Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10160/08.7TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
SOLOS
CLASSIFICAÇÃO
APTIDÃO CONSTRUTIVA
PDM
AVALIAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO ADMINISTRATIVO – CONTEÚDO DA INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES/1991: - ARTIGOS 24.º, N.º 5, 26.º, N.º 2
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES/1999: - ARTIGO 26.º, N.º 12
REGIME JURÍDICO DOS LOTEAMENTOS URBANOS, APROVADO PELO DL N.º 448/91, DE 15-03: - ARTIGO 5.º.
Sumário :
I. Para efeitos de avaliação expropriativa, ao abrigo do Cód. das Expropriações de 1991, não poderiam ser avaliados como “solos aptos para construção” aqueles que, nos termos do art. 24º, nº 5, não pudessem ser utilizados para construção, de acordo com lei ou regulamento, sem embargo do regime que estava previsto no art. 26º, nº 2, relativo a solos que estivessem destinados a “espaços verdes” ou “zona de lazer” pelo respectivo PDM.

II. O PDM de Vila Nova de Gaia que vigorava em 1997 continha uma disposição especial relativamente aos solos integrados em “área urbana de transformação condicionada” definida pelo art. 35º, nos quais a construção estava submetida ao condicionalismo previsto nos arts. 36º e 37º.

III. Considerando que o prédio expropriado em 1997 tinha uma área inferior a 5.000 m2, a sua potencialidade edificativa estava limitada ao que porventura resultasse de operação de destaque com a área mínima de 1.000 m2 (art. 36º) e da edificação de instalações de apoio às actividades agrícolas devidamente justificadas e não destinadas a habitação (art. 37º).

IV. Neste contexto legal e regulamentar, considerando que o prédio foi expropriado com o objectivo de implantação de uma via de comunicação, é inviável qualificá-lo como “solo apto para construção”, devendo ser avaliado de acordo com a qualificação de “solo para outros fins”.

V. Para o efeito, não interfere o facto de, à data da DUP, o prédio já confinar com vias públicas infra-estruturadas ou de na sua envolvente existirem outras construções, factores insuficientes para ultrapassar o condicionalismo para a construção, nos termos do PDM.

VI. Pelo facto de o prédio expropriado se destinar à implantação de uma via pública nem sequer é possível avaliá-lo de acordo com o critério intermédio que estava previsto no art. 26º, nº 2, do Cód. das Exp. de 1991 aplicável apenas a solos que segundo o PDM fossem destinados a “espaços verdes” ou “zona de lazer”.

Decisão Texto Integral:
I - No âmbito do processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. (agora, Infra-Estruturas de Portugal, S.A.) e expropriada AA, foi realizada a arbitragem, tendo sido interposto recurso por parte da Expropriante para o tribunal de 1ª instância.

Após peritagem e outras diligências, o tribunal judicial proferiu sentença fixando a indemnização em € 551.762,50, actualizada, a partir da data de declaração de utilidade pública (30-9-97) até 4-6-10 e, a partir desta última data e até ao trânsito em julgado. Para o efeito, classificado o prédio como “solo apto para construção”.

Dessa sentença recorreu a Expropriante, tendo a Relação alterado o valor da indemnização para € 141.920,47, considerando que o prédio deveria ser avaliado como “solo para outros fins” e não como “solo apto para construção”.

Do acórdão da Relação a Expropriada veio interpor recurso de revista, invocando uma contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação do Porto sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC.

Cumpre apreciar em primeiro lugar a existência da alegada contradição, passo essencial para que possa ser apreciada a presente revista.


II – A declaração de expropriação do prédio dos autos data de 16-10-97, quando ainda estava em vigor o Cód. das Expropriações de 1991.

Para efeitos de classificação do prédio como “solo para outros fins” considerou-se no acórdão recorrido que segundo o Plano Director Municipal de Vila Nova de Gaia de 1994 que na ocasião vigorava estava integrado em “área não urbana de transformação condicionada”. Observou-se ainda o que dispunha o art. 35º desse PDM, nos termos do qual tal qualificação abarcava “as áreas delimitadas na Planta de Ordenamento e designadas por NÃO URBANAS E NÃO URBANIZÁVEIS que correspondem na generalidade a áreas agrícolas não classificadas ou a áreas com uso florestal, sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola e em relação às quais não há a previsão de redes municipais de infra-estruturas”. Assim, as construções admissíveis eram apenas as previstas nos arts. 36º e 37º.

Mas uma vez que o prédio tinha a área de 4.625 m2 (inferior a 5.000 m2, área mínima para, segundo o art. 36º do referido PDM, ser permitida construção unifamiliar de apoio a actividade agrícola), considerou-se que, em face do art. 26º do Cód. de Exp. 1991, o prédio apenas poderia ser avaliado como “solo para outros fins”. Foi ainda ponderado o que se dispunha no art. 24º, nº 5, nos termos do qual, “para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado para construção”. Por outro lado, considerou-se que não era possível aplicar a norma do art. 26º, nº 12, do Cód. das Exp. de 1999, porque este diploma não regia para a concreta expropriação cuja DUP foi publicada quando ainda vigorava o Cód. das Exp. de 1991, sendo que jamais poderia aplicar-se esse preceito ou mesmo o art. 26º, nº 2, do Cód. de 1991, uma vez que o prédio expropriado não estava destinado pelo PDM nem a “zona de lazer”, nem a “espaços verdes”.

Para sustentar o recurso foi invocado como fundamento um acórdão da Relação do Porto que incidiu sobre uma DUP publicada em 8-8-03, altura em que já estava em vigor o Cód. das Exp. de 1999 e não o Cód. de Exp. 1991.

A ausência neste Cód. de 1999 de um preceito como o do art. 24º, nº 5, do Cód. de Exp. de 1991, permitiu que se qualificasse o prédio como “solo apto para a construção” com base numa argumentação que atribuiu relevo à “potencialidade edificativa”.

Esta potencialidade edificativa foi afirmada relativamente a metade do prédio que estava integrado em Zona RAN e Zona REN (numa solução que, agora, se defrontaria com a doutrina oposta firmada no AUJ nº 6/17, nos termos do qual “a indemnização devida pela expropriação de terreno rústico integrado na Reserva Ecológica Nacional e destinado por plano municipal de ordenamento do território a «espaço-canal» para a construção de infra-estrutura rodoviária é fixada de acordo com o critério definido pelo art. 27º do Cód. das Expropriações, destinado a solos para outros fins, e não segundo o critério previsto no art. 26º, nº 12”). Considerou-se ainda no acórdão fundamento que, relativamente à outra metade, a potencialidade construtiva não era impedida pelo facto de corresponder, segundo o mesmo PDM de Vila Nova de Gaia, a uma “Área não Urbana de Transformação Condicionada”. Para este efeito assinalou-se precisamente que o Cód. de 1999 “não dispõe de norma idêntica à prevista no art. 24º, nº 5, do Cód. de 1991”, o que, na tese do aresto, permitiu valorizar a referida potencialidade construtiva.

Argumentou-se também com o facto de o prédio dispor de “rede de abastecimento de energia eléctrica, de água e saneamento e de acesso rodoviário, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir. Por outro lado, insere-se em aglomerado urbano existente”. E referiu-se que “a possibilidade de afectar o prédio à construção não constitui uma simples possibilidade abstracta, porque o próprio PDM integra parte do prédio em Zona de Área não Urbana de Transformação Condicionada – afecta à construção da via que justifica o processo de expropriação”.

Ademais, considerou-se que “a própria lei, nas condicionantes que estabelece, ao permitir a construção, por destaque, numa área de 1.000 m2, cria expectativas legítimas ao proprietário no sentido de ser possível a construção naquele local”.

Com essa argumentação e ainda com apelo aos princípios constitucionais, concluiu-se no acórdão fundamento que “a parcela expropriada deve ser classificada como solo apto para a construção”.


III – A admissibilidade especial do recurso de revista em sede de processo de expropriações salvaguardada pelo art. 66º, nº 5, do actual Cód. das Exp., em conjugação com o art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, está condicionada pela verificação de uma contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão das Relações, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.

A síntese que fizemos da fundamentação de ambos os arestos em confronto deixa claro que no acórdão recorrido se afastou qualquer potencialidade construtiva, tendo em conta o disposto no PDM de Vila Nova de Gaia que na ocasião vigorava. E nem o facto de lá existir actualmente um pavilhão desportivo interferiu nessa conclusão, considerando que tal construção é posterior à data da DUP e, além disso, está em contradição com o disposto no aludido PDM.

Já no acórdão fundamento considerou-se que a potencialidade construtiva, apesar de o terreno estar incluído, segundo o referido PDM, em “Área não Urbana de Transformação Condicionada”, resultava do facto de a expropriação se destinar à construção de uma via de circulação e de, além disso, ser sempre susceptível de operação de destaque. Considerou-se ainda que o prédio em causa deveria ser equiparado aos terrenos que no PDM estão afectos a espaços verdes ou zona de lazer ou para instalação e infra-estruturas e equipamentos públicos.

Ou seja, embora partindo de um mesmo diploma regulamentar, como é o PDM de Vila Nova de Gaia, num caso afastou-se a qualificação do terreno como solo apto para construção, ao passo que no outro se concluiu em sentido inverso, com base na afirmação de uma potencialidade construtiva justificada pela integração do prédio em aglomerado urbano, pelo facto de se destinar à implantação de uma via pública, de ser admissível uma operação de destaque e de, ao menos, dever estabelecer-se a equiparação a solos para espaços verdes ou zona de lazer.

Posto que a aplicação do mesmo PDM deva ser conjugada num caso com o Cód. de Exp. de 1991 e no outro caso com o Cód. de 1999 e apesar de tais diplomas divergirem em diversos aspectos, não deixa de se verificar uma contradição jurisprudencial relevante, na medida em que os arestos em confronto extraem conclusões diversas da aplicação do mesmo PDM a respeito da amplitude da edificabilidade que se mostrou decisiva num e noutro caso.

É, pois, dentro deste quadro que incidiremos sobre o mérito da revista.


IV - Matéria de facto provada:

1. Por Despacho nº 9326-A/97, publicado no D.R. II Série, de 16-10-97, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessárias à construção do lanço do IC 1 – Miramar – nó de Coimbrões/1ª fase – nó da Madalena, abarcando-se, além do mais, as seguintes parcelas: Parcela nº 46, uma parcela de terreno com a área de 2.995 m2, que fica a confrontar a norte com Via 12, a sul com estrada, a nascente com EN 109 e a poente com estrada; e Parcela nº 46-A, sobrante com área de 1.630 m2.

2. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica em nome da Expropriada o prédio identificado pelo art. 1…9º, sito em … e confrontando a norte com a Via 12 (VL3), a sul com estrada (largo da Ilha), a nascente com EN 109 e a poente com estrada (R. da …), com área total de 0,4625 ha.

3. Encontra-se inscrito na 1ª CRP de Vila Nova de Gaia sob o nº 7…6/1…3 o prédio urbano composto de casa com dois pavimentos, dependência e logradouro a confrontar a norte com caminho público, do sul com BB, a nascente com R. da … e a poente com EN 109.

4. Por escritura de compra e venda datada de 17-11-1967 a expropriada adquiriu o prédio referido em 2.

5. A área total da parcela expropriada ascende a 4.625 m2, apresentando forma trapezoidal e quase rectangular e encontra-se parcialmente ocupada com um pavilhão gimnodesportivo construído em perfis de ferro, com cobertura em chapa e uma outra construção anexa com frente para o Largo da Ilha, construído pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e inaugurado em 24-4-04.

6. A parcela encontra-se situada junto a um núcleo urbano consolidado, com muitos anos, e nas zonas envolventes existem construções de rés-do-chão e dois e três pisos, tal como alguns armazéns e espaços de venda e exposição; os arruamentos que marginam a parcela possuem pavimentação em calçada e betuminoso, dispondo adjacentemente de rede de abastecimento de água, de distribuição de energia eléctrica, rede de drenagem de águas pluviais e de saneamento.

7. O prédio onde se insere a parcela tem frente com acesso para a estrada nacional nº 109, R. da …, …. e VL 12, que estão pavimentadas e dispõem de infra-estruturas urbanas.

8. O prédio donde as parcelas se destacam está inserido em área urbana de edificabilidade intensiva, sendo a construção dominante ao longo da EN nº 109 constituída por prédios multifamiliares e de moradias, construções típicas desta zona de Vila Nova de Gaia, face à sua proximidade relativa à orla marítima.

9. A parcela localiza-se próximo do nó da A1 – saída para Espinho, dispondo de excelentes acessos e óptimas ligações para Norte e Sul.

10. De acordo com o Plano Director Municipal de Vila Nova de Gaia, o terreno da parcela situa-se em “área não urbana de transformação condicionada”.

11. A qualidade ambiental da zona envolvente da parcela é acima do razoável.


V – Decidindo:

1. Importa dilucidar, dentro dos limites do recurso de revista admitido ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, qual a qualificação jurídica do prédio expropriado, segundo o que estava previsto no Cód. das Exp. de 1991, aplicável ao caso, uma vez que se trata de uma expropriação declarada em 1997. Para tal estão abertas apenas duas possibilidades: “solo apto para construção” ou “solo para outros fins”. Importa apreciar ainda se o facto de o prédio estar enquadrado no PDM em “área não urbana de transformação condicionada” permite a aplicação do art. 26º, nº 12, do Cód. de Exp. de 1999, semelhante, mas não inteiramente coincidente, com a norma do art. 26º, nº 2, do Cód. Exp. de 1991, relativo a solos classificados como espaços verdes ou zona de lazer por PDM.


2. O acórdão recorrido negou à expropriada a qualificação que esta advogava para o prédio, a qual foi, no entanto, sustentada pelos árbitros, pelos peritos designados pelo tribunal judicial e pela sentença de 1ª instância. Trata-se, contudo, de matéria de direito cuja resposta não é vinculativa.

Os autos revelam a realização de uma série de diligências que foram feitas junto dos peritos e também junto do Município de Vila Nova de Gaia com vista a determinar a efectiva possibilidade de uso do prédio para construção, mas os resultados que foram trazidos ao processo sempre se mostraram indefinidos, de tal modo que, na ausência de outros elementos, não pode ir-se além daquilo que emerge do direito aplicável ao caso.

Para este efeito é importante evidenciar diversos aspectos:

a) Sendo a DUP de 1997, a qualificação jurídica do prédio e a quantificação da indemnização expropriativa deve fazer-se unicamente através da aplicação do Cód. de Exp. de 1991, em conjugação com o PDM de Vila Nova de Gaia de 1994;

b) Correspondentemente não importa para o efeito ponderar a construção do pavilhão desportivo e o edifício de apoio que agora se encontram erigidos numa parte do prédio, o que ocorreu em 2004, já depois da DUP, sendo que as circunstâncias que podem relevar são unicamente aquelas que se verificavam na data da DUP, quer no que respeita às características do prédio, quer à sua envolvente; pelos mesmos motivos não teremos de ponderar também outras edificações que noutros prédios tenham sido erigidas depois da mesma DUP de 1997;

c) A indemnização expropriativa deve fazer-se de acordo com o que resultar de disposições legais e regulamentares aplicáveis, não sofrendo interferência de outras circunstâncias externas e muito menos de modificações legais ou circunstanciais que tenham ocorrido depois da DUP;

d) O facto de os peritos e os árbitros terem sempre apontado ao prédio a qualificação de solo apto para construção não é decisivo, pois aos peritos e aos árbitros são pedidos essencialmente elementos de ordem técnica relacionados com a avaliação de prédios; a qualificação jurídica constitui matéria de direito que deve resultar da integração dos factos apurados nas normas jurídicas aplicáveis.


3. No caso concreto, apresenta-se-nos um prédio (entretanto já sujeito a modificações próprias e na envolvente) que apresentava na altura da DUP as seguintes características:

- Tinha a área de 4.625 m2, apresentando forma trapezoidal e quase rectangular, estando situado junto a um núcleo urbano consolidado, com muitos anos, e nas zonas envolventes existiam construções de rés-do-chão e dois e três pisos, tal como alguns armazéns e espaços de venda e exposição; os arruamentos que marginavam a parcela possuíam pavimentação em calçada e betuminoso, dispondo adjacentemente de rede de abastecimento de água, de distribuição de energia eléctrica, rede de drenagem de águas pluviais e de saneamento;

- Tinha frente com acesso para a EN nº 109, R. da …, …. e VL 12, que estavam pavimentadas e dispunham de infra-estruturas urbanas;

- O prédio estava inserido em área urbana de edificabilidade intensiva, sendo a construção dominante ao longo da EN nº 109 constituída por prédios multifamiliares e de moradias, construções típicas desta zona de Vila Nova de Gaia, face à sua proximidade relativa à orla marítima;

- Localizava-se próximo do nó da A1- saída para Espinho, dispondo de excelentes acessos e óptimas ligações para Norte e Sul;

- De acordo com o Plano Director Municipal de Vila Nova de Gaia, o terreno da parcela situava-se em “área não urbana de transformação condicionada”;

- A qualidade ambiental da zona envolvente da parcela era acima do razoável.


4. Pese embora as referidas características, não pode ser confirmada a qualificação jurídica do prédio como “solo apto para construção”.

Essa qualificação foi assumida logo na vistoria ad perpetuam rei memoriam, de 26-1-98 (fls. 50 a 52), em cujo relatório se refere que “as parcelas são aptas para a construção”. Mas logo aí essa conclusão desconsiderou as condicionantes de ordem regulamentar que existiam e que decorriam do PDM de Vila Nova de Gaia de 1994.

Tal juízo terá sido influenciado pelo facto de que, como se refere, “o acesso directo é possível pela IC1 (EN 109), pela R. da …, pelo largo …. e pela VL3”, “as parcelas encontram-se situadas junto a um núcleo urbano consolidada”, na “zona envolvente há construções de r/c de dois e três andares” e ainda que “estão localizadas em zonas com arruamentos infra-estruturados, com pavimentação e calçada em betuminoso, dispondo adjacentemente de rede de abastecimento de água, de distribuição de energia eléctrica, rede de drenagem de águas pluviais e saneamento”.

Porém, ao invés do que faz supor um tal juízo conclusivo que, depois, foi replicado na decisão arbitral, a aptidão para a construção não prescinde jamais dos instrumentos jurídicos de cariz urbanístico aplicáveis a cada caso. Em potência, todo o solo pode ser apto para construção: basta que alguém se proponha construir e que a construção seja licenciada pelas autoridades competentes. Mas não é a essa potencialidade edificativa abstracta que deve atender-se, antes à que resultar da integração em alguma das previsões do art. 24º do Cód. de Exp. de 1991, conjugada com os instrumentos urbanísticos vigentes na data da DUP.

O caso concreto revela algumas das características que seriam compatíveis com essa qualificação jurídica, não se desse o caso de vigorar então o PDM de Vila Nova de Gaia que constituía o instrumento jurídico essencial para aquele efeito, o qual não pode ser dissociado do que prescrevia então o art. 24º, nº 5, do Cód. de 1991: “para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.

Não parece curial que, como constava já da decisão arbitral, se aceite a qualificação do prédio como solo apto para construção só porque “estava inserido em área urbana de edificabilidade intensiva” (fls. 13), ignorando por completo o que resultava do PDM que, como a designação o indica, constitui o instrumento pelo qual se devem orientar tanto os particulares como as entidades públicas quando se trata de propor ou de apreciar projectos de construção ou, como ocorre agora, quando se trata de formular uma qualificação do solo para efeitos de avaliação expropriativa.

De igual modo, não pode aceitar-se semelhante conclusão que foi exposta na sentença do tribunal judicial que, embora com fundamentação mais sofisticada, superou também a condicionante objectiva decorrente do facto de o prédio se encontrar situado, segundo o PDM, em “área urbana de transformação condicionada”, com a argumentação de que tal qualificação nem sequer pode ser negada relativamente a solos situados em área REN ou área RAN, desde que sejam destinados a construção de uma via de comunicação.

Uma tal qualificação (relativamente a solos integrados em áreas destinadas a espaços verdes e zonas de lazer ou para infra-estruturas ou equipamentos públicos) apenas foi judicialmente afirmada, com ponderação dos princípios constitucionais da igualdade ou da justa indemnização, em casos dissemelhantes do presente em que a expropriação por utilidade pública visava a construção de edificações (escolas, bairros sociais, etc.).

Ora, tal não ocorre no caso concreto. O solo em causa não estava destinado, segundo o PDM, a zona de lazer ou espaços verdes, nem sequer para equipamentos ou infra-estruturas públicas (que apenas o Cód. de 1999 veio prever, com a redacção que tem o seu art. 26º, nº 12), antes estava integrado numa zona qualificada como “área urbana de transformação condicionada”, ou seja, numa área cujo destino ainda estava indefinido. Ademais, destinou-se efectivamente à implantação de uma via de comunicação, o que não encontra qualquer semelhança com o destino de construção que seria suposto naquela qualificação jurídica.

Como se disse, o concreto prédio (diferenciado de outros que estão nas imediações e nos quais até poderia haver algumas construções à data da DUP) estava integrado, segundo o PDM, numa “área não urbana de transformação condicionada” que, nos termos do art. 35º desse PDM, abarcava “as áreas delimitadas na Planta de Ordenamento e designadas por NÃO URBANAS E NÃO URBANIZÁVEIS que correspondem na generalidade a áreas agrícolas não classificadas ou a áreas com uso florestal, sem implantação legal de construções de qualquer tipo para além das de apoio agrícola e em relação às quais não há a previsão de redes municipais de infra-estruturas”.

Neste contexto, não vemos como possa avançar-se para uma classificação como “solo apto para construção”, quando se constata que o instrumento urbanístico essencial nega a possibilidade dessa utilização em tais áreas que são assumidamente consideradas pelo mesmo art. 35º do PDM “não urbanas e não urbanizáveis”.


5. É certo que, relativamente a tais áreas, não havia uma proibição absoluta de qualquer construção (como ocorre por exemplo com as zonas REN), mas esta obedecia a parâmetros muito rigorosos que reforçam a recusa daquela qualificação.

No Preâmbulo do PDM diz-se:

Finalmente restam importantes áreas não urbanas onde não se admite por princípio qualquer edificabilidade, excepto as de apoio agrícola ou isolada (em relação às quais se exigem áreas mínimas de lotes ou parcelas constituídas). No entanto, quando surjam iniciativas de manifesto interesse municipal ou para programas especiais cujas exigências funcionais não se enquadrem nas áreas urbanas, o Município terá a faculdade de as autorizar, garantidos que estejam um conjunto de condicionalismos bem definidos, razão pela qual se designaram de Áreas não Urbanas de Transformação Condicionada”. E no art. 36º prescreve-se que “não são permitidos nesta área quaisquer loteamentos nos termos do regime legal aplicável”, sendo excepcionada apenas a possibilidade de “destaques de parcelas regulados pelo disposto no regime de loteamentos urbanos, sendo a área mínima da parcela a destacar a mesma aplicável para a criação de lotes nas Zonas de Transição, ou seja, de 1.000 m2”.

Remetendo esta disposição regulamentar para a legislação sobre loteamentos urbanos, importava considerar na altura da DUP o que então se dispunha no art. 5º do Dec. Lei nº 448/91, de 15-3, sob a epígrafe de “Destaque”:

1 - Nos aglomerados urbanos e nas áreas urbanas, os actos que tenham como efeito o destaque de uma única parcela de prédio inscrito ou participado na matriz são dispensados do regime de licenciamento previsto no presente diploma, desde que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Do destaque não resultem mais de duas parcelas que confrontem com arruamentos públicos;

b) A construção a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado pela câmara municipal.

2 - Nas áreas situadas fora dos aglomerados urbanos e das áreas urbanas, os actos a que se refere o número anterior são dispensados do licenciamento previsto no presente diploma, desde que sejam cumpridas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos;

b) Na parcela restante se observe a área da unidade de cultura fixada pela lei geral para as respectivas regiões.

3 - Não é permitido efectuar, na área correspondente ao prédio originário e no prazo de 10 anos, mais do que o destaque de uma parcela.

4 - O condicionamento da construção, bem como o ónus do não fraccionamento, previstos nos nºs 2 e 3, devem ser inscritos no registo predial sobre as parcelas resultantes do destaque, sem o que não pode ser licenciada qualquer edificação nessas parcelas.

5 - Havendo plano de urbanização ou plano de pormenor, o destaque do qual não resultem mais de duas parcelas ficará dispensado do regime de licenciamento previsto no presente diploma, obedecendo unicamente às condições previstas no plano, sendo documento bastante para fazer prova do facto, para efeitos de registo predial, certidão emitida pela câmara municipal”.

Para completar o acervo de normas que essencialmente interessam para o caso, cabe ainda referir o art. 37º do PDM, nos termos do qual, tratando-se de prédio com área inferior a 5.000 m2, apenas eram de admitir “instalações de apoio às actividades agrícolas do prédio, desde que devidamente justificadas e não se destinem a habitação”.


6. Como se disse, a qualificação como “solo apto a construção” não pode ser feita de modo abstracto, antes considerando a regulamentação urbanística aplicável. Não pode, através de uma tal qualificação, superar-se algum impedimento legal, quer o que emana dos regimes da RAN ou da REN, quer o que respeita a servidões administrativas ou outras restrições urbanísticas (v.g. envolvente de edifícios classificados), quer ainda, como é o caso, o que emerge do PDM que constitui o instrumento que a nível municipal serve de guião quer aos particulares, quer aos serviços municipais competentes.

Se é verdade que em Áreas não Urbanas de Transformação Condicionada a possibilidade de uso para construção não estava totalmente eliminada, tal destino estava muito condicionado, na altura da DUP, nos termos já descritos, não podendo partir-se do pressuposto de que, malgrado tal condicionalismo, seria viável alguma construção para efeitos de ponderar uma potencialidade edificativa não consolidada.

Como se refere no Preâmbulo do PDM, esta potencialidade edificativa poderia ser excepcionalmente considerada pelo Município, mas para efeito de avaliação do terreno como “apto a construção” seria insuficiente uma possibilidade meramente abstracta e altamente condicionada, devendo a mesma emergir objectivamente da apresentação e aprovação de algum projecto pelos serviços competentes.

Mesmo relativamente a um putativo “destaque” que o PDM legitimava, era necessário mais algo mais do que a mera possibilidade legal da sua autorização futura, sendo certo que não existia sinal algum de que tal operação urbanística moderada tivesse sido despoletada pela expropriada ou estivesse em vias de aprovação. Ademais, sempre faltariam no caso elementos que permitissem afirmar, com a necessária segurança, que na ocasião da DUP estavam reunidas as condições para a autorização dessa operação especial.

Tão pouco serve para o caso a excepção que emerge do art. 37º do PDM, tendo em conta que a área do prédio não excedia o limite mínimo imposto pelo PDM (5.000 m2) para a autorização de uma moradia unifamiliar (pretensão que também não se configurava na altura), sendo irrelevante para o caso a possibilidade de construção de eventuais instalações exclusivamente para apoio a “actividades agrícolas” permitida para terrenos com área inferior a € 5.000 m2.

Aliás, no âmbito da instrução do processo, o Município de Vila Nova de Gaia foi solicitado a pronunciar-se sobre a edificabilidade na zona, tendo respondido que era “extemporânea a definição de área máxima de construção permitida, situação agravada pelo facto de não existir qualquer viabilidade, projecto de arquitectura aprovado/licenciado ou alvará de loteamento emitido, o que consubstanciaria a definição clara e inequívoca de uma capacidade construtura efectiva” (fls. 345, vº).

Sendo esta resposta insatisfatória, porque evasiva, o mesmo Município foi solicitado de novo a pronunciar-se sobre a questão, respondendo com base num pressuposto – que era errado – de que o prédio tinha uma área superior a 5.000 m2. A partir deste errado pressuposto declarou que “uma vez que apurada a área da parcela de terreno com 5.063 m2, verifica-se que a respectiva capacidade edificativa cabe na al. b) do art. 37º do PDM que estabelece uma “habitação unifamiliar de apoio à actividade agrícola, desde que a respectiva parcela tenha uma área mínima de 5.000 m2” (fls. 358, vº). Neste contexto, nem sequer pode ser confirmada a possibilidade de construção de alguma moradia unifamiliar.

Improcede, assim, a pretensão de qualificação do prédio como solo apto a construção.


7. A recorrente pondera ainda a necessidade de a avaliação ter em linha de conta a alguma potencialidade construtiva emergente da sua envolvente urbanística.

Existe, no entanto, um obstáculo inultrapassável. Tendo em conta a data da DUP, apenas podemos contar com o que estava previsto no art. 26º, nº 2, do Cód. de 1991, preceito que, para aquele efeito, apenas abarcava solos que, nos termos de PDM, fossem classificados como espaços verdes ou zona de lazer.

Para o efeito não vale o apelo que é feito ao art. 26º, nº 12, do Cód. de 1999, que estabelece um critério de avaliação intermédio para solos destinados a infra-estruturas e equipamentos públicos, a zona de lazer e zona verde. Com efeito, este diploma que veio estender o critério a solos destinados segundo o PDM a “infra-estruturas e equipamentos públicos” não é aplicável ao caso, atenta a anterioridade da DUP. Além disso, segundo o PDM o prédio em concreto não tinha nenhuma dessas finalidades, integrando uma “Área não Urbana de Transformação Condicionada”.


VI – Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente.

Notifique.


Lisboa, 16-11-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo