Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B094
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
PARTE COMUM
REGRA PROPORCIONAL
Nº do Documento: SJ200502240000942
Data do Acordão: 02/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1028/04
Data: 05/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I. O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio.

II. Se uma "sala do condomínio" e uma "arrecadação geral" do edifício - partes comuns - se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.

III. Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.

IV. Apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas de manutenção e conservação dos elevadores os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma garagem ou um lugar de aparcamento) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condóminos.

V. É possível instituir, por acordo maioritário da assembleia de condóminos, um critério equitativo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes ou equipamentos comuns.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A", na qualidade de administrador do Condomínio do prédio urbano instituído em propriedade horizontal denominado de "Lotes... e... da Quinta das Pedreiras", freguesia do Lumiar, Lisboa, intentou, com data de 24-3-94, acção ordinária contra "B", L.da", com sede na Quinta da Arreinela de Baixo, Vale Mourelos, Cova da Piedade, Almada, solicitando que a Ré fosse condenada a pagar ao Condomínio em causa:

a) - as quotizações condominiais vencidas de Março de 1992 a Março de 1994, para fundo de maneio e extraordinárias, no montante de 3.185.512$70 acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até pagamento, liquidando os vencidos até à propositura da acção no montante de 450.165$00;

b) - uma multa por falta de pagamento à taxa condominialmente estabelecida de 10% sobre o actual débito, no montante de 318.551$20;

c) - as quotizações de condomínio ordinárias e extraordinárias, já determinadas e a determinar em futuras Assembleias Gerais na pendência deste processo, respectivos juros e multas à taxa condominial de 10% sobre o débito vincendo.
Tudo obrigações relativas aos anos de 2001 a 2003.

2. Citada, contestou a Ré, alegando em síntese:
- impugna, por o desconhecer, o critério utilizado pela A. para calcular os montantes que indica, em especial, nas rubricas TLP, EDP e EPAL;
- as fracções "DT", "DU", "DV", e "DX", representando 205% de permilagem, são escritórios com acessos independentes;
- estas fracções não podem servir-se dos ascensores do prédio, não usufruem dos serviços da empregada de limpeza, nem de quaisquer despesas deles decorrentes, o mesmo sucedendo em relação aos serviços do porteiro;
- não devem, pois, comparticipar nas despesas correspondentes, apenas lhes podendo ser imputadas despesas respeitantes à manutenção e conservação dos edifícios, honorários de administração, seguros e manutenção e conservação dos jardins.

3. Replicou a A. observando que a obrigação de comparticipar nas despesas comuns recai sobre os condóminos, tendo esta qualidade os diversos proprietários de fracções autónomas, mas não os simples promitentes compradores.
Rejeitou a alegação de total independência das fracções identificadas por Lojas "A" a "D" e que estas fracções não pudessem utilizar a arrecadação geral, a sala de condóminos, ou os serviços do porteiro e, para esses fins, todos os espaços e equipamentos comuns.

4. Por sentença de 10-7-03, o Mmo Juiz da 10ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção procedente, condenando, em consequência, a Ré a pagar ao A. a quantia de 6.043.472$00, de dívida de condomínio, acrescida de multa no montante de 10% daquela dívida.

5. Inconformada, apelou a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-5-04, julgado parcialmente procedente a apelação - alterando, em consequência a decisão de 1ª instância - no sentido de excluir do âmbito da condenação proferida, na parte respeitante às fracções autónomas "DT", "DU", "DV", e "DX", as despesas de conservação e de fruição dos ascensores e dos espaços comuns existentes na zona habitacional.

6. Irresignada agora a A. com a parte desfavorável de tal aresto, dele veio a A. recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

A. A propriedade horizontal pressupõe a existência de direitos de propriedade sobre fracções autónomas e de um direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns de um dado edifício;

B. O conjunto desses dois direitos é incindível, não podendo ser alienados separadamente nem podendo o condómino renunciar ao direito de compropriedade das partes comuns como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conversação e fruição;

C. Os condóminos, enquanto comproprietários, podem servir-se e usar as partes comuns do edifício desde que respeitem o fim a que as mesmas se destinem e não privem os demais consortes de idêntico direito;

D. A "sala do condomínio" e a "arrecadação geral do edifício" são suas partes comuns e localizam-se no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel, as quais também são suas partes comuns;

E. A recorrida podia e pode servir-se dos invocados espaços condominiais sempre que necessite de os utilizar, tendo para o efeito de se servir incontornavelmente dos ditos meios de circulação vertical do edifício, pelo que, objectivamente, as fracções autónomas "DT", "DU", "DV" e "DX" são servidas pelas referidas partes comuns.

F. Nesta medida, as escadas comuns e os ascensores não servindo exclusivamente algum ou alguns condóminos, antes pelo contrário todas as fracções autónomas do prédio sem excepção, encontram-se objectivamente em condições de dessas partes comuns se servirem, pelo que são inaplicáveis ao caso dos autos os nos 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil.

G. Deste modo, a recorrida, enquanto titular das fracções "DT", "DU", "DV" e "DX", encontra-se legalmente obrigada a comparticipar proporcionalmente ao valor dessas fracções nas despesas de conservação e fruição das escadas comuns e dos ascensores do imóvel dos autos;

H. Ao ter decidido diversamente, a Relação de Lisboa violou o disposto no art°. 1424 n. 1 do Código Civil, devendo, com esse fundamento e nessa parte, ser revogada.
7. Não foram produzidas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar.
9. Em matéria de facto relevante, remete-se para o respectivo elenco tornado assente pela Relação, o que se faz ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 713, aplicável "ex-vi" do art. 726, ambos do CPC.

Direito aplicável.
10. Assente que vem - por ausência de impugnação recursal - a obrigação por banda da Ré, ora recorrida, de contribuir para as despesas com os serviços do porteiro, cinge-se o âmbito da presente revista a saber se a Ré, enquanto condómina titular das fracções "DT", "DU", "DV" e "DX" do prédio dos autos, se encontra ou não obrigada a contribuir para as despesas necessárias à conservação e de fruição dos respectivos ascensores e lanços de escada.

No entender da Ré recorrida - sufragado pela Relação - essas fracções são constituídas por escritórios, que representam 205/1000 de permilagem, e possuem acessos independentes das fracções habitacionais, dado que o acesso aos mesmos se faz através de 2 átrios cobertos.

E porque os escritórios possuem acessos independentes do das fracções habitacionais do prédio, os representantes ou empregados da Ré não necessitam de utilizar os ascensores nem qualquer dos diversos lanços de escadas do prédio, que assim são utilizados exclusivamente pelos condóminos das fracções habitacionais.

E daí a não responsabilização da Ré por tais despesas.
Mas não é assim.
As aludidas "sala do condomínio" e "arrecadação geral" do edifício são suas partes comuns que se localizam no 11° piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel, os quais também são partes comuns do prédio.

E a recorrida - e seus prepostos - poderão, sempre que o entenderem e necessitarem, servir-se dos aludidos espaços condominiais, e sempre que o queiram fazer terão, de modo inevitável, que utilizar esses meios de acesso de circulação vertical de que o edifício comum dispõe.

Hemos assim de concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as fracções em apreço poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.

Na verdade, face ao disposto no n. 3 do art. 1424 do C. Civil, as despesas relativas aos diversos lanços de escada ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum ou alguns dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem ", sendo que, nos termos do nº 4 da mesma disposição, "nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas ".

Destinação, fruição ou afectação necessariamente exclusivas, pois, versus a possibilidade ou susceptibilidade da sua utilização comum; na primeira hipótese, as despesas deverão ser custeadas apenas pelos condóminos efectiva e exclusivamente utilizadores, na segunda por todos os condóminos que queiram e possam (para sua conveniência ou comodidade ) utilizar as partes ou os equipamentos comuns.

Como exemplo de despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos e que por isso ficam a seu exclusivo cargo temos as escadas que dão apenas acesso a uma fracção na cave ou a uma fracção situada no último piso; porém, mesmo neste caso, se mais algum dos condóminos beneficiar desse acessos, já os encargos respectivos deverão ser repartidos de harmonia com o critério do valor das respectivas fracções (permilagem).

Escreve Aragão Seia, in " Propriedade Horizontal", 2ª ed., 202, pág 129: " se no último piso houver um terraço de uso comum ou na cave existirem arrumos de todos os condóminos, ao lado de fracções utilizadas individualmente, todos os condóminos terão que suportar os encargos com as escadas que lhe dão acesso, embora as utilizem esporadicamente". E acrescenta: "não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio, qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes, só porque delas se não quer servir" (sic).

E claro é que a assembleia de condóminos sempre poderá deliberar a adopção de um critério equitativo/proporcional em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes comuns, como por exemplo dos diversos lanços das escadas comuns de acesso aos andares superiores.

Também quanto aos ascensores, apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma garagem ou um lugar de aparcamentro) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condóminos. Também aqui é possível a instituição, por acordo majoritário, de um critério de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade do valor das respectivas fracções, quiçá tendo em consideração a utilização diminuta dada por algum ou alguns dos condóminos aos elevadores do prédio.

A este respeito e a propósito das dificuldades de aplicação do critério do "ei cui interest", consideram Pires de Lima e Antunes Varela, in " Código Civil Anotado ", vol. III, 2ª ed, pág 432: «o que conta para a nossa lei é a destinação objectiva das coisas comuns - é o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem ) as respectivas fracções e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio " (sic).

Volvendo ao caso "sub-specie", torna-se patente que as escadas comuns e os ascensores não servem exclusivamente algum ou alguns condóminos, antes podendo servir (também) todas as fracções autónomas do prédio sem excepção, pelo que se encontram objectivamente em condições de afectação ao uso comunitário dos condóminos.

Para que a Ré tenha acesso à habitação do porteiro ao nível da galeria, à arrecadação geral e à sala de condóminos, têm os seus representantes ou empregados (prespostos) de penetrar no próprio acesso do edifício através das suas escadas interiores. Tudo sendo certo que a sala de condóminos é um espaço de utilização colectiva, destinado a acolher o condomínio e que a arrecadação geral - e geral logicamente porque afecta ao uso colectivo ou comum - é um espaço comum localizado no 11° piso.

Como assim, a recorrida, como titular das fracções autónomas "DT", "DU", "DV", e "DX", estava e está obrigada a contribuir proporcionalmente para as despesas de fruição e conservação, quer dos ascensores, quer dos espaços comuns existentes na zona habitacional (nestas incluídas os lanços de escadas comuns) de acesso a esses espaços.

11. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- conceder a revista;
- revogar o acórdão recorrido na parte em que alterou a decisão de 1ª instância;
- manter, na íntegra, a sentença condenatória de 1ª instância.
Custas pela Ré recorrida no Supremo e nas instâncias.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos,
Duarte Soares.