Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025246
Nº Convencional: JSTJ00008500
Relator: MIRANDA MONTEIRO
Descritores: JURAMENTO
PROCESSO DE TRANSGRESSÃO
PROCESSO PENAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194107150252463
Data do Acordão: 07/15/1941
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 24-07-1941; BOMJ ANO1,397
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1941
Área Temática: DIR PROC PENAL.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: DL DE 1910/10/18 ARTIGO 3.
CPP29 ARTIGO 1 PARUNICO ARTIGO 96 ARTIGO 97 ARTIGO 489 ARTIGO 669.
CPC39 ARTIGO 576.
D 16489 DE 1929/02/15.
Sumário :
A formula do juramento estabelecida no artigo 576 do Codigo de Processo Civil não e aplicavel em processo penal.
Decisão Texto Integral: Acordão, em conferencia, os do Conselho no Supremo Tribunal de Justiça, recorrido em tribunal pleno:

Mostra-se que na audiencia de julgamento de uma transgressão de caça, a que se procedeu no juizo de Estremoz, o juiz respectivo deu inteiro cumprimento ao disposto do artigo 576 do Codigo de Processo Civil, mas o Ministerio Publico, não se conformando, arguiu a nulidade, por entender que tal disposição não era aplicavel em materia penal. E porque o juiz desatendeu a sua reclamação, logo foi interposto recurso do despacho para a Relação, tendo o douto Procurador da Republica patrocinado a minuta do seu delegado.


A Relação, pelo acordão de folhas 35 e seguintes, entendeu que a lei criara uma formula de juramento nova, que obriga os tribunais a deferir o juramento religioso, e so por manifesto desejo de quem depõe pode ser substituido pelo chamado compromisso de honra. Sustenta que esta obrigatoriedade e omissa no Codigo de Processo Penal, e por isso e de aplicar subsidiariamente a citada disposição do Codigo de Processo Civil.
A intenção do legislador não podia ser no sentido de subtrair o processo penal aquele preceito, que de outro modo não teria justificação possivel, sabendo-se, de mais a mais, que esse preceito visou a dar satisfação a consciencia catolica dos cidadãos que adoptam esta religião, e constituem, dentro do Pais, inquestionavelmente, a grande maioria.


O douto Procurador da Republica usou da faculdade que lhe confere o artigo 669 do Codigo de Processo Penal e recorreu extraordinariamente daquela parte do referido acordão, visto haver oposição entre ela e um outro constante de outro processo contra A versando ambos o mesmo ponto de direito, como transparece da certidão junta a folhas 44.
Ouvido sobre o assunto o alto e dignissimo representante do Ministerio Publico ante este Supremo Tribunal, respondeu a folhas 53, sustentando que o artigo 576 do Codigo de Processo Civil constitui uma disposição generica, que deve aplicar-se aos proprios processos criminais, sob pena de ver-se traida a intenção do legislador, que visou o restabelecimento do juramento com caracter religioso em todos os tribunais.


Tendo sido abolido o juramento com caracter religioso pelo decreto com força de lei de 18 de Outubro de 1910, esta abolição prevaleceu por largo tempo, mesmo apos o decreto n. 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, que aprovou o Codigo de Processo Penal; por isso e que neste Codigo se não encontra qualquer disposição que contenha, mais ou menos claramente, a velha formula do juramento religioso.


Quanto a semelhante formula, tal Codigo permaneceu omisso. E dispondo ele no artigo 1, paragrafo unico, que nos casos omissos, quando as suas disposições não possam aplicar-se por analogia, se observem as regras do processo civil, e dever aplicar-se, em materia de juramentos, o que se acha preceituado no artigo 576 do actual Codigo de Processo Civil, como resolveu a Relação no acordão recorrido, que, portanto, deve ser inteiramente confirmado. E para arrumar de vez o assunto propunha que este Supremo Tribunal, em sessão plena, lavrasse o seguinte assento:
"O disposto no artigo 576 do Codigo de Processo Civil em vigor tem aplicação tanto nos processos penais, como em quaisquer outros em que a formalidade do juramento seja exigida por lei".


Tudo, pois, visto, ponderado e discutido em conferencia:


Considerando que, em verdade, no Codigo de Processo Penal não se encontra nenhum preceito que, de perto ou de longe, se aproxime do que se acha estabelecido no artigo 576 do actual Codigo de Processo Civil;
Considerando que, não obstante, não pode afirmar-se que o Codigo de Processo Penal seja omisso quanto a formula que substituiu o juramento religioso, adoptado nos tribunais ate que o decreto de 18 de Outubro de 1910, artigo 3, o aboliu, como se ve dos artigos 96 e paragrafos, 97 e 489 do mencionado Codigo;


Considerando que, sendo assim, não e licito invocar aquele artigo 576 do Codigo de Processo Civil como disposição subsidiaria, nos termos do paragrafo unico do artigo 1 do sobredito Codigo;


Considerando que aos juizes não e permitido alterar ou modificar as leis, porque isso constitue função do Poder Legislativo, e, no dizer do velho Montesquieu, a divisão ou delimitação dos poderes politicos do Estado constitue a melhor salvaguarda das liberdades individuais, tão necessarias ao bem comum (Esp. das leis, liv. XI, capitulo VI);
Por todos estes fundamentos acordamos, em tribunal pleno, em que seja revogado o acordão recorrido e que seja formulado, para os devidos efeitos, o seguinte assento:


"A formula do juramento estabelecida no artigo 576 do Codigo de Processo Civil não e aplicavel em processo penal".


Lisboa, 15 de Julho de 1941

Flores - Miranda Monteiro - Mourisca - Teixeira Direito -
- Heitor Martins - Vasco Borges - Luiz Osorio - Magalhães Barros - Ribeiro Castanho - Avelino Leite - Adolfo Coutinho - M. Pimentel - Mendonça - Miguel Crespo.