada da matéria de facto, tal como  faltava a especificação das concretas provas que, em sua opinião, impunham a alteração da decisão da matéria de facto deliberada pelo tribunal da 1.ª instância.

 E assim sendo, dúvidas não há de que o acórdão recorrido não foi afectado no dever de fundamentação em matéria de facto. Como foi explanado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente CC procurou simplesmente abalar a convicção formada pelo tribunal a quo, questionando a apreciação da prova que foi efectuada. Ora, em processo penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo certo que o juízo formulado pelo tribunal de julgamento não se afigurou à Relação ilógico, irracional, ou, tão pouco, atentatório das regras da experiência comum.

Por outro lado, entendeu também a Relação que não se verificam os imputados vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto, da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, do erro notório na apreciação da prova e da violação do princípio in dubio pro reo.

Daí que não possa deixar de se discordar do recorrente CC quando afirma que a decisão recorrida não se encontra devidamente fundamentada ao nível da matéria de facto, tanto mais que é perfeitamente perceptível o caminho que conduziu à confirmação pelo tribunal de recurso do acórdão condenatório de 1.ª instância.

E também não lhe assiste razão quando afirma que falha o dever de fundamentação por a decisão recorrida não ter relacionado os factos provados com a personalidade do arguido, por não ter avaliado o impacto da nova condenação sobre as finalidades da punição e por não ter ponderado a possibilidade (ou a impossibilidade) de cumprimento da sanção fora do meio prisional.

De facto, a este propósito, o acórdão recorrido assinala expressamente que o arguido CC demonstra “(…) profundo desprezo e sentimento de superioridade perante quem de alguma forma teve a infeliz «ousadia» de o enfrentar (…)”, que “(…) revelou ser uma pessoa de extrema violência, em contextos de relevância insignificativa e dos quais resultaram resultados gravíssimos” e que se mostra relevante “a proximidade temporal que mediou a prática dos factos cometidos em co-autoria com o arguido NN e o crime de homicídio (…)”, o que é perfeitamente suficiente para apreender o juízo formulado pelo tribunal recorrido, com base na factualidade considerada provada, a respeito da personalidade do arguido CC e sobre as finalidades de punição, muito em particular as exigências de prevenção especial positiva que se fazem sentir no caso concreto e que se prendem com a natural necessidade de reeducação para o direito por parte do visado (fls. 17008 a 17010).

Por último, a afirmação da falta de ponderação da possibilidade de cumprimento da sanção fora do meio prisional aparece um tanto ou quanto desfasada no âmbito deste processo e mostra-se prejudicada pela moldura penal abstracta do crime de homicídio qualificado imputado ao arguido CC (12 a 25 anos de prisão), pelas penas parcelares em que ele foi condenado (em particular pela pena parcelar mais elevada de14 anos de prisão) e pela pena única que lhe foi imposta de acordo com os limites mínimo e máximo estabelecidos pelo n.º 2 do art. 77.º do CP (17 anos de prisão), mas acima de tudo pelo regime de substituição ou de suspensão da execução das penas de prisão consagrado pelos arts. 43.º e ss. do CP.

É, pelo exposto, descabida a alegação de falta de fundamentação pelo que  improcede, nesta parte, o recurso do arguido CC.


6.4  Agindo em absoluta sintonia, os recorrentes consideram que, ao omitir pronúncia e ao violar o dever de fundamentação em relação à matéria de facto que por eles foi impugnada, o acórdão recorrido infringiu o disposto no art. 205.º da Constituição,.
Os arguidos AA e BB vieram alegar a este propósito que “(…) a não pronúncia sobre as questões elencadas além de geradora de nulidade, nos termos gerais do artigo 379.º/1/c do CPP, consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos artigos 32./1, 203.º e 205.º todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade e nulidade que desde já se argúem relativamente à omissão de pronúncia e violação do dever de fundamentação em relação à matéria de facto impugnada (…)” ─ vide conclusão n.ºs 23 dos dois recursos em causa, a fls. 17385 e 17669 dos autos.
Por seu turno, o arguido CC escreveu, com particular destaque, o seguinte: “(…). a decisão do tribunal recorrido deveria ser fundamentada, ao contrário do sucedido, conforme impõem os artigos 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (…), conforme conclusão n.º 4 do recurso interposto a fls. 17525.
Estabelece o n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Deste preceito deriva, assim, a imposição dirigida ao julgador no sentido de fundamentar todas as decisões proferidas, com excepção daquelas que sejam de mero de expediente, e por isso insusceptíveis de atingirem os direitos ou os interesses legítimos das partes, mas também a remissão para a lei ordinária quanto à delimitação da forma que deve revestir o dever de fundamentação.
A Constituição não delimita, porém, o dever de fundamentação das decisões judiciais, apenas o prevê como obrigação que se impõe relativamente aos actos decisórios dos tribunais, competindo à lei ordinária, para a qual expressamente se remete, regulamentá-lo, estabelecer a sua forma, definir o seu maior ou menor grau de extensão, de acordo com as circunstâncias particulares de cada caso em concreto.
A este respeito, dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada 4, II, págs. 527 e 528) que a Constituição “(…) não impõe igual tratamento à fundamentação de todas as outras decisões judiciais, não estabelece regras quanto ao se e como da fundamentação nem impõe procedimentos metódicos conducentes à fundamentação justa (…)”. Deste modo, o dever de fundamentação imposto pela Lei Fundamental fica satisfeito desde que a decisão judicial contenha uma exposição adequada dos motivos de facto e de direito que a determinaram, de modo a permitir aos seus destinatários compreendê-la em toda a sua plenitude e de modo a vincular o juiz do processo a uma ponderação cuidada de todos os argumentos favoráveis e desfavoráveis.
Quanto às finalidades subjacentes ao dever de fundamentação dos actos decisórios dos tribunais, afirmam os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, III, pág. 70): “A exigência de fundamentação não constitui uma simples exigência formal desprovida de sentido. A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formas das decisões pelos seus destinatários”. .
As exigências resultantes do dever de fundamentação não são necessariamente iguais nos processos sumaríssimos, sumários, abreviados, singulares ou colectivos, onde se apreciam ilícitos criminais de diferente gravidade e complexidade, sendo igualmente distintas consoante se esteja perante um acto decisório de um tribunal de julgamento ou em face de um acórdão proferido em fase de recurso.
No caso vertente, a alegada violação do dever de fundamentação é imputada a um acórdão tirado em recurso. Ora a lei não impôs as exigências de fundamentação previstas no n.º 2 do art. 374.º do CPP aos acórdãos proferidos em sede de recurso, já que não é pedida ao tribunal hierarquicamente superior a apreciação de todo o objecto do processo, mas somente a reavaliação dos aspectos controvertidos da decisão recorrida.
O Supremo Tribunal de Justiça, como é sabido, vem entendendo que as exigências de fundamentação da sentença prescritas no art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, mas tão-só por via de aplicação correspondente do art. 379.°, ex vi art. 425.°, n.º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância.
Esta interpretação não fere o disposto no preceito constitucional, tanto mais que se encontram atingidas as finalidades subjacentes ao dever de fundamentação nada impedindo para tanto sejam utilizados, por remissão, os fundamentos já vertidos no processo e que passam a fazer parte da decisão recursória.
Por isso se entende não ser de sufragar a tese da inconstitucionalidade defendida pelos recorrentes, atendendo a que a Constituição não disciplina o modo como se devem estruturar as decisões judiciais, não obrigando a lei processual penal, para a qual a norma constitucional remete, que o acórdão proferido em recurso obedeça ao estrito formalismo previsto no n.º 2 do art. 374.º do Código de Processo Penal.
Não subsistem dúvidas de que o acórdão recorrido contém a exposição dos motivos de facto e de direito que determinaram a confirmação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de 1.ª instância, não se descortinando qualquer eventual interpretação normativa que possa ser considerada directamente atentatória do dispositivo constitucional em causa, tanto mais que se encontram atingidas as finalidades subjacentes ao dever de fundamentação.
Com efeito, os recorrentes foram capazes de apreender em toda a sua plenitude o sentido do acórdão recorrido, tendo o tribunal de recurso decidido após ponderação da solução apresentada para as questões controvertidas.
 Os recorrentes insurgem-se contra a fundamentação utilizada pelo acórdão recorrido, afirmando: “a decisão recorrida não apresenta resposta a questões fulcrais, limitando-se a resolver, de forma redutora, por remissão para a fundamentação do acórdão recorrido ou para a douta reposta do MP” e “a fundamentação utilizada representa a forma mais simples de evitar a reapreciação da matéria de facto”. Todavia, a Constituição, não cuida directamente do modo de fundamentação das decisões dos tribunais, confiando tal desiderato à lei ordinária, conforme afirma o preceito constitucional: “as decisões (…) são fundamentadas na forma prevista na lei.”.
No caso vertente, não se descortina a existência de uma qualquer interpretação normativa contrária à Constituição resultante de uma hipotética violação da lei relativa à forma de fundamentação das decisões dos tribunais, tanto mais que, como se disse, os acórdãos tirados em recurso não são elaborados nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância.
Também por este motivo os recursos interpostos pelos arguidos têm de improceder.

7. Omissão de convite para aperfeiçoamento da motivação

Defende o recorrente CC que, a entender-se que não foi por ele cumprido o formalismo exigido para impugnar a matéria de facto, deveria ter sido convidado a aperfeiçoar as conclusões de recurso, sob pena de se dever entender que a Relação violou o disposto no art. 417º nº 3 do Código de Processo Penal e, bem assim, o disposto no n.º 1 do art. 32.º da Constituição, por deverem ser consideradas preteridas as suas garantias de defesa, nomeadamente o direito ao recurso em matéria de facto.

O convite ao aperfeiçoamento que o recorrente alega ter sido preterido não visa a correcção do recurso, isto é, não se pretende com este mecanismo processual conceder ao sujeito processual a faculdade de apresentar um novo recurso, de conteúdo ou de abrangência diferente do anterior, o que constituiria preterição do princípio da igualdade de armas.

Segundo o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o mencionado preceito destina-se somente a que sejam oferecidas as conclusões do recurso ainda não apresentadas ou a que delas passem a constar as especificações de facto ou de direito que já se encontravam vertidas na motivação, mas não pode visar a alteração material do recurso interposto, a concessão de um novo prazo ao sujeito processual para reduzir, ampliar ou, de algum modo, modificar, o âmbito do recurso. Como se escreveu a propósito no Ac. do STJ de 19-05-2010, proferido no Proc. n.º 696/05.7TACVD.S1 - 5.ª Secção e disponível em: : “Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto. Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, como, ainda, o legislador reconheceu ao estatuir que o aperfeiçoamento das conclusões, na sequência do convite formulado nos termos do n.º 3 do artigo 417.º do CPP, não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.º 4 do artigo 417.º do CPP)”.

Carece, assim, de fundamento jurídico a pretensão do recorrente CC no sentido de ser convidado pelo Tribunal da Relação de Lisboa a aperfeiçoar o recurso interposto do acórdão condenatório proferido pela 1.ª instância, na medida em que, em parte alguma da motivação, deu cumprimento ao disposto na al. b) do n.º 3 do art. 412.º do Código de Processo Penal, especificando as concretas provas que impunham decisão diversa daquela que foi proferida, o que inapelavelmente afasta o mecanismo processual previsto no n.º 3 do citado art. 417.º.
Com tal interpretação das normas processuais, não sai violada a Constituição, especialmente o seu artigo 32º nº 1. Com efeito, dispõe esse normativo da Lei Fundamental que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. Como dele se depreende, o direito ao recurso por parte do arguido constitui uma das garantias de defesa, a par de outras igualmente consagradas nos demais números do referido artigo, a presunção da inocência, o direito à escolha de defensor, o direito a ser assistido por advogado em todos os actos do processo, os princípios do acusatório e do contraditório.

Ora, tal como sucede com qualquer outro direito, o direito ao recurso não assume carácter absoluto, nem se destina a ser exercido de modo irrestrito, com total desrespeito pelos demais princípios referentes ao processo criminal, nomeadamente os princípios da celeridade, da economia processual ou da igualdade de armas, nem pelas normas processuais que regulamentam o respectivo exercício.

A consagração constitucional do direito ao recurso destinou-se a assegurar a existência de um duplo grau de jurisdição, concedendo ao arguido a faculdade de ver reapreciada por um tribunal de natureza hierárquica superior a decisão que directamente o afecte nos seus direitos ou nas suas garantias fundamentais.

Todavia, as garantias de defesa não podem servir de respaldo à incúria do arguido, permitindo-lhe apresentar recurso da decisão judicial de uma forma processualmente indevida, assim como não se destinam a vincular o juiz do processo a dirigir convites à defesa no sentido da apresentação de um novo recurso ou para que o recurso seja apresentado com diferente âmbito, ou para suprir deficiências substanciais do requerimento inicialmente entregue em tribunal, sob pena de, doutro modo, poderem ser violados princípios processuais como o da igualdade de armas, o do contraditório, ou mesmo o da celeridade.

Verificado pelo tribunal que pelo recorrente CC não fora dado cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, a falta de convite para apresentar novo requerimento aperfeiçoado não constitui a mínima ofensa das garantias de defesa do arguido, nem, muito menos, violação  grave ou intolerável do direito ao recurso.

 Com efeito, como se disse já, o convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 3 do art. 417.º não se destina a conceder aos sujeitos processuais a possibilidade de apresentarem um outro recurso, inteiramente novo em relação ao primitivo, para tanto facultando um prazo suplementar para esse efeito, nem tão pouco visa suprir deficiências substanciais que tenham sido detectadas pelo relator do processo, sob pena de, irremediavelmente, se atingirem outros princípios e outros valores, que, de modo nenhum, podem ser postergados em nome de uma interpretação das garantias de defesa que tudo englobaria e que tudo permitiria.

As garantias de defesa não se estendem, portanto, para além da correcção de vícios estritamente formais, destinando-se o convite ao aperfeiçoamento apenas à reparação de deficiências ou de imprecisões das conclusões do recurso, cuja motivação se apresenta como irrepreensível, contendo os fundamentos de facto e de direito que perspectivam a alteração da decisão recorrida.

Face ao exposto, pode assim concluir-se que, ao não endereçar ao arguido convite para o aperfeiçoamento do recurso que vinha interposto, o Tribunal da Relação de Lisboa não violou a norma do art. 32º nº 1 da Constituição.


            7. Vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal

Os recorrentes AA e CC indicam também como fundamento do seu recurso a ocorrência de vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Alega o primeiro dos mencionados recorrentes que o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova, enquanto o segundo refere a existência de lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão tomada. Na tese dos recorrentes, os factos dados como provados não suportam a decisão de direito a que o tribunal a quo chegou, sustentando ainda que se deve ter por verificada uma falha na apreciação da prova, atendendo a que as conclusões do tribunal recorrido são ilógicas, arbitrárias, inaceitáveis e violadoras das regras da experiência comum.
Constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça a de que o recurso da matéria de facto, mesmo quando circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação. Por consequência, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça não está à disponibilidade do recorrente a invocação dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, como é entendimento pacífico.
Decidido o recurso pela Relação, esgotam-se os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, não sendo nessa vertente de admitir recurso da decisão da segunda instância para o Supremo Tribunal, que sendo um tribunal de revista, apenas conhece de direito.
O reexame em matéria de direito tem, porém, como pressuposto a apreciação definitiva pela Relação dos factos provados, se estes tiverem sido postos em causa. Tal não prejudica o dever de o Supremo Tribunal de Justiça oficiosamente conhecer dos referidos vícios nos circunscritos casos em que “constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis”, como se afirmou no acórdão de 17-09-2009 - Proc. 169/07.3GCSNU – 5ª Sec.  O conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º nº 2 pelo Supremo Tribunal de Justiça constitui, portanto, uma válvula de segurança do sistema a utilizar nas situações em que não seja possível tomar uma decisão sobre a questão de direito, por esta se alicerçar em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação da prova.
Contudo, os referidos vícios, todos eles relativos à matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, quer quando ocorra insuficiência para a decisão da matéria de facto [al. a)], quer quando a fundamentação da matéria de facto comporte, em si mesma, graves e insupríveis contradições ou quando essa fundamentação se mostre inconciliável com a decisão sobre os factos provados ou sobre os factos não provados [al. b)], quer ainda quando, na perspectiva do homem médio, a prova produzida foi apreciada de uma forma manifestamente ilógica, arbitrária ou insustentável, ou, dito por outras palavras, quando os factos provados se apresentem manifestamente incompatíveis com a prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento [al. c)].
Por consequência, constituindo tais vícios fundamento do recurso invocado pelos arguidos AA e CC, não haverá que os apreciar.
 Sendo certo que. procedendo ao exame oficioso da decisão “(…) sem a utilização de elementos externos … salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena,” [ac. STJ de 06-10-2010 - Proc. n.º 936/08.JAPRT - 3.ª S, in www.dgsi.pt,) é possível apurar que a mesma não revela a existência de nenhum dos vícios a que o art. 410.º, n.º 2 se refere.


            8. Violação do princípio in dubio pro reo:

Por outro lado, e contrariamente ao que o recorrente CC alega, da análise da decisão não resulta qualquer violação do princípio in dubio pro reo, mormente no que respeita ao elemento subjectivo.
Tomado como equivalente ao princípio da presunção de inocência (Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 214), o princípio in dubio pro reo constitui “uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada, vol. I 4, pág. 519).             Assim, se, depois de reunidas as provas necessárias à decisão, o tribunal permanecer na dúvida, essa dúvida não pode desfavorecer o arguido; ou seja, o non liquet na prova da matéria de facto tem sempre de ser valorado em favor do arguido.
Trata-se de um princípio cuja violação pode ser objecto do recurso de revista. Pressupõe a existência de um estado de dúvida no espírito do julgador, o qual tem de resultar por forma evidente do texto da decisão, permitindo concluir que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

O que acaba de se afirmar é bem diferente de saber se, perante a prova produzida, o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, nomeadamente em virtude da existência de versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o que constitui uma questão de facto que exorbita do poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-07-2005 - proc. 2315/05.

            Daí que não seja permitido ao Supremo Tribunal de Justiça imiscuir-se na apreciação crítica dos depoimentos das diversas testemunhas que são mencionadas ao longo dos recursos interpostos para este tribunal no sentido de procurar indagar o que foi por elas transmitido em tribunal nas diversas sessões da audiência de discussão e julgamento ou no sentido de avaliar a sua consistência ou credibilidade, isoladamente ou conjugadas com as demais provas.

Embora o arguido não concorde com a interpretação da prova produzida, não são patentes quaisquer dúvidas ou hesitações por parte do julgador, e muito menos que quaisquer dúvidas tenham sido decididas em  desfavor do arguido, ou seja, que o tribunal tenha considerado provados factos desfavoráveis cuja certeza não foi adquirida, de modo fundamentado, pela convicção do julgador.

Pelo contrário, o tribunal foi absolutamente peremptório a afirmar que o crime de homicídio qualificado foi cometido pelo recorrente, sem que tenha deixado de explicar, com base na prova produzida, o que o determinou a imputar a sua autoria ao arguido CC.

É certo que na decisão condenatória ficou consignada a existência de hesitações na identificação do arguido por parte da testemunha presencial dos factos MG. O tribunal, porém, entendeu essas hesitações como resultado de um possível medo da testemunha em identificar o arguido CC em audiência de julgamento, o que de modo algum se confunde com hipotéticas incertezas por parte do tribunal de julgamento quanto à autoria do crime de homicídio qualificado. O colectivo ponderou conjugadamente toda a prova produzida, muito em particular os depoimentos de duas outras testemunhas, para chegar à conclusão, que se mostra convincente, de que tenha sido um individuo conhecido por “Bomba”, segurança da discoteca “Ondeando”, ou seja o ora recorrente, o autor da agressão causadora da morte da vítima, que foi atingida a soco, precisamente nas proximidades deste estabelecimento de diversão nocturna.

Com base na própria decisão, não é, pois, possível afirmar que o tribunal, com base numa mera convicção subjectiva, ultrapassou a falta de prova ou a incerteza relativamente ao apuramento da identidade do autor do crime de homicídio  Resulta bem expresso da fundamentação da matéria de facto que o tribunal ponderou conjugadamente todas as provas produzidas, soube tirar as devidas ilações de todas as circunstâncias do caso, nomeadamente atendeu às conversas havidas com a testemunha presencial dos factos, à atitude que esta apresentou perante os militares da GNR que tiveram intervenção no inquérito deste crime, às próprias características físicas do arguido CC, à sua conhecida alcunha ou à actividade profissional que desempenhava na altura dos factos.

Falece, pois, a invocação feita pelo recorrente CC relativamente à violação por parte da decisão condenatória do princípio do in dubio pro reo.

9. Transcrição de escutas telefónicas

O arguido AA veio defender a inconstitucionalidade da utilização das escutas telefónicas que foram mandadas transcrever na audiência de julgamento de 13-07-2011, para tanto alegando que houve violação do princípio do acusa tório plasmado no n.º 5 do art. 32.º da CRP, por que o tribunal só ter ordenado a transcrição dessas escutas depois da testemunha de defesa DD ter prestado o seu depoimento, para posteriormente  voltar a chamar e tentar pôr em causa o seu depoimento.

O Tribunal da Relação de Lisboa, chamado a pronunciar-se sobre esta questão, decidiu que “(…) carece de qualquer pertinência o invocado argumento da inconstitucionalidade e o apelo ao disposto no art. 32.º, n.º 5, da CRP, nomeadamente no que se refere à estrutura acusatória do processo penal ou ao princípio do contraditório”. (fls. 16789 a 16791).

Reconstituindo a marcha processual quanto a esta matéria, verifica-se:

- a testemunha DD foi inquirida na sessão da audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 24-06-2011 (cf. fls. 11955);

- mediante despacho proferido a 13-07-2011, no decurso da audiência de discussão e julgamento, o tribunal decidiu: “(…) face à prova produzida até ao momento na presente audiência de julgamento, após deliberação do Tribunal afigura-se útil à boa decisão da causa a produção dos seguintes meios de prova o que ora se determina ao abrigo do disposto no art. 340.º do CPP: (…) a tomada de declarações complementares às testemunhas LF e MF(…)” (cf. fls. 12213);

- nessa mesma sessão, o tribunal considerou ainda “(…) essencial à boa decisão da causa proceder à audição das intercepções das conversações telefónicas, cujas gravações não foram até ao momento transcritas nos autos (…)” e que “ após a referida audição, e ao abrigo do disposto no art. 340.° e 188.° n.° 10 do CPP, determina-se que se proceda à transcrição e respectiva junção aos autos das seguintes conversações (…) do alvo 39102M, respeitante ao arguido AA, as seguintes sessões: 22049, 22950, 22958, 22959, 22962, 22972, 22978, 22984, 22986, 22987, 22998 (…)” (cf. fls. 12213 e 12214);

- nos dias 18 e 19-07-2011 procedeu-se à transcrição das intercepções telefónicas mandadas transcrever por esse despacho (cf. fls. 12379 a 12494);

- transcritas as intercepções telefónicas., o tribunal na sessão da audiência de discussão e julgamento de 25-07-2011, decidiu, em complemento do primitivo despacho, que por “(…) manifesto lapso, aquando do despacho que determinou a transcrição de conversações, que em sede de inquérito e instrução não foram consideradas relevantes, não foi mencionada a sessão 22991 do alvo 39102M respeitante ao telemóvel do arguido AA, o que ora se determina e ao abrigo dos citados artigos 188.º, n.º 10 e 340.º ambos do C.P.Penal (…)” (cf. fls. 12369);

- ainda no mesmo dia 25-07-2011 procedeu-se à transcrição da intercepção telefónica da sessão 22991 (cf. fls. 12372 e 12373) e à inquirição da testemunha DD ao abrigo do disposto no art. 340.º do CPP (cf. fls. 12377);

Traçado este breve quadro da marcha processual, vejamos se a interpretação sufragada pelas instâncias a propósito do n.º 10 do art. 188.º do CPP, infringe o princípio da estrutura acusatória do processo penal, previsto no art. 32º nº 5 da Constituição.

Em perfeita consonância com o regime de produção oficiosa de prova na fase processual do julgamento da causa, previsto no n.º 1 do art. 340.º do Código de Processo Penal, o n.º 10 do art. 188.º do mesmo Código dispõe que: “o tribunal pode proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições já efectuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

Numa avaliação simplista, poderia considerar-se existir incompatibilidade entre o denominado princípio do acusatório e a faculdade concedida ao juiz do processo nos mencionados dispositivos processuais de oficiosamente determinar a produção de prova, nomeadamente a junção aos autos de novas transcrições de intercepções telefónicas, quando essa diligência se revele necessária para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa.

Na pureza do princípio da estrutura acusatória do processo penal, o juiz, independente e equidistante da acusação e da defesa, não se deveria intrometer na actividade que estaria atribuída exclusivamente aos outros sujeitos processuais seria incompreensível, cabendo-lhe o desempenho de um papel passivo de exame crítico das provas oferecidas pela acusação e pela defesa, de modo a aplicar, a final, o direito ao caso.

De acordo com esta perspectiva, o juiz estaria manietado perante a condução do julgamento levada a cabo pela acusação e pela defesa, estaria vinculado à prova oferecida por outros sujeitos processuais, não teria iniciativa para investigar, para procurar descobrir a verdade dos factos, não poderia determinar oficiosamente a produção de outros meios de prova, nem tão pouco questionar a prova oferecida.

Todavia, esta visão purista do princípio do acusatório não foi a sufragada pelo legislador ordinário nos aludidos arts. 188.º e 340.º do Código de Processo Penal, nem tem merecido acolhimento por parte da jurisprudência e da doutrina nacionais.

Com efeito, o princípio do acusatório e as garantias de defesa que lhe estão associadas não podem ser construídos de forma absoluta, não podem ser exercidos de modo irrestrito, nem podem assumir uma configuração que traduza, na prática, desrespeito ou indiferença perante outros princípios ou valores com relevo constitucional, como é o princípio da descoberta da verdade material.

O sistema de justiça penal não se satisfaz com a denominada justiça formal, com a procura da decisão correcta sob o estrito ponto de vista processual, que despreze a verdade dos factos, tornando incompreensível para o cidadão comum que a descoberta da verdade material não seja essencial ao processo criminal, ainda que dentro de um quadro de respeito pelas garantias de defesa.

A faculdade concedida ao juiz do processo para, na fase da audiência de discussão e julgamento, ordenar, oficiosamente, a produção dos meios de prova necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa não abala, por conseguinte, o princípio da estrutura acusatória do processo criminal se for apenas utilizada para suprir pontuais deficiências, originais ou supervenientes, dos meios de prova oferecidos pela acusação ou pela defesa.

Em anotação ao art. 32.º da Constituição, os constitucionalistas Jorge Miranda e Rui Medeiros (op. cit., I 2, págs. 729 e 730), referindo-se ao princípio da estrutura acusatória do processo criminal, esclarecem: “ O processo de estrutura acusatória procura assegurar a parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa em todos os actos jurisdicionais, ou seja, a igualdade material de meios de intervenção processual (igualdade de armas) pelo menos nas fases jurisdicionais”. E  acrescentam: “(…) O sistema acusatório não é incompatível com momentos ou fases inspiradas no inquisitório, desde que justificadas pela procura da verdade e sempre submetidas ao dever de lealdade para com o arguido, o que limita os meios de prova admissíveis (…)”.

Também o Tribunal Constitucional tem colocado o princípio da investigação ou da verdade material a par do princípio do acusatório. Assim, no Ac. n.º 137/2002, Proc. n.º 363/01 (www.dgsi.pt.), afirma: “(…) não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. (…) Por outro lado, o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal (arts. 27º, nº 2, 32º, nº 4) justifica-se certamente de um modo essencial pelo fim da descoberta da verdade material, sem prejuízo de visar igualmente o respeito das garantias de defesa.”

Com este princípio constitucional pretende-se essencialmente assegurar que o processo criminal decorra com inteira equidade ou com justo equilíbrio entre os vários sujeitos processuais, que os poderes concedidos à acusação não suplantem aqueles que são reconhecidos à defesa, que haja um equilíbrio entre as prerrogativas atribuídas ao arguido para demonstrar a sua inocência e as prerrogativas reconhecidas à acusação para comprovar a culpabilidade do acusado, o que somente é possível de conseguir com a diferenciação entre os órgãos jurisdicionais de acusação (ou de pronúncia) e de julgamento e com a total independência e a imparcialidade do juiz de julgamento.

Tal entendimento permite, todavia, a compatibilização com o princípio da descoberta da verdade material, sendo lícito ao juiz de julgamento determinar a produção oficiosa de meios de prova, investigando por sua própria iniciativa os factos em apreciação, o que não colide com o princípio da estrutura acusatória do processo criminal, se o julgamento decorrer com total independência e imparcialidade, não se transformando a fase processual da audiência de julgamento numa fase de inquérito ou de instrução.

Não se descortina deste modo qualquer ofensa por parte do disposto no n.º 10 do art. 188.º, nem do nº 1 do art. 340.º, ao princípio da estrutura acusatória do processo criminal. Com efeito, nada permite afirmar que, em nome da descoberta da verdade e da boa decisão causa, o tribunal de julgamento tenha procedido a um uso imoderado daquela faculdade, bastando para tanto ter em consideração a elevada extensão dos elementos de prova oferecidos pelo Ministério Público com a acusação, o que permite concluir que os meios de prova que foram determinados de modo oficioso pelo tribunal tiveram inequivocamente carácter excepcional e não desvirtuaram, de modo algum, a natureza da fase de julgamento.

De igual modo, são manifestamente infundadas as afirmações do recorrente AA de que o tribunal de 1.ª instância não foi leal, lançando um trunfo escondido, não para descobrir a verdade, mas para contrariar e descredibilizar o depoimento da testemunha de defesa DD.

Em primeiro lugar, não resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto que o tribunal tenha descredibilizado o depoimento desta testemunha de defesa. Pelo contrário, deixa-se expressamente consignado no acórdão que “(…) não duvidou o Tribunal quanto à credibilidade do depoimento de MF, quando referiu que nessa noite 12 para 13 de Dezembro de 2009, o arguido AA esteve a trabalhar no Kingston Bar até às 2.00 horas”, para, logo de seguida, acrescentar que a testemunha DD disse “(…) que levaram cerca de dez minutos a arrumarem as coisas após o que, ele e o arguido AA seguiram no veículo do arguido AA, para a Charneca da Caparica, o que se mostra até sustentado pela mensagem enviada pelo arguido AA a FF e após este o questionar se já tinha saído (…)”.

Não se descortina, nem o recorrente o explica, de que forma os elementos de prova, obtidos oficiosamente no decurso da audiência de discussão e julgamento, serviram para arruinar o depoimento da testemunha de defesa DD.

Seja como for, se as intercepções das comunicações telefónicas facultaram ao tribunal, de uma maneira fria e objectiva, informações sobre o teor das mensagens escritas, sobre quem as enviou, sobre quem as recebeu ou sobre ainda o dia e a hora em que foram trocadas e se, porventura, o tribunal retirou ilações destes elementos de prova para descredibilizar o depoimento da testemunha de defesa em causa, então não subsistiriam quaisquer dúvidas sobre o mérito da decisão tomada, ao abrigo do disposto nos arts. 188.º e 340.º do CPP, na medida em que, na perspectiva da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, teria servido para contrariar o que esta testemunha transmitiu ao tribunal, desvirtuando a realidade.

Aparentemente, o recorrente AA parte do entendimento, que se considera inaceitável, de que, a bem das garantias de defesa, o tribunal está impedido de determinar a produção de outros meios de prova logo que deponha testemunha de defesa que alegadamente contrarie os factos da acusação, como se o julgamento terminasse no preciso momento em que o arguido obteve o hipotético testemunho favorável às suas pretensões e por muito que esse depoimento possa vir a ser contrariado, com êxito, através da simples realização de outras diligências de prova.

Mas se efectivamente esse depoimento foi descredibilizado pelos novos elementos de prova solicitados oficiosamente pelo tribunal, como alega o recorrente AA, então, é caso para dizer que deviam ser fracas as expectativas do seu contributo para a decisão da causa, na medida em que a reduzida consistência e credibilidade do testemunho faria pressupor a sua desvalorização como elemento de prova por parte do acórdão final, já que, neste caso, tudo apontaria para que a testemunha não tenha transmitido ao tribunal, em toda a sua extensão e com todo o seu rigor, os factos de que tinha conhecimento.

Aliás, a transcrição das conversações telefónicas foi determinada em pleno decurso da audiência de julgamento, muito tempo antes do encerramento da discussão da causa, com integral respeito pelo princípio do contraditório. Não estava, portanto, vedado ao recorrente AA questionar a testemunha de defesa DD, de novo inquirida no dia 25-07-2011, acerca das matérias tidas por pertinentes, nem tão pouco o arguido estava impedido de vir a requerer todas as outras diligências tidas por convenientes e necessárias para a salvaguarda do seu direito de defesa.

Por último, impõe-se afirmar que o recorrente AA conformou-se com a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, não tendo nessa altura impugnado as diligências de prova oficiosamente determinadas, não podendo desconhecer que esses elementos viriam necessariamente a ser utilizadas, num sentido ou noutro, para a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

Em suma: como não se detecta o rompimento do justo equilíbrio entre as prerrogativas atribuídas ao arguido para demonstrar a sua inocência e as  reconhecidas à acusação para comprovar a sua culpabilidade, falece a pretensão apresentada pelo recorrente AA para ser declarada inconstitucional a sufragada interpretação normativa do art. 188.º, n.º 10 do Código de Processo Penal.

10.  Violação do disposto no art. 163.º, n.º 1, do CPP:

O arguido AA alegou ainda que o tribunal de 1.ª instância, tendo oficiosamente ordenado a realização de perícia à escuta em voz off da sessão 13.583 – Alvo 39099EE, violou a referida perícia, cujo resultado foi inconclusivo, ao identificar a voz do recorrente, quando a perícia se presume subtraída à livre apreciação do julgador.

Na decisão recorrida, a Relação de Lisboa defendeu, em síntese, que carece de fundamento a invocada violação do disposto no art. 163.º, n.º 1, do CPP, na medida em que a dita perícia não chegou sequer a ser efectuada, pelo que não houve infracção das regras processuais determinativas do correspondente valor probatório.

No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente, considerando que o tribunal ordenara a realização da perícia por não ter capacidade nem conhecimentos técnicos ou científicos para determinar de quem era a voz off constante da escuta, não poderia, perante o resultado inconclusivo, dar como provado que a voz era do recorrente, com base no princípio da livre apreciação da prova.  

Constituindo a perícia um meio de prova, as questões que lhe digam respeito constituem, em regra, questão de facto, estando, por isso, o respectivo conhecimento subtraído à competência do Supremo Tribunal de Justiça.

Contudo, no caso de o tribunal ter dado como provado um facto contrário à conclusão da perícia, não tendo fundamentado a respectiva divergência, portanto com violação do disposto no art. 163º do Código de Processo Penal, a questão é susceptível de assumir contornos de questão de direito, podendo ser conhecida em recurso de revista. Nesses casos, o Supremo Tribunal de Justiça, com efeito, tem admitido o recurso com fundamento em nulidade da sentença.

Perante o caso em apreço, importa, antes de mais, decidir se houve uma perícia, conforme o recorrente sustenta, ou se a mesma não chegou a ser realizada, como se afirmou na decisão recorrida.

Na sequência de despacho proferido no decurso da audiência de julgamento de 24-05-2011, que determinou que se procedesse a exame pericial ao registo de vozes da sessão de conversação telefónica, concretamente em voz off, ocorrida a 13-12-2009, pelas 04 horas e 11 minutos (vide fls. 11041), o Chefe de Área da Unidade de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária, em ofício por si assinado datado de 28-06-2011, veio informar o tribunal de que: “após a separação dos áudios em voz off da sessão n.º 13585, foi possível obter um das vozes com a duração de cerca de 3 segundos e outra voz com a duração de cerca de 10 segundos, sendo que nesta o nível de voz é muito baixo em pelo menos 5 segundos de áudio. Como o software automático de comparação de voz necessita pelo menos de cerca de 10 segundos não podemos assumir uma boa fiabilidade dos resultados (…)” (fls. 12026).

E, posteriormente, no ofício datado de 11-07-2011, informou o tribunal de 1.ª instância que “(…) não será possível responder ao ofício 7897112 de 25-05-2011, uma vez que a duração do áudio dos suspeitos não cumprem os requisitos mínimos das especificações do software, necessários para obter as características da voz para comparação com as vozes modelo. Caso existam outras sessões com maior duração em que intervenham os suspeitos indicados e que seja do interesse para a investigação, indiquem quais, ou se devemos dar resposta definitiva ao ofício acima indicado (…)”(fls. 12189).

Na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada em 13-07-2011, o tribunal proferiu o seguinte despacho: “(…) Relativamente ao ofício enviado pelo Polícia Judiciária, considerando que o objecto da perícia, se prende precisamente com a sessão relativamente a qual é dada a informação da impossibilidade técnica de obtenção de resultado conclusivo, nada mais a determinar quanto à mesma (…)” (vide fls. 12213).

Resulta do exposto que o organismo a quem foi solicitada a realização da perícia, após a separação das vozes constantes da gravação da escuta, verificou que as vozes escutadas não têm a duração de, pelo menos, 10 segundos de voz audível, que é considerado o tempo mínimo de que o software automático de comparação de voz necessita para produzir resultados.

Perante esta factualidade, poderemos falar duma perícia, inconclusiva no seu resultado?

Constituindo um dos meios de prova previstos no Código de Processo Penal, a perícia consiste, na definição de Germano Marques da Silva, “a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos, técnicos, científicos ou artísticos” (Curso de Processo Penal, II, pág. 197). Dela se distinguem os exames, que, sendo um meio de obtenção de prova, visam a detecção de vestígios, enquanto as perícias têm como finalidade a sua avaliação.

Na perícia solicitada pelo tribunal, não se passou da fase de exame, pois constoitui ainda um exame a detecção de vestígios que exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal 4, pág. 434). Foram então recolhidas duas vozes, uma com a duração de 3 segundos e a outra com a duração de 10 segundos mas com nível de audição baixo, o que não era suficiente para a realização de perícia, por a utilização do software automático de identificação de voz exigir um período mínimo de audição de 10 segundos. Face a esta realidade, o organismo competente da Polícia Judiciária informou o tribunal da impossibilidade de realização da perícia, disponibilizando-se para a fazer se houver outras sessões com maior duração.   

Os extractos de voz que foram recolhidos não chegaram, portanto, a ser submetidos à perícia através do programa automático de identificação de voz. Por isso, não foi elaborado nenhum relatório técnico da perícia, donde constasse o resultado da comparação das vozes recolhidas com a voz modelo.

E, sendo assim, não se pode falar sequer de um resultado inconclusivo.

Perante a ausência de perícia, e mesmo perante um relatório inconclusivo, tal como afirmou este Supremo Tribunal no acórdão de 02-07-1997 – Proc. 203/97, o  tribunal encontrava-se livre para, em face da prova produzida em audiência, formar a sua convicção, conforme lhe permite o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal.            

Daí que fosse perfeitamente compatível reconhecer-se, com base na apreciação crítica de toda a prova, que uma das vozes em off corresponde à do arguido AA.

E tendo o julgador formado tal convicção, não há que falar em violação do princípio in dubio pro reo, na medida em que o tribunal não se encontrava perante uma dúvida insanável que tenha sido decidida em desfavor do arguido, resultando, pelo contrário, do texto do acórdão, que o tribunal adquiriu certezas a tal respeito, afirmando, sem quaisquer hesitações, que “(…) na sequência de tantas outras audições de conversas interceptadas ao arguido AA, cujo timbre de voz e sotaque, se mostra até, particular, ficou o tribunal convicto que efectivamente a voz ali reportada como sendo a do arguido Miguel é a deste (…), corresponde ao que pelo arguido Miguel foi efectivamente dito (…)”.

De todo o modo, tratando-se de questão de facto encontra-se tal matéria fora do âmbito de competência do Supremo Tribunal de Justiça.

Improcede, por consequência, tudo quanto o recorrente alega a este propósito.

            11. Falta de domínio do facto

            Condenado como co-autor do crime de homicídio tentado cometido na pessoa de XXXX, o arguido BB suscita a questão do «início da tentativa do co-autor», formulando a questão sobre “se um indivíduo poderá ser punido como co-autor de um delito tentado logo que um ou mais co-autores iniciam a execução do delito planeado em comum, sem que pratique qualquer tarefa do aludido plano”.

            Aduz, para tanto, na fundamentação do seu recurso que “nos presentes autos, o acordo prévio a que se refere o douto Acórdão queda-se pela afirmação da sua existência (…), e não se alcança (fazendo o mesmo uso das presunções utilizadas) quais as tarefas que existiam entre os elementos que acordaram, quiçá por não existirem.

                Neste particular, o Direito Penal Português é incompatível com qualquer um dos sentidos possíveis da letra da lei a tese de que pode ser punido como co-autor alguém que não teve intervenção alguma na fase executiva.

                Entender-se o contrário seria e levaria a punir, em certas circunstâncias, como co-autor, um agente que se limitou a tomar parte no acordo e a desempenhar certas tarefas, porventura essenciais na fase executiva do delito mesmo que, depois de celebrado o “pactum sceleris”, esse agente não tenha tido qualquer comportamento penal digno de censura. É a chamada SOLUÇÃO GLOBAL que acaba por punir como co-autor assim que os outros comparticipantes iniciem a execução do delito.

                Isso será punir como co-autor, alguém que jamais vê espelhado no artigo 26.º do Código Penal a sua conduta, nem mesmo na terceira proposição daquele normativo legal, que é a disposição onde o legislador estabeleceu os pressupostos da punição da co-autoria.

                Este resultado proibido pelo princípio da legalidade, aliás, pelo princípio “nullum crimen sine lege stricta” ínsito no artigo 29.º n.º 1 e 3 da C.R.P. e artigo 1.º n.º 3 do C.P.

                Mais não traduz o Acórdão sob recurso, na sua versão, do que uma punição de uma mera intenção do arguido.

                Certo e assente parece ser que um agente que não chegou a intervir na fase executiva do delito, ainda que tenha participado num pacto prévio, jamais poderá ser punido pela co-autoria de tais factos, por manifesta violação da Lei fundamental.

                No Direito Penal Português a celebração do acordo sobre a realização de certo delito por várias pessoas foi tida pelo legislador como não punível por apenas se traduzir num acto preparatório, incapaz de fundamentar a punição como co-autor de um delito tentado.

                Quanto muito, acaso existisse algum auxílio prestado pelo arguido, seja moral ou material poderia o mesmo ver a sua conduta ser punida como cúmplice no delito em causa.

                A solução vertida no Acórdão leva a resultados inaceitáveis e a punições não contempladas no nosso Ordenamento Jurídico e por isso merece, nessa parte, censura e rectificação.”

            Tendo a decisão da Relação, de que o arguido recorre, aderido por inteiro à “lúcida explanação” constante da fundamentação do acórdão de 1ª instância, que considerou não merecer qualquer reparo, e a que, por conseguinte, nada acrescentou, não resta senão atentar na decisão proferida pelo tribunal colectivo. 

            Refere-se ali a respeito desta matéria que “…relativamente ao crime de homicídio qualificado na forma tentada (NUIPC 1329/09.8GEALM), argumenta o recorrente que o tribunal “a quo” não lhe imputa nenhum acto de execução do homicídio em causa, por não ter este tido qualquer domínio do facto, pelo que só é admissível imputar-lhe o ter participado na fase de planeamento do crime e não podia ter sido condenado como seu co-autor do referido crime. Quanto muito, apenas poderia ser cúmplice do homicídio em causa e ao tê-lo condenado como co-autor, violou o tribunal “a quo” o princípio da legalidade, e o artigo 29º, nº 1 e nº 3 da CRP.

Carece de razão o recorrente.

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A que título os factos executados poderão ser imputados ao arguido BB? Para tal desiderato importa ter presente que o arguido BB, juntamente com OO, FF e o arguido AA acordam em tirar a vida a XXXX e as palavras dirigidas pelo arguido BB a MS não deixam de traduzir um prévio acordo entre tantos quanto à existência de um plano já delineado para o efeito e mais traduzem uma ordem – autorização para que AA e FF avancem, apesar de ele não poder estar presente e de participar directamente na execução por nessa altura estar a trabalhar, o que o mesmo é dizer, “deu luz verde para a execução do plano e propósitos previamente acordados. E [d]a provada dinâmica dos factos resulta que efectivamente logo de imediato se deu início ao processo de execução do mesmo, atingindo-se XXXX com pelos menos três projécteis de armas de fogo, dos pelo menos oito disparos dirigidos contra si, e para zonas que alojam órgãos vitais, como o tórax e dirigidas à cabeça.

Ninguém contestará que no caso em apreço não estamos em presença da prática de apenas alguns actos de execução, mas de todos os actos de execução idóneos a causar o resultado pretendido, que não [foi] alcançado por razões que escaparam ao domínio dos agentes dos factos.

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Revertendo ao caso dos autos temos que todo o comportamento do arguido BB, não pode deixar de integrar a figura do autor mediato face à sua ligação directiva e determinante para o comportamento do arguido AA e FF, visando assim realizar o assassinato de Fábio da Silva e dessa forma mandatá-los para esta finalidade última, concertou com estes previamente, visando um encontro de mútuas vontades, a que só não juntou a execução por si próprio do facto por se encontrar a trabalhar e impossibilitado de aceder de imediato ao local onde se encontrava a vitima visada por todos.

Face aos dispositivos dos artigos 131º e 132º ambos do CP, a acção planeada por todos os arguidos visava o recurso a armas de fogo, emboscando a vítima e desse modo apanhá-la desprevenida e assim incapaz de oferecer qualquer tipo de resistência.

Cremos assim que em face dos factos apurados a responsabilidade do arguido BB, enquanto autor mediato do crime de homicídio tentado na pessoa de EEEEE.”  

Perante a factualidade provada respeitante ao NUIPC 1329/09.8GEALM, começaremos por examinar o enquadramento jurídico relativo à participação do recorrente BB no homicídio de XXXX, de forma a verificar se é de manter a decisão que o condenou “pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. nos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h), do Código Penal”, e, por consequência, se se justifica que o recurso por aquele apresentado para a Relação tenha sido considerado improcedente.

Para um enquadramento da mencionada participação criminosa, socorrer-nos-emos da súmula factual constante da decisão de 1ª instância, a qual se mostra reproduzida no acórdão recorrido (fls. 17051): «Provou-se que no dia 12 de Dezembro de 2009, pelas 03.00 horas, quando EEEEE seguia a pé sozinho pela rua da discoteca denominada por “DISCOTECA R...”, facto que era sabido pelo arguido AA e FF que o seguiram até aquele local, junto à esquina da rua, foi surpreendido, pela presença de FF [que] ali se encontrava e empunhava uma arma de fogo, pistola de calibre 7.65 mm e demais características desconhecidas, a qual de imediato apontou na direcção da cabeça do ofendido, premindo o gatilho da arma por cinco vezes, assim deflagrando cinco munições, cujos projécteis foram direccionados ao corpo do ofendido, tendo atingido o braço direito com dois projécteis, mais se provando que FF tentou atingir a cabeça e o tórax do ofendido, bem sabendo que naquelas zonas do corpo se alojam órgãos essenciais à vida, só não atingindo XXXX nestas zonas, como pretendia, por este ter corrido e ter-se desviado dos projécteis. Após se pôr em fuga, XXXX foi surpreendido pelo arguido AA que o aguardava na outra ponta da rua e na Av. General Humberto Delgado, o qual encontrando-se nas costas de EEEEE desferiu contra o mesmo dois tiros de espingarda caçadeira de calibre 12, disparos que efectuou na direcção do EEEEE, tendo-o atingido no tórax e outro no braço esquerdo, derrubando-o e projectando-o para o solo e só não o atingindo com um terceiro disparo que efectuou após carregar de novo a espingarda caçadeira porque EEEEE conseguiu levantar-se e fugir.

Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos AA e FF, XXXX sofreu as seguintes lesões as quais só não causaram a morte deste porque o mesmo foi medicamente assistido, sendo as mesmas idóneas a causar a morte.

Mais se provou que o arguido AA agiu com o propósito de causar a morte de XXXX o que não conseguiram por razões alheias à sua vontade: o facto de XXXX ter conseguido pedir ajuda e prontamente obteve assistência médica.

Mais se provou que o arguido AA e FF agiram no âmbito de um acordo previamente elaborado com o arguido BB e OO, tendo o arguido BB, em execução do previamente acordado propósito de causar a morte de XXXX, pelos quatro firmado, após o arguido AA lhe dar conhecimento que tinha visto EEEEE e que ia buscar FF, determinado ao AA que seguisse o ofendido, o que fez com o propósito de executarem o plano previamente acordado com vista a causar a morte de XXXX.

Relativamente ao recorrente são especialmente relevantes, devendo ser objecto de especial atenção, os factos provados nºs 6, 10, 11, 25 e 26, que seguidamente se reproduzem:

6. Posteriormente, o arguido OO, através do arguido RR soube da conversa através entre XXXX e YYYY, razão pela qual acordou com os arguidos FF, BB e AA tirarem a vida a XXXX.

10. Pelas 02.23 horas, o arguido AA após se aperceber que XXXX se encontrava no “Praia Bar”, ligou para o arguido BB dando-lhe conta que tinha visto XXXX e que ia buscar FF, o que fez na sequência do previamente acordado por todos.

11. Pelas 2.26 horas o arguido BB enviou uma mensagem telefónica ao arguido AA dizendo-lhe que não podia ir determinando ao arguido AA que seguisse XXXX e posteriormente após saber o exacto local onde aquele se encontrava, na sequência da informação prestada por AA, por sms, determinou-lhe que fosse vendo onde aquele “ia ficando”, o que fez ciente de que o arguido AA ia buscar FF para desse modo executarem o previamente acordado propósito de tirarem a vida a XXXX, facto que previu e quis.

25. Agiram o arguido AA e FF de acordo com o previamente planeado com o arguido BB e OO e com o auxílio de um terceiro indivíduo cuja identidade se não apurou.

26. O arguido BB, após saber que XXXX se encontrava no Praia Bar, por indicação do arguido AA, determinou expressamente ao Miguel que seguisse XXXX, bem sabendo que o mesmo ia, conjuntamente com FF, cumprir o previamente acordado propósito de tirarem a vida a XXXX, resultado que o arguido BB previu e quis.

Resulta evidente do resumo efectuado e especialmente dos factos a cuja transcrição se procedeu que BB participou, conjuntamente com os demais arguidos, na decisão de tirar a vida ao ofendido XXXX. E embora não tendo estado presente no local onde os factos acontecerem por então se encontrar a trabalhar, acompanhou a execução dos factos, para tanto tendo instruído o arguido AA, para executar o que anteriormente já haviam planeado.

Aproveitando a circunstância de não ter estado no local dos factos, o recorrente vem defender, de forma simplista, que o tribunal, ao considerar a sua conduta como a de um co-autor, veio a puni-lo tão somente pela mera intenção, já que não praticou qualquer acto de execução.

Com vista à qualificação jurídica da actividade do arguido BB respeitante à sua participação nesse crime de homicídio, haverá, metodologicamente, que começar por tomar posição quanto ao modo como deve ser qualificada a conduta de um agente que combina com outros matar determinada pessoa e que não estando presente no lugar onde vai acontecer a execução material, expressamente determina a um dos outros agentes que siga o ofendido, sabendo que aquele, juntamente com pelo menos um terceiro, iria cumprir o que ficara acordado previamente no sentido de tirar a vida ao ofendido; posteriormente, atentar-se-á na possível relevância que resulte para o recorrente da circunstância de os factos terem sido executados na forma meramente tentada.

Ao definir, no art. 26.º do Código Penal, como autor, “quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do factos, desde que haja execução ou começo de execução”, o preceito prevê quatro formas de autoria.

A autoria titulada de imediata, que se traduz em executar o facto por si mesmo, reunindo-se nele a totalidade dos elementos objectivos e subjectivos.

A autoria mediata que se traduz em executar o facto por intermédio de outrem, constituindo esse homem da frente o instrumento e verificando-se no homem de trás todos os elementos de punibilidade.

A co-autoria, que se traduz em tomar parte directa na execução do facto por acordo ou juntamente com outro ou outros, em que se apresenta como essencial da execução do plano comum a actuação de cada co-autor, constituindo as acções dos outros um complemento da participação própria.

E a instigação, que se consubstancia em determinar dolosamente outra pessoa à prática do facto desde que haja execução ou começo de execução, sendo para Figueiredo Dias (op. cit., I. pág. 799), aquele que “produz ou cria de forma cabal no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito típico”, ou seja, criando no homem-da-frente a decisão de realização típica, tendo, por conseguinte, o domínio do facto, sob a forma de domínio da decisão.

Na fundamentação da decisão dos presentes autos, o tribunal concluiu que o arguido agiu numa situação de autoria mediata, como expressamente se afirmou no seguinte segmento: “todo o comportamento do arguido BB, não pode deixar de integrar a figura do autor mediato face à sua ligação directiva e determinante para o comportamento do arguido AA e FF, visando assim realizar o assassinato de EEEEE e dessa forma mandatá-los para esta finalidade última, concertou com estes previamente, visando um encontro de mútuas vontades, a que só não juntou a execução por si próprio do facto por se encontrar a trabalhar e impossibilitado de aceder de imediato ao local onde se encontrava a vitima visada por todos.”

Para chegar a tal conclusão, considerou-se no acórdão que “autor não é apenas aquele que executa o facto por si mesmo. Autor é também, com efeito, aquele que executa o facto por intermédio de outrem. É a autoria mediata. Cavaleiro Ferreira, classifica o autor mediato como um “participante principal”. Para aqueles para quem a teoria do domínio do facto define o conceito de autoria, é autor quem, de acordo com o significado do seu contributo, governa o curso do facto ou comparte o domínio do decurso do facto. “A autoria mediata é uma forma de autoria e, como a autoria imediata, caracteriza-se pela existência do domínio do facto. É autor mediato [homem de trás] quem realiza o tipo penal de maneira que para a execução da acção típica se serve de outrem [homem de diante] como “instrumento”.

Podemos afirmar que o arguido BB tinha o domínio do facto? Ou estaremos perante um mero instigador?

É que no art. 26° do Código Penal a instigação e a autoria mediata não estão estruturadas de forma idêntica nomeadamente quanto aos termos da punição, porquanto a punição de quem “determinar outra pessoa à prática do facto”, ou seja, do instigador depende de existência de “execução ou começo de execução”, mas para a punição de quem “executar o facto (…) por intermédio de outrem”, não se exige esse requisito, pois que, como sustenta Maria da Conceição Valdágua a punição do autor mediato é mais ampla e começa mais cedo do que a do instigador.”

As instâncias consideraram, pois, que a actividade levada a cabo pelo recorrente BB o integrava no papel de autor mediato.

Tal como se afirmou no acórdão de fixação de jurisprudência nº 11/2009, de 18-06-2009, publicado no Diário da República, I Série, de 21-07-2009, “Os casos de autoria mediata acontecem quando o homem de trás tem o domínio do facto através do domínio que tem sobre as acções do homem da frente. E, isto só sucede quando domina a qualidade lesiva que enforma a conduta que o instrumento realiza, quer dizer, nos crimes dolosos, quando o homem de trás, conscientemente, configura directa ou indirectamente a actuação do homem da frente, dotando-a de uma qualidade que necessariamente produz a lesão do bem jurídico. … O Princípio do domínio do facto, quando aplicado à autoria mediata, exige que todo o acontecimento (o “facto”, nos termos do art. 26.º) seja obra do homem de trás, em especial, da sua vontade responsável, só nesta acepção se podendo qualificar o homem da frente como instrumento.” (Figueiredo Dias, ibidem, p. 776, §2.º) …  O homem de trás pode sempre desistir do plano criminoso ou protelá-lo, ou extinguir a acção do executor, pois que pode extinguir ou, interromper a acção do homem da frente, bem como proceder à sua substituição.”

Na situação objecto do presente recurso, estamos perante um pactum sceleris celebrado entre os arguidos OO, BB, FF e AA, todos eles praticantes de artes marciais e a desempenharem funções operacionais de vigilante de segurança privada na sociedade II – Segurança Privada Unipessoal, L.da, embora não sendo titulares do cartão emitido pelo Departamento de Segurança Privada a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública que os habilitava a exercer tal actividade. Naquela organização, além de funções de vigilante, ao OO competia também a angariação e supervisão de um grupo constituído por um número indeterminado de indivíduos, como operacionais de terreno para todas as circunstâncias, designadamente quando fosse necessário ameaçar, coagir ou agredir alguém, bem como realizar tarefas de segurança ou vigilante. Tinha como seu braço direito o recorrente BB, que dele recebia ordens que transmitia aos elementos do grupo de indivíduos por aquele angariados e que, na sua ausência, assumia directamente o comando desse grupo e ordenava as concretas acções a desenvolver. Nesse grupo estavam integrados os arguidos FF e AA (cfr. factos nºs 7, 9, 21, 26, 27, 30, 35, 36, 39.c, 40, 41, 55, 57 respeitantes ao NUIPC 137/08.8SWLSB).

Avisado pelo arguido AA que o ofendido OO fora avistado no Praia Bar e de que aquele ia buscar o FF como fora acordado entre todos, o recorrente BB respondeu que não podia comparecer porque estava a trabalhar, tendo expressamente determinado ao AA que seguisse o ofendido EEEEE, bem sabendo que desse modo aquele iria, conjuntamente com o FF, cumprir o que fora previamente acordado no sentido de tirar a vida ao XXXX.

 Esta intervenção do recorrente BB foi essencial para ser levado a cabo o plano criminoso, pois, como se refere na fundamentação da matéria de facto, “este manifestava algum poder de iniciativa”, poder que não era reconhecido aos arguidos AA e FF, que, ainda segundo a fundamentação do acórdão recorrido, “agiram nos exactos termos do que foi combinado com o arguido BB e OO”. Dessa mesma parte do acórdão resulta que o recorrente, que não era o mandante, nem detinha o poder de desistir da prática do crime, era perfeitamente conhecedor do plano criminoso, “pois só isso explica que o AA lhe tenha dito: ‘Oh, sabe aquilo que nós vimos de comer ali no sandwich bar, aquele gostinho, aquele hamburguer’. Para que o arguido BB percebesse esta linguagem codificada teria necessariamente de saber a que ‘hamburguer’ o arguido AA se referia, pois que nada questionou, antes pelo contrário, porquanto determinou que o arguido AA visse ‘onde é que a delícia estava parando’. Cremos, pois, não merecer contestação que ambos sabiam que o ‘hamburguer’ era o XXXX. … Acresce que em relação ao BB … em momento algum, este manifesta alguma surpresa ou irritação ante o sucedido, por nomeadamente, terem ido mais além do que o combinado. Antes pelo contrário. Veja-se nomeadamente a sua reacção, quando pelas 03.22 horas, junto à porta do estabelecimento ‘W’, fala com um indivíduo cuja identidade se desconhece, mas que claramente é do conhecimento do arguido, sendo este quem o chama e afasta-se nomeadamente de OO e de JJ e dos demais seguranças que na altura se encontravam à porta do ‘W’. Tal conversa., embora não perceptível na sua totalidade, sobre EEEEE e durante a qual o arguido BB, em tom até assaz animado diz: ‘cinco não, mas três ele tem.’ Estaria a falar de outra coisa e o facto de aludir a três, seria uma pura coincidência, com o número de disparos que Atingiram EEEEE? E o facto de o arguido BB também dizer: ‘e ele não atirou não?’ ao que o outro lhe respondeu: ‘o EEEEE atirou não’

Interpretando a prova recolhida no que respeita ao papel de cada agente na execução do plano criminoso, poderemos concluir que cabeia aos arguidos BB, FF e AA o papel de executores do crime. Ora, sendo considerado autor, segundo a al. c) do art. 26º nº 1 do Código Penal, aquele que toma parte directa na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, estamos perante uma situação de co-autoria. 

A propósito desta norma, afirma Figueiredo Dias (op. cit. pág. 791) que “a lei terá querido afastar dúvidas que pudessem provir da circunstância de, nestes casos, o co-autor não dominar o facto nem por si mesmo, nem por intermédio de outro, mas sim em conjunto com outro ou outros. … A actuação de cada co-autor, no papel que lhe é destinado, apresenta-se como momento essencial da execução do plano comum” motivo por que Roxin fala de um domínio do facto funcional.

O acordo criminoso celebrado entre os diversos agentes permite justificar que responda pela totalidade do crime aquele que executou apenas uma parte. “O contributo de cada um para o facto aparece, nas palavras de Figueiredo Dias (ibidem), “não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte da actividade total, correspondentemente, as acções dos outros se revelem como um complemento da sua participação própria.”

Ainda segundo este autor “não é indispensável que o co-autor se encontre presente no lugar em que vai dar-se a execução material … mas é indispensável que do contributo objectivo dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer ou pôr à disposição os meios de realização”. (op. cit. pág. 794-795). De igual modo, segundo Hans-Henrich Jescheck e ThoMas Weigend (Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. espanhola, 2002, pág 732), é co-autor quem toma parte no domínio do facto na base da resolução criminosa comum, não sendo imprescindível a presença pessoal do agente no lugar onde for cometido o crime, embora se exija, como mínimo, uma colaboração favorecedora do crime.

Embora sem ter comparecido no lugar onde o ataque à vítima se concretizou por se encontrar a trabalhar como segurança no bar “W”, o arguido BB , ao ser-lhe comunicado que XXXX tinha sido avistado, determinou ao co-arguido AA que seguisse a vítima, o que foi entendido por este último como devendo ser executado o plano criminoso, sendo mantido informado e sendo a sua atitude essencial para a prática dos factos pelos demais co-autores materiais. A actividade desenvolvida pelo recorrente é, pelo exposto, de qualificar como a de um co-autor material do crime de homicídio, sendo a sua responsabilidade idêntica à dos demais executores materiais. Estes, fazendo uso de armas de fogo (uma caçadeira de calibre 12mm e de uma pistola de calibre 7,65mm) praticaram todos os actos necessários a produzir a morte de XXXX, provocando-lhe múltiplas lesões só não tendo sobrevindo a morte por a vítima ter sido socorrida e submetida a intervenção cirúrgica, sendo responsáveis pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada.

Embora segundo a teoria do domínio do facto, todos os co-autores devam concorrer para a prática do mesmo, bastará para responsabilizar todos os agentes que qualquer deles realize um elemento do tipo, não sendo portanto necessário que cada um dos co-autores leve a efeito a prática de todos os elementos do tipo. Ou seja, de harmonia com o acordo, os contributos dos outros agentes são imputados a cada autor, como se de facto próprio se tratasse.

Deste modo, havendo de considerar-se essencial para a prática do crime a contributo do recorrente, este é responsável pela prática do crime de homicídio, na forma tentada, tal-qualmente os demais co-autores materiais.

A interpretação das normas jurídicas aplicáveis não viola a Constituição, mormente o art. 29.º, n.ºs 1 e 3, como pretende o arguido.

 Nos termos daquele normativo constitucional, ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior, assim como não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.

Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada (I4, p. 493), “este preceito contém o essencial do regime constitucional da lei criminal (…); isto é, da lei que declara criminalmente punível uma acção ou omissão (n.º 1), definindo um determinado crime e prevendo a respectiva pena (pois não existe crime sem pena, nem pena criminal sem crime). No fundamental, reitera os grandes princípios em matéria penal das primeiras constituições liberais (princípio da legalidade e da tipicidade dos crimes e das penas, não retroactividade da lei penal, etc.)”.

Ora, face a tudo quanto acima foi referido, de modo algum se poderá considerar que o preceito constitucional em causa saia beliscado pelo entendimento perfilhado quanto à concreta questão da qualificação jurídica da conduta do arguido BB nos factos de que XXXX foi vítima. As normas jurídicas que justificam a condenação do arguido, que há muito existem no nosso sistema penal, foram correctamente aplicadas, com respeito, nomeadamente, dos princípios constitucionais.

Julga-se, pelo exposto, improcedente também nesta parte o recurso do arguido BB.

12. Concurso dos crimes de homicídio e de detenção de arma proibida

            Sem embargo de continuar a advogar a sua absolvição quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, o arguido AA, no seu  recurso, para a hipótese de ser condenado por esse crime vem pôr defender a existência de um concurso aparente entre o crime de homicídio e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, de que deverá resultar a absolvição por este último.

            Relativamente aos factos respeitantes ao NUIPC 1329/09.8GEALM, o tribunal colectivo condenou este arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi conferida pelo Lei 17/2009, de 06-05, na pena de 2 anos de prisão, e pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 , als. h) e i), do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão.

            Tendo sido julgado improcedente o recurso que interpôs para ao Relação de Lisboa, no qual suscitou esta mesma questão, foram confirmadas as penas dos dois referidos crimes. 

            Ora, como resulta do disposto no art. 400º nº 1 al. f) são irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações que conformem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Tendo a Relação considerado serem os dois crimes autónomos e tendo confirmado a pena de 2 anos de prisão aplicada pelo crime de detenção de arma proibida sido punido com pena de 2 anos de prisão, dessa parte da decisão não há recurso, pelo que se formou caso julgado parcial quanto a essa matéria.

            De todo o modo, sempre adiantaremos que, mesmo que assim não fosse, não deixaria de ser confirmada a decisão da Relação. Com efeito, deve ser perante cada caso em concreto e respectivo circunstancialismo que se deve aferir se o crime de detenção de arma proibida pode, ou não, ser autonomizado face ao crime de homicídio. Na verdade, encontramo-nos perante crimes que tutelam bens jurídicos distintos – no crime de homicídio tutela-se o bem jurídico vida e no crime de detenção de arma proibida a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas.

No caso em apreço, o modo como o arguido utilizou a arma de fogo permitiu a qualificação do crime de homicídio, pelas als. h) e i) do n.º 2 do art. 132.º do Código Penal, pois essa utilização revestiu-se de especial censurabilidade e perversidade.

No entanto, essa especial censurabilidade e perversidade nada tem a ver com o facto de o arguido não ser titular de licença de uso e porte de arma. A sua conduta revelou-se particularmente perigosa e insidiosa pela forma como utilizou a espingarda caçadeira para atacar o ofendido, independentemente da existência ou não dessa licença. Se o arguido fosse titular de licença de uso e porte de arma e o homicídio tivesse sido praticado de igual modo, não deixaria de ser qualificado. Ou seja, a circunstância de o arguido utilizar uma espingarda caçadeira sem para tal estar legalmente habilitado extravasa e ultrapassa a questão da qualificação do crime de homicídio. Existindo um tipo legal de crime que pune semelhante conduta, não há razão para que os factos praticados pelo arguido não sejam nele enquadrados.

Consequentemente, estando-se perante tipos de crimes que tutelam bens jurídicos distintos e perante factos concretos que demonstram que a tutela do crime de detenção de arma proibida não se esgotou com o preenchimento das qualificativas do crime de homicídio (sendo certo que não foi operado in casu o agravamento da pena por força do disposto no n.º 3 do referido art. 86.º da Lei das Armas), verifica-se, de facto, uma situação de concurso real entre os dois tipos de crime.

Aliás, tanto a jurisprudência (acs. do S.TJ de 28-06-2006 - Proc. 2041/06 de 04-05-2011 - Proc. 1702/09.1JSAPRT.P1.S1;  de 06-07-2011 Proc. 432/09.9JALRA.

C1.S1; de 26-10-2011 - Proc. 112/09.5SFLSB.L2.S1; de 21-03-2013 Proc. 2014/08.0 PAPTM.E1.S1; de 12-09-2013 Proc. 680/11.1GDALM.L1.S1), como a doutrina (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 891, em anotação ao art. 285º e Artur Vargues, Comentário das Leis Penais Extravagantes, I, pág. 243 e 244) têm considerado de admitir o concurso efectivo do crime de detenção de arma proibida com outros crimes, designadamente o de homicídio.

            Improcede, por conseguinte, a suscitada questão da existência de concurso aparente de infracções.

13. Qualificação jurídico-criminal dos factos do NUIPC  1629/09.7PBSXL

Tendo sido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131.º, n.º 1, e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, relativamente aos factos a que o NUIPC 1629/09.7PBSXL se reposta, o arguido CC sintetiza nas conclusões 45ª a 47ª a argumentação que apresentou no ponto XI da motivação concernente à qualificação jurídico-criminal dos factos. 

Sem prescindir da requerida alteração dos factos provados, o recorrente refere que “os factos como estão narrados tipificariam a prática de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, com dolo de perigo”, tal como se encontra previsto no art. 147.º, n.º 1, conjugado com o art. 144.º, al. d), ambos do Código Penal.

E afirma ainda, embora sem ter levado este ponto às conclusões, que “o intuito imediato com que o arguido actuou foi o de agredir fisicamente a vítima, não de o matar”, acrescentando: “Esta atitude subjectiva do arguido também afasta, em nosso entender, a actuação com frieza de ânimo, enquanto persistência na resolução criminosa através de um processo frio, pensado …”.

Como tem sido afirmado pela jurisprudência, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, o que vale por dizer que, para além das questões de conhecimento oficioso, só das suscitadas nessas conclusões pode, e deve, o tribunal ad quem conhecer. Assim, encontra-se fora do âmbito do recurso esta última questão, que, aliás, não tem qualquer fundamento, pois a condenação do arguido como autor do crime de homicídio qualificado resulta de se verificar o exemplo-padrão da al. e) do nº 2 do art. 132º – agir por motivo torpe ou fútil – e não por ter agido com frieza de ânimo. Ora o motivo fútil, enquanto circunstância que revela uma especial censurabilidade decorre claramente dos factos provados. Com efeito, provou-se que a vítima FFFFF, que havia estacionado o seu veículo junto da discoteca “Ondeando”, verificou que o espelho retrovisor do lado direito se encontrava partido, o que o motivou a dirigir-se aos seguranças, questionando-os sobre o que se tinha passado. É nesse momento que, “em acto contínuo, o arguido CC, bem visualizando o local onde iria atingir o ofendido, desferiu-lhe dois socos que o atingiram na parte frontal da cabeça, sem que FFFFF tivesse tempo ou oportunidade de se defender ou mesmo de reagir.” (facto nº 6).

Estes factos revelam com a necessária clareza que a agressão perpetrada não tinha por detrás um reflectido plano criminoso, antes tendo resultado da impetuosidade do arguido, provocada por uma razão sem valor, como foi a suspeita por parte da vítima de que fora o arguido quem partira o espelho do veículo, tal como se dá como provado no facto nº 16.

Afastado este aspecto, atentemos, então, na pretensão do arguido de ver a sua actividade criminosa qualificada como integradora de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, com dolo de perigo, p. e p. pelo art. 147º nº 1 conjugado com o art. 133º al. d) do Código Penal.

Segundo o disposto no art. 147º nº 1 do Código Penal, “se das ofensas previstas nos artigos 143.º a 146.º resultar a morte da vítima, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravado de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”

Em anotação a esta norma, escreve Paula Ribeiro de Faria (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 384 a 397) que “estamos perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma especial combinação de dolo e negligência (tradicionalmente designado por crime preterintencional). A estrutura deste crime abrange um crime fundamental doloso que corresponde na hipótese do n.º 1, às ofensas à integridade física previstas nos arts. 143.º e 146.º (…), e um resultado negligente que se consubstancia na morte ou lesão da integridade física graves da vítima.”

Para se poder ter este tipo de crime como preenchido seria, portanto, necessário, ao nível do elemento subjectivo, que tivesse ficado provado que o arguido, com a sua conduta, pretendia atingir directamente a integridade física do ofendido (dolo directo de ofensas à integridade física – art. 16.º, n.º 1, do CP), e que, ao agredi-lo, configurou a possibilidade de, com a sua conduta perigosa e potencialmente lesiva da vida do ofendido (desferir-lhe com violência dois socos na zona da cabeça) vir a causar-lhe lesões das quais resultasse a sua morte, não se tendo conformado com essa possibilidade (negligência consciente – art. 15.º, n.º 1, do CP), ou não a tendo sequer configurado (negligência inconsciente art. 15.º, n.º 2, do CP), sendo certo que, em qualquer dos casos, por força das circunstâncias em que agrediu o ofendido, tinha a obrigação de colocar essa possibilidade.

Ora, não é isso que dimana dos factos provados. Segundo o facto nº 14, a morte do FFFFF foi directamente provocada pelas graves lesões traumáticas crânio-encefálicas que lhe foram originadas pelo violento impacto decorrente dos socos de que foi alvo pelo arguido CC, na zona fronto-parietal direita, zona superior do crânio, e com conhecimento por parte do arguido de que aquela zona aloja o cérebro, elemento vital ao funcionamento do corpo e á sustentação da vida humana. E foi dado como provado no facto 15 que “o arguido bem sabia ser previsível em face da zona afectada e da violência que podia causar a morte de FFFFF, resultado com o qual se conformou.” (facto nº 15).

Na interpretação destes factos não pode ser postergada a circunstância de o recorrente ser praticante de artes marciais, nomeadamente de jiu-jitsu, conforme se deu como provado no facto nº 50 relativo ao NUIPC 137/08.8SWLSB. Ora, as artes marciais constituem disciplinas físicas e mentais codificadas com a finalidade de, através do uso de determinadas técnicas, permitirem a auto-defesa e levarem à submissão do adversário. De entre essas técnicas, salientaremos, como mero exemplo, o golpe denominado “toque de morte”, que, se usado correctamente, tem a capacidade de ser letal. Justifica-se, por isso, que o praticante de artes bélicas deva sempre prever a possibilidade da morte do adversário no caso de fazer uso de golpes com essa capacidade.

Temos, assim, que o arguido CC, ao agredir o ofendido FFFFF, atento o modo como o fez, dada a zona atingida e a violência empregue, sabia ser previsível que podia causar a morte de FFFFF, resultado com o qual se conformou.

Ao nível subjectivo, a factualidade apurada traduz, portanto, uma situação de dolo eventual de homicídio, pois, nos termos do art. 14.º, n.º 3, do Código Penal, “quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização”.

Em conclusão, perante a matéria de facto provada, que, como se disse, é inalterável, a qualificação jurídica dos factos operada pelas instâncias é inteiramente correcta, motivo porque o recurso do arguido CC improcede também nesta parte, mantendo-se, por consequência, a condenação como autor material de um crime p. e p. pelos art. 131º e 132º nº 1 e 2º al. e) do Código Penal.

15. Medida das penas

A questão da medida das penas vem suscitada pelos arguidos AA e CC.

15.1 Relativamente ao recurso do arguido AA, sustenta o Ministério Público, no seu parecer, que, no que tange à pena única, está o Supremo Tribunal de Justiça perante uma questão nova, uma vez que o recurso que aquele arguido interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa era omisso nessa parte, pelo que está impedido de apreciar essa questão.

A respeito da impugnação da medida da pena, lê-se no acórdão recorrido: “o recorrente AA questiona a medida da pena. E fá-lo tão só no tocante aos crimes de homicídio qualificado na forma tentada (NUIPC 1329/09.8GEALM), rapto e roubo agravado (NUIPC 194/10.7GCALM)” e “o recorrente não questionou as demais penas parcelares que lhe foram infligidas, nem a pena única”.

O arguido não contesta tal afirmação, nem põe em causa que se trate de questão só suscitada no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Sob a epígrafe “fundamentos do recurso”, estabelece o art. 410.º do Código de Processo Penal, no seu n.º 1, que “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os seus respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.”. O n.º 1 do art. 403.º do mesmo Código permite, porém, aos recorrentes delimitar objectivamente o recurso a partes da decisão, desde que possam ser separadas das partes não recorridas, exemplificando o n.º 2 do preceito que são decisões autónomas susceptíveis de virem a ser apreciadas separadamente, entre outras, cada crime em caso de concurso de infracções e, dentro da questão da determinação da sanção, cada uma das penas ou das medidas de segurança.

Tendo os sujeitos processuais um papel conformador, o tribunal ad quem deve, por consequência, limitar a sua apreciação às questões concretamente suscitadas pelo recorrente, formando-se caso julgado parcial quanto às questões não arguidas pela via do recurso, desde que não estejam por algum motivo interligadas com as que constituem o objecto da impugnação.

Com efeito, enquanto meios de impugnação das decisões judiciais com vista à detecção e correcção de vícios, de erros, de omissões ou à escolha da melhor solução jurídica para o caso os recursos destinam-se à reanálise, à reapreciação de questões que já foram conhecidas pelo tribunal recorrido ou que podiam e deviam ter sido conhecidas. Por isso, este Supremo Tribunal tem afirmado, de modo unânime, que os recursos se destinam a reexaminar decisões já proferidas, e não a pronunciar-se sobre questões novas, que não foram colocadas à análise das jurisdições inferiores (cfr., entre outros, os acs. do STJ de 09-07-2008, Proc. n.º 1491/07, de 21-01-2009, Proc. n.º 4026/08, de 23-09-2009, Proc. n.º 259/06.0JAIAR, de 25-03-2010, Proc. n.º 76/10.2YRLSB, de 15-09-2010, Proc. n.º 322/05.4TDEVR, de 24-05-2011, Proc. n.º 6/09.4TRGMR, de 05-07-2012, Proc. n.º 911/10.5TBOLH, de 18-10-2012, Proc. n.º 492/09.2JALRA e de 19-12-2012, Proc. n.º 1140/09.6JACBR, com diferentes relatores).

Percorrendo as conclusões da motivação do arguido AA apresentada no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, verifica-se que este recorrente, que estruturou aquela peça processual tendo em vista obter a absolvição do crime de homicídio, defendendo para tanto que não pode ser dado como provado que foi ele o autor dos disparos que atingiram o ofendido XXXX, veio, contudo, cautelarmente, na conclusão nº 239ª desse recurso, a confrontar a Relação com a medida da pena parcelar pelo crime de homicídio. Todavia, omitiu em absoluto a impugnação da medida da pena única.

Já, porém, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde continua a pugnar pela absolvição pelo crime de homicídio, expressamente alude à medida da pena única, que põe em causa, nada mencionando, porém, na sua motivação quanto à quanto à pena parcelar respeitante ao crime tentado de homicídio qualificado.

Ora, como se referiu no ac. de 4-12-2008 - Proc. 2507/08, “os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.”

Daí que, por se tratar de questão nova, esteja vedada ao Supremo, no recurso de revista, pronunciar-se sobre a adequação da medida da pena única à culpa do agente ou acerca da sua proporcionalidade face às exigências de prevenção:

Por outro lado, encontrando-se os recursos sujeitos ao princípio dispositivo, haverá que interpretar o silêncio do recorrente acerca da medida da pena relativa ao  crime de homicídio como significando aceitação da pena em concreto fixada, e, por consequência, considerar vedado ao tribunal superior, mesmo oficiosamente, a reanálise e eventual alteração dessa pena parcelar.

15.2 Afirma o recorrente CC, na conclusão 83ª do seu recurso, que quer as penas parcelares quer a resultante do cúmulo jurídico pecam por exageradas. Para tanto alega, na parte XII da motivação, que abonam a seu favor, o bom comportamento social, a inserção familiar e atitude correcta perante o tribunal e o cumprimento da medida de coacção a que se acha sujeito, não devendo ser esquecida a personalidade do recorrente e o feito previsível da pena sobre o comportamento futuro.

Considera, assim, que a pena aplicada deve situar-se no limite mínimo, legalmente previsto e ser suspensa na sua execução, sendo a pena de 17 anos de prisão enquanto sanção para o comportamento global do recorrente desproporcionada e desconforme com a jurisprudência.

Embora se refira aos diversos crimes que praticou e às penas que relativamente a eles foram aplicadas, transitada que se mostra a decisão quanto às penas não superiores a 8 anos de prisão pelas razões inicialmente expostas, somente haverá que conhecer da pena respeitante ao crime de homicídio qualificado.

Deu-se como provado, quanto a este crime, que, no dia 29 de Novembro de 2009, pelas 06.00 horas, FFFFF, quando saía da discoteca “Ondeando” sita em Amora, verificou que o veículo que deixara estacionado tinha o espelho retrovisor do lado direito partido. Dirigiu-se aos seguranças que se encontravam à porta do estabelecimento questionando-os sobre o que se tinha passado. O arguido que removera o veículo estacionado ao lado do ofendido, dirigiu-se a este e em acto contínuo, bem visualizando o local onde iria atingir o ofendido, desferiu-lhe dois socos que o atingiram na parte frontal da cabeça, sem que FFFFF tivesse tempo ou oportunidade de se defender ou mesmo de reagir. Tais socos, pela violência e potência física imprimida, provocaram em FFFFF, a sua queda imediata no solo, ficando inanimado, na posição de decúbito dorsal. O arguido CC debruçou-se sobre FFFFF e colocou-o em posição lateral, após o que se afastou do local sem prestar qualquer auxílio ou chamar o INEM. O companheiro do ofendido, tendo verificado que este estava inconsciente, não obtendo resultados na tentativa de o reanimar, chamou então o INEM, que o transportou para o Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde ele acabou por falecer em 11 de Dezembro de 2009, em consequência das graves lesões traumáticas crânio-encefálicas que lhe foram originadas pelo violento impacto decorrente dos socos na zona fronto-parietal direita, zona superior do crânio. O arguido sabia que aquela zona aloja o cérebro, elemento vital ao funcionamento do corpo e à sustentação da vida humana e bem sabia ser previsível em face da zona afectada e da violência que imprimiu ao desferir os socos na zona frontal da cabeça de FFFFF, que podia causar a morte deste, resultado com o qual se conformou. A agressão ocorreu por a vítima suspeitar que havia sido o arguido CC a partir o espelho do veículo. O arguido agiu livre e conscientemente ciente da punibilidade da sua conduta.

Provou-se ainda que o arguido CC vive com a esposa e duas filhas menores, com oito e três anos de idade, que é considerado um pai presente e responsável e é reputado como pessoa trabalhadora. Sofreu 3 condenações anteriores: em 19-10-1993, em pena de multa, pela prática de um crime de ofensas corporais simples, tendo beneficiado do perdão previsto pela Lei n.º15/94, sob a condição resolutiva de não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes, perdão que foi revogado; em 05-11-1994, por crime de jogo de fortuna ou azar, na pena de 60 dias de multa; em 13-02-2002, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 90 dias de multa.

Os factos que o arguido praticou integram o crime p. e p. pelos arts. 131º e 132º do Código Penal, a que corresponde uma moldura penal de 12 a 25 anos.

As instâncias fixaram a pena em 14 anos de prisão, ou seja, na parte inferior da moldura legal e relativamente próximo do respectivo mínimo.

            O art. 71º nº 2 do Código Penal estabelece que, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência: os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Não sendo de considerar na determinação da medida da pena as circunstância que façam parte do respectivo tipo legal, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, verifica-se que a ilicitude do facto é elevada, nomeadamente por o arguido estar a exercer funções de segurança privada e dada a forma como a agressão foi praticada, de modo inesperado e sem permitir à vítima qualquer movimento de defesa ou de reacção; o dolo é eventual, correspondendo ao menor grau de intensidade; o arguido manifestou sentimentos de intolerância pela suspeita da autoria da quebra do retrovisor quebra e bem assim, de grande agressividade; tem boa inserção familiar e está socialmente integrado; sofreu já três condenações em penas de multa.

Ao fixar a pena em 14 anos de prisão, as instâncias tiveram na devida conta os factores relevantes para tal efeito e aplicaram os princípios que regem a determinação da medida da pena. Assim, atentou-se nas exigências da prevenção geral e valoraram-se as necessidades de prevenção especial que em concreto se verificam, não tendo sido postergada a medida da culpa, que é sempre inultrapassável.

Em recurso de revisão, só seria lícito alterar a medida da pena se esta se revelasse desproporcionada ou com violação das regras da experiência, o que não acontece. Não pode, portanto, o Supremo Tribunal de Justiça modificar o quantum exacto de pena, que se encontra perfeitamente dentro dos limites de discricionariedade do tribunal recorrido.

            Além deste crime, o arguido foi condenado nos presentes autos, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.º, 145.º, n.º 1, al. a) e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), todos do Código Penal, em co-autoria, na pena de 2 anos de prisão para cada um deles e pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

            Perante a moldura penal referente ao concurso de crimes, que parte de um mínimo de 14 anos de prisão e tendo como máximo 21 anos e 6 meses de prisão, as instâncias fixaram a pena única em 17 anos de prisão.

Para fixar a pena única dentro desses limites, o art. 77º nº 1 do Código Penal determina que na medida da pena sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A jurisprudência tem seguido a interpretação de Figueiredo Dias, nos termos da qual “a avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo, como no caso, a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.” (Direito Processual Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 291).

            A decisão da Relação, ora recorrida, considerou que a pena de 17 anos de prisão que o tribunal colectivo fixara se mostra equilibrada e ajustada com base na seguinte ordem de razões: “globalmente considerada a conduta do arguido revela-se de acentuada ilicitude e demonstra bem a personalidade do arguido CC de profundo desprezo e sentimento de superioridade perante quem de alguma forma teve a infeliz "ousadia" de o enfrentar ou de enfrentar o seu colega de trabalho. Não diremos que estamos perante uma pessoa que "ferve em pouca água" usando a expressão popular, é menos do que a "pouca água". Em todas as situações em apreço o arguido revelou ser uma pessoa de extrema violência, em contextos de relevância insignificativa e que dos quais resultaram resultados gravíssimos, e se bem que para as lesões sofridas por CCCCC o contributo mais relevante foi o do arguido NN, ainda assim o arguido YY não se limitou a agir contra DDDDD, mas também contra aquele. E aqui não podemos deixar também de relevar a proximidade temporal que mediou a prática dos factos cometidos em co-autoria com o arguido NN e o crime de homicídio na pessoa de FFFFF, porquanto os mesmos ocorreram na mesma noite com diferença de horas.”

            Olhados na sua globalidade os factos que motivaram a condenação do arguido em diversas penas parcelares, conforme determina o art. 77º nº 1 do Código Penal, verifica-se uma certa propensão do arguido para a prática de crimes contra a integridade física, tanto mais que foi por um crime desta natureza que o arguido foi condenado pela primeira vez, embora tenham decorrido, desde então e até à data dos factos, mais de 15 anos. Todavia, não será ainda de falar numa tendência do arguido para a prática de crimes desta natureza, o que justificaria o agravamento da pena única.

            Sempre que haja que proceder a um cúmulo jurídico de uma pena resultante de criminalidade grave com penas correspondentes a crimes de gravidade bastante menor, as penas destes crimes devem sofrer uma especial compressão. No caso presente, estamos perante um cúmulo de uma pena resultante da condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado e de três crimes de ofensas à integridade física qualificadas. Estes, não obstante terem sido praticados em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, devem ainda ser considerados como de pequena gravidade, dada a pena abstracta que lhes corresponde ser a de prisão até 4 anos.

Tendo em consideração este critério, que o Supremo Tribunal de Justiça tem seguido em muitas decisões, uma pena de 16 anos de prisão é capaz de garantir a tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração), satisfazendo quanto possível as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização, tanto mais que o arguido, como se provou, tem boa inserção social e goza da reputação de pessoa trabalhadora e dois dos crimes contra a integridade física tenham ocorrido simultaneamente, tendo a agressão de que resultou o homicídio de FFFFF tido lugar, nessa mesma noite, poucas horas depois.

             Procede, assim, nesta parte, o recurso do arguido CC.

DECISÂO

Termos em que, acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedentes os recursos dos arguidos AA e BB e parcialmente procedente o recurso do arguido CC, alterando quanto a este a pena única resultante do concurso de crimes por que foi condenado nos presentes autos para 16 (dezasseis) anos de prisão.

Custas pelos arguidos AA e BB, com taxa de justiça de 8 (oito) UC a pagar por cada um deles.

O arguido CC beneficia da isenção de custas nos termos do disposto no art. 513º nº 1 do Código de Processo Penal.            

                                               Lisboa, 18 de Dezembro de 2013


Arménio Sottomayor (relator) **
Souto Moura