Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6427/16.9T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
IMPEDIMENTOS
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO CIVIL - LEIS / INTERPRETAÇÃO DA LEI.
Doutrina:
- Catarina Serra, O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2016, 107.
- Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2016, 367 e 371.
- Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O Processo Especial de Revitalização, 168, 169.
- Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 350, 359, 366.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-F, 17.º-G, N.º 6.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 202.º.
LEI N.º 62/2013 [LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO]: - ARTIGO 2.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 27 DE JANEIRO DE 2015, PROCESSO N.º 170/14.0TBCDR.C1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 17 DE AGOSTO DE 2016, PROCESSO N.º 383/16.0T8OLH.E1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 8 DE MARÇO DE 2016, PROCESSO N.º 4962/15.5T8FNC.L1-7, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

Sumário :
O disposto no nº 6 do art. 17º-G do CIRE (impedimento de recurso a novo PER pelo prazo de dois anos) aplica-se também, em decorrência da interpretação extensiva que se impõe da lei, à hipótese de em anterior PER ter sido aprovado um plano de recuperação mas que não foi homologado.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 6427/16.9T8FNC.L1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA, S.A. (Devedora) promoveu oportunamente (28 de Outubro de 2016), pela Secção de Comércio da Instância Central da Comarca da …, a abertura de processo especial de revitalização (PER), nos termos dos art.s 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Tendo constatado oficiosamente que tal procedimento havia sido promovido antes de transcorridos dois anos sobre a data (5 de Janeiro de 2016) em que transitara em julgado decisão que recusara a homologação de acordo alcançado no âmbito de anterior PER (processo nº 926/13.1TBFUN) suscitado pela Devedora, o tribunal - e depois de retirar relevância á circunstância de ter sido entretanto (16 de Outubro de 2014) proferido despacho de encerramento nesse anterior PER - proferiu decisão liminar em que julgou inadmissível o novo PER, determinando, em consequência, a extinção da instância. Para tanto, entendeu o tribunal que era aplicável ao caso o prazo inibitório de dois anos indicado no nº 6 do art. 17º-G do CIRE, e que o termo inicial desse prazo correspondia ao referido dia 5 de Janeiro de 2016 e não ao também referido dia 16 de Outubro de 2014.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Devedora.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.

De novo inconformada, pede a Ré revista.

Para tanto, e visto o disposto no nº 1 do art. 14º do CIRE, alega estar o acórdão recorrido em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com o acórdão da relação de Coimbra de 27 de Janeiro de 2015 (proferido no processo nº 170/14.0TBCDR.C1, disponível em www.dgsi.pt) e de que juntou certidão com nota do respetivo trânsito em julgado.

Neste Supremo Tribunal de Justiça o relator decidiu preliminarmente que se verificava a apontada oposição de julgados, razão pela qual nada impedia a tal nível a admissão do recurso. Conclusão que aqui se reitera.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões:

A) Dos elementos carreados para os autos decorre que o PER que antecedeu os presentes autos foi encerrado na sequência de decisão de não homologação do plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores no âmbito do Proc. nº 926/13.1TBFUN, e não em virtude da falta de aprovação de um plano de recuperação, bem como que os presentes autos foram promovidos mais de 2 anos após a publicação da decisão de encerramento do primeiro PER promovido pela Recorrente.

B) Porque, “ocorrendo o encerramento do processo especial de revitalização na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor e permanecendo o mesmo em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação (art. 17°-A, n° 1, do CIRE), e estando reunidos os demais requisitos legalmente previstos, nada obstará a que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no n° 6 do artº 17°-G, do CIRE (aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação)”, a Douta Sentença interpretou e aplicou incorretamente, o nº 6 do art. 17º-G do CIRE, violando ainda o art. 1° do CIRE e os arts. 9° e 10° do Código Civil.

C) Porque, desde logo considerando que qualquer recurso que seja interposto da decisão de um plano de homologação tem efeito meramente devolutivo, com a consequente extinção imediata e com eficácia extraprocessual dos efeitos do PER, o prazo de 2 anos fixado no nº 6 do art. 17.0-G do CIRE deve ser contado a partir da data da decisão de encerramento do PER, e não da data do trânsito em julgado de tal decisão, as Doutas Decisões recorridas interpretaram e aplicaram incorretamente, o nº 6 do art. 17º-G do CIRE, violando ainda o art. 1° do CIRE e o art. 9º do Código Civil.

D) A interpretação e aplicação extensiva, ou de jure constituendo, da restrição constante do art. 17º-G, nº 6 do CIRE, assim como de acordo com as 2 piores, e mais restritivas, soluções possíveis para o caso concreto, implicam a violação do art. 18° da CRPR, bem como do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais previsto nos arts. 20° e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Termina dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, determinando-se que seja proferida a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE e o prosseguimento da instância.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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São questões a conhecer:

- Sujeição do presente caso ao nº 6 do art. 17º-G do CIRE

- Inconstitucionalidade da lei interpretada no sentido dessa sujeição

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III - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

Mostram-se provados os factos seguintes:

1º - Os presentes autos de processo especial de revitalização entraram em juízo no dia 28.10.2016.

2º - No âmbito dos autos de PER que correram os seus termos sob o nº 926/13.1TBFUN:

(i) foi proferida no dia 2.07.2014 sentença que recusou a homologação do plano de revitalização aprovado n o âmbito de PER promovido pela ora Devedora. Tal sentença foi, publicitada em 3.07.2014 e foi objeto de recurso, tendo a decisão final transitado em julgado, após baixa do Supremo Tribunal de Justiça, no dia 5.01.2016;

(ii) foi proferido despacho de encerramento desse processo em 16.10.2014, que foi publicitado no dia 21.10.2014.

De Direito

Começa a Recorrente por defender que, diferentemente do decidido no acórdão recorrido e à semelhança do que foi decidido no acórdão fundamento, nada impedia a abertura do presente PER sem que tivesse decorrido o prazo inibitório de dois anos estabelecido no nº 6 do art. 17º-G do CIRE. Segundo a Recorrente, tal prazo apenas se aplicaria às estritas hipóteses expressamente previstas no dito art. 17º-G, e não àquelas hipóteses - como era o caso do anterior PER que havia suscitado (processo nº 926/13.1TBFUN) - previstas no art. 17º-F do mesmo CIRE, em que chegou a ser aprovado um plano de recuperação não homologado.

Será assim?

Estamos perante temática que não tem recebido tratamento uniforme na jurisprudência. Efetivamente, enquanto no acórdão fundamento (acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Janeiro de 2015, processo nº 170/14.0TBCDR.C1, relator Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt) e no acórdão da Relação de Évora de 17 de Agosto de 2016 (processo nº 383/16.0T8OLH.E1, relator Francisco Matos, igualmente disponível em www.dgsi.pt) se entendeu que o encerramento do processo de revitalização devido à não homologação judicial do plano de recuperação não impedia o devedor de promover novo processo de revitalização independentemente da observância do limite temporal a que se reporta o nº 6 do artº 17º-G, do CIRE (só assim não seria nos casos em que a recusa de homologação se fundasse na inobservância das regras aplicáveis à votação e aprovação do plano de recuperação), já no acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Março de 2016 (processo nº 4962/15.5T8FNC.L1-7, relatora Maria da Conceição Saavedra, também disponível em www.dgsi.pt[1]) se defendeu o contrário: que se o plano de revitalização for aprovado pelos credores mas o tribunal recusar depois a sua homologação, é de aplicar extensivamente o disposto no nº 6 do art. 17-G do C.I.R.E., de sorte que o devedor fica impedido de recorrer ao PER pelo prazo de dois anos a contar do termo do anterior processo). Na doutrina é conhecida a posição de Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis (O Processo Especial de Revitalização, p. 169), para quem, aprovado um plano mas não homologado, o devedor não poderá dar início imediato a outro PER. Observam a propósito estes autores que “De outra forma os credores – designadamente os que votaram contra o plano – poderão ficar eternamente impedidos de exercer os seus direitos, bastando que uma maioria de credores insista em aprovar planos ilegais e que o administrador da insolvência não requeira a insolvência do devedor. Seria aliás estranho que a maioria que aprova um plano ilegal pudesse sujeitar a minoria discordante a mais um PER. Assim, o nº 6 do art. 17º-G terá de ser interpretado extensivamente, por forma a incluir o caso em que o plano de revitalização é aprovado, mas não homologado pelo tribunal”. É conhecida também a posição de Catarina Serra (O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2016, pág. 107) aí onde aduz que “Atendendo à letra da lei, parece, de facto, ser possível concluir que a disciplina do artº 17º-G está reservada aos casos em que se torna flagrante que o PER não é – não era ab initio – o instrumento adequado para resolver a situação do devedor. Será, portanto, legítimo presumir, em face da epígrafe e do teor do preceito, que ele se aplica apenas aos casos de não aprovação do plano de recuperação”.

Não há dúvidas que o elemento literal da interpretação da lei começa por sugerir aqui uma interpretação que se antolharia ser adversa à que foi adotada no acórdão recorrido. Referimo-nos obviamente à circunstância da letra do nº 6 do art. 17º-G circunscrever o dito prazo inibitório de dois anos às situações em que o termo do processo especial de revitalização é efetuado de harmonia com os números anteriores, e estes referem-se unicamente às situações de “desistência” (chamemos-lhe assim) do PER por parte do devedor, à conclusão antecipada de não ser possível alcançar um acordo e à ultrapassagem do prazo das negociações. E, por seu turno, a epígrafe da norma (“Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”) indicaria também que ficariam de fora as situações em que se logra a aprovação de um plano. Isto conduziria a uma interpretação que legitimaria a ideia de que a condicionante dos dois anos não se aplicaria às hipóteses do art. 17º-F. Pois que esta norma refere-se aos casos em que se obtém a aprovação de um plano de recuperação, e, concordantemente, a respetiva epígrafe é formada pelos seguintes dizeres: “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor”. E como nos ensina Oliveira Ascensão (O Direito. Introdução e Teoria Geral, p. 350), aliás em concordância com o que dispõe o nº 2 do art. 9º do CCivil, “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”.

Mas a letra da lei não é tudo!

Pois que para além da letra, devemos considerar o sentido ou o espírito da lei, ou seja, atender ao chamado elemento lógico da interpretação, onde se incluem o elemento sistemático e o elemento teleológico (v. o nº 1 do art. 9º do CCivil). Como ainda nos elucida Oliveira Ascensão (ob. cit. pp. 359 e 360), o elemento sistemático apela a uma interpretação que leva em linha de conta a unidade do sistema jurídico (a interpretação de uma fonte não pode ser feita isoladamente), de sorte que, neste domínio, importa considerar a analogia (não confundir esta analogia de que se está a falar com a analogia que visa a integração de lacunas) ou lugares paralelos (por analogia ou por lugares paralelos, nesta aceção, entende-se as normas respeitantes a institutos ou hipóteses de qualquer modo relacionados com a fonte que se pretende interpretar, de forma que a semelhança da situação ou da apresentação faz supor que o regime jurídico também é semelhante). O elemento teleológico aponta para a justificação social da lei, para as finalidades ou objetivos visados na lei (o “para quê” da lei). Ainda de acordo com Oliveira Ascensão (ob. cit., p. 366), da conjugação dos diversos elementos que devem intervir na interpretação “resulta o sentido, espírito ou razão de ser da lei, que é o elemento decisivo para se fazer a interpretação. Tradicionalmente designa-se este sentido por ratio legis: o art. 9º do Código Civil fala em «pensamento legislativo», em acepção que será, ao menos no essencial, coincidente com esta. (…) Com base nesta ratio se determinará o tratamento a dar à letra. O princípio absoluto é o da preferência do espírito sobre a letra: aqui como noutras ciências vale a afirmação de que a letra mata, o espírito vivifica. (…) A ratio legis será pois o resultante de todos os elementos, mas iluminada por uma pretensão de máxima racionalidade, que permitirá escolher entre possibilidades divergentes de interpretação”. Também Miguel Teixeira de Sousa (Introdução ao Direito, 2016, pp. 367 e 371) aduz que «o elemento teleológico procura encontrar a finalidade que justifica a vigência da lei. O elemento teológico visa responder à pergunta “para que é que serve a lei?”. Este elemento impõe que o intérprete procure descobrir a ratio legis e utilizá-la na determinação do espírito da lei». (…) «[O elemento teleológico] é também o elemento da interpretação que menos provém do sistema e que mais apela ao intérprete, pois que lhe permite utilizar valores éticos, políticos ou económicos na procura da optimização do princípio que subjaz à lei que interpreta».

Ora, e como se aponta no acórdão recorrido (e o mesmo já sucedia na decisão da 1ª instância), a ratio do nº 6 do art. 17º-G do CIRE é impedir que os credores fiquem sucessivamente impossibilitados de exercer os seus direitos, atento o estabelecido nos nºs 1 e 6 do art. 17º-E. Sobre isto escrevem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis (ob. cit., p. 168), e somos do mesmo parecer, que “O objectivo da norma é claro. Impedir que o PER e os efeitos a ele associados (nomeadamente ao nível da limitação e da compressão dos direitos dos credores sobre o devedor) sejam instrumentalizados e abusados. (…) Ora, se o recurso ao PER não fosse limitado, o devedor poderia, em conluio com um credor, apresentar sucessivos processos especiais de revitalização e dessa forma impedindo que os credores exercessem os seus direitos contra si”.

Sucede que esta ratio tanto vale para as hipóteses previstas no art. 17º-G, como para as hipóteses em que se chegou à aprovação de um plano de recuperação mas que deixou de ser homologado pelo tribunal. Aliás, e para sermos até mais exatos, há até mais razão para impedir um novo recurso imediato ao PER naquelas situações em que o tribunal, fazendo incidir o seu criticismo apreciativo sobre o plano, conclui que este está eivado de ilegalidade, do que naquelas outras situações em que não chegou sequer a haver plano aprovado. Na realidade, não é a aprovação ou não aprovação de um plano que faz a diferença, e neste particular discordamos totalmente da Recorrente.

Assim sendo, como nos parece que é, então é de concluir que a letra da lei não está em harmonia com o seu espírito e finalidades. O legislador visou significar uma coisa, mas a forma como se exprimiu não o revela expressamente (o sentido ultrapassa o que resulta estritamente da letra). Esta falta de coincidência implica aqui uma interpretação extensiva do nº 6 do art. 17º-G, de modo a que este normativo deve ser havido como aplicável também às hipóteses (art. 17º-F) em que chegou a ser aprovado plano de recuperação.

Concordamos assim com a decisão recorrida, e daqui que o presente PER (que constitui, pelo menos, o terceiro que a ora Recorrente suscita sucessivamente), promovido sem que tivessem decorrido dois anos sobre o termo do anterior não é legalmente admissível.

E dizemos que o presente PER foi promovido (28 de Outubro de 2016) sem que tivessem decorrido dois anos sobre o termo do anterior, na medida em que tal termo teve lugar em 5 de Janeiro de 2016, data em que passou em julgado a sentença (de 2 de Julho de 2014) que (no âmbito do processo nº 926/13.1TBFUN) recusou a homologação do plano que fora aprovado. A circunstância de nesse processo nº 926/13.1TBFUN ter sido proferido despacho de encerramento em 16 de Outubro de 2014 (publicitado em 21 de Outubro de 2014) não tem, contra o que sustenta a ora Recorrente, a mínima implicação para o caso. Pois como bem se aponta na decisão da 1ª instância, que, por sua vez, transcreve o que se mostra escrito, em caso paralelo (e em que, por sinal, a devedora era precisamente a ora Recorrente) no supra citado acórdão da Relação de Lisboa (acórdão de 8 de Março de 2016, processo nº 4962/15.5T8FNC.L1-7), «Na verdade, tendo o dito processo especial de revitalização nº 926/13.1TBFUN respeitante à aqui requerente entrado em juízo em 27.2.2013, foi no mesmo proferida decisão em 16.10.2014 que declarou “encerrado o presente processo nos termos do art. 17º-G nº 2 do CIRE, com a extinção de todos os seus efeitos”. Sucede, porém, que a referida decisão não podia transitar em julgado encontrando-se ainda pendente recurso de decisão anterior que não homologara o plano de revitalização aprovado, independentemente do efeito fixado a tal recurso. Ou seja, não tendo ainda transitado em julgado a decisão de 2.7.2014 que recusara a homologação do plano de revitalização aprovado em assembleia de credores, e enquanto tal não sucedesse, não podia, por imperativo de ordem lógica, considerar-se definitiva a dita decisão de 16.10.2014 que declarou findo aquele processo.» Subscreve-se inteiramente este ponto de vista, que é o legal.

Improcedem pois em toda a linha as conclusões A) (com o sentido que lhe atribui a Recorrente), B) e C) do presente recurso.

Na conclusão D) afirma a Recorrente que a interpretação e aplicação extensiva (a que, erraticamente e incompreensivelmente, chama de “de jure constituendo”, pois que não é disto que se trata) da restrição constante do art. 17º-G, nº 6 do CIRE ao caso concreto implicam a violação do art. 18° da Constituição da República Portuguesa, bem como do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais previsto nos arts. 20° e 268°, nº 4 da mesma Constituição.

Mas não é assim.

Para além do juízo de inconstitucionalidade ter como objeto normas legais e não decisões judiciais (bem que o sentido que estas atribuem à lei não seja irrelevante), o que é certo é que dentro da sua liberdade de ponderação, de modelação e de regulação, o legislador é livre de definir os vetores jurídicos que devem reger para uma qualquer relação que envolva direitos e interesses da vida em sociedade. Nesta medida, o legislador entendeu, como estava pois no seu direito, que o devedor não podia recorrer a novo PER ad libitum, antes teria que aguardar o decurso de dois anos sobre o termo de anterior PER. E o tribunal, ao entender que o processo de interpretação da lei conduz a que tal comando se aplica a um caso como o vertente, não está senão a cumprir o seu desígnio constitucional e legal de administrar a justiça (o que obviamente implica a interpretação da lei e a sua aplicação de acordo com a interpretação que faça) e de dirimir conflitos de interesses (art.s 202º da CRP e 2º da Lei n.º 62/2013 [Lei da Organização do Sistema Judiciário]). Donde, inexiste a apontada inconstitucionalidade.

Improcede pois a conclusão D).

                                                           +

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas da revista.

Sumário:

O disposto no nº 6 do art. 17º-G do CIRE (impedimento de recurso a novo PER pelo prazo de dois anos) aplica-se também, em decorrência da interpretação extensiva que se impõe da lei, à hipótese de em anterior PER ter sido aprovado um plano de recuperação mas que não foi homologado.

                                                           ++

Lisboa, 30 de maio de 2017

José Rainho - Relator

Salreta Pereira

João Camilo

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[1] Consegue-se perceber que nesse caso a devedora e promotora do PER era também a ora Devedora AA, S.A.